terça-feira, 31 de dezembro de 2013

FELIZ DIA NOVO!

Todo ritual de passagem – e o conjunto de gestos e decodificações simbólicos na travessia de um ano para outro é exatamente isso – tem um forte apelo à transformação. É um mergulho nas águas batismais do Jordão. O incenso que exala do ciclo de alteração anual é um convite a um passeio pelos labirintos da memória e ao êxtase do sonho da projeção. Daí o mantra “Feliz Ano Novo!”.

Repisando o gramado do itinerário pessoal, fiquei relembrando algumas lições que solidifiquei ao longo dos últimos anos. Quero compartilhar três delas.

A primeira é a tradução daquele longevo ensinamento dos nossos ascendentes: “fazer o bem sem olhar a quem”. No que pertine a esse mandamento, somos sempre estimulados a distinguir quem é merecedor e quem não o é. Evite isso. Faça o bem sem olhar a quem. Faça o bem! E não espere atitudes de retorno ou gestos de gratidão de quem, naturalmente, deveria prestá-los. A vida nos surpreende. Quantas vezes, sem explicação plausível, recebemos recompensas incomensuráveis de pessoas que nenhum débito têm para conosco?! Quase sempre a bondade retorna para nós por vias desconhecidas, surpreendentes e inimagináveis!... Por isso, faça o bem sem olhar a quem!

A segunda: alimente esse vulcão indomável, essa cachoeira silenciosamente rumorosa, essa árvore singela de raízes colossais chamada fé. Descobriu-se que o átomo, a menor partícula de um elemento químico, é pura energia. O maior fenômeno da evolução tecnológica, a transmissão de dados por via digital, que aparentemente parece fruto de ímpeto materialista, só se concretiza porque as pessoas crêem. Crêem que, instantaneamente, imagens podem ser enviadas de um extremo para outro do planeta. Tudo é energia, inclusive nós. Ironicamente, é preciso se ter muita fé para não acreditar em Deus...

A terceira é: renove. Inove: renove-se continuamente. Alguns gênios do nosso cancioneiro conseguiram a façanha de revestir melodias bonitas com conteúdos de linho filosófico. São profetas da composição. Suas músicas se incorporaram às partituras de nossas almas. Gonzaguinha – oh! quão cedo se foi! - quedou-se imortalizado em pérolas compositivas carregadas de interrogação e exclamação. Em uma delas, O Que É, O Que É?, com a singeleza de um infante, traduziu esse espasmo mágico de quem ainda mantém acesa a brasa da infância: “Eu fico/ Com a pureza/ Da resposta das crianças/ É a vida, é bonita/ E é bonita.../ Viver!/ E não ter a vergonha/ De ser feliz/ Cantar e cantar e cantar/ A beleza de ser/ Um eterno aprendiz...”

Chico Buarque, no hino filosofal intitulado Todo o Sentimento, fala-nos do encantamento com o tempo da delicadeza. A delicadeza é encantadora. Dilata a mente, desobstrui artérias do corpo e da alma, cura feridas, revitaliza o ser. Eis o desafio para 2014: inaugurar o tempo da delicadeza! Tornar diário o mantra anual. Ao invés do voto de um ano novo, fazer a cada manhã os votos de um dia novo. Construir e desejar Feliz Dia Novo!

Júnior Bonfim

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

POR QUE NO MEIO DA DOR OS NEGROS, DANÇAM, CANTAM E RIEM

Milhares de pessoas em toda a África do Sul misturam choro com dança, festa com lamentos pela morte de Nelson Mandela. É a forma como realizam culturalmente o rito de passagem da vida deste lado para a vida do outro lado, onde estão os anciãos, os sábios e os guardiães do povo, de seus ritos e das normas éticas. Lá está agora Mandela de forma invisível mas plenamente presente acompanhando o povo que ele tanto ajudou a se libertar.

Momentos como estes nos fazem recordar de nossa mais alta ancestralidade humana. Todos temos nossas raízes na África, embora a grande maioria o desconheça ou não lhe dê importância. Mas é decisivo que nos reapropriemos de nossas origens, pois elas, de um modo ou de outro, na forma de informação, estão inscritas no nosso código genético e espiritual.

Refiro-me aqui a tópicos de um texto que há tempos escrevi sob o título Somos todos africanos, atualizado face à situação atual mudada. De saída, importa denunciar a tragédia africana: é o continente mais esquecido e vandalizado das políticas mundiais. Somente suas terras contam. São compradas pelos grandes conglomerados mundiais e pela China para organizar imensas plantações de grãos que devem garantir a alimentação, não da Africa mas de seus países, ou negociadas no mercado especulativo. As famosas land grabbing possuem, juntas, a extensão de uma França inteira. Hoje, a África é uma espécie de espelho retrovisor de como nós humanos pudemos no passado, e podemos hoje ainda, ser desumanos e terríveis. A atual neocolonização é mais perversa que a dos séculos passados.

Sem olvidar esta tragédia, concentremo-nos na herança africana que se esconde em nós. Hoje é consenso entre os paleontólogos e antropólogos que a aventura da hominização se iniciou na África, cerca de 7 milhões de anos atrás. Ela se acelerou passando pelo homo habilis, erectus, neanderthalense até chegar ao homo sapiens, cerca de 90 mil anos atrás. Depois de ficar 4,4 milhões de anos em solo africano, este se propagou para a Ásia, há 60 mil anos; para a Europa, há 40 mil anos; e para as Américas há 30 mil anos. Quer dizer, grande parte da vida humana foi vivida na África, hoje esquecida e desprezada.

A África, além de ser o lugar geográfico de nossas origens, comparece como o arquétipo primal: o conjunto das marcas, impressas na alma de todo ser humano. Foi na África que este elaborou suas primeiras sensações, onde se articularam as crescentes conexões neurais (cerebralização), brilharam os primeiros pensamentos, irrompeu a criatividade e emergiu a complexidade social que permitiu o surgimento da linguagem e da cultura. O espírito da África está presente em todos nós.

Identifico três eixos principais do espírito da África, que podem nos inspirar na superação da crise sistêmica que nos assola.

O primeiro é o amor à Mãe Terra, a Mama Africa. Espalhando-se pelos vastos espaços africanos, nossos ancestrais entraram em profunda comunhão com a Terra, sentindo a interconexão que todas as coisas guardam entre si, as águas, as montanhas, os animais, as florestas e as energias cósmicas. Sentiam-se parte desse todo. Precisamos nos reapropriar deste espírito da Terra para salvar Gaia, nossa Mãe e única Casa Comum.

