quarta-feira, 28 de março de 2012

CONJUNTURA NACIONAL

Abro a coluna com uma historinha do Maranhão, contada por Sebastião Nery.

José Burnet, chefe da Casa Civil do governador do Maranhão, João Castelo, era deputado estadual do PSD. Em 1962 candidatou-se à Câmara Federal e saiu pelo interior fazendo campanha. Chegou à cidade de Santa Helena, foi para o comício:

- Povo de Santa Helena. Eu gosto tanto desta terra, tanto, que se pudesse nascer de novo pediria a Deus para nascer aqui em Santa Helena.

Foi um sucesso. No dia seguinte estava em Pinheiro:

- Povo de Pinheiro. Eu gosto tanto desta terra, tanto, que se pudesse nascer de novo pediria a Deus para nascer aqui em Pinheiro.

Lá de trás, um caboclo, que por acaso tinha assistido ao comício da véspera em Santa Helena, gritou:

- Doutor, e Santa Helena, doutor?

- Santa Helena? Santa Helena? Santa Helena que me perdoe.

E desceu.

PT em chamas

O PT, por meio de seu comando, avisa que está tranquilo. Não é verdade. O partido nunca esteve tão nervoso. Não se trata apenas da candidatura de Fernando Haddad, imposta pelo ex-presidente Lula, ao partido. Lula espera que Haddad seja eleito prefeito de São Paulo confiando na vontade dos eleitores em querer ver um perfil novo, asséptico. Alas do partido, principalmente a da senadora Marta Suplicy, não engoliram facilmente a encomenda lulista. Há, também, o episódio de troca de liderança do governo na Câmara. O líder Vaccarezza estava desempenhando bem a missão. Em seu lugar, entrou o deputado Arlindo Chinaglia, ex-presidente da Casa e integrante da mesma ala do presidente da Câmara, Marco Maia. Dizem, porém, que o ex-líder do PT na Câmara, deputado Paulo Teixeira, da mesma ala de Chinaglia e Maia, era o preferido da ministra Ideli. Enfim, o PT não está calmo.

Hegemonia petista

Prosseguem intensas as articulações intra e inter-partidárias com foco no pleito municipal de outubro. Os partidos da base aliada desconfiam que o PT quer por em ação a mais arrojada operação do projeto de expansão política : eleger o maior número de prefeitos em cidades médias e grandes. Na verdade, ao PT não interessa muito colégio eleitoral pequeno. Se obtiver entre 18% a 20% do eleitorado, estará na dianteira do processo político-eleitoral. Esta é sua meta. Daí a disposição (o termo adequado seria ambição) de não abrir mão de candidaturas em capitais e cidades estratégicas. O projeto de hegemonia petista está em curso.

PSB, a terceira via?

A maior interrogação do momento é sobre a decisão a ser tomada pelo PSB do governador Eduardo Campos em São Paulo. O partido se faz presente no governo Geraldo Alckmin, por meio do secretário de Turismo, Márcio França. Que, aliás, dirige o PSB no Estado. Mas Eduardo Campos é quem dá as cartas. E Eduardo é amigão de Lula. Que injetou recursos nunca vistos em Pernambuco, algo perto de R$ 20 bilhões. Edu parece irmão mais novo de Lula. Veio visitar o ex-presidente para dizer a ele : o PSB não vai caminhar com Serra. Tem duas alternativas : ir de candidato próprio, formando a terceira via, ou fechar com Haddad. A primeira hipótese seria mais compreensível e menos trágica para uma sigla que, até o momento, participa ativamente da administração estadual.

Pimentel, o silencioso

Fernando Pimentel é uma incógnita. Ministro do Desenvolvimento, não se sabe muito o que faz e o que pensa. Não participa de eventos importantes nas frentes de produção. Mas é um acompanhante fiel da presidente Dilma nas viagens internacionais. Está sempre ali na foto, como papagaio de pirata. Pimentel continua em silêncio também sobre as consultorias que lhe teriam dado a bolada de R$ 2 milhões. A Comissão de Ética Pública da Presidência da República deu 10 dias para o ministro explicar o imbróglio em que se envolveu.

