sábado, 13 de novembro de 2010

PARA HAVER PAZ

Para haver paz no mundo, é necessário que as nações vivam em paz.

Para haver paz entre as nações, as cidades não devem se levantar uma contra a outra.

Para haver paz nas cidades, os vizinhos precisam se entender.

Para haver paz entre os vizinhos, é preciso que reine harmonia no lar.

Para haver paz em casa, é preciso encontrá-la em seu próprio coração.


Lao Tzu, China – século VI A.C.

SE EU FOSSE O TIRIRICA

Nunca, em toda a sua história, um país acompanhou tão atentamente uma redação, como ocorreu agora com o Tiririca, obrigado a provar que sabe ler e escrever. Só o fato de ter de fazer esse teste já demonstra que ele esteve muito longe do ensino. Ele teria uma chance agora de fazer um lance de marketing maravilhoso e, ao mesmo tempo, ajudar o país - e sem o menor esforço.

Se eu fosse o Tiririca, eu daria um lição a todos os que debocham (e com razão são muitos) e faria da cobrança por uma educação melhor uma plataforma permanente. Começaria reconhecendo que a vida não lhe deu as condições necessárias para estudar, mas sabe de sua importância. Teve até sorte de se virar bem como palhaço, mas é uma ínfima minoria. Montaria uma assessoria capaz de acompanhar números, analisar projetos em andamento e, quem sabe, até propor soluções. Pediria ajuda a entidades como Unicef, Unesco, Todos pela Educação, para embasar suas propostas. Todos, posso garantir, teriam prazer em ajudar se tivessem a segurança de que não se trata, digamos, de uma palhaçada.

Com sua capacidade de comunicação com as camadas mais pobres, seria um belo e produtivo exemplo.

O leitor, a essa altura, deve estar achando que, com essas ideia, eu devo ser uma espécie de Tiririca sem graça. Talvez.

Mas, provavelmente, a educação só será realmente vital em nossa nação quando não elegermos Tiriricas. Ou, se elegermos, pudermos vê-los fazendo coisas sérias. Nada pode ser mais sério para alguém acusado de analfabeto do que defender a educação.

Gilberto Dimenstein, 53 anos, é membro do Conselho Editorial da Folha e criador da ONG Cidade Escola Aprendiz. Coordena o site de jornalismo comunitário da Folha.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

FREDERICO CHOPIN


Paris encerra o bicentenário de Frederico Chopin (Frederyk Franciszek Chopin). Chopin nasceu em Zelazowa, próximo a Varsóvia, no dia 22 de fevereiro de 1810. Faleceu em Paris, próximo La Place de La Concordie, em 17 de outubro de 1849.

Ao se ir da Polônia, Chopin trazia consigo uma pequena urna de prata, contendo a terra de sua Pátria. Foi um presente de seu professor de música Joseph Elsner, para que ele nunca esquecesse sua terra. Ao ser sepultado em Paris, após a missa de Requiem de Mozart, na Igreja de Madeleine, no cemitério de Père Lachaise, levou consigo a urna preciosa com a terra valiosa de seu chão.

Ao deixar sua terra, com seus olhos repletos de saudades e de melancolia, voltava-se para os céus para fitar as estrelas e encontrar sua terra querida. "O sol da França, bem longe do meu céu da minha Polônia. Vejo os olhos de minha mãe. Lágrimas plenas a se irem no seu rosto, e ela exclamando: " Frederico você será um grande músico, e a Polônia será orgulhosa de você", escrevia Chopin.

O maior dos maiores compositores poloneses, o mais polonês de todos poloneses é oriundo de uma mistura ancestral. O pai imigrante francês, Nicolau Chopin, professor, fundador dos Lycées (Liceus), casou-se com Justina Krzyzanomiska, descendente de classe nobre polonesa. De suas três sonatas, a primeira em Si menor, ele a escreveu com apenas 11 anos. Partiu aos 20 anos para a Alemanha, para depois amar Paris. Passou algum tempo na Espanha, mas vendo-se engolfado em sangramento, pediu para morrer em Paris.

Ninguém foi mais harmonioso, criativo e cativante que Chopin. Suas sonatas, concertos para o piano, são hinos de liberdade, o amor a terra, o sepultar da escravidão. Suas músicas tão românticas eram as únicas permitidas no jugo russo ou germânico. Um céu de estrelas, quando uma sonata de Chopin se derrama sobre nós. Chopin, poeta do piano, gênio do sentimento, como Beethoven é das multidões.

O cemitério em Paris, onde já estive, é o mais cheio de flores e saudades do inesquecível compositor. O amor à terra se afinca nos poloneses. João Paulo II a beijava a cada canto que ia. A terra é mãe, pelo menos para os irmãos poloneses.

(José Maria Bonfim de Morais - cardiologista, na edição de hoje do Diário do Nordeste)

A PIPA E A FLOR


Fiquei triste vendo aquela pipa enroscada no galho da árvore. Rasgada, ela girava e girava, ao vento, como se quisesse escapulir. Mas não adiantava. Você já viu aqueles bichinhos de asas, quando eles caem em teias de aranha? Era daquele jeito.

Tive dó. Pipa não foi feita para acabar assim.

Pipa foi feita para voar.

E é tão bonito quando a gente as vê, lá no alto...

Eu sempre quis ser uma pipa. Bem leve, sem levar nas costas nada que pese (o que é pesado puxa a gente para baixo... ) Papel de seda, taquara fina que enverga, mas não quebra, linha forte, um pouquinho de cola e, pronto! Lá está a pipa, pronta pra voar...

As cores e as formas (que são tantas!) a gente escolhe aquelas que o coração está pedindo. Pipa, pra ser boa, tem que se parecer com os nossos desejos. (E eu penso que as pessoas também, para serem boas, tem de ter uma pipa solta dentro delas...)

Não é preciso vento forte. Uma brisa mansinha deve levá-la até lá em cima, perto das nuvens. É por isso que elas têm de ser bem leves. O vento chega, as folhas das árvores tremem, e lá vão elas subindo, pra dentro do vazio do céu...

Só que tem uma coisa gozada. Pipa, pra subir, tem de estar amarrada na ponta de uma linha. E a outra ponta é uma mão que segura. É assim que a pipa conversa, através da linha. A mão puxa a linha e sente a linha firme, puxando pra cima, querendo ir.

E a pipa dizendo:

"Me deixa ir um pouco mais..."

Mas se a linha responde frouxa, é a pipa dizendo que está sem companheiro, o vento foi embora, e ela quer voltar pra casa...

Quando eu era menino, e me lembro, havia um homem...