O segundo eixo é a matriz relacional (relational matrix no dizer dos antropólogos). Os africanos usam a palavra ubuntu que significa:“Eu sou o que sou porque pertenço à comunidade” ou “eu sou o que sou através de você, e você é você através de mim”. Todos precisamos uns dos outros; somos interdependentes. O que a física quântica e a nova cosmologia dizem acerca de interconexão de todos com todos é uma evidência para o espírito africano.

A essa comunidade pertencem os mortos como Mandela. Eles não vão ao céu, pois o céu não é um lugar geográfico, mas um modo de ser deste nosso mundo. Os mortos continuam no meio do povo como conselheiros e guardiães das tradições sagradas.

O terceiro eixo são os rituais e celebrações. Ficamos admirados que se dedique um dia inteiro de orações por Mandela, com missas e ritos. Eles sentem Deus na pele, nós ocidentais na cabeça. Por isso dançam e mexem todo o corpo, enquanto nós ficamos frios e duros como um cabo de vassoura.

Experiências importantes da vida pessoal, social e sazonal são celebradas com ritos, danças, músicas e apresentações de máscaras. Estas representam as energias que podem ser benéficas ou maléficas. É nos rituais que ambas se equilibram e se festeja a primazia do sentido sobre o absurdo.

Notoriamente, é pelas festas e ritos que a sociedade refaz suas relações e reforça a coesão social. Ademais nem tudo é trabalho e luta. Há a celebração da vida, o resgate das memórias coletivas e a recordação das vitórias sobre ameaças vividas.

Apraz-me trazer o testemunho pessoal de um dos nossos mais brilhantes jornalistas, Washington Novaes:“Há alguns anos, na África do Sul, impressionei-me ao ver que bastava se reunirem três ou quatro negros para começarem a cantar e a dançar, com um largo sorriso. Um dia, perguntei a um jovem motorista de táxi: "Seu povo sofreu e ainda sofre muito. Mas basta se juntarem umas poucas pessoas, e vocês estão dançando, cantando, rindo. De onde vem tanta força?" E ele: "Com o sofrimento, nós aprendemos que a nossa alegria não pode depender de nada fora de nós. Ela tem de ser só nossa, estar dentro de nós".

Nossa população afrodescendente nos dá a mesma amostra de alegria que nenhum capitalismo e consumismo pode oferecer.

(Leonardo Boff - teólogo, filósofo e escritor)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

CONJUNTURA NACIONAL

De jeito nenhum

Vez ou outra, valho-me do agudo observador da cena brasileira e esforçado amigo Sebastião Nery para abrir a coluna. Como é o caso desta. A historinha se dá nos tempos turvos da promulgação do AI-5, em dezembro de 68, quando foram fechados os Legislativos e os parlamentares eram obrigados a fazer uma declaração de bens de 10 anos anteriores. João Batista Botelho, conhecido na Assembleia Paulista como "João Cuiabano", preparou seu dossiê e, quando ia enviá-lo a quem de direito, foi advertido por um assessor :

- Nobre deputado, Vossa Excelência tem de enviar a eles também o seu currículo.

João, homem de poucas letras, do alto de sua bravura, virou uma fera :

- Isto eu não vou dar de jeito nenhum. Só conseguirão se passarem sobre meu cadáver.

Dito e feito!

Serra, ufa, desiste

José Serra, ufa, desistiu de ser candidato à presidente da República. E assim, deixa Aécio Neves livre para botar a candidatura nas ruas. Serra fez a confissão pública da desistência, via twitter/facebook. Pediu, até, que os tucanos formalizassem a candidatura. Negócio seguinte : quanto mais Serra demorasse, mais incertezas jogaria na arena eleitoral. Exibe, hoje, uma intenção de voto maior que a de Aécio, mas, ao correr de uma campanha, a tendência aponta para um crescimento do candidato mineiro nas pesquisas. O agora liberado Aécio adensa sua movimentação e apresenta esta semana as 12 diretrizes que servirão de base ao programa do PSDB.

"Os poderosos podem destruir uma, duas ou três flores, mas nunca deterão a primavera". Che Guevara

Chances do mineiro

As chances de Aécio dependerão do estado geral da economia em 2014, ou, mais precisamente, nas margens de outubro de 2014. Com a economia descontrolada, as oposições veriam ampliadas suas condições. A recíproca é verdadeira. No caso específico de Aécio, há uma barreira a saltar: encarnar o perfil do novo, do inovador. O neto de Tancredo Neves expressa os fortes valores da política mineira. Se sair com quatro milhões de votos de maioria, em MG, conta com boas condições de entrar no segundo turno. SP, o maior colégio eleitoral, pode vir a se encantar com a lábia mineira. Vai depender do canto mavioso de Geraldo Alckmin. E também da polarização entre tucanos e petistas. Se vingar, seria vantajosa para Aécio.

"O amor é a força mais abstrata, e também mais potente, que há no mundo". Mahatma Gandhi

Alckmin sob tiroteio

Outro fator a ser considerado será o tiroteio sobre o governador Geraldo Alckmin. O affaire dos trens - denúncias de cartel - será muito usado pelo PT, até para tentar anular os efeitos do mensalão. Alckmin tem imagem positiva, é cordial, começa a adensar a visibilidade - com campanhas institucionais do governo - e possui forte penetração no interior do Estado. Se o eleitorado entrar no jogo da polarização com o PT, será ele o maior beneficiado. SP é um bastião feroz contra o petismo. A rejeição ao PT soma entre 30% a 35%. Em eventual segundo turno, Alckmin levaria a melhor.

"Um espírito mesquinho é como um microscópio: aumenta as pequenas coisas, mas impede de ver as grandes". Philip Chesterfield

Efeito maldhad

O prefeito Haddad não está bem nas planilhas de avaliação. Os índices exagerados de aumento do IPTU geraram protestos. Ainda bem que recursos da FIESP e do PSDB barraram o aumento. Mesmo assim, sobram críticas. Grupos de sem terra e sem teto acampam na frente da prefeitura, no viaduto do Chá. A cidade está um caos. Os corredores exclusivos de ônibus apertam os espaços dos carros. Os congestionamentos se multiplicam. Esse efeito - chamado jocosamente de maldhad - terá consequências eleitorais. A conferir.

