sábado, 26 de maio de 2012

SR. VERSO


(Por Silas Falcão, no IV Seminário Revelando a Literatura Cearense realizado no teatro Emiliano Queiroz – SESC -, nos dias 21-22/05).



Ele não está na mídia. Permanece distante das festas literárias. Ele prefere a reclusão, a “solidão” de sua biblioteca, redescobrindo novas artes de cantar a vida, de elevar a alma. Poetas assim não formam uma população no universo literário. Francisco Carvalho, fala mansa, timidez assumida, faz questão de se manter afastado das igrejinhas literárias, das noites de autógrafos em clubes sociais e, em silêncio, realiza uma das mais sólidas obras poéticas do nosso país. Atentem para essas declarações do próprio poeta: “não faço questão de aparecer; a timidez faz parte de minha personalidade, sempre assumi uma posição mais reservada. Tenho certo pudor, certa preocupação de não me envolver com grupos; no meio literário há muitas vaidades”. Francisco Carvalho, mantendo-se à margem da confraria do elogio mútuo, não soma lenhas na grande fogueira das vaidades.

Com a publicação de um folheto de cordel sobre a seca no Ceará, Francisco Carvalho se inicia na poesia. Os anos eram 0 décimo quinto da sua existência. Esse cordel ressoava a influência dos cantadores de viola, cantadores ambulantes. Era natural que assim ele começasse.

Em minhas pesquisas/leituras para evoluir esta biografia afetiva do poeta da simplicidade grandiosa, assentei nestas páginas uma entrevista de 9 de abril de 1988, quando lhe é perguntado qual o papel da poesia: “é um instrumento de paz e solidariedade entre as pessoas. Assim como você ouve música para se apaziguar, você lê poesia. É sempre um instrumento de enriquecimento. Quando leio um grande poema sinto uma alegria interior inexplicável. A poesia deve emocionar. E se alguém se emociona lendo um bom texto, então está justificada a poesia”. E Francisco Carvalho emociona com sua produção poética, pela qual manifesta sua preocupação com a realidade social e a possibilidade de sua transformação. Ele poetiza as suas inquietudes metafísicas, a família, a terra, o amor, as mazelas sociais e a sua infância permanente, de quem declara “ser a pátria dos poetas, a matriz das nossas sensações, dos nossos alumbramentos, da nossa magia”.

Poeta de fôlego montanhoso, Francisco Carvalho transforma um acontecimento aparentemente corriqueiro ou um simples objeto em pura poesia, como se observa em MESA DE JACARANDÁ:

Nesta mesa de jacarandá
Já houve muita paz
O vinho já acendeu corações
Taças já entoaram
seus cânticos de cristais”.

Justificando a mesa deste poema, o poeta explica: “Éramos pobres, modestos agricultores. Nossa mesa era de imburana. Madeira comum no Nordeste brasileiro. Jacarandá, madeira nobre, só existe na Amazônia e em outras regiões privilegiadas. A mesa de jacarandá do poema vai por conta da imaginação poética. Afinal de contas, o sonho é a matéria-prima da poesia”.

Em 1939, ano da morte do seu pai, Francisco Carvalho, nascido em Russas em 11 de junho de 1927, após realizar estudos iniciais no Ateneu São Bernardo, de Russas, busca em Fortaleza outras imagens, inéditos burburinhos e espaços mais vivos se contrapondo aos clichês do cotidiano urbano da sua cidade natal, trazendo definitivamente para estas terras de Iracema, um poeta adolescente querendo se expandir, se aperfeiçoar, conquistar a sua singularidade poética através dos seus recursos verbais, pois como afirmou Mallarmé: “Não é com ideia que se faz versos, mas com palavras”.

Certa vez, falando sobre as origens da sua construção poética, Francisco Carvalho declarou: “Sem indignação não se produz boa literatura. Ninguém escreve de bem com a vida, com lugar no céu”. Na multidão poética que compõe a obra de Francisco Carvalho, existem épocas dolorosas, como as registradas em VERSOS AO PAI, quando este agonizou seis meses antecendentes a sua morte:

Volto a ser o menino que segurava o teu braço
pelas ruas de uma cidade vazia.
Só a manada dos ventos dialogava com
as aldravas que restaram de antigos invernos
e ríspidos estios de pássaros e nuvens
que se acasalavam no ar.