Justo quando as pipas estavam lá em cima batizadas, carretilha sem mais linha para dar, ele vinha e comprava as pipas dos meninos. Pagava o preço justo. Só que o gosto dele era cortar a linha. Quem nunca brincou com elas vai pensar que, com a linha cortada, vão subir cada vez mais alto, nas costas do vento, sem nada que as segure. Mas não é assim. Quando a linha arrebenta, começam a cair. E vão caindo sempre, cada vez mais longe, tristes, abanando as cabeças...

O menino que a fez estava alegre, e imaginou que a pipa também estivesse. Por isto fez nela uma cara risonha, colando tiras de papel de seda vermelho: 2 olhos, um nariz, uma boca...

Ô pipa boa: levinha, travessa, subia alto...

Gostava de brincar com o perigo, vivia zombando dos fios e dos galhos das árvores.

"Vocês não me pegam, vocês não me pegam..."

E, enquanto ria, sacudia o rabo em desafio.

Chegou até a rasgar o papel, num galho que foi mais rápido, mas o menino consertou, colando um remendo da mesma cor

Amigos, tinha aos montões. E os seus olhos iam agradando à todos eles, sempre com aquela risada gostosa, contando casos...

Mas aconteceu um dia, ela estava começando a subir, correndo de um lado para o outro no vento, olhar para baixo e viu, lá num quintal, uma flor. Ela já havia visto muitas flores. Só que desta vez os seus olhos e os olhos da flor se encontraram, e ela sentiu uma coisa estranha. Não, não era a beleza da flor. Já vira outras, mais belas. Eram os olhos...

Quem não entende pensa que todos os olhos são parecidos, só diferentes na cor. Mas não é assim. Há olhos que agradam, acariciam a gente como se fossem mãos.

Outros, dão medo, ameaçam, acusam, e quando a gente se percebe encarados por eles, dá um arrepio ruim por dentro. Tem também os olhos que colam, hipnotizam, enfeitiçam...

A pipa ficou enfeitiçada. Não mais queria ser pipa. Só queria uma coisa: fazer o que a florzinha quisesse.

Ah! Ela era tão maravilhosa. Que felicidade se pudesse ficar de mãos dadas com ela, pelo resto dos seus dias...

E assim, resolveu mudar de dono. Aproveitando-se de um vento forte, deu um puxão, arrebentou a linha e foi cair devagarinho, ao lado da flor.

E deu a sua linha para ela segurar.

Ela segurou forte.

Agora, sua linha nas mãos da flor, a pipa pensou que voar seria muito mais gostoso. Lá de cima ela conversaria com ela, e ao voltar lhe contaria estórias que ela pudesse dormir.

E ela pediu:

"Florzinha, me solta..."

E a florzinha soltou.

A pipa subiu bem alto e seu coração bateu feliz. Quando se está lá no alto é bom saber que há alguém esperando, lá em baixo.

Mas a flor, aqui debaixo, percebeu que estava ficando triste. Não, não é que estivesse triste. Estava ficando com raiva. Que injustiça que a pipa pudesse voar tão alto e ela tivesse de ficar plantada no chão. E teve inveja da pipa.

Tinha raiva quando via as pipas lá em cima, tagarelando entre si. E ela, flor, sozinha deixada de fora.

"Se a pipa me amasse de verdade não poderia estar feliz lá em cima, longe de mim. Ficaria o tempo todo aqui comigo..."

E à inveja juntou-se o ciúme.

Inveja é ficar infeliz vendo as coisas bonitas e boas que os outros têm e nós não.

Ciúme é a dor que dá quando a gente imagina a felicidade do outro, sem que a gente esteja com ele.

E a flor começou a ficar malvada.

Ficava emburrada quando a pipa chegava.

Exigia explicações de tudo.

E a pipa começou a ficar com medo de ficar feliz, pois sabia que isto faria a flor sofrer.

E a flor foi, aos poucos, encurtando a linha.

A pipa não mais podia voar.

Via, ali de baixinho, de sobre o quintal (esta era toda a distância que a flor lhe permitia voar) as outras pipas, lá em cima...

E sua boca foi ficando triste. E percebeu que já não gostava tanto da flor, como no início...

Esta estória não terminou.

Está acontecendo agora, em algum lugar...

E há 3 jeitos de escrever o seu fim.

Você é que vai escolher.



1. A pipa ficou tão triste que resolveu nunca mais voar.

"Não vou te incomodar com meus risos, flor, mas também não vou te dar a alegria de meu sorriso..."

E assim ficou amarrada à flor, mas mais longe dela do que nunca, porque o seu coração estava em sonhos de vôos e nos risos de outros tempos.



2. A flor, na verdade, era uma borboleta que uma bruxa má havia enfeitiçado e condenado a ficar fincada no chão. O feitiço só se quebraria no dia em que ela fosse capaz de dizer não à sua inveja e ao seu ciúme e se sentisse feliz com a felicidade dos outros. E, aconteceu que um dia, vendo a pipa voar, ela se esqueceu de si mesma por um instante e ficou feliz ao ver a felicidade da pipa. Quando isto aconteceu, o feitiço se quebrou e ela voou, agora como borboleta, para o alto e os dois, pipa e borboleta puderam brincar juntos...


3. A pipa percebeu que havia mais alegria na liberdade de antigamente que nos braços da flor. Porque aqueles eram braços que amarravam. E assim, num dia de grande ventania, e se valendo de uma distração da flor, arrebentou a linha e foi em busca de uma outra mão que ficasse feliz vendo-a voar nas alturas...

(Rubem Alves)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

POLÍTICA E ECONOMIA NA REAL

Não é para escrever ainda I

Não é apenas de escaramuças ministeriais que estão vivendo os partidos aliados em Brasília. Além da formação do novo governo, há também as disputas por influência sobre o governo e ocupação de postos no Legislativo. Como no caso do ministério onde quase tudo é pura especulação, as intrigas e o diversionismo correm soltos, nem tudo o que é dito deve ser escrito e/ou deve ser tomado pelo valor de face. Um exercício para entender o futuro governo e, como se diz em Brasília, a nova "correlação de forças" do governismo, é tentar separar os diamantes dos falsos brilhantes.