"Deixe-me dizer, com o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é feito de grandes sentimentos de amor". Che Guevara

Padilhando

O ministro Alexandre Padilha, da Saúde, é a grande esperança de Lula para tomar o principal bastião de resistência ao petismo, o Estado de SP. O maior cabo eleitoral do país espera repetir com Padilha o que fez com Haddad. Tirou um nome asséptico do bolso do colete e conseguiu elegê-lo prefeito. Mas a campanha municipal não foi afetada pelo episódio do mensalão. Nos últimos tempos, o episódio ganhou ampla visibilidade. Lula sabe que não será fácil alavancar seu candidato. O PT pode, até, resgatar seus históricos 25% a 30% dos votos. Mas e a rejeição ao petismo?

"Quem perde a fortuna perde muito; mas, quem perde o caráter, perde tudo". Emerson

Financiamento de campanha

Acabar com o financiamento privado de campanha, a partir da proibição de doações de recursos por empresas, é uma medida saneadora ? Em princípio, sim. Evitaria que o poder econômico agisse como o principal motor eleitoral. Sejamos, porém, realistas. O poder econômico vai continuar a dar apoio a candidatos. Como ? Por debaixo do pano. O caixa dois será bem usado. Desta feita, se houver proibição, com mais intensidade. Política e interesses privados caminham juntos. Poderá haver um refluxo nos custos gerais das campanhas, mas a grana privada continuará a entrar nos cofres eleitorais.

Quem ganha mais

Se houver proibição de doações privadas de empresas, quem ganhará mais com a medida? O PT. Pelas seguintes razões: 1. é o partido mais orgânico, mais vertical, mais capaz de engajar os quadros na luta eleitoral; 2. é um dos partidos que mais recursos recebem do fundo partidário (tem o maior número de deputados Federais); 3. é o partido no comando do poder, ou, noutra leitura, é o partido que detém o poder da caneta. É comum se dizer que o poder da caneta lidera os outros Poderes; 4. é o partido com o maior número de quadros e comandos da máquina Federal em todos os Estados da Federação. Logo, interessa ao PT fechar os dutos financeiros dos partidos, pois os seus cofres estarão bem abastecidos.

"O caráter não é esculpido em mármore, não é algo sólido e inalterável. É algo vivo e mutável, e pode tornar-se doente, como se torna doente o nosso corpo". George Eliot

STF e a proibição

Parece esdrúxula essa decisão do STF de julgar a questão da doação de recursos de empresas para campanhas. Trata-se de matéria típica do Congresso Nacional. O que tem a ver a Suprema Corte com um tema de exclusiva competência da representação política ? Simples. O STF foi acionado pela OAB. E se há um recurso que chega ao seu foro, não pode deixá-lo de lado. Ou seja, por falta de legislação específica, os juízes darão sua interpretação, à luz da Constituição, e julgam. E se o Supremo proibir as doações privadas, o Congresso poderá criar uma lei permitindo tais recursos ? Sim. Estamos, portanto, diante do seguinte fato : o STF pode desaprovar e o Congresso aprovar. No momento em que a lei permitir a doação de recursos por parte de empresas, a interpretação dos ministros cairá por terra. É o que se divisa no horizonte. A conferir.

Posse do Marcelo

Faço uma homenagem ao dr. Marcelo Cascudo, que toma posse, amanhã, quinta-feira, no Palácio dos Bandeirantes, como presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. A entidade foi criada pelo inesquecível cirurgião, dr. Euríclides de Jesus Zerbini, e já foi presidida pelo dr. Adib Jatene. Marcelo é um potiguar, como este escriba, e um dos mais prestigiados cirurgiões cardíacos do país. Marcelo é um líder. E um médico que inscreve seu nome na galeria da excelência.

Rebelião na Papuda?

Juízes substitutos da vara de Execuções Penais, responsáveis pela prisão de condenados do processo do mensalão, querem ser removidos. A causa? Receio de rebelião na penitenciária da Papuda. Poderia haver fuga em massa nas vésperas de Natal. Criou-se, ali, a partir da prisão dos mensaleiros, um tratamento desigual. Os chamados presos comuns não se conformam com as regalias aos condenados da AP 470.

Fenaserhtt elege diretoria

Entidade representativa oficial do setor de prestação de serviços especializados e de trabalho temporário no Brasil, a Fenaserhtt (Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de Recursos Humanos, Trabalho Temporário e Terceirizado) tem nova diretoria para o quadriênio 2014/2017. Vander Morales, presidente do Sindeprestem (Sindicato Patronal Paulista do Setor), foi eleito para comandar os rumos da Fenaserhtt. "A federação representa a concretização de um antigo sonho do empresariado. É uma organização maior, com mais poder de representatividade e participação nos debates na esfera governamental e fóruns tripartites", diz Morales.

O roubo de duas melancias

O juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3ª vara criminal de Palmas/TO, deu o seguinte despacho sobre o auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, detidos em virtude de suposto furto de suas melancias.

- "Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na universidade do crime (o sistema penitenciário nacional). O juiz continuou:

- Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário. Poderia brandir minha ira contra os neoliberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia! Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?

- Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.

- Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo. Expeçam-se os alvarás. Intimem-se".

Conselho aos cartolas

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos membros do PT. Hoje, volta sua atenção aos cartolas :

1. Urge exigir do STJD regras mais claras para julgamento de clubes e jogadores. Um time é apenado com rebaixamento por ter escalado jogador suspenso. A Lusa desce e o Fluminense sobe.

2. Mas, em 2010, ao que se divulga, o Fluminense sagrou-se campeão nacional, cometendo a mesma penalidade da Portuguesa. Escalou o jogador Tartá, suspenso.

3. Ao que parece, há uma tentativa de deixar os grandes times em situação melhor. Os clubes médios, sem grande poder, são mais punidos. Essa é a Justiça esportiva que temos ? Por que não temos regras mais claras ? Ou será que, por nossas plagas, continua vingando o ditado: "os pobres nunca deviam fazer guerra" ?