Ficha Limpa no Judiciário

Mas é claro que a adoção da Ficha Limpa nos sagrados espaços do Judiciário será uma decisão a ser aplaudida. Afinal de contas, o Judiciário deve dar o exemplo. O CNJ quer que os tribunais do país contratem apenas pessoas com ficha limpa para ocupar cargos de confiança. A intenção é a de estender as exigências da lei da Ficha Limpa a todos os que não foram aprovados em concurso público.

Dois pesos e duas medidas

Qual será o critério que o Governo do Estado de São Paulo se utiliza para fixar o salário mínimo estadual? Vejamos os números. Em 2011, ele era fixado em R$ 600,00. Em 2012, foi para R$ 690,00, um aumento de 15%. Tudo seria maravilhoso não fosse esse aumento repassado para as empresas contratadas pelo Estado. Os contratos reajustados neste mês foram aquinhoados com apenas 4,60%. Ora, quem paga a diferença? Os empresários já fizeram os esforços possíveis para continuar na luta. Enfrentam o alfabeto dos poréns e todavias! Conclusão: o próprio Governo os joga na informalidade, no buraco da ilegalidade. Não está na hora de uma revisão de critérios de reajustes, senhor governador?

Imagem da Justiça

Infelizmente, a imagem da Justiça em nosso país está bastante embaçada com as denúncias em série que têm assolado juízes e desembargadores.

Lobão no Senado?

A presidente Dilma Rousseff dá sinais de que deseja influir na política partidária. Sabe-se, por exemplo, que ela quer emplacar o nome do ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, na presidência do Senado. Com o gesto, a presidente mataria dois coelhos com uma só cajadada: desalojaria um político do comando da área energética, diminuindo o poderio do grupo Sarney, para colocar um técnico, Márcio Zimmermann, de sua inteira confiança; e colocaria Lobão no lugar de Sarney, tirando o atual líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, do tabuleiro. Dilma sugeriu a Renan que se candidatasse ao governo de Alagoas. E mandou que Zimmermann se filiasse ao PMDB. Renan dispõe, hoje, do apoio da maioria dos senadores peemedebistas. E projeções do momento lhe garantem cerca de 50 votos entre os 81 senadores. A estratégia da mandatária até pode dar certo, mas haverá reações fortes.

Páscoa salgada

Nesta Páscoa, os contribuintes enfrentarão uma alta carga tributária incidente sobre os principais itens consumidos, como vinho, bacalhau e os tradicionais ovos de chocolate. A carga tributária do bacalhau importado é de 43,78% e no vinho chega a 54,73%. Já a colomba pascal tem uma carga tributária de 38,68%. Caso o consumidor opte por comemorar a data em um restaurante, os tributos sobre a comida fora de casa e os serviços atingem a margem de 32,31%.

PT versus PMDB

Até o momento, não há razões para deixar de acreditar na polarização PT x PMDB em São Paulo. Serra, uns 35%-38%, contra Haddad, uns 30%.

Chalita, a dúvida

Se Gabriel Chalita conseguir despertar o eleitorado, colocando-se como alternativa capaz de desfazer a polarização, tem condições de avançar. Mas isso dependerá também do jogo dos candidatos do PC do B (Netinho de Paula), PRB (Celso Russomano) e outros. Russomanno, por exemplo, não segurará seus 20%? Tempo pequeno de Rádio e TV.

PMDB, imersão na identidade

O PMDB atravessa um ciclo de intensas conversas internas. As lideranças do partido, a partir do vice-presidente da República, Michel Temer, se esforçam para fazer uma imersão no tronco da identidade, procurando responder as questões : o que somos, para onde vamos, o que precisamos? Há um enorme esforço para unir todas as alas do partido. Haverá, sempre, um grupo de descontentes, mas a integração de propósitos tende a ser o fio condutor das disposições partidárias. O futuro do PMDB será redesenhado a partir dos resultados eleitorais de outubro. Seja qual for o resultado, a estratégia de buscar parceiros menores para uma integração/fusão parece consensual.