Não é para escrever ainda II

Com exemplo, veja-se o caso da mais recente amizade política em Brasília – a do PT com o PMDB. Depois da primeira escaramuça, quando o PMDB protestou – e levou – por estar alijado do comando do grupo de transição, há uma lua de mel entre as siglas. José Eduardo Dutra e Michel Temer já são os mais novos devotados "amiguinhos de infância" e se entendem até por música. O que um diz, o outro assina. Dizem que vão se entender até pelos cargos na mesa da Câmara e do Senado. Nem tudo é bem assim. Os dois estão fazendo um pacto de conveniência contra as investidas de outros aliados. Partidos como o PSB, o PP e até o PC do B reivindicam mais espaços (leia-se, mais cargos), no governo Dilma. Como a presidente não tem mais o que inventar, exceto as estatais que vão surgir – a do pré-sal, a do trem bala –, "ceder mais" significa tirar de quem já tem muito – o PT e o PMDB. Do mesmo modo, não se deve assumir: (i) que estão todos interessados na verdade em colaborar com o novo governo, (ii) que a questão de cargos é uma consequência, (iii) que o PMDB só quer manter o que já tem, (iv) que não foram Lula e Dilma que induziram a discussão sobre a CPMF, (v) que vem por aí uma política de austeridade, (vi) que o principal critério para escolha da equipe será o do mérito e não as acomodações políticas, (vii) que Lula não está indicando ninguém a Dilma... e por aí vai...

Voz autorizada?

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, tido como nota certa também do ministério da Dilma, no mesmo cargo ou em outro posto nobre, tem se revelado o porta-voz das linhas econômicas do futuro governo. Já anunciou que o governo não aceita valor maior para o salário mínimo do que R$ 540, que um ajuste fiscal está em andamento, que a meta de inflação para 2013 será reduzida a 4% (até 2012 seria de 4,5%), que o superávit primário de 2011 será de no mínimo 3,3% do PIB, que até o fim de 2014 o juro brasileiro será de 2% e o déficit nominal será zerado e muito mais. Tudo bem. Acontece que muitas desses propósitos não combinam, por exemplo, com a aventura do trem bala, com as generosidades do BNDES (a última na MP 511), com as farras que pintam no horizonte para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.

Casos clínicos (e geriátricos)

O PSDB e o DEM, talvez até o PPS, estão necessitando urgentemente de boas sessões de psicanálise política. Estão sem rumo. Estão órfãos, sem propostas consistentes e sem projetos objetivos. Se o grupo de Marina Silva não se dispersar - fala-se menos do PV e mais de atores sociais e econômicos que a ela se juntaram – e ampliar seu leque de preocupações, tem chance de ocupar um bom espaço político no futuro. A oposição está envelhecida e o novo governo, pelas primeiras amostras, também já vai "nascer velho" – nos nomes e na direção das políticas.

Ministeriômetro – Capítulo III

Foram poucas as alterações na relação da coluna de terça-feira. Tivemos apenas acréscimos. Todos os citados ou auto-citados resistem bravamente ao processo de fritura geral.

Educação - Newton Lima, Pedro Wilson
Cultura – Antonio Grassi, Ângelo Osvaldo
Comunicações – Moreira Franco
Integração Nacional - Eunicio Oliveira, José Sergio Gabrielli
Cidades – Jose Filippi Junior, Luiz Fernando Pezão
Saúde – Sergio Cortes
Avulsos – Beto Albuquerque, Olívio Dutra

Lulômetro

Também um acréscimo: - A vaga deixada por Nestor Kirchner na Unasul.

Brigas no éter

Após um período de relativo com entendimento, voltaram a ficar tensas as relações entre o governo e a Anatel, hoje apenas um braço do Executivo, e o setor de telecomunicações. As empresas se queixam basicamente da preponderância quase absoluta da ressuscitada Telebrás no Plano Nacional de Banda Larga. Elas não consideram um plano de fato, mas um enunciado de intenções e das regras para o leilão da Banda H para celular, no qual as quatro grandes de hoje – Oi, Vivo, Tim e Claro – não podem concorrer na primeira rodada e já entraram até na Justiça. Vem mais queixa por aí.

Dezembro quente

Véspera das festas de fim de ano, o Congresso quase desacelerando e o governo em fim de mandato. Época, portanto, de mais prudência em grandes e polêmicas questões públicas. Não é, porém, o que a turma do presidente Lula quer : dia 14/12, se a Justiça deixar, correrá o leilão da Banda H. Dois dias depois, 16, a concorrência de R$ 34 bilhões do trem bala.

Recursos panamericanos

A injeção de R$ 2,5 bilhões de recursos no Banco Panamericano em função das possíveis fraudes contábeis ocorridas antes do processo de aquisição da instituição pela CEF demonstra, mais uma vez, que o controle acionário de empresas financeiras por parte de grupos não-financeiros é altamente problemático. Grandes grupos podem ser "engolidos" por subsidiárias financeiras aparentemente menos importantes do ponto de vista patrimonial.

Inflação em alta

Muito embora a elevação dos índices de inflação reflita aumentos significativos de preços agrícolas e de energia (etanol, sobretudo), aumenta a percepção de que a inflação está se espalhando pelos outros setores econômicos. O BC sabe disto, mas nenhuma alteração na taxa básica de juros é esperada para este ano. O custo ficará para o próximo mandato do presidente do BC o qual poderá ou não ser exercido por Henrique Meirelles. Todavia, já se comenta a voz pequena no tal do "mercado" que em 2011 poderemos ter um cenário desagradável do ponto de vista político: inflação e juros em alta e redução da atividade econômica. Um teste inicial para a nova presidente.

Fed sob ceticismo

Há aqueles que acreditam que a reunião do G-20 hoje e amanhã será um marco importante para as decisões tomadas pelos EUA (e não somente pelo Fed) em relação à recompra de títulos de longo prazo do Tesouro norte-americano. A nosso ver, a decisão americana é unilateral e deve passar incólume pelas pressões externas por duas razões : (i) trata-se de uma "decisão heroica" do atual governo para se salvar de uma letargia da atividade econômica que pode durar anos e (ii) os países que compõe o grupo nada tem a oferecer em troca. O maior risco para o governo americano, porém, está no campo doméstico. Há enorme ceticismo em relação à estratégia de redução a taxa de longo prazo injetando mais liquidez. Segundo estes, incluindo os republicanos que tomaram conta do Congresso nas últimas eleições legislativas, a injeção de liquidez não derruba as taxas porque as expectativas de alta da inflação também se elevam. Isto não é uma queda de braço, mas no final a complexa e confusa discussão pode deixar o Fed pouco efetivo e crível para executar a política por ele proposta. A coisa está muito mal parada. O "mercado" espera.

Lula e os anistiados

A visão de Lula sobre os exilados políticos no final da década de 70, durante o regime militar, não era tão generosa quanto os recursos despendidos pelo tesouro para indenizá-los durante o seu mandato presidencial. É o que poderá ser conhecido num novo livro sobre o presidente que sairá neste final de ano.

(José Marcio Mendonça e Francisco Petros)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

CONJUNTURA NACIONAL

"A Mineirice"

Começo, hoje, com mais uma historinha de José Maria de Alkmin, ministro da Fazenda, pinçada do livro "A Mineirice", que o amigo, historiador, pesquisador e contador de "causos", José Flávio Abelha, me manda. As frases, entremeadas na Coluna, também são do livro.