À morte, essa grandeza tenebrosa
com sua grinalda de espanto na cabeça,
já se desenhava em teu corpo
com suas teias de escárnio e seu odor de matéria que se decompõe
ao gargalhar das mortalhas dançarinas.

Expulsando-se da gargalhada das mortalhas dançarinas, o poeta pulveriza na sua escritura poética a esperança em uma nova estrutura espiritual para o homem, manifestada na poesia CANTO PARA A DIMENSÃO DO HOMEM.

Um homem é o que se atira à posse das estrelas
por serem do alto e puras.
O que se identifica pela chama
do seu amor às outras criaturas.
Um homem é o que acende a sua brasa
para aquecer o sono do vizinho.
O que põe o seu olho à escuta
da oculta beleza que mora no mundo.

Este é o canto do poeta preocupado com a grandeza humanística das pessoas.

Filho de Clicério Leite de Carvalho e Maria Helena de Carvalho, Francisco Carvalho é um poeta que assume o papel de ser o interlocutor, o intérprete dos nossos anseios, dos nossos descontentamentos, das nossas fragilidades também simbolizadas na figura dos heróis. Necessitando manifestar a nulidade dos heróis, o poeta escreveu

NÓS, NÓS NÃO TEMOS HERÓIS:
Nós, nós não temos heróis
nem jamais os tivemos.
Afinal, para que servem os heróis e suas estátuas de granito ou mármore negro, seus cavalos de bronze, suas medalhas barrocas e as espadas que não passam de metáforas?
Para que servem os heróis se o ácido da chuva desdenha da glória dos homens e nem os pássaros se importam com eles?
Para que servem os heróis se nem sabem quem somos nem jamais ouviram falar dos nossos mitos e utopias?
Infeliz do país que necessita de heróis

Na página literária d’O Povo de 27 de abril de 1987, encontrei a belíssima e trepidante poesia ROSA DA PEDRA:

Vi uma rosa nascer da pedra
Beleza ardente
Como a de um ser soprado pela boca de um deus
Vi uma rosa nascer da pedra
Pisada pela multidão
Uma rosa irrigada pelo sangue da síntese
Vi uma rosa nascer da pedra
Tamanha vida
Tamanho o impulso de ressurreição.

Na manhã do segundo domingo deste santo mês das mães, empunhando uma longa cerveja nevada, eu escutava atentamente João Cabral de Mello Neto declarar n’O curso do poeta, vídeo do distante ano de 1973: “Não pretendo fazer poesia lisa, macia como um carro deslizando no asfalto regular. Quero fazer uma poesia trepidante, de estrada de carroçal que faz o passageiro tremer aos solavancos. Quero fazer uma poesia que crie catarse”. A poética, com ritmo e planejamento, de Francisco Carvalho nos impõe seguidos solavancos a nossa alma.

No dia 24 de abril de 2012, o poeta Batista de Lima, cronista semanal do DN, publicou a II parte do ensaio A Pastoral Poética de Francisco de Carvalho, onde afirma: “Mesmo que esse filho de Russas pregue que seus poemas são menores e que todos morrerão consigo, não será morte com enterro final. Cada leitor disputará a alça desse esquife em busca de um sepultamento que nunca ocorrerá”. Retorno a outra leitura que fiz no jornal O Povo de 6 de março de 1964, em que uma nota do editorial anuncia: “Não faz muito tempo, o poeta Francisco Carvalho surpreendeu os meios literários cearenses com uma grave decisão de abandonar, em caráter definitivo, as suas atividades literárias. E apresentava uma estranha justificativa, com a qual não concordaram quantos conhecem a sua poesia. Disse que chega a conclusão de que realiza uma obra medíocre”.

Mas não foi assim que pensou a crítica literária nacional em 1982, quando o livro Quadrante Solar venceu o I Prêmio Nestlé de Literatura. Nem quando, em 1997, com Girassóis de Barro, Francisco Carvalho obteve o Prêmio da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Outro reconhecimento cearense foi o seu ingresso na Academia Cearense de Letras, onde ocupa a cadeira 31.