O bispo

Uma historinha de Zé Abelha, o nosso contador de causos de Minas. No auge da discussão nacional sobre a lei do divórcio, o então bispo auxiliar de Belo Horizonte, D. Serafim Fernandes de Araújo, reitor da Universidade Católica de Minas Gerais, democrata, liberal, torcedor roxo do Galo, o Clube Atlético Mineiro, foi entrevistado:

- O senhor não acha que o bom senso evitaria muitos divórcios?

- Acho sim, meu filho, e muitos casamentos também.

Câmara e Senado

Ao PMDB, por acordo, o PT decidiu dar apoio para a presidência da Câmara na próxima legislatura, a se iniciar em fevereiro de 2013. Mas o PT, a essa altura, já dá sinais de que poderá não cumprir o prometido. Principalmente, se o Senado continuar nas mãos do PMDB.

O estilo Dilma

Pouco a pouco, a presidente Dilma dá sinais de que pretende intensificar as relações com partidos, comandos e líderes. Chega à conclusão de que seu perfil técnico deve tomar, periodicamente, um banho nas águas mornas da política.

Fusões

Depois de outubro, partidos vão avaliar possibilidades de continuar como estão ou como deveriam ficar. Projeta-se um cenário de fusões, incorporações e parcerias. As pequenas unidades deverão ser engolidas pelas grandes. A conferir !

Demóstenes

"A fim de que possa acompanhar a evolução dos fatos noticiados nos últimos dias, comunico à Vossa Excelência meu afastamento da Liderança do Democratas no Senado Federal". Assim o senador Demóstenes Torres apresentou sua renúncia. O corregedor da Casa, senador Vital do Rêgo (PMDB/PB), enviou pedido de informações ao Ministério Público para saber se há envolvimento de Demóstenes no esquema da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal.

Recife

Embora Francisco Rocha, o Rochinha, da tendência CNB do PT, tenha antecipado que o candidato do partido no Recife "é" João da Costa (PT), atual prefeito do Recife, o diretório estadual petista não aceitou a revelação e permanece analisando as possibilidades de realizar prévias com Maurício Rands (PT), que tem apoio camuflado do governador Eduardo Campos (PSB), e até com a probabilidade do ex-prefeito João Paulo (PT) entrar na disputa contra o seu ex-afilhado político, ex-secretário de Planejamento e ex-amigo durante 30 anos João da Costa. Domingo passado, em São Bernardo do Campos, Lula, Eduardo, Rui Falcão e Rochinha conversaram sobre as eleições no Recife. Os três primeiros nada disseram sobre o que teria sido decidido. Só não se contava com a indiscrição de Rochinha.

Natal I

A campanha em Natal/RN aguarda a posição da ex-prefeita de Natal e ex-governadora do RN, Wilma de Faria (PSB). Se for candidata, deverá ir para o segundo turno. O outro candidato forte é o ex-prefeito Carlos Eduardo Alves (PDT), que lidera as pesquisas. O PSDB, aliado ao DEM da governadora Rosalba e do senador José Agripino, trabalha com o nome do deputado Federal Rogério Marinho. O PMDB, com apoio do Ministro Garibaldi Filho e do líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Alves, lançou o nome do deputado estadual Hermano Morais. Caso haja união entre PSDB, DEM, PMDB e o PR do deputado João Maia, Rogério ou Hermano teriam força competitiva. Isolados, não conseguirão andar.

Natal II

O PT aposta no deputado estadual Fernando Mineiro, apesar de Fátima Bezerra, deputada Federal ser o nome mais forte do partido. Por fim, a atual prefeita, Micarla de Sousa, do PV, com grande rejeição, portanto, sem chances. Até maio, ela definirá sua posição. Wilma Faria será o termômetro. Em 2010, seu candidato, Iberê Ferreira de Souza (PSB) perdeu para Rosalba Ciarlini (DEM) a campanha para o Governo do Estado. Derrotada para o Senado, Wilma poderá voltar, este ano, à cena em grande estilo, demonstrando que a política faz curvas. Espera por uma curva na Ficha Limpa.