Quer ir à lua? Diga a data

Um correligionário de Bocaiúva fica meio lelé-da-cuca e surge, sem eira nem beira, no gabinete do ministro, ainda no Rio de Janeiro, onde lhe pede uma inusitada colaboração.

- Dr. Zé Maria, eu quero ir à lua e preciso da ajuda do senhor, diz o visitante.

- Isto não é problema, diz Alkmin, dando asas à imaginação do conterrâneo. Dou-lhe o apoio, de ministro e correligionário. Existe um pequeno e contornável problema, que é de definição, e só depende do amigo.
E Alkmin continua:

- Você sabe que há quatro luas: nova, crescente, minguante e cheia. Agora, compete a você escolher qual das luas o nobre amigo deseja visitar, pois o apoio está dado.

Diante de um atônito conterrâneo, o ministro levanta-se da poltrona, estende a mão para a despedida e afirma, olhando no fundo dos olhos do eleitor:

- Me procure, novamente, quando definir!

1º Biênio na Câmara

O primeiro imbróglio a ser administrado pelo vice-presidente eleito, Michel Temer, será a presidência da Câmara no primeiro biênio. Henrique Alves, líder do PMDB, disputa o cargo com Cândido Vaccarezza, líder do Governo naquela Casa. A tradição é a seguinte: quem dispõe da maior bancada pode reivindicar o comando da Câmara. O PMDB, por muito tempo, tinha essa condição. No pleito deste ano, o PT passou o PMDB: 89 a 79. Mas o PMDB, anos atrás, mesmo na ponta do ranking, cedeu a vaga ao PT. A condição era a de assumir a presidência no biênio seguinte. Houve um acordo de cavalheiros. Cumprido religiosamente. Pode o acordo ser repetido em 2011?

Vamos ver

O primeiro biênio é o que impõe maiores desafios. As articulações são mais intensas, as disputas mais ferrenhas. Henrique Alves aspira, há tempos, presidir a Câmara. Trata-se do deputado com o maior número de mandatos: começará o 11º mandato em 2011. Pode ceder essa ambição a Vaccarezza? Sim. Vai depender das negociações entre os dois partidos, abarcando o número e a qualidade dos ministérios e outros postos na administração federal. O PT exibe um bom argumento: o Senado já será comandado pelo PMDB, pois ali a tradição assegura o comando ao partido com maior bancada. Henrique poderia ser motivado por um detalhe: se topar ser presidente no 2º biênio, ganharia a condição para reeleição no 1º biênio da legislatura a começar em 2013. É vantagem?

Mas e o governo do RN?

Este consultor coloca o argumento ao crivo de Vaccarezza com o arremate: o 2º biênio é bem mais interessante que o primeiro. O líder do governo concorda, mas acha que Henrique prefere o primeiro para preparar caminho na direção do governo do Estado em 2014. Replico: ora, mais uma razão pela opção ao 2º biênio. Estaria mais próximo ao embate eleitoral de 2014. E jogo outro condimento na conversa: Henrique só enfrentaria esse desafio caso a governadora Rosalba Ciarlini não estivesse bem na avaliação popular. Pelo que entendo de política do Rio Grande do Norte, ela fará uma administração muito colada nas demandas populares. Talvez seja por isso mesmo que Henrique queira emplacar logo, logo, a presidência da Câmara.

Temer, o árbitro


Michel Temer terá, portanto, a missão de unir os contrários, juntar as partes para evitar atritos ao Todo, as bases do governo. Além de questões inerentes ao PMDB, será uma ponte sólida do novo governo para chegar ao Congresso. Michel conhece os conjuntos parlamentares, se fez respeitar e conversa bem com todas as alas. Terá, claro, dificuldades mas aplainará terreno para que a presidente Dilma não tenha grandes dores de cabeça. A temporada de pleitos por espaços e cargos será tortuosa. O atual presidente da Câmara, escolhido como coordenador político da transição, já começou a exercitar as habilidades de articulador e harmonizador das disputas partidárias.

O que tira o sono do candidato eleito é o olhar do suplente. (Hélio Garcia)

Dilma, a identidade

O maior desafio da presidente Dilma, no primeiro momento, é a construção da Identidade. Trata-se de criar um conceito, entendido como a maneira de agir, o estilo de comando, o modo de atender as demandas, o sentido da autoridade, as características que a diferenciarão do governo Lula. É evidente que, para alcançar essa meta, Luiz Inácio terá de recolher sua condição de Senhor dos Senhores. Precisa ficar na sombra, sob pena de ofuscar o brilho de sua pupila. Quando for consultado, claro, deverá dar palpites, sugestões, sinalizar ajustes, apontar caminhos. A interferência de Lula na administração seria péssima para ele e para a nova governante.

Político é dividido em duas partes. Uma trabalha para ser eleito. A outra trabalha para conseguir um cargo público se for derrotado. (Zenun)

Criatura contra o criador?

Não se espere que a criatura se volte contra o criador, como muitos procuram argumentar, lembrando os casos de Fleury contra Quércia e Pitta contra Maluf. O PT, tenho sempre dito, é mais que um partido. É uma religião. E se alguém, por mais poderoso que seja, se dispuser a trair o partido, estará traindo seus dogmas, suas normas, seus princípios. Seria um suicídio. Dilma não cairia jamais nessa besteira. Seria marginalizada não apenas pelo PT mas por outros aliados.

O verbo VOTAR só é verdadeiramente regular quando o eleitor é nosso. (Tancredo Neves)

E Lula, o que fará?


Lula não se afastará da política. Seu habitat é o palanque, sua voz é a corneta de mobilização e seu prazer é o convívio com a massa, donde extrai a vitamina que oxigena seu espírito. Correrá mundo, como um caixeiro-viajante, propagando o bem que fazem seus programas sociais, a partir do Bolsa-Família. A África será o continente onde quer plantar algumas sementes. Mas seu foco continuará a ser os fundões do país, onde criou raízes desde os tempos das caravanas da Cidadania. Por isso, não se descartam novas viagens de Lula pelo território, agora sob o argumento de avaliar a seara plantada. Nisso é um craque. Entre viagens, aqui e alhures, palestras e encontros, Luiz Inácio disporá de tempo para reorientar rumos do PT e harmonizar as alas, que vivem em dissensão. O terceiro olho – o do meio da testa – contemplará horizontes mais largos.

E Serra, o que fará?