As angústias velhas e novas, os acontecimentos corriqueiros, as saudades intermitentes do pai, dos sobrados e casarões de sua terra. Outros calendários do passado como a recordação do tempo em que o adolescente Francisco Carvalho trabalhava numa bodega de subúrbio poluído e melancólico desta capital, fato este que motivou a crônica O poeta e a bodega, de 6 de março de 1962, do jornalista Deusdete de Sousa. Houve outras bodegas em que Francisco Carvalho amarga experiência de garçom num restaurante noturno da periferia da cidade, onde o dono era míope e tocava violino fanhoso que maltratava a alma do poeta, que recebia de salário apenas um bilhete azul e alguns conselhos para melhor ser sucedido na vida. Não posso esquecer nesta biografia a atitude humanista do então Magnífico Reitor Antonio Martins Filho resgatando o poeta de uma esquelética empresa comercial e levando-o para assessorá-lo na reitoria da UFC, onde permaneceu por trinta e nove anos. Todos esses fatos e outras memórias voluntárias e involuntárias que não fogem das raízes do poeta Francisco Carvalho, e tantos outros passados pesquisados/lidos por mim em livros e ausentes desta biografia por determinação do tempo para cada palestrante deste Seminário, são responsáveis pela construção de um longo e qualificado projeto literário iniciado em 1942 e dedicado inteiramente a poesia nas suas mais diversas formas de expressão.

Distribuo para vossos ouvidos a leitura que fiz em um texto do acadêmico Junior Bonfim, de um fato na vida do poeta Olavo Bilac. O dono de um pequeno comércio, amigo do poeta, abordou-o na rua: - Bilac, estou precisando vender o meu sítio, que você tão bem conhece. Poderá redigir o anúncio para o jornal? Olavo Bilac escreveu: "Vende-se uma encantadora propriedade, onde os pássaros cantam ao amanhecer no extenso arvoredo, cortada por cristalinas e mareantes águas de um ribeiro. A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes, na varanda." Meses depois se reencontraram. O poeta perguntou se o amigo havia vendido o sítio. “- Nem pense mais nisso. Quando li o anúncio foi que percebi a maravilha que tinha”.

Eis a função do poeta: revelar a beleza escondida nas coisas, nos lugares e nas pessoas!

Para Francisco Carvalho a poesia é a sua pele.

“Encerro” esta biografia afetiva intitulada Sr. Verso, com o depoimento de outro titã da nossa literatura, o saudoso José Alcides Pinto: “A poesia de Francisco Carvalho é patrimônio da humanidade. No entanto, esta humanidade vive em débito com o poeta Francisco Carvalho”.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

OUÇA A RESPOSTA DO VENTO!

O calendário registra o aniversário dele na data de ontem. Seu nome é uma legenda: Bob Dylan! Na certidão de nascimento consta Robert Allen Zimmerman.

Do solo cerebral desse cantor e compositor norte-americano brotou uma canção que é, também, uma peça literária que honra os mais nobres valores humanos. A sensibilidade explode de cada partitura. É imperioso que silenciemos para ouvir a resposta do vento.

Ouçamo-la:

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A POLÍTICA E SUA PERVERSÃO

A política, que é a latitude máxima da ação humana, em busca de um fim social, e de uma práxis civil e emancipadora, corre em todas as sociedades qual rastilho de pólvora. Não há como deter a sua força, a sua energia dadivosa, o seu poder absoluto de envolvimento e de transformação.

Não podemos pensar em qualquer forma de sociedade sem que nela não esteja presente o exercício da política. A política é o que é, existe porque tem que existir. É a espinha dorsal e a coluna vertebral do Estado, do município, do poder político de uma forma geral.

Claro que a política não se submete aos limites da ética, porque a conquista do poder e a sua manutenção constituem, com certeza, um campo de guerra e não tem como ser diferente. Mas é claro que ela pode ser limitada pelas regras do Direito e pelas aspirações de Segurança que rondam o habitat da vida social.

Em face das conquistas da técnica e da clarificação das consciências, penso que, nos dias de hoje, a política poderia ser um pouco diferente. Deveria estar prioritariamente voltada para o homem, para as suas necessidades e para a superação das misérias sociais, que desafiam a paz e a busca dos Direitos Humanos.

A política, infelizmente, virou uma grande equação capitalista: transformou-se em patrimônio material de uns e em forma de extorsão com que outros se mantêm no poder, roubando os cofres da Administração, assaltando a partilha do orçamento, transformando tudo em uma mesa de jogo da corrupção e do desvio de recursos.