Demita o sujeito

Severino Cabral, pai do senador Milton Cabral, eleito prefeito de Campina Grande/PB, chamou o secretário:

- Demita fulano.

- Ele não é funcionário da prefeitura.

- Eu sei. Mas quero que ele receba a portaria de demissão, para saber o que eu faria com ele, se fosse.

Conselho aos organizadores da Rio+20

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos novos líderes do governo no Senado e na Câmara. Hoje, sua atenção se volta aos organizadores da Rio+20:

1. O mundo estará de olho no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro, em junho, por ocasião da Conferência Rio+20. Celebridades, especialistas e autoridades da esfera ambientalista se farão presentes ao maior evento mundial da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

2. A essa altura, já se projeta a defasagem da estrutura receptivo-hoteleira do Rio de Janeiro, sinalizando carências e apontando para falhas que poderão manchar a imagem do Brasil às vésperas de outros grandes eventos internacionais.

3. Diante dessa moldura, todos os esforços devem ser empreendidos para que o Brasil não tenha sua imagem borrada com as tintas do despreparo, desorganização, improvisação e incapacidade. Autoridades, olho vivo. E mãos à obra!

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(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 27 de março de 2012

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL


Dilma: mudanças e confronto ou marketing? (I)

Dilma aproveitou a entrevista à revista "Veja" - à qual, aliás, nunca dedicou especial carinho, sempre dedicou "mau olhado" porque partiram da publicação semanal as principais denúncias de "malfeitos" que derrubaram um magote de ministros herdados de Lula - para anunciar que está adotando novas práticas políticas nas relações do Palácio do Planalto com o Congresso e os partidos aliados. "Não gosto desse negócio de toma lá dá cá" - avisou ela. Por "toma lá dá cá" entenda-se o amálgama da ampla e amorfa base da aliança eleitoral e legislativa formada por Lula para facilitar a eleição de Dilma e dar sustentação a seu governo na Câmara e no Senado.

Dilma: mudanças e confronto ou marketing? (II)

Antes, já se havia providenciado a divulgação dessa recente disposição da Presidente com um bombardeio da imprensa com informações de fontes oficiosas a partir das derrotas recentes da presidente no Senado e na Câmara e da troca abrupta dos líderes governistas nas duas casas do Legislativo. Providenciou-se até uma declaração de apoio de ninguém menos que o presidente Lula, criador e mentor do monstrengo político que agora assombra o sono de Dilma. Como Lula está com a voz sob embargo, portou-a, para certa incredulidade geral, o novo líder da Presidente no Senado, Eduardo Braga. Torce-se para que tal propósito presidencial seja para valer e que, principalmente, seja exequível. Há dúvidas fundadas, porém, entre muitos analistas de que isso seja possível e de que seja para valer por uma simples e boa razão : qual o real cacife da presidente para se confrontar com os partidos que a apóiam ? Qual a disposição dos partidos, inclusive e principalmente o PMDB, em abdicarem do "toma lá dá cá" que os sustenta a falta de programas, ideologia e identificação real com os eleitores? A desconfiança é a de que não passa de mais um lance de marketing para desviar a atenção da opinião pública do corner político em que ela se encontra.

Encontros com visibilidade

É por essa razão que os encontros dos últimos dias entre a presidente e um grupo selecionado de empresários e a primeira reunião pública de Dilma com os líderes sindicais, patrocinados e badalados pelo Palácio do Planalto estão sendo vistos muito mais como uma estratégia de Dilma para acuar partidos e Congresso do que como encontros de trabalho. Afinal, os problemas que afligem empresários e trabalhadores são conhecidos até pelos bebês candangos. E para eles urge apenas soluções. Diagnóstico e receituário estão à disposição de Dilma, de Mantega, de Alexandre Tombini e de quem mais de direito para que exerçam na plenitude a tal de "vontade política" que tanto faltou aos governantes brasileiros antes de Lula. Segundo ele mesmo, Lula.