José Serra, por sua vez, dispõe de um capital que tende a se esvair ao longo do tempo. No curto prazo, suas ações são muito valorizadas. Basta anotar que a população se dividiu quase meio a meio, com parcela ponderável adquirindo suas ações. O ex-governador, porém, amarga duas derrotas à presidência e, diferente de Lula (que também as experimentou) não tem o carisma deste. E nem a proteção do cobertor social costurado pelo lulismo. Teria à disposição daqui a 2 anos o amplo espaço da prefeitura de São Paulo. Seria certamente forte candidato, ancorado no recall da candidatura presidencial.

Muita campanha eleitoral se parece com sauna: depois de calorão vem uma ducha fria. (Zenun)

Até logo, até quando?

Tal opção, porém, soaria como um passo atrás. Como soa estranho o anúncio de que poderá vir a ser secretário de Alckmin. O "até logo" com que agradeceu aos eleitores pode ser entendido como "voltarei assim que for possível". A visibilidade de árvore mais alta na floresta tucana faz sombra ao florescimento de novos exemplares. Seu desafio é o de se encaixar no projeto de renovação do PSDB. O partido está a exigir uma reaprendizagem na forma de fazer oposição. Precisa chegar às massas, coisa que nunca conseguiu.

E Marina, o que fará?

Marina saiu bem na radiografia eleitoral. Poderá desempenhar o papel de indutora de novos ideários, a partir do engajamento de conjuntos médios formadores de opinião e da mobilização de segmentos jovens. Dispõe ela de boa reserva de carisma, acentuado por sua estética que evoca Gandhi. Sua ação poderá ser amplificada por núcleos da intelligentzia e setores engajados à causa ambiental. Identifica-se, ainda, com a bandeira ética, que se apresenta como símbolo da louvação nacional. A ex-senadora terá sempre boa acolhida nos palcos das grandes metrópoles. Dúvida: manterá a visibilidade? Guilherme Leal, seu companheiro de chapa, empresário rico, vai continuar bancando os holofotes de Marina?

Candidato que, antes da eleição, pensa que já está eleito, não é político. É poeta! (Tancredo Neves)

PSB e Campos

Eduardo Campos faz um movimento na direção de Aécio Neves. Prestem atenção nesse rapaz. Foi consagrado na reeleição ao governo de Pernambuco. O PSB, que dirige, fez 6 governadores. Cid Gomes, o governador do Ceará, seu correligionário no PSB, lançou Aécio Neves para a presidência do Senado. Um arremesso fora de propósito, eis que na Câmara Alta preza-se muito a liturgia do poder. E a liturgia reza: quem tiver a maior bancada, leva a presidência. Sabedor disso, Aécio já anunciou que não é candidato. Mas, o ato de lançamento de seu nome por alguém do PSB é sinal de aproximação e identificação de interesses. Tudo com vistas a 2014.

Novo Código Eleitoral

Participei da Audiência Pública, promovida pelo TRE/SP, para debater o Código Eleitoral e propor seu aperfeiçoamento. Estas audiências são patrocinadas pelo Senado, que formou um Grupo de Trabalho, presidido pelo ministro José Antonio Dias Toffoli, do STF. Falei sobre os desvios, ilegalidades e contrafações da campanha, destacando: a escolha de candidatos pelos partidos (sem nenhum critério), o formato defasado/saturado da propaganda eleitoral, a prevalência do marketing nas campanhas, as diferenças metodológicas e os erros das pesquisas, a falta de controle sobre condutas dos agentes públicos. As audiências públicas oferecem contribuições ao Grupo de Trabalho, que apresentará ao Senado o acervo de mudanças e aperfeiçoamentos.

Sobrevivendo


Tancredo Neves foi ex-tudo na política brasileira. Voltando à crista da onda, explica a um correligionário como conseguiu sobreviver após 64:

- Aceitando o impossível, passando sem o indispensável e suportando o intolerável. Afinal, sou mineiro!

Blocos partidários


A movimentação para formação de blocos partidários começou. Os primeiros ensaios mostram que o PR e o PP podem formar um bloco, somando 82 deputados na Câmara. A estes dois partidos, poderá se somar o PTB, e o bloco chegaria, então, a 103 deputados. O segundo bloco, que está sendo articulado, juntaria PSB, PDT, PC do B e PRB. PT e PMDB, por enquanto, não falam de blocos.

O preço do voto de um eleitor mentiroso é sempre o mais caro. (Augusto Zenun, mineiro, político, industrial e filósofo)

O oxigênio do DEM

O DEM abriga um conjunto de grandes parlamentares, dentre eles, alguns muito aguerridos como Paulo Bornhausen, ACM Neto, o próprio Rodrigo Maia, Ronaldo Caiado etc. Esse grupo encarna um forte ideário. Ademais, o partido acaba de eleger dois governadores, Raimundo Colombo (SC) e Rosalba Ciarlini (RN). E tem um dos mais hábeis quadros da política nacional, um exímio articulador : o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Portanto, trata-se de um partido com muito oxigênio para gastar nos próximos verões e invernos da política. Fala-se em fusão do DEM com o PMDB. Se isso vir a ocorrer, um dia, seria um sopro de renovação no PMDB, que carece de sangue novo. É evidente que essa operação, para ocorrer, precisa levar em conta os interesses e as bandeiras dos dois partidos.

Conselho aos novos governantes

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos eleitores. Hoje, volta sua atenção aos novos governantes:

1. Tentem interpretar o sentido do voto e ouçam o clamor das ruas.

2. Procurem sair do ramerrão dos velhos pacotes e procurem inovar nas ideias, no estilo de gestão, na escolha de quadros, na articulação política.

3. Estabeleçam mecanismos eficazes de controle da eficácia governamental, evitando cair nas velhas rotinas da administração pública. Antes de 1º de janeiro, há um bom tempo para buscar a inspiração em modelos e formatos que estão dando certo.

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(Por Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

POLÍTICA E ECONOMIA NA REAL

Lula e Dilma: diferenças vitais

Para entender o que pode mudar no governo Dilma em relação ao governo Lula, em políticas e estilo, é preciso observar algumas diferenças entre o presidente e sua sucessora. Lula é pragmático, Dilma ideológica. Lula, não é dado a grandes elucubrações, seu projeto sempre foi, no fundo, acabar com a pobreza, fazer todos os brasileiros comerem três vezes por dia. Dilma tem projetos de transformações estruturais. Formado no sindicalismo, Lula é conciliador. Dilma é catequizada na luta política – tem lado escolhido, além do sentimento de classe e do companheirismo que move Lula. Lula não tem idéias pré-concebidas, Dilma tem posições sobre tudo. Lula age, trabalha e administra na base de, digamos, uma dialética muito peculiar. Deixa haver conflitos internos no seu entorno, ausculta as reações e decide pelo que entende ser o de maior aprovação. Foi assim na vida sindical. Nas assembléias, tinha um aliado para defender cada posição – a favor da greve, contra a greve, a favor da aceitação da proposta, contra a proposta. Olhava a reação da platéia e depois optava pela que tinha tido maior aceitação.