Após os avanços da globalização econômica, especialmente a partir da década de 1990, o capitalismo e os seus valores de ordem financeira foram assaltando, gradativamente, a máquina do Estado.

O mercado substituiu a política e os intelectuais foram expulsos do espaço público, porque a equação capitalista não precisa de ideias, mas de pessoas dóceis à sua sedução material.

O capitalismo, como sabemos, abomina qualquer discussão de ideias que não seja em proveito da sua utilidade, e que não seja a favor dos monopólios de todos os setores da vida; e a ideologia de ordem econômica e monetária passou a ser, ao que parece, a religião oficial do planeta.

A cultura, a arte e a educação, que são bases primordiais do humanismo, vêm sendo ultrapassadas, de último, pelos valores da tecnologia; a preparação técnica das pessoas assumiu o lugar da sua formação, do seu aprendizado sistemático e da sua capacidade de interação com os seus semelhantes; e a defesa da Ética e dos Direitos Humanos igualmente vem perdendo o seu lugar nessa nova forma de sociedade, calculadamente fria e esquisita.

Grande parte das pessoas, hoje, sucumbiu à sedução do consumo, e trocou sua alma pela exibição do seu ego. Muitos não estão nos espaços midiáticos da web porque fizeram alguma coisa de proveito no mundo, mas porque desejam promover as suas fantasias.

Assusta observar, por outro lado, que o homem perdeu a sua condição de reagir, de se indignar, de denunciar os desmandos da classe política, e de ocupar as ruas e as praças para reivindicar os seus direitos.

Os que se julgam acima do bem e da verdade, decretaram a morte dos princípios, como se fosse possível convencer os semelhantes com o barulho de suas teses enfadonhas.

A completa conivência de muitos chefes de Estado, e assim também do último governo do Brasil, para com a mentira e a falsificação da verdade, e para com aqueles que já estão cansados de mandar, tais os exemplos de Fernando Color, Renan Calheiros e José Sarney, são situações que estão, por outro lado, a desafiar a paciência das pessoas.

No caso específico do Brasil, a busca da justiça social e o resgate da política enquanto vocação parece que não são, decididamente, valores que agradam aos integrantes da classe dirigente.

E o povo, sempre alimentado de muitas ilusões, se acostumou demais com a mentira e com as esmolas que lhe são destinadas pelas autoridades que estão de plantão, e não desconfia sequer das intenções dos que estão no centro do poder.

Parece ser mesmo doloroso, para os homens de boa vontade, e para os que lutam pela ética e a dignidade, assistir a ascensão de pessoas despreparadas e gananciosas para a representação parlamentar, e para os postos de comando da máquina do Estado.

A política não constitui um fim, e o exercício da política, como sabemos, é uma vocação. Não é um patrimônio que se transmite por herança para os apaniguados do poder. A política é uma missão e exige de quem a ela se entrega um compromisso integral e efetivo para com as exigências da vida coletiva.

No Brasil, infelizmente, a maioria dos políticos ainda não despertou para a grave questão do ambiente e o povo ainda não se sente motivado para os desafios da educação ambiental, o que é lamentável, e a consequência de tudo será a transmissão, para as gerações futuras, dessa conduta irresponsável.

Essa perversão em que a hegemonia da política foi transformada, é a causa da violência social e da violência simbólica que nos cercam; é a causa da proliferação das drogas e das deformações que atacam as novas gerações, e entorpecem a mente dos que gravitam ao redor da máquina do poder.

Parece mesmo que existe uma desordem no cosmos, causada pela perversão em que se transformou a política, pois a sinfonia planetária, que há séculos encantava a audiência humana, hoje se encontra ameaçada. Empresários inescrupulosos e políticos de visão mesquinha têm feito da ganância e da especulação instrumentos de violação da paz e do equilíbrio da vida em sociedade.

O meio ambiente vem perdendo a sua qualidade. Agredido pela insensatez e a irresponsabilidade de muitos, agoniza qual um animal sangrado, e pede clemência para a tragédia da degradação ambiental e cosmológica.

Depois que o homem decretou a morte de Deus e do sagrado, parece mesmo que tudo se tornou possível, cumprindo-se assim a profecia do grande romancista russo Fiódor Dostoiévski.