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(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL

A senha para o Federal Reserve

Caros leitores: do ponto de vista econômico, este final de ano e início de 2014 será repleto de sinais importantes. No âmbito interno, o Natal pode ser mais fraco que o sinalizado pelos indicadores antecedentes. Mas, nos EUA pode ocorrer um sinal importantíssimo. Como se sabe, republicanos e democratas andam às turras nas discussões sobre o teto do orçamento público Federal. Republicanos querem criar um teto realista para o afrouxamento da política monetária do Fed e os democratas desejam prorrogar o máximo possível as políticas de estímulo que já fizeram o desemprego cair bem este ano e o consumo e investimento voltarem a crescer. Pois bem : as negociações atuais no Congresso dos EUA sobre o orçamento podem pavimentar o caminho para que o Fed reduza o estímulo monetário. Ou seja, os republicanos aceitaria um déficit maior que o proclamado na mídia, mas o Banco Central americano teria de reduzir as compras de títulos no mercado. Isso provocará a elevação da remuneração dos títulos do Tesouro norte-americano e jogará o dólar para cima em relação às outras moedas do mundo.

Inflação, um problema substantivo

Os agentes econômicos já sabem que o governo da presidente Dilma, cujo assessor Guido Mantega propala as suas políticas, é leniente com a inflação. Cabe alertar, adicionalmente, que o governo, ao reprimir preços públicos, está causando risco maior às expectativas, pois estas se movem pelos fatos verdadeiros não pelos fantasiosos. Todos sabem que dos combustíveis à energia elétrica há preços comprimidos pela estratégia enganosa do governo. De outro lado, há o risco de a taxa de câmbio se desvalorizar mais acentuadamente por conta da deterioração das expectativas domésticas e da mudança de curso da política norte-americana após as negociações do Congresso entre democratas e republicanos (Dilma Rousseff é presidente do Brasil e não tem como mandar em Obama, no Congresso dos EUA e no Federal Reserve). Neste caso, o repasse do custo do câmbio nos preços internos pode ser rápido e acentuado. Para se ter uma noção a cada 1% de aumento no câmbio, potencialmente os preços domésticos podem subir entre 0,15% e 0,20%. Para não subir, o PIB terá de ficar mais fraco do que hoje.

Fundamentos e mercados - 1

Analistas de investimentos, nos primeiros anos de atividade, aprendem analisar as variações de preços dos ativos reais e financeiros. A lição central das teorias e técnicas lecionadas é a de que os "fundamentos" alinham os preços em diferentes patamares a partir de uma relação entre riscos e retornos esperados. Pois bem : a economia brasileira está apresentando riscos crescentes em pelo menos quatro "áreas" : (i) estruturalmente, o país perde competitividade fruto de aspectos que vão da baixa educação e tecnologia, passando pela elevada criminalidade até os conhecidos problemas de infraestrutura ; (ii) do ponto de vista fiscal temos um Estado que gasta mal, arrecada muito e, assim, produz déficits potenciais crescentes ; (iii) do ponto de vista monetário, o BC ajusta as irresponsabilidade fiscal por meio da elevação da taxa de juros, uma das maiores do mundo. O BC acaba por onerar toda a atividade de investimento e consumo do país e (iv) a taxa cambial acaba por ficar valorizada, pois os investidores do mundo inteiro acabam por ingressar com recursos no país para aplicar recursos financeiros nos elevados juros do país. Este caminho tortuoso não é superado desde meados da década de 1980. No governo Dilma foi agravado por equívocos cometidos exclusivamente por escolhas erradas, tal qual a "maquiagem de números fiscais".

Fundamentos e mercados - 2

Considerados os aspectos salientados na nota anterior, cabe alertar aos nossos leitores que está se tornando cada vez mais provável que os diversos segmentos do mercado financeiro sofram alterações nos preços, possivelmente bruscas e no curto prazo (próximos três meses). No mercado acionário, os ativos (observados no seu conjunto) nos parecem muito caros. No mercado cambial, as pressões externas (e internas) serão crescentes (vide nota "A senha para o Fed"). Os salários reais estão altos em função da ainda satisfatória taxa de desemprego, mas esta variável é a última que se ajusta a um cenário pior, bem como é a última que melhora na saída de cenários ruins - veja-se o que ocorre na Europa e nos EUA. À luz dos fundamentos globais (especialmente dos EUA) e da economia brasileira, o momento nos parece recomendar moderação nos riscos e contenção em relação às expectativas de retorno esperado. Infelizmente, o Brasil pode ser um país bem melhor, mas isto dependeria de escolhas políticas melhores. Não sendo assim, também não há porque esperar que um milagre ocorra.

A política como necessidade premente

O que mais impressiona no Brasil, nestes últimos anos, é a ausência de mobilização política para mudar as estruturas e conjunturas econômicas, políticas e sociais. Os avanços dos "anos Lula" nos mostram que o jogo é eleitoral e não geracional. Com Dilma, aprofunda-se o perfil político voltado para as próximas eleições. Nem mesmo as elites do país, detentoras do "poder político real" se mobilizam para mudar o curso da política e da economia. Temem que seus interesses imediatos possam ser prejudicados pelo governo - quem sabe ? As oposições, pequenas em número de representantes, mesmo que com uma base social potencialmente respeitável, parecem aderir à sina de Dilma de fincar os olhos na próxima eleição. Um vazio considerável. Há outros fatores psicossociais, tais como a mídia e os mitos oriundos da participação na Copa do Mundo de futebol e nas Olimpíadas que acabam por obscurecer ainda mais o cenário político. Bem, esta é apenas uma nota, não uma tese de doutorado. Chamamos atenção apenas para o vazio político, perigoso e causador do imobilismo social e político.

Risco-Brasil

Chega em fevereiro ao Brasil uma equipe técnica da Standard & Poor's para fazer um relatório sobre a economia brasileira a qual servirá de base para analisar a nota sobre o risco de crédito do país (country risk analysis). Hoje o Brasil está num patamar acima da nota de grau de investimento (investment grade). Se a nota for reduzida o país perde este grau e também muitos investimentos de vez que muitos fundos e investidores utilizam os relatórios de análises da S&P como parâmetro básico para suas aplicações. Acreditamos que, antes de mudar a nota do país, a S&P deve colocar o Brasil em "perspectiva negativa". As razões para esta expectativa são evidentes : piora do desempenho fiscal, a tentativa da Fazenda em mascarar tais resultados e o fraquíssimo desempenho do PIB. Uma coisa chama atenção neste processo : a atitude arrogante das autoridades brasileiras em receber a equipe de analistas das agências de classificação de risco. Muito embora o trabalho destas agências mereça críticas dada a ausência de alerta da parte destas antes da crise de 2008, nada justifica a arrogância da equipe econômica liderada pela presidente Dilma. A economia brasileira vai mal, mas o ego de Dilma e equipe não amaina.