Lula e Dilma no governo

No governo não foi diferente. Veja-se na economia. Enquanto teve dois nomes afinados no comando da economia – Palocci e Meirelles – tinha no Planalto, principalmente na Casa Civil, primeiro com José Dirceu e depois com Dilma, a antítese. Para lembrar: foi Dilma, com a classificação de "rudimentar", que fulminou uma proposta de Palocci de zerar o déficit nominal do setor público. Curiosamente, a mesma idéia que, dizem, ela namora agora. Depois Lula deixou o contraponto ao BC para Mantega e Luciano Coutinho. E administrou a política pendularmente entre um e outros até a crise de 2008, quando passou a prevalecer a posição Fazenda - BNDES. Dilma, anuncia-se, não aplicará a mesma dialética lulista. A equipe econômica estará submetida inteiramente a ela e não terá contrapontos – seguirá a linha nacional-desenvolvimentista que ela adota. Por isso, não deve haver mais espaço para Meirelles no BC. E Palocci corre o risco de ter de pousar no ministério da Saúde. Para o bem e para o mal, é uma mudança e tanto.

Lula em evidência

Lula convocou uma entrevista conjunta dele e da presidente eleita, atrasando a viagem de férias de Dilma, somente para dizer que quem vai mandar no governo Dilma será ela mesma. Inusitado se dissesse o contrário. Depois, Lula convocou rede obrigatória de televisão e rádio para saudar a saudável eleição nacional, dizer bem do futuro com Dilma e propor um desarmamento dos espíritos. Inusitado se dissesse o contrário. Como as duas aparições não trouxeram novidades, eram totalmente dispensáveis, parecem inexplicáveis. Não são, não. Basta ver os noticiários de televisão, com a presidente entrante ocupando cada vez mais espaço e o presidente que sai desaparecendo do noticiário para se compreender tudo.

Lula desmistificado em livro

Vem aí um livro de um jornalista com todas as credenciais para analisar o poder e suas intimidades. Trata-se de uma obra que joga elevadas taxas de realismo sobre a mitificação de Lula. Esta coluna teve acesso ao conteúdo da obra. É explosivo.

G-20 sob risco

Muitas análises dão conta que o G-20 está sob o risco de deixar de ser um fórum funcional para tratar das grandes questões econômicas internacionais. Não é apenas uma possibilidade, caso os EUA mantenham sua posição em relação à desvalorização do dólar no mercado internacional. É quase certeza. Por duas razões agudas: (i) não há da parte dos países emergentes, sobretudo a China comunista, nenhuma estratégia alternativa que seja implementável e que seja satisfatória para os homens de Washington; (ii) diante da ausência de uma estratégia alternativa é muito provável que os países emergentes e os países ricos se dividam para criar as suas próprias estratégias nacionais na defesa em relação à queda do dólar norte-americano. Neste item, a China mostrará seus dentes de dragão sem se preocupar muito com os outros "companheiros" emergentes (dentre os quais o Brasil).

O FMI original

O governo brasileiro se orgulhou muito de, juntamente com a China, ter aumentado sua participação no órgão multilateral. Pois bem: o FMI é algo decadente e disfuncional como vai provar, mais uma vez, a adoção da recompra de títulos do tesouro norte-americano por parte do Fed, e que resultará numa desvalorização do dólar. A guerra cambial que deve vir por aí foi a razão pela qual Lord Keynes sugeriu a criação do FMI na conferência de Betton Woods, em 1944. O FMI seria uma espécie de "caixa de compensação cambial" na qual os países superavitários depositariam suas reservas e financiariam os países deficitários nas contas externas. Assim, se evitaria a guerra cambial entre eles. Pois bem: o FMI nunca foi isto porque os EUA ao constatarem que iam ganhar não somente a guerra contra os nazistas e japoneses, mas que o dólar ia ser a moeda internacional em substituição à libra. A guerra cambial está aí e o FMI não serve para nada.

O Leviatã Econômico

Todos os caminhos de Dilma na economia levam a um aumento da presença do Estado na economia. A CPMF é a mais visível. Mas há muito mais. As obras da Copa do Mundo devem ganhar grande estímulo nas próximas semanas e meses com a participação de governos locais e o Federal; o BNDES se prepara para ser uma espécie de seguradora para títulos privados de longo prazo (o balcão de negócios nesta área se agrega a um volume de crédito enorme para o setor privado); as obras do PAC ganharão reforço estatal significativo logo no início da nova administração. Não há no Brasil nenhuma força política relevante a impedir este processo. Ao contrário: a provável volta da CPMF mostrará que a docilidade do Congresso e dos governadores - de todas as cepas políticas - com o governo Federal deve ser maior que com Lula neste início da nova administração petista.

Começo delicado

Do ponto de vista do apoio da sociedade, não dá um bom pontapé um governo que, sem discutir as questões na campanha, esquecendo-se deliberadamente delas, pode se inaugurar com a recriação da CPMF e mudanças nas regras das cadernetas de poupança. Lula e Dilma puseram para circular as notícias sobre a CPMF, usando como laranjas um grupo de governadores. Assim, o tema já frequenta os debates do grupo de transição.

Uma paraestatal?

Depois de uma trégua no segundo turno, voltou às mesas decisórias em Brasília o processo de caça - ou cassa? - ao presidente da Vale, Roger Agnelli. O novo governo quer indicar o novo executivo da empresa, para torná-la mais cordata. Agnelli caiu em desonra depois que demitiu funcionários no auge da crise e resistiu às sugestões oficiais de investir também fortemente em siderúrgicas. Pode ser uma "reestatização" branca.

Ingenuidade

Só quem acredita em mula sem cabeça acreditou, durante a campanha presidencial, nas promessas de desoneração de impostos. Só quem convive com sacis acredita que a proposta de volta da CPMF, com codinome CSS, é uma iniciativa autônoma de governadores estaduais e não tem nenhum dedo nem de Lula nem de Dilma.

Incompatibilidade

Continuam sem se dar bem o ministério da Educação e o Enem, eles não se entendem embora habitem o mesmo espaço oficial. Neste fim de semana, foi a entrega de um caderno de questões incompleto e com falhas e a distribuição da folha de gabaritos com erros que alertaram sobre a falta de credibilidade do exame. Certamente, a culpa será atribuída à gráfica e não a quem deveria conferir se estava tudo certo. Em 2006, o Enem foi cancelado depois que o Estadão revelou o vazamento da prova. Em 2009, houve erro no gabarito do INEP. No início de 2010, o mesmo INEP divulgou o gabarito errado de quase mil estudantes. Em agosto de 201,0 vazaram dados sigilosos de alunos. E, no entanto, o ministro Fernando Hadad é cotado para permanecer no posto no futuro governo ou ganhar uma nova missão. É um dos queridinhos de Lula e do PT para futuras missões eleitorais em SP. Deve ser a tal de "meritocracia" a que tanto tem aludido a presidente eleita quando fala na formação de sua equipe.