A degradação ambiental, que hoje se espalha pelo mundo, tem recebido respostas muito convincentes da própria natureza, que aqui e ali vai se defendendo como pode, através de vulcões e terremotos, degelo das calotas polares, tsunamis marinhos e aquecimento de todas as regiões do planeta.

O ser humano, contudo, não recua e a sociedade de consumo vai achando normal a circunstância de conviver com o lixo e com as embalagens nunca recicláveis das mercadoras que consome, rejeitando o ciclo natural do ambiente à sua volta e substituindo-o pelo consumo de mercadorias e serviços provenientes da indústria do tóxico.

O homem que consome, de forma obsessiva, o ópio do mercado, e que sonha com o desejo do lucro, e que apoia, a seu turno, a poluição da natureza, parece mesmo que decidiu morrer abraçado com a sua imperfeição e com a sua teimosia de viés egoísta. Parece que decidiu sufocar a natureza, almejando assim o seu poder absoluto sobre o cosmos.

É possível que a voz dos ambientalistas, e daqueles que defendem a natureza, continue clamando no deserto, mas aceitar as coisas de forma diferente, e não reagir contra o agravamento da crise ambiental, me parece o jeito mesquinho de estar no mundo e de aceitar a sua total degradação.

Assim sendo, urge que as pessoas de boa vontade continuem resistindo ao avanço do mal e ao poder de degradação do universo, resultado da teimosia dos que não acreditam no amor e na compreensão, que maltratam a sensibilidade e tudo corrompem em nome dos bens materiais e dos interesses políticos inconfessos.

Para além de tudo, no entanto, está a esperança, a dignidade dos que sonham com a vida, que replantam a semente do bem e a partilha da Paz e da Justiça, porque os frutos perenes do amor, a defesa da ética e o denodo dos que lutam pelas formas de afirmação do bem e da verdade são as nossas crenças e os nossos valores de maior valia.

(Dimas Macedo, Fortaleza, inverno de 2012)

quarta-feira, 23 de maio de 2012

FELICIDADE REALISTA!


A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.

Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis. Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas.

E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito. É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista.

Ter um parceiro constante, pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um parceiro, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.

Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade. Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável.

Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz mas sem exigir-se desumanamente.

A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo.

Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Ela transmite paz e não sentimentos fortes, que nos atormenta e provoca inquietude no nosso coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade.

(Mário Quintana)

terça-feira, 22 de maio de 2012

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL

Pavões também não se bicam

Na política brasileira acreditava-se – o que, aliás, se comprova quase todos os dias – que tucanos de plumas mais vistosas se bicam com gosto e frequência. Era, acreditava-se, uma característica apenas deles. Agora, descobre-se que os pavões partidários também não se bicam, embora suas "armas" sejam menores que a dos tucanos. Petistas de vários costados andam eriçados com certas ações da presidente Dilma, apenas ainda não botaram seus bicos para fora – é gente que se queixa de perda de espaço, de pouca atenção, de mudanças de política e até, agora, de ignorar os riscos de julgamento do mensalão. Menos discretos, dois coloridos (não são assim os pavões) peemedebistas, Nelson Jobim e Michel Temer, trocaram bicadas, aliás, flechadas mesmo, na semana passada, explicitando certo mal estar existente no partido que vende a imagem de estar unido em torno de seus líderes atuais. Se o PMDB não for muito bem nas eleições municipais, a disputa vai se acentuar. O ar político não está dos melhores para as aves partidárias.

O que a Petrobras não diz ao Brasil. Nem à Argentina (I)

Publicamente, o governo brasileiro e a Petrobras receberam com naturalidade a tomada pela Argentina da petroleira YPF das mãos da espanhola Repsol. O Brasil não viu ameaças aos negócios da nossa empresa estatal do setor por lá. Recebeu em Brasília o ministro argentino responsável pela área petrolífera e interventor na reestatizada YPF e até acenou, mesmo que apenas como uma cordialidade diplomática, com a possibilidade de a Petrobras fazer novos investimentos no país vizinho como deseja a presidente Cristina Kirchner. Ao mesmo tempo, apesar de desejos manifestados pelo ministro das Relações Exteriores da Espanha, que inclusive esteve em Brasília na semana passada, Dilma se recusou a condenar a posição adotada por sua colega argentina. Não aplaudiu abertamente, pela óbvia razão de não despertar desconfianças em investidores sobre o Brasil. O governo brasileiro aparentou total normalidade no caso. Para a Petrobras, dizia-se, nada muda.