Automóveis, segurança e eleição - 1

Choca e surpreende a decisão do governo, anunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que será adiada a entrada em vigor da norma que determina que todos produzidos no Brasil a partir de janeiro já saiam da fábrica com freios ABS e com air bag duplo. O Brasil é um dos campeões mundiais em acidentes e mortes no trânsito e eliminar dois itens essenciais para a segurança dos veículos e proteção dos cidadãos é ato que beira a irresponsabilidade. A medida já estava tomada há muito tempo e todos deveriam já ter se adaptado a ela. Mais grave ainda é a alegação do ministro Mantega para a decisão : evitar o efeito do aumento dos veículos sobre a inflação, ainda que o IPI reduzido começa a cair em janeiro, e evitar desemprego na indústria automobilística com a suspensão da produção de alguns veículos.

Automóveis, segurança e eleição - 2

O ministro antepôs a economia, que é um meio, frente à segurança e ao bem estar da população, que deveria ser um fim. Parece que tudo está invertido. O fim neste momento para o Palácio do Planalto é bem outro : a reeleição da presidente Dilma. É por ela que os carros sem segurança vão ganhar uma sobrevida. O temor real do governo é que um pouco mais de inflação e algum possível desemprego influam no ânimo dos eleitores. Como a política antiinflacionária está cambeta, ou seja, se combate mais o índice do que os fatores inflacionários, é preciso continuar com manobras que segurem artificialmente os índices que medem a inflação. O padrão incluía o controle dos preços da gasolina e do óleo diesel. Agora, inclui até air bags e freios de carros. Este será o padrão para quase tudo em 2014.

Pode até recuar, mas...

Depois das reações negativas ao recuo na segurança dos automóveis, inclusive em algumas áreas do próprio governo, o Palácio do Planalto apressou-se em avisar que ainda não há uma decisão definitiva a respeito da questão. Teria o ministro da Fazenda, um dedicado e obediente auxiliar da presidente Dilma, falado demais e anunciado o que ainda é apenas um estudo ? Parece improvável. O governo pode até recuar agora, mas o estrago político já está feito. Para amenizar, o negócio será jogar a culpa para as montadoras: já se diz que foram elas que pediram o adiamento. Não é nada improvável. Porém, o governo não deveria ter levado isto em consideração nem por um instante sequer.

Mercosul: mais um revés

A Argentina restringiu a importação de automóveis para o país. Fere, mais uma vez, as regras básicas do Mercosul. Pouco importa se a diplomacia aponte os possíveis waivers para tal atitude. O certo é que o Mercosul é um solene fracasso para o Brasil, país que precisa de novos mercados e mais investimento. Não vamos a lugar nenhum, como a história já provou, se continuarmos associados à Argentina de Kirchner, à Bolívia de Morales e à Venezuela do fantasma de Chávez. Na semana passada, chamamos a atenção para este tema e acabamos "brindados" com o exemplo da restrição em relação à nossa indústria automobilística. Neste tema está chegando o tempo de acabar com tergiversações, de Lula e Dilma, em relação à América Latina. Por aqui a história parou. É preciso olhar para o norte e para o oriente. O resto é papo de botequim sob o som de samba ou tango.

PT: malabares e malabaristas - 1

A cúpula petista moveu almas e corações para se equilibrar entre as pressões dos grupos mais ligados aos seus filiados condenados no processo do mensalão para que o partido se solidarizasse com eles incondicionalmente, e as conveniências do governo da presidente Dilma e do próprio PT de não deixar o episódio contaminar o governo e a campanha eleitoral. Solidariedade sim, mas com limites, de olho em possíveis repercussões eleitorais. Assim transcorreu o 5º Congresso Nacional, de quinta-feira a sábado passados em Brasília. Na quinta, claque para defender José Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha e Delúbio Soares, com Dilma silenciosa e Lula se esquivando de ir mais fundo ao tema. Este último avisou que ainda não é hora de falar, uma referência indireta a Dirceu. Rui Falcão, presidente reeleito da sigla cumpriu a missão de fazer a defesa mais veemente dos companheiros.

PT: malabares e malabaristas - 2

Na sexta, demonstrações de solidariedade explícitas, contudo, com a ausência de Lula e Dilma. E com Rui Falcão, abafando : dizendo que o PT não apoia movimentos pela anulação da chamada AP 470 e que não considera Dirceu, Genoino e Delúbio presos políticos. No sábado, no encerramento, grandes manobras para evitar que o documento final do encontro incluísse uma resolução obrigando o partido a organizar eventos e manifestações e outras ações em defesa dos réus. Ficou um texto anódino dizendo que o PT apoia iniciativas do tipo. E só. A questão é saber, agora, se toda a militância - e os próprios companheiros presos - aceitaram esses arranjos. O mensalão será de hoje em diante uma página virada na história petista ou o fantasma que aparece de vez em quando na legenda. Em tempo: a parte substancial da resolução do 5° Congresso, que se refere às linhas que o partido adotará em suas ações no próximo ano e que balizará a campanha de 2014 será analisada em uma próxima coluna.

Investigação e CPI para os trens

Com a transferência para o âmbito Federal, em Brasília, dos processos envolvendo suspeitas de propinas em compras de trens para o metrô de SP em gestões tucanas, a expectativa é que as investigações andem mais rapidamente e as responsabilidades sejam estabelecidas. Preventivamente, o provável candidato do PSBD à presidência, Aécio Neves, se apressou a dizer que se houver provas e culpados que sejam exemplarmente punidos, seja quem for. A tática do senador mineiro parece ser diferente da adotada pelo PT até agora em relação ao mensalão : não defender incondicionalmente os companheiros de plumagem como o petismo faz com Dirceu e os outros condenados pelo STF. É oportunidade também para a convocação de uma CPI para investigar o chamado cartel dos trens, que o deputado petista Paulo Teixeira anunciou que já estava com todas as assinaturas para ser criada e estranhamente caiu no esquecimento fazem mais de dos meses. Parou por quê?