Economia: sustentáculo sob risco

Não há nenhum risco iminente para a economia brasileira do ponto de vista cambial ou fiscal. Mais do que as mágicas de marqueteiros, vozes empresariais e sindicais a favor, o apoio irrestrito de Lula e outros que tais, os pilares que sustentam a presidente são mais chãos: a economia e a inflação sob controle. Dilma controla a economia com as mãos de ferro, e, em segunda instância, nas de Guido Mantega e Alexandre Tombini, com os palpites dos conselheiros externos para esta área, Luis Gonzaga Belluzzo e Delfim Neto. De outro lado, o desempenho da atividade econômica dá evidências que o quadro de criação sustentada e empregos e aumento do consumo e do investimento que prevaleceu nos últimos anos não é mais um "porto seguro". Ao contrário, o PIB de 2011 foi decepcionante e os indicadores deste ano são sofríveis e declinantes. O governo terá de combater os riscos que vem de fora e que permanecerão por muito tempo e a deterioração das expectativas no front interno. Dilma e Mantega sabem disso e parecem correr contra o relógio. Todavia, falta-lhes a clareza sobre o rumo estratégico que vão tomar com o objetivo de traçar políticas de curto, médio e longo prazos. A reunião da semana passada, apesar de ser uma tentativa de acuar a classe política, também deixou rastros de que o grau de improvisação da política econômica é significativo. Os empresários sabem disso, mas não falam. Agem com discrição, reduzindo investimentos e vagas de trabalho.

Os parâmetros da economia

Os números oficiosos que o governo sob a batuta (e o tacape) da presidente Dilma está perseguindo este ano são os seguintes:

1. Crescimento do PIB não inferior a 4%, a ser alcançado a ferro e fogo.

2. Dólar na faixa de R$ 1,80 a R$ 1,90, o mais próximo possível do número superior.

3. Juros básicos no máximo em 9%.

4. Inflação abaixo da do ano passado, que bateu em 6,5%. Sem sacrifícios, porém, para atingir o centro da meta de 4,5%.

5. Manutenção do consumo pelo menos nos níveis do ano passado e continuidade da ascensão das famílias das classes D e E para a classe C.

Como ainda não tem - e nem se sabe se conseguirá - criar condições políticas para colocar o Brasil nesta rota sem riscos de percalços, adotando as tão necessárias reformas estruturais no país, o governo apela para expedientes de curto prazo e muito artificialismo na política econômica. Dois exemplos:

1. Para garantir que a inflação não saia dos eixos, apesar dos apelos quase desesperados do Petrobras, protela um necessário (e já atrasado) reajuste no preço dos combustíveis.

2. Para cumprir a promessa de fazer um superávit primário de 3,1% do PIB, está forçando as estatais a aumentar a entrega de dividendos ao Tesouro Nacional, vai ficar este ano com mais de R$ 3 bi do FGTS e, apesar do dito em contrário, estanca seus planos de investimentos, segurando a liberação de recursos.

O problema é que, em algum momento, tudo que é artificial desmancha no ar.

Não seria melhor assim?

Na conversa com os jornalistas de "Veja" a presidente Dilma admitiu (até que enfim uma autoridade diz isto!) que a carga tributária no Brasil é alta demais. Como já havia acenado para os empresários, prometeu reduzi-la. Como e em que condições, porém, ficou no vazio. Anteontem, domingo, o jornal "O Estado de S. Paulo" publicou um estudo mostrando que os incentivos que o governo concedeu a determinados setores da economia, pontualmente, em seis anos custaram R$ 97,8 bi aos cofres do Tesouro. Ingênua pergunta a economistas e tributaristas oficiais e não oficiais: se os mesmos recursos viessem sido utilizados para uma diminuição linear de impostos, para todos os setores e não para alguns escolhidos, o resultado final para a economia brasileira não teria sido muito melhor?