O que a Petrobras não diz ao Brasil. Nem à Argentina (II)

Para o mundo real, no entanto, o conteúdo é outro. Em recente documento encaminhado à SEC, a Petrobras apresenta de outra forma a questão da YPF. Não a normalidade que passou para os brasileiros. Segundo relato das agências de Notícias Infolatam e Efe, a Petrobras informou aos americanos que é provável que o governo de Kirchner "siga intervindo" na indústria petroleira além do que já fez com a Repsol. Informa também que a intervenção na YPF pode ter "efeitos materiais adversos" sobre seus "próprios negócios, condição financeira e resultados operacionais". Diz ainda que "as permissões e concessões de exploração de petróleo e gás na Argentina estão sujeitas a condições e podem não ser renovadas ou ser revogadas". A CVM foi comunicada oficialmente dessas preocupações? Os investidores brasileiros sabem dela? O governo Kirchner, com quem Dilma quer manter uma vida serena, sabe dessas desconfianças brasileiras?

O pior dos mundos?

O governo Dilma testa uma "nova" política econômica, na qual o tripé usado nos últimos anos do governo FHC e na maior parte dos anos do governo Lula – meta de inflação, superávit primário robusto e câmbio flutuante – é relativizado e dá lugar a outras variáveis, como a do crescimento econômico vigoroso, com mais incentivo ao consumo interno num momento delicado. Os ventos do exterior sopram cada vez mais incertezas, para o lado negativo . E o mar interior não está nada róseo :

1. A inflação, discursos oficiais à parte, não dá sinais de arrefecer até agora, caminha para ficar mais para cima dos 5% do que para o perseguido centro de meta de 4,5%.

2. O crescimento da economia está lento e a recuperação do ritmo, esperada para o segundo trimestre foi adiada nas expectativas gerais, para o segundo semestre. Sem milagres, se o PIB ficar um pouco acima dos 2,7% do ano passado, em torno de 3% já será considerado excelente.

3. O forte crescimento da arrecadação tributária prevista inicialmente no Orçamento, uma das bases para, ao mesmo tempo, manter-se os gastos públicos, custeio e investimento, em níveis mais elevados que no ano passado e a meta de superávit primário de 3,1% do PIB, já está se frustrando. O Ministério do Planejamento, no relatório de avaliação fiscal do bimestre março/abril, reavaliou a previsão de receita em menos R$ 10 bilhões.

4. Os investimentos, tanto os privados quanto os públicos, estão em câmara lenta. Segundo as estimativas do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, as inversões particulares no Brasil (medidas pela formação bruta de capital fixo, sigla FBKF) encolheram 2,5% em relação aos três meses anteriores. Do lado oficial, os investimentos tiveram uma queda de 5,5% nos primeiros quatro meses de 2012 em relação ao mesmo período do ano passado.

Nessa situação, haja discurso otimista do ministro Guido Mantega, que espalha sua confiança dia sim outro também, e de seus auxiliares. Ontem mesmo, Mantega deitava esta pregação no "Valor Econômico" e o secretário da Política Econômica do Ministério da Fazenda espargia a mesma lenga lenga no "Brasil Econômico". Como Dilma não quer ver a economia patinando, o governo começou a atacar ontem, com corte no IPI dos carros e outros incentivos ao consumo. Reprises de um filme - o crescimento pelo consumo - esgotado no momento, segundo muitos analistas.

Mais uma jabuticaba?

Mesmo com o gosto pela cor rósea, o governo já admite internamente que o PIB deste ano não será o dos sonhos da presidente Dilma. O ministro Guido Mantega deu a senha em entrevista ao "Estadão" ao admitir que partir de um patamar de 2,7% (o PIB de 2011) não é todo ruim. Mas não dá o braço totalmente a torcer e, como os meteorologistas costumam falar em "sensação térmica" quando o frio que as pessoas sentem parece maior do que aquele que os termômetros marcam, imagina que chegaremos ao fim do ano com uma sensação de PIB de 4,5% a 5%. Mais uma genuína contribuição brasileira para o vocabulário econômico.