Entre dois fogos - 1

É sabido que Dilma, com gosto ou sem gosto, terá de fazer uma reforma ministerial pra substituir até abril de 10 a 12 ministros que precisam sair para disputarem algum mandato em outubro. A data fatal é abril, seis meses antes das eleições no primeiro turno. Muito tempo atrás se dizia que a presidente pretendia trocar os ministros logo do início de 2014, para ter uma equipe ajustada para tocar seu último ano de mandato, essencial para ajudar na campanha eleitoral e não ficar com uma equipe com cara de tapa buraco. Agora, não se sabe quando as mudanças virão. Dilma está entre dois fogos. De um lado estão os ministros a serem substituídos e o PT, que querem ficar até o limite no cargo para aproveitarem a exposição pública que o ministério dá, a possibilidade de viagens, inaugurações, anúncio de projetos e outros tais. As pressões maiores são pela preservação dos ministros Alexandre Padilha, da Saúde, candidato petista em SP, e Fernando Pimentel, do Desenvolvimento. Candidato em MG. Sem mandato os dois cairiam na vala comum.

Entre dois fogos - 2

De outro, estão os partidos interessados nas vagas que vão se abrir, entre eles o PTB, o PROS dos irmãos Cid e Ciro Gomes, ministeriáveis, e especialmente o PMDB, que já não aguenta mais esperar a nomeação do senador Vital do Rego para o Ministério da Integração Nacional, um dos bons cartórios eleitorais com os quais o partido pretende contar para 2014. Para angústia geral, inclusive dos petistas, a presidente Dilma não tem dado muitas indicações sobre o que pretende fazer, sobre o como e o quando. Há sinais de que até o ex-presidente Lula estaria no escuro. Dilma sabe que os riscos eleitorais lhe tocam mais profundamente que a todos que lhe rodeiam. Tem mais: o Ministério tem de ser suficientemente submisso às vontades da rainha e sua personalidade "forte", para não usar outra palavra mais forte.

Soltou a língua

Sempre muito discreto, formal e parcimonioso em suas declarações políticas, o vice-presidente Michel Temer, presidente licenciado e voz real do PMDB, andou soltando o verbo na última semana, inclusive com uma pouco usual conversa com um grupo de jornalistas. Com alguma sutileza, andou passando claros recados da insatisfação peemedebista em relação ao andar de duas carruagens: a da reforma ministerial e a das relações com o PT no caso das alianças regionais.


Imagina na Copa - capítulo II

De uma pesquisa realizada pelos estudantes de jornalismo que participaram este ano do programa de treinamento do jornal o "Estado de S. Paulo", publicada no suplemento especial "Foca", sábado 14/12:

Pergunta: Os protestos vão voltar a acontecer durante a Copa?

Respostas: Sim, 91%; Não, 5%; Não sabem, 4%.

Foram entrevistados 420 jovens de 15 a 29 anos, em 60 pontos da capital paulista, de 30/11 a 2/12.

Férias

A coluna está de férias no período até o dia 14 de janeiro. Feliz Natal e um ótimo 2014 para todos.

(por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)

domingo, 15 de dezembro de 2013

PÃO, CIRCO E VIOLÊNCIA

A historinha é conhecida. Vespasiano, o imperador, em 22 de junho de 79 d. C., pouco antes de morrer, em carta ao filho Tito, aconselhava-o a concluir a construção do Colosseum (Coliseu), que daria a ele “muitas alegrias e infinita memória”. Pois, entre um banheiro, um banco de escola ou um estádio, o povo preferia sentar nas arquibancadas deste último.

O conselho se fundamentava na ideia de que seduzir a plebe com pão e circo era a melhor receita para diminuir a insatisfação popular contra os governantes. Tito acabou inaugurando o famoso monumento, no centro de Roma, com 100 dias de festa.

Descortinava-se, ali, a era do “panis et circensis”, que consistia em proporcionar, naquela arena, espetáculos sangrentos entre gladiadores e distribuição gratuita de pão.

Implicava alto custo aos cofres do Império, com elevação de impostos e economia destroçada, mas a prática populista emprestava enorme prestígio aos imperadores romanos. É sabido que os jogos, ao longo da história da Humanidade, funcionaram como verniz para ilustrar a imagem de governantes.

Hoje, a estratégia para cooptar a simpatia das populações por meio das artes/artimanhas e do entretenimento continua recebendo atenção de administradores públicos de todos os quadrantes.

Não por acaso, nossas arenas esportivas, que se preparam para abrigar os jogos da Copa de 2014, deverão colorir o portfólio de feitos do governo. O que tem mudado na paisagem dos espaços lúdicos não é a ambição dos condutores dos Estados de alçar os píncaros da fama, mas o comportamento das plateias.

Espectadores que, outrora, fruíam a catarse dos embates esportivos, exaltando ou deplorando a performance de contendores, tornam-se eles próprios competidores, lutadores, gladiadores, disparando uns contra outros não apenas a arma das imprecações, mas armas de fogo e partindo para a violência física.

A alteração comportamental das pessoas que vão aos estádios é preocupante, principalmente em nosso território, que elege o futebol como esporte nacional, e se depara, a cada campeonato, com os novos sujeitos, as chamadas torcidas organizadas.

O fenômeno toma vulto ante o risco de o Brasil vir a ser, por excelência, o palco da violência futebolística, pela constatação de que o aparato da segurança pública tem sido ineficaz para debelar a desordem e a pancadaria nas arquibancadas, a par de medidas paliativas, como cerceamento de torcedores a estádios, majoração de ingressos, jogos com portões fechados, perda de mando de campo e multas aos clubes.

Pouco adiantará administrar as tensões e conflitos sob o escudo policial-repressivo. Como se diz no vulgo, o buraco é mais profundo e está em baixo. A mobilização de pessoas para formação de grupos e a organização de torcidas obedecem a nova ordem que impregna a dinâmica social no mundo contemporâneo.

A competição assume posicionamento singular em todos os setores, espaços, núcleos, categorias profissionais e classes sociais. As massas fragmentam-se em núcleos, cada qual envergando bandeiras, discursos, uniformes, armas e instrumentos. Os avanços civilizatórios nos campos da macroeconomia, da política e da cultura abrem comportamentos diferentes, multiplicando as pequenas organizações sociais e gerando novos pólos de poder.

Os espaços urbanos ganham novos contornos, a esfera do trabalho traz novos desafios e a busca de uma identidade passa a ser central para os indivíduos, principalmente os jovens, motivados a expressar valores como masculinidade, coragem, companheirismo, coesão, solidariedade, sentimento de pertinência a um grupo.