Dois filões

Para entender a razão de muitos partidos e muitos políticos desprezarem cargos ministeriais e propugnarem vagas mais modestas em estatais ou em fundos de pensão das empresas oficiais:

- Para 2011 as estatais têm uma previsão de investimentos de R$ 107 bi. E mais de 600 cargos executivos de nível, com salários superiores de R$ 20 mil, preenchíveis sem concurso.

- Os fundos de pensão dos empregados das estatais, em tese privados, mas que o governo controla com fervor, têm hoje um patrimônio de mais de R$ 500 bi para investir.

Cotações do ministeriômetro – capítulo II

Repetimos a lista da semana passada. Os novos nomes em relação a lista anterior estão em destaque em itálico. Ainda não tivemos exclusões. Acrescentamos uma nova categoria – "credores". São aqueles que fizeram algum tipo de sacrifício em nome da eleição de Dilma e agora esperam recompensas. Algumas foram solenemente prometidas. A partir da próxima coluna vamos registrar apenas as inclusões e exclusões. Dilma vai aproveitar a companhia do presidente Lula na viagem ao G-20 em Seul para discutir com ele os convites que pretende fazer. Nenhum nome surgirá esta semana. Já depois dos feriados a angústia dos candidatos deve crescer. Ainda mais para a gente do PMDB que, segundo Michel Temer, não reivindica cargos, mas está à mercê do que
Dilma e Lula determinarem.

Casa Civil – Antonio Palocci, Maria das Graças Foster, Fernando Pimentel, Paulo Bernardo

Planejamento – Nelson Barbosa, Fernando Pimentel, Luciano Coutinho, Aloizio
Mercadante

Secretaria Geral da Presidência – Gilberto de Carvalho, Antonio Palocci
Direitos Humanos – Gabriel Chalita

Ciência e Tecnologia – Aloizio Mercadante

Educação – Gabriel Chalita, Aloizio Mercadante

Petrobras – Maria das Graças Foster, Guido Mantega, Antonio Palocci

Saúde – Antonio Palocci

Integração Nacional – PMDB, PSB, Ciro Gomes, PT

Minas Energia – Graça Foster (assim ela gosta de ser chamada), Edison Lobão

Cidades – Moreira Franco, Marta Suplicy, PP, PSB, PMDB, Fernando Pimentel

Itamaraty – Antonio Patriota, José Maurício Bustami, José Viegas, Mangabeira Unger

Fazenda – Luciano Coutinho

Transportes – Henrique Meirelles, PMDB, PT, PR

Cultura – rol abre-se com mais de 20 nomes, entre eles o ator José Abreu, a senadora Ideli Salvatti, o sociólogo Emir Sader, Celso Amorim

BNDES – Ciro Gomes, Nelson Barbosa

Porto de Santos – PSB

Caixa Econômica Federal – Moreira Franco

Banco Central – Alexandre Trombini, Luciano Coutinho, Nelson Barbosa

Justiça – José Eduardo Cardozo

Agricultura – Blairo Magi

Vale do Rio Doce – Mantega, Gabrielli (ver nota acima)

Comunicações – Hélio Costa

Previdência – Luis Sérgio

Turismo – Luis Sérgio

Desenvolvimento Agrário – Joaquim Soriano

Desenvolvimento Social – Gilberto de Carvalho, Patrus Ananias

Avulsos

Fabio Barbosa (Santander)
Abílio Diniz
Empresário (grife, como Roberto Rodrigues e Luis Furlan no primeiro ministério de Lula)
Sindicalista
Antonio Carlos Valadares
Miriam Belchior (no Palácio do Planalto)
Clara Ant (no Palácio do Planalto)
Alexandre Teixeira (Apex)
José Eduardo Dutra
Credores
Henrique Meirelles
Aloizio Mercadante
Patrus Ananias
Ideli Salvatti

Lulômetro

Vamos inaugurar esta semana também os postos que são cogitados para o futuro ex-presidente Lula. A especulação também corre solta nesse campo:

- Fazer churrasco no sítio em São Bernardo (anunciada por ele há tempos, mas aparentemente descartada).

- ONU

- FAO

- Banco Mundial

- Dirigir um projeto específico para erradicação da fome na África

- Conselheiro de Dilma

- Palpiteiro no governo Dilma

- Tutor da futura presidente

- Caixeiro viajante das reformas, especialmente a reforma política.

(José Marcio Mendonça e Francisco Petros)

PARA REFLETIR

"O verdadeiro intérprete da justiça é a opinião universal ; e como esta não se revela por si, de uma maneira positiva, e sobre todos os fatos submetidos a julgamento ; o meio de obtê-la, não pode ser outro, senão interrogar a consciência de um certo número de homens, a qual, desprendida de quaisquer considerações políticas, resuma, ou antes, reflita a consciência da humanidade."

(José de Alencar, escritor cearense)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O FUTURO DO PSDB

SÃO PAULO - Apesar da derrota, ou por causa dela, José Serra alimenta a pretensão de se tornar presidente do PSDB na convenção que o partido realiza entre maio e junho de 2011. Seria a maneira de se manter vivo no jogo, contra a ameaça de se tornar um retrato na parede.

Ocorre que, desta vez, Serra vai encontrar resistência bem maior à sua pretensão. Está disseminada a percepção de que o futuro da tucanolândia passa pela capacidade de entender e sinalizar desde já que Serra pertence ao seu passado. Ou seja, de que a fila agora andou.

Na presidência do partido, o ex-governador representaria uma espécie de terceiro turno contra Dilma Rousseff, em prejuízo da construção de um consenso partidário em torno do nome de Aécio Neves.

Não é à toa que o mineiro acaba de propor uma "refundação" do PSDB, a fim de "atualizar o programa" e "recuperar sua identidade partidária". Como diria Serra, essa história de refundação não passa de trololó. Quando Aécio fala em "atualizar" e "recuperar a identidade", nos dois casos quer dizer: Serra, até logo, chegou a minha vez.

O candidato de Aécio para presidir o PSDB hoje é Tasso Jereissati. Ele e Serra nunca se bicaram, todos sabem. Mas imagina-se que Tasso seja o nome capaz de fazer a ponte entre Aécio e Geraldo Alckmin, evitando que a relação entre os PSDBs de Minas e de São Paulo caminhe para um esgarçamento perigoso.