O BC e suas circunstâncias

É diante desse quadro que o BC não terá outra circunstância do que continuar a queda, em ritmo acelerado da taxa de juros. Para a maioria dos analistas, o piso do fim do ano da Selic não será mais 8%, mas 7,5%.

A volta de uma expressão

Se a cabriolé da economia não mudar de ritmo como Dilma quer e Mantega assegura que ocorrerá e a situação europeia se deteriorar ainda mais como muitos parecem acreditar, não será surpresa que uma expressão em voga no Brasil depois que FHC deixou o governo, a tal "herança maldita", volte ao proscênio no linguajar oficial. Mesmo que discretamente sussurrado e endereçado não mais ao seu primeiro destinatário.

Silêncio constrangedor

Mesmo diante desse quadro, a oposição não tem o que dizer. Nem para uma condenável crítica aberta, puramente oportunista, muito menos com propostas concretas para políticas diferentes das que estão em jogo. O silêncio ecoa diante dos eleitores mais atentos e mais informados. Quando alguém ousa sair do óbvio, como recentemente o senador Aécio Neves em Recife, falando em uma "agenda para o Brasil da oposição para os próximos 20 anos", não explicita suas ideias. Governo politicamente balofo e oposição raquítica de nomes e ideias: eis os males do Brasil neste momento.

Enquanto isso, na Europa...

A cada semana que passa os sinais mostram que os líderes europeus não estão habilitados a lidar com a imensa crise do Velho Continente. O desemprego grassa por todos os países e a receita germânica de austeridade dá provas inequívocas de sua incompatibilidade com a realidade financeira dos países meridionais da Europa. A Espanha está à beira de um colapso de seu setor financeiro, a França apresenta sinais de acentuação da crise de emprego e a Itália se sustenta enfrentando a cada leilão de títulos públicos maiores custos e menor liquidez. A Grécia provavelmente sairá do euro e restará mais incerteza e sofrimento. Não vale apostar numa estabilização das economias europeias caso as medidas e políticas continuem dentro do padrão atual.

Commodities em queda

Desde o começo do mês as perdas dos mercados acionários foram de mais de US$ 4 trilhões. A instabilidade europeia está diretamente ligada a este resultado. Os preços das commodities persistem caindo, no rastro de uma substancial desmobilização de ativos por parte dos especulativos fundos hedge. Na semana passada, completou-se o período de três semanas seguidas de queda nos principais índices de commodities. Grande parte do segmento de metais está caindo, bem como as commodities agrícolas, especialmente o suco de laranja. Para o Brasil, este cenário é, ao mesmo tempo, deflacionário e redutor da atividade econômica. Note-se que a China pode ter um crescimento ainda menor que os 6% inicialmente imaginado considerando-se este cenário. Neste sentido, as exportações brasileiras devem sofrer muito mais que outros países, dado que a pauta de comércio exterior está muito mais dependente do desempenho das commodities que nos anos 80 e 90 do século passado.

JP Morgan: mais um sinal dos tempos

A perda de US$ 2 bilhões em operações de tesouraria com derivativos do banco americano não deve ser considerado como uma "exceção" na indústria financeira internacional. Muitos bancos podem não ter registrado perdas gigantescas como esta, mas o potencial de perdas é enorme. Infelizmente, desde a crise de 2008, os órgãos reguladores das principais economias não foram capazes de impor legislações mais rigorosas para que se evite este tipo de perdas. Os lobbies da área financeira são poderosos e paralisaram a onda reformista que parecia estar surgindo ao final de 2008. O que se vê é um elevado nível de complacência regulatória que enfraquece o sistema financeiro e a economia mundial. Os políticos permanecem captando recursos para as suas campanhas eleitorais no rico mundo financeiro. Sobretudo nos EUA. Especialmente, no caso do ex-reformista Barack Obama.

Direto para o forno de pizza

Ou alguns políticos mais audazes e menos comprometidos entram no jogo ou a CPI Cachoeira-Delta vai morrer lentamente nas mãos de pizzaiolos de diversas colorações partidárias. A oposição discursa e faz corpo mole. E os situacionistas ficam definidos no torpedo "nós somos teu" dirigido pelo deputado petista de SP e ex-líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, ao encapuzado (ou melhor, "enguardanapado") governo do RJ, Sérgio Cabral. O lado mais raivoso do situacionismo tinha como foco na CPI o procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, parte da imprensa, em especial a "Veja" e a oposição. Agora, o foco (ou a falta de foco) é evitar que a CPI vá mais fundo nas investigações. Para Dilma é um alívio que os aliados tenham tomado juízo, pois chegar fundo na Delta e em Cachoeira paralisa o Congresso e pode parar centenas de obras federais Brasil afora.