Fazer parte de torcidas, como a Mancha Verde, os Gaviões da Fiel, a Independente, passou a ser referência para habitantes de cidades congestionadas, carentes de serviços e de lazer.

Ao escopo semântico – onde se agrupam as agruras sociais – adiciona-se uma estética de diferenciação, caracterizada pelas cores – o verde, o vermelho e preto, o preto e branco, o azul, o amarelo canarinho – os símbolos (gavião, porco, urubu, galo, raposa, coelho, timbu, baleia, leão), a vestimenta com os dizeres da moda, o estilo de andar, de pensar, de perambular em bandos, e, fechando o circuito, a espetacularização midiática, por meio da qual os torcedores poderão ver nas telas de TV seus gestos, feições alegres ou crispadas de ódio e ouvir gritos de guerra.

Condenar as turbas com designativos de vândalos, bandidos, selvagens, adensar forças policiais em estádios, continuar a usar meios tradicionais, como punição a clubes, não conseguirão eliminar a violência das torcidas organizadas. Mais cedo ou mais tarde, os atos voltarão.

O disciplinamento e a ordem hão de levar em conta a elevação de padrões comportamentais, ancorada no esforço de educação (reeducação) de torcedores fanáticos.

Não se trata de implantar meras ações de marketing cultural – eventos festivos e associativos para alinhamento dos torcedores ao espírito do clube – mas de um amplo programa com o objetivo de compor um ideário voltado para engrandecer o espírito da democracia, com respeito aos princípios da ordem e disciplina, que não devem ser incompatíveis com o entusiasmo das torcidas.

É evidente que ante a moldura de extrema competitividade e crescente agressividade entre grupamentos sociais, um esforço nessa direção não será tarefa fácil. O que aqui se propõe é uma ação cívica dos clubes de futebol na tentativa de ajudar o Estado brasileiro a melhorar a argamassa do edifício da cidadania.

É inimaginável que torcidas se vejam como inimigas tomadas de ódio e virulência; e que o sarro tirado por um bandeirinha na direção de um grupo nas arquibancadas, o apito errado de um juiz, um ato menos educado de um policial ou um xingamento de um torcedor sejam motivo para a pancadaria. Nem Vespasiano nem Tito imaginariam que, um dia, o dístico “panis et circensis” seria acrescido de “violentia”. Fosse assim, o velho Coliseu não estaria em pé.


(Gaudêncio Torquato)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

POEMAS TELÚRICOS - CONVITE PARA O LANÇAMENTO


Gostaria de contar com o maior número de amigos hoje, no lançamento de mais um fruto do nosso canteiro de sonhos, o livro POEMAS TELÚRICOS. A partir das 7 e meia da noite. O advogado, poeta e escritor Júnior Bonfim, presidente da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza nos brindará com o seu estro e e a sua retórica. Netinho Ponciano nos banhará com a melodia dos seus acordes. Será uma bonita festa se Deus quiser. Atá logo mais!

(Dideus Sales)

AMIGOS PARA SIEMPRE - ANDRÉ RIEU

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

AVE MARIA INTERPRETADA POR DANIELA DOS SANTOS

CONJUNTURA NACIONAL

Abro a coluna com um relato do impagável Zé Abelha, em seu A Mineirice:

A distribuidora de bebidas Minasgerais Ltda., de Governador Valadares, distribuiu na cidade um opúsculo sobre as maravilhas da Catuaba, eficiente no tratamento do sistema nervoso, falta de apetite e impotência. Adicionada à cachaça, a dose teria efeitos afrodisíacos, prometia o livreto:

- Tudo escurece
Nada amanhece
A barriga cresce
A junta endurece
A vista enfraquece
O cabelo embranquece
A mulher oferece
Ele agradece
E diz: ah ! Se eu pudesse!
- Mas com Catuaba Cristal
Isso não acontece.

O estoque acabou em menos de uma hora.

Bomba? Quais os efeitos?

Pois é, não se fabricam mais bombas como antigamente. Ou, se quiserem, outra hipótese: as bombas de hoje têm grande poder destrutivo, mas não causam tanto medo como antigamente. Querem outra? De tantas bombas, explodindo de muitos lados, ninguém sabe qual a mais potente. E mais uma: a banalização das bombas acaba gerando insensibilidade social. Em tempos d'outrora, vandalismo, violência, destruição e morte causavam sensação. Comoção social. Hoje, virou algo comum. A morte está ali, na esquina, à espreita. O arrazoado é um narizão de cera para fechar a ideia: a bomba anunciada pela revista Veja, com a entrevista exclusiva do delegado Romeu Tuma Junior, sobre as peripécias do poder petista, não causou, por enquanto, os estragos que dela se esperavam.

A estratégia do PT

O PT expressou sua posição com um silêncio profundo. Tarso Genro, o governador gaúcho, foi um dos poucos a se manifestar. Disse que não tinha conhecimento detalhado dos fatos narrados pelo delegado e que teriam sido narrados a ele, quando era ministro da Justiça. O partido não deu bola à entrevista, onde se liam denúncias graves, algumas já conhecidas, outras apontando novidades. A produção de dossiês, a cargo de pessoas do partido, já era coisa conhecida. Mas dossiê, documento, vazamento, informações pela metade constituem o acervo cotidiano da política, ou, se quiserem, da politicagem. Por isso, nessa esfera, a coisa morrerá logo.

O Barba

Dizer que Lula, codinome Barba, foi informante do DOPS pode parecer um exagero. Preso, abriu conversa com o Tumão, o velho Romeu Tuma, que chefiava o DOPS, podendo, até, ter passado informações. Seria isso dedodurismo? Cada qual tire suas conclusões. O clima pré-eleitoral esfumaça o ambiente. A história de que chegou a dormir em sofá da sala já era conhecida. Um dia, a verdade verdadeira aparecerá.

Igualdade entre presos

É evidente que houve, sim, espetacularização no episódio dos mensaleiros presos. De um lado, a intensa cobertura midiática expôs a situação dos prisioneiros do PT, com abordagens muito negativas. De outro, os posicionamentos de cada um deles exigindo tratamento diferenciado. Os doentes, como Genoino e Jefferson, devem passar, sim, pelo crivo de médicos. Só eles podem atestar o estado de saúde e as condições que devem cercá-los na prisão. Feitos os laudos, cumpra-se a lei. A reação de um ou outro, escancarando um processo de vitimização, acirrou os ânimos. Petistas tentaram formar um bastião de defesa. Sem olhar para outros prisioneiros, com penas até maiores. Por que alguns foram chamados de "prisioneiros políticos" e outros, de simples condenados? Faltam isenção e bom senso na análise da situação.