Aécio, neste momento, movimenta-se para disputar a presidência do Senado, num esforço claro para demonstrar que tem bom trânsito entre os partidos, inclusive os da base aliada de Dilma. Foi Cid Gomes (PSB), irmão de Ciro e governador do Ceará, quem defendeu em público o nome do mineiro para o comando da Casa.

A Alckmin, no entanto, pode interessar uma aliança tática com Serra para evitar que Aécio se projete desde já no horizonte como líder incontestável do novo PSDB. Apostar nisso é o que resta a Serra, às voltas com a ruína.

FERNANDO DE BARROS E SILVA, na Folha de São Paulo de hoje

domingo, 7 de novembro de 2010

LUNETAS NOVAS?

A abertura da economia no início dos anos 1990, depois das crises do petróleo e ainda em meio ao longo processo inflacionário que se seguiu, não desencalhou o barco de nossa economia. Os mares do mundo batiam no casco, mas ele continuava adernado. Só depois de controlarmos a inflação, quando eu ainda era ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, e depois que saneamos os ralos que corroíam as finanças públicas e levantamos as âncoras que nos mantinham estagnados - com a atração de capital privado para setores antes monopolizados pelo Estado - é que o navio começou a andar. No começo timidamente, usufruindo as benesses de uma base agrícola poderosa e de uma indústria criada no passado.

Com a volta dos capitais e dos investimentos, começamos a navegar com maior desenvoltura. Por exemplo: em 1995, havia montadoras de veículos somente em São Paulo e Minas; em 2002, não só estas tinham aumentado a produção, como também outras se haviam espalhado pelo País, no Rio Grande do Sul, no Paraná, no Rio de Janeiro, em Goiás e na Bahia. Outro exemplo: em 1995, a Petrobrás não chegava a produzir 700 mil barris/dia; em 2002, ultrapassou 1,5 milhão de barris. E assim por diante, sem esquecer a expansão das telecomunicações, da indústria aeronáutica ou mesmo da indústria naval, que começou a tomar ímpeto em 1999 com a encomenda pela Petrobrás de 22 navios.

Daí em diante nossa economia não parou de crescer, apesar das crises financeiras, que só deixaram de nos golpear em 1996 e em 2000. No período presidencial seguinte, o crescimento se acelerou. Não apenas porque o barco se tornou mais potente, uma vez mantido o rumo anteriormente traçado, mas também porque as águas do mar se encheram, pela bonança internacional entre 2003 e 2008. Junto com o crescimento deu-se a redução da pobreza. O efeito estabilizador do Plano Real reduziu a proporção de pobres de 40% para cerca de 30% da população total. No período presidencial seguinte, nova redução, para aproximadamente 20%. A redução da pobreza não foi resultado automático do crescimento. Políticas também foram adotadas com esse fim. Exemplo: o aumento real do salário mínimo, de 48% entre 1995 e 2002 e de 60% nos oito anos posteriores.

Em mares de almirante, com vento a favor, todos os barcos passaram a andar com velocidades maiores. Medido pelo aumento da renda per capita, andamos relativamente para trás: ocupávamos a 68.ª posição no mundo, na década anterior, e nesta retrocedemos à 72.ª.

Mas o atual comandante do barco, embriagado pelos êxitos, confundiu-se: atribuiu a si o aumento do nível das águas. Pior, conseguiu convencer os marinheiros de que fazia milagre e se tornou "mito". Agora, mais grisalho e quase aposentado, deixa o leme para uma companheira fiel. E será ela quem precisará usar lunetas para ver mais longe. Haverá tempestades ou bonança? Em qualquer caso, como anda o casco do navio? Que fazer para repará-lo? Ou para melhorar o desempenho do navio? Poderá continuar avançando sozinha ou dará a mão aos demais marinheiros? E as máquinas, seguirão a todo vapor sem algum ajuste ou será melhor evitar que a pressão as faça estourar? Acirrará ânimos e seguirá em frente até bater nalgum rochedo ou será previdente e ouvirá outras vozes que não sejam as das estrelas? São questões cujas respostas estão em aberto.

E há outras perguntas, de ordem estratégica, que precisarão ser respondidas. Para começar, como será o mundo dos próximos 20 anos? Tudo indica que nele as economias emergentes, e especialmente as dos Brics, ocuparão maior espaço. Mas qual desses países crescerá mais depressa? China e Índia são, neste caso, nossos competidores mais diretos, embora haja também complementaridades entre nossas economias. Estaremos condenados a, pouco a pouco, voltar à condição de provedores de alimentos e de matérias-primas para os países-monstros, que têm territórios com pouca possibilidade de expansão agrícola? Não necessariamente. Mas para evitar esse destino teremos de definir políticas que aumentem a nossa capacidade de inovar e competir. Não só na área fiscal, não só na tributária e na trabalhista, mas também na de educação, ciência e tecnologia. Sem isso será difícil ter uma indústria globalmente competitiva.

Em 2030 deveremos ter uma população em idade ativa da ordem de 150 milhões de pessoas. Sem uma indústria com musculatura e cérebro para enfrentar a competição global será impossível gerar empregos na qualidade e quantidade que necessitamos. Sem os empregos e a renda necessários o País corre o risco de se tornar "velho" antes de ficar rico. Precisamos aproveitar a nossa janela de "oportunidade demográfica", que se fechará a partir de 2030, para dar um salto em nossa capacidade de produção de riquezas. E para melhor distribuí-las também. E isso depende mais de uma verdadeira revolução educacional que da expansão do Bolsa-Família e outros programas assistenciais.

Como compatibilizar as necessárias taxas de crescimento da economia com os indispensáveis requisitos de respeito ao meio ambiente, de combate ao aquecimento global, e assim por diante? Estaremos dispostos a pensar com maior profundidade sobre como conservar uma matriz energética que utiliza fontes renováveis? Neste contexto, e atentos às questões de custos para o País, introduziremos maior racionalidade na discussão do pré-sal ou continuaremos a fingir que se trata de um Fla-Flu entre "patriotas" e "entreguistas"?

Por fim, nunca é demais lembrar: que papel o Brasil desempenhará no mundo, continuaremos indiferentes diante de vários autoritarismos e desrespeitos aos direitos humanos ou nos comprometeremos crescentemente com formas democráticas de convívio? Quem viver verá. No entretempo, é melhor manter um otimismo cauteloso e, sem embarcar em ufanismos enganosos, acreditar que a vitalidade dos brasileiros (vista uma vez mais na reafirmação democrática do pluralismo eleitoral recente) nos levará a melhores rumos.



Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e ex-presidente da República