Conselheiro marqueteiro

Diz o sempre bem informado jornalista Ricardo Kotscho (por meio de seu blog "Balaio do Kotscho"), com a experiência de alguns anos vividos no Palácio do Planalto nos tempos de Lula, que o principal conselheiro de Dilma, na ausência temporária mais efetiva do ex-presidente, é João Santana. Nada contra ele, cuja competência no seu fazer de marketing político é inquestionável. Mas quando um marqueteiro passa a dar as cartas no campo da política real, algo está fora do lugar. E tem muito para não dar certo. Dilma disse, na reveladora entrevista à "Veja", que somente há crise política de fato quando se perder a legitimidade política. Porém, legitimidade, que só se conquista com o voto popular, pode ser perdida de várias maneiras e por diversas razões. Collor, por exemplo, perdeu por "malfeitorias", Sarney por inapetência gerencial e inflação nos infernos.

Do macro ao micro

A serem totalmente fiéis alguns relatos, sem identificação da fonte, a respeito do encontro da semana passada da presidente Dilma com 28 dos maiores empresários brasileiros, ela teria ouvido do presidente do grupo JBS Friboi, José Batista Junior, críticas a seu modo de governar, já referidas aqui nesta coluna e apontado como um dos maiores entraves a que o governo seja mais eficiente. Centralizadora, detalhista, rude a ponto de intimidar e inibir a iniciativa de ministros e colaboradores, Dilma leva sua administração a uma semiparalisia, a atrasos constantes em liberar projetos, à demora em tomar decisões. Pela expressão atribuída a Batista Junior, ela se prenderia demais ao micro em detrimento do macro. Para uma língua maldosa de Brasília, ela dá mais atenção ao consumo de grampos que ao buraco da estrada.

Assim como a mestre?

Definição do líder do governo no Senado, Eduardo Braga, por um empresário amazonense bem informado e frequentador das rodas políticas locais: "Ele é realmente muito inteligente, articulado, por isso se julga quase um Deus. É arrogante, autoritário, prepotente e não escuta o que lhe falam por, como uma semidivindade, já saber tudo". Arlindo Chinaglia é visto pelos colegas da Câmara como pessoa de muitas arestas e também um tanto prepotente. A ministra Ideli Salvatti é histriônica, um elefante em loja de louças em matéria de habilidade política. Dois outros possíveis auxiliares de Dilma na tarefa de amainar o Congresso estão fora: Lula, por causa da voz prejudicada pelo tratamento médico e porque precisa manter ainda um bom repouso; Michel Temer, sumido por razões que não se entendem (mas se explicam facilmente). O clima está, assim, mais para o confronto que para a conciliação.

Pragmatismo lulista

Frase do ex-presidente Lula em entrevista ao jornal "Folha de S.Paulo" anos atrás, citada semana passada pela colunista Dora Kramer: "Qualquer um que ganhar a eleição, pode ser o maior xiita ou maior direitista, não conseguirá montar o governo fora da realidade política. Entre o que se quer e o que se pode fazer vai uma diferença do tamanho do oceano. Se Jesus Cristo viesse para cá e tivesse votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer uma coalizão".

Agora é fazer a unidade de fato

Tucanos eram todos sorrisos, no domingo, depois da prévia que escolheu Serra como o candidato do PSDB à prefeitura de SP. Plumados federais, estaduais e municipais pareciam ter descoberto a pólvora da unidade partidária, sempre ameaçada pelo desfile de egos na passarela partidária. Contudo, os 52% alcançados por Serra, quando se esperava algo entre 70% e 80% para o ex-governador e ex-prefeito, foi, embora eles não digam, uma decepção. Mostrou a divisão ainda existente no partido e fortes resistências a Serra. Antes de começar a caçar alianças com outras legendas, os tucanos precisam fazer mesmo é uma aliança entre si. Conseguiram no domingo dar até alguma alegria à, no momento, cambaleante candidatura do petista Fernando Haddad.