Salvando os bancos públicos?

A intenção, anunciada na imprensa e não desmentida oficialmente, de transferir créditos atrasados (também conhecidos como créditos podres) da CEF para a Empresa de Gestão de Ativos do Ministério da Fazenda, e que pode ser estendida a outros bancos oficiais, BB e que tais, tem cheiro de limpeza dos balanços dessas instituições, depois que elas foram forçadas a ser generosas nos juros e nos empréstimos ao público. Salvamento disfarçado em operação técnica. Há indícios de que o balanço da Caixa mostrará que todo o lucro dela decorre da remuneração dos serviços prestados ao governo, como um dos agentes financeiros oficiais. As operações com o público estariam no vermelho e com um azul bem tisnado.

Rir para não chorar

Como não tem infraestrutura viária (nem hoteleira, diga-se) para atender as necessidades de circulação de visitantes da cidade na Rio + 20, o governo carioca de Eduardo Paes, de comum acordo com o governo estadual e Brasília, declarou oficial feriado local nos dias da reunião de cúpula da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, 20, 21 e 22 de junho, um feriadão que vai de quarta-feira até domingo. E, como o ritmo dos preparativos para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 está de lento a quase parando, já se prevê que feriados idênticos poderão ser decretados por ocasião de algumas das competições desses grandes eventos. Pela Copa, ainda, o calendário escolar deverá mudar no país inteiro e as cidades-sedes deverão ter feriados nos dias dos jogos para facilitar o trânsito. A possibilidade é tanta que o humor carioca já está sugerindo até que se enforque de uma vez também o ano de 2015, exprimido que ficará entre duas memoráveis festas.

E a Igreja Católica ainda não sabe o porquê

Atrelada a exigências e comportamentos um tanto antiquados, alguns até mediáveis, a Igreja Romana mostra as estatísticas : vem perdendo fiéis para outras denominações religiosas, especialmente os neopentecostais. Estas andam muito mais afinadas com o "novo mundo". Em São Paulo, por exemplo, a Igreja Universal tem pelo menos um templo em que há um "drive thru de oração". Outro, tem uma espécie de "terceirização" também das orações: o fiel encontra um caixinha onde deixa o pedido de uma reza, sua contribuição pecuniária e alguém de direito ora por ele. Não há conhecimento ainda se a Universal aceita orações pela Internet ou tem delivery para esse serviço.

(Por José Márcio Mendonça e Francisco Petros)

domingo, 20 de maio de 2012

ANIVERSÁRIO



Sempre quando celebro o dia em que nasci, lembro dessa poesia que escrevi faz trinta anos.

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Que poderia eu dizer-te
Pelo aniversário, pela minha vida?

Só posso te dizer o que é possível
Dizer uma pessoa que ama
Com amor
O que não é amável!

Tenho apenas aquilo que é tudo:
O sorriso de infância, a alegria permanente!
E a alegria te envio
Como uma carta transparente.

Eu sou, camponesa, o errante menino
Que não se banha com lágrimas
Nem experimenta roupas de tristeza.

Ando somente com uma luz suave
E tudo aquilo que me toca
Sente o poder da amizade.

Agradam-me os violões
E as músicas que lhes saltam.

Admiro os pássaros... e quando saio voando
Tenho o coração mais vasto que o horizonte azul,
E o Sol luminoso a cada dia de Paz
Afasta de mim as dores e cicatrizes.

Para esta aventura te convoco, amiga,
Como uma abelha que convida outra abelha
Para conhecer a Árvore de Mel.

Quero que a partir de agora passes
A pertencer ao que é fecundo e germinal:
À vontade de nascer – das sementes
À teoria silenciosa – das noites
À fúria juvenil – dos ventos
À claridade derramada – das manhãs
À floração colorida – das primaveras!

Sou apenas aquilo que não sou
E por isso te desejo que sejas
Aquilo que hoje tu não és!

(Júnior Bonfim, em "Poesias Adolescentes e Maduras")