Dando lustro na imagem

O novo presidente do TJ/SP, Ivan Sartori, está se saindo, no momento em que o Judiciário em todo o Brasil está na berlinda, pior do que a pior das encomendas: em pouco tempo à frente do TJ conseguiu desafiar a corregedora do CNJ, Eliane Calmon (voltou atrás), atacou a imprensa e ameaçou retaliar o jornal "Folha de S.Paulo", e decidiu mandar pagar auxílio alimentação a todos os magistrados do Estado, retroativamente a 2006, com justificativas um tanto canhestras. Assim se vai "lustrando" ainda mais a imagem da Justiça brasileira.

Com a própria corda no pescoço

Diz o advogado contratado pelo senador Demóstenes Torres (DEM/GO) para defendê-lo das suspeitas de ligações suspeitas com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, que juridicamente nada atingirá o político do Democrata, pois as possíveis provas conta ele seriam ilegais. A questão não é esta, contudo. Politicamente, Demóstenes está liquidado. Se ficar no Senado, será um morto-vivo, enforcado na própria corda ética com que procurou (acertadamente) enforcar muita gente. É mais um político que não faz o que apregoa, com o agravante de ser também um promotor de Justiça. Não há relação de amizade possível entre um homem público e um contraventor. Há muita gente no Congresso, no entanto, com receio de bater forte nessa história. Afinal, o notório bicheiro Cachoeira está na origem do primeiro escândalo do governo petista: a do caso Waldomiro Diniz.

Fed tentando manter a reputação

Ben Bernanke, o presidente do Fed, está fazendo uma pregação de profeta para assegurar que a política de expansão monetária e dólar fraco permaneça por muito tempo. Para ele a hora não é para se pensar em ajustes fiscais para o imenso déficit que resta na maior economia mundial. O que ele não diz explicitamente e que todos sabem é que o mundo continua a financiar o projeto econômico norte-americano. Os investimentos em papéis do Tesouro Americano continuam enormes e não há fuga de capitais na direção de China e outros BRICS, apesar de todas as avaliações dando conta do declínio do Império Americano.

Aviso aos analistas

A taxa de desemprego dos EUA que vem caindo nos últimos meses reflete mais a desistência de desempregados em buscar empregos que a sustentação da demanda. Portanto, ainda não é anúncio seguro para alimentar grandes expectativas.

Em defesa da liberdade de expressão

Patrícia Blanco foi eleita para a presidente do Conselho Diretor do Instituto Palavra Aberta, vago desde a aposentadoria de Evandro Guimarães nas Organizações Globo. O Palavra Aberta tem por mote defender o livre direito de expressão no Brasil e foi criado, entre outros, a ANJ - Associação Nacional de Jornais, ABERT - Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão, ANER - Associação Nacional de Editores de Revistas, e a ABAP - Associação Brasileira de Agencias de Propaganda.

(por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)

domingo, 25 de março de 2012

THOR

Na mitologia, Thor é o deus do trovão, mestre das tempestades. Na vida como ela é, Thor é filho do homem mais rico do Brasil e de uma de nossas musas de Carnaval. Ele tem 20 anos. Na semana passada, deve ter envelhecido. Thor matou na estrada um ciclista, Wanderson Pereira dos Santos, ajudante de caminhoneiro, de 30 anos.
O filho de Eike e Luma foi acusado de homicídio culposo, sem intenção de matar. Dirigia um Mercedes SLR McLaren, placa EIK-0063, um dos carros do pai, que pode chegar a 334 quilômetros por hora. O carro, de R$ 2,3 milhões, é considerado o nono mais veloz do mundo.

Thor jura inocência. Afirma que a bicicleta de Wanderson surgiu do nada e cruzou “inadvertidamente” a BR-040, estrada entre o Rio de Janeiro e Juiz de Fora. Era noite. Diz que dirigia o Mercedes dentro da velocidade permitida naquele trecho, 110 quilômetros por hora. A versão dos advogados da vítima é diferente: Thor vinha em alta velocidade e atropelou o ciclista no acostamento.

Eike correu para o Twitter para defender o filho, que se comportou “como um cidadão honrado” e “poderia ter morrido pela imprudência” da vítima. Sem Twitter, a mãe de Wanderson também defendeu o filho. Disse que Wanderson fazia esse trajeto sempre e jamais colocaria sua própria vida e a de outros em risco.

Thor de fato agiu direito – não como os playboys já citados nesta coluna. Procurou a Polícia Rodoviária Federal. Soprou no bafômetro, não havia nenhum traço de álcool. Socorreu a vítima, em vez de fugir. Passou mal ao ver o corpo de Wanderson, com uma perna e um braço amputados. Deu assistência à família da vítima. E não se furtou a depor na delegacia. Estava acompanhado de cinco seguranças e três advogados.

Não é o primeiro contratempo na vida de Thor. Em maio do ano passado, atropelou, com um Audi, um senhor de 86 anos na Barra da Tijuca, que também estava numa bicicleta mas sobreviveu. A história foi revelada na sexta-feira, pelo colunista do Globo Ancelmo Gois. Esse senhor, cujo nome não foi divulgado, fraturou a bacia, colocou duas placas e cinco parafusos, fez fisioterapia, hidroterapia. Thor pagou todas as despesas.

No mesmo maio de 2011, a revista Quem publicou entrevista com Thor. Ele foi até seu carro estacionado em frente à casa, um BMW de R$ 770 mil. Deu a partida, pisou no acelerador e convidou a repórter a experimentar: “Está ouvindo o motor? Pisa no pedal”.

Thor acabara de comprar um Aston Martin DBS, conhecido como o carro do agente 007, avaliado em R$ 1,3 milhão, pagos de seu bolso com aplicações na Bolsa de Valores. “Trouxe de São Paulo e cheguei a 280 quilômetros na Dutra (rodovia que liga Rio e São Paulo). Gosto de sentir o carro. Não compro para ostentar a marca, mas porque sei dar valor à máquina que está ali.”

Não consigo entender por que pais ricos incentivam filhos jovens e inexperientes a dirigir máquinas incompatíveis com nossas estradas. Não estamos na Alemanha. Não temos autobahns. Nossas rodovias estão longe da segurança e excelência germânicas. Velhos, crianças, bicicletas, animais atravessam as pistas. O asfalto é ruim, há buracos e cruzamentos perigosos. Dividimos estradas mal conservadas com carros e caminhões velhos, caindo aos pedaços, que deveriam ser apreendidos. É a nossa realidade. Na estrada em que Wanderson morreu, houve 488 atropelamentos em cinco anos.

Sem condenar ou inocentar Thor antes do tempo, sem aderir à grita geral da luta de classes no trânsito, pode-se dizer sem erro que essa tragédia foi uma crônica anunciada, como tantas. Ainda não sabemos o que aconteceu, mas o banco dos réus está lotado.

No Brasil, os pais são condescendentes demais com as infrações dos filhos. Eike disse: “Atire a primeira pedra o motorista que nunca tomou uma multa por excesso de velocidade”. Ora, Thor já tem 40 pontos na carteira. E 11 pontos de outras infrações devem bater em breve. O advogado alega que Thor não sabia e que “outros podem ter cometido as infrações no lugar dele”. Difícil engolir.

Se o Detran leva séculos para suspender um motorista, os pais não deveriam deixar o filho dirigir até regularizar sua situação. Alguém faz isso? Eu faço com meu filho. Enquanto o Detran não cassar sua carteira e obrigá-lo a passar por uma reciclagem, ele não vai dirigir – pelo menos com meu consentimento.

Há outros réus no banco. Governos contribuem com o mau estado e a má sinalização das rodovias. E com a falta de passarelas para pedestres e ciclistas. Motoristas, motociclistas e ciclistas colaboram com a irresponsabilidade. E a Justiça arremata com a impunidade. Ninguém fica preso no Brasil por matar em atropelamento. Ninguém, rico ou pobre. Em nenhuma circunstância.

(Ruth Aquino, na Revista ÉPOCA)