Mentiras

Bismarck, o maior estadista alemão do século XIX, dizia que "nunca se mente tanto antes das eleições, durante uma guerra e depois de uma pescaria".

Barbosa, fora da comitiva

Comenta-se que a presidente Dilma teria cometido uma deselegância para com o presidente do STF, Joaquim Barbosa, pelo fato de não tê-lo convidado a integrar a comitiva de ex-presidentes da República que foi à África do Sul assistir ao funeral do ícone de grandeza e um dos maiores lides do século XX, Nelson Mandela. Ora, como se sabe, a comitiva foi integrada por ex-presidentes da República. Barbosa não se enquadra na situação. É chefe de um Poder? Sim. Mas se fosse convidado, a presidente da República seria também obrigada, por um dever de Justiça, a convidar os presidentes de outros Poderes, Henrique Alves, presidente da Câmara Federal, e Renan Calheiros, presidente do Senado Federal. O fato de Joaquim ser negro não justificaria o convite.

Joaquim na política?

Não acreditem nessa hipótese. O presidente do STF é assediado, admirado, convidado para frequentar os mais diferentes eventos em todas as regiões do país. Ganhou fama pela maneira corajosa de ter administrado o julgamento da AP 470. Isso é um fato. A mosca azul da política bateu asas em sua direção? Apelos e pressões nessa direção não faltam para que se candidate à presidente da República. Ora, seria o maior erro de sua vida se decidisse entrar agora na seara política. O tempo não é esse. Cada qual com seu bornal. E no seu devido ciclo de vida. Antecipar a carreira no Judiciário seria ruim para ele. No campo das emboscadas políticas, ele seria triturado pela máquina de sujar perfis. O momento aconselha que permaneça onde se encontra.

E a Eliana Calmon?

E por que a Eliana Calmon, ex-corregedora do STJ e dura no julgamento de juízes corruptos, está entrando na política? Possivelmente, será candidata a senadora pelo PSB na BA. Bom, primeiro é oportuno dizer que não se deve comparar uma coisa com outra. Calmon se aposentou. Fez um percurso vitorioso no Judiciário, chegando ao fim da linha. Seu tempo de vida útil ali chegara ao fim. Joaquim tem um bom tempo ainda na carreira de ministro do STF. Eliana pensa em se candidatar ao Senado pela BA. O espaço que pleiteia combina com seu perfil. Ademais, ela já vive sua quarentena, um tempo afastado do caminho da Justiça.

Padilha com 30%

Petistas me dizem do mais alto patamar de sua convicção: Alexandre Padilha, em julho de 2014, deverá exibir 25% de intenção de voto, devendo chegar aos 30% em final de agosto. Não duvido. Seriam os 30% históricos do PT em SP. Mas a política é um rio sinuoso. Cheio de curvas. Tudo vai depender do clima e das circunstâncias.

Alckmin com 40%

Pois é, na mesma linha das certezas, tucanos do bico longo me dizem: Geraldo Alckmin, que hoje ostenta 43% de intenção de voto, deverá permanecer em torno de 40% em julho, podendo chegar aos 45% em final de agosto. Respondi com a mesma hipótese: tudo vai depender do cheiro do tempo.

A polarização será a mesma?

Coloco outra hipótese no caldeirão eleitoral: o arrefecimento da polarização entre PSDB e PT. Ou seja, digamos que em julho de 2014, o embate histórico entre petistas e tucanos esteja frio. Aponto algumas razões: desgaste de material; mesmice; sensação de que não haverá substantiva mudança com o petismo no poder estadual; sensação de que SP carece de novos rumos, um perfil empreendedor no poder; tiroteio intenso entre os dois exércitos e destruição recíproca de seus arsenais. Esse é um cenário que não pode ser desprezado. Nessa hipótese, teria vez o candidato do PMDB, Paulo Skaf.

Sindetur/SP - 6,6 mil empresas

O Sindicato das Empresas de Turismo no Estado de São Paulo (Sindetur/SP) elegeu Eduardo Nascimento para a gestão 2014/2018. Composta por 10 vice-presidentes, a Chapatur foi escolhida por aclamação em Assembleia Geral Eleitoral ocorrida na sede da entidade no final de novembro. A posse será em janeiro. "A meta é ampliar o foro de discussões sobre as necessidades do setor de Turismo e promover ações conjuntas com as demais entidades representativas do agenciamento turístico, em defesa dos interesses da categoria", destaca o presidente reeleito. O Sindetur/SP representa cerca de 6,6 mil empresas de turismo em sua base territorial.

Aperto na segurança

As empresas de segurança, que enfrentam grandes dificuldades para honrar o 13º salário, foram pegas de surpresa pela Portaria 1.885/13 do Ministério do Trabalho. Como é sabido, negocia-se, há tempos, a concessão de 30% de adicional de periculosidade, em SP ; 18% já foram concedidos e os restantes 12% devem ser ajustados nos próximos acordos. Daí a surpresa : o Ministério "regulou" a matéria, definindo que o benefício deve ser pago de uma só vez a contar de 3 de dezembro. Mas em janeiro ocorrerá o "Acordo Coletivo" da categoria. Ora, as empresas não teriam fôlego para integralizar os 30% já agora em dezembro. Pergunta que o setor coloca: a clientela aceitará os repasses correspondentes ? Quantas empresas terão condições de sobreviver? As portas do desemprego começam a se abrir. A insegurança jurídica é uma constante ameaça, afastando empreendedores e investimentos.

Haja sonegação!

A sonegação fiscal no Brasil chega à casa dos R$ 400 bilhões. Desenvolvido pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o "Sonegômetro" apresenta em tempo real o quanto o país deixa de arrecadar todos os dias, por meio do endereço eletrônico (clique aqui). Um painel móvel, com o placar da sonegação fiscal, circulará nas proximidades do Congresso Nacional, a partir de hoje, 11. "Sonegômetro". O Sindicato realizou um estudo que estabelece indicadores para a evasão fiscal. A ação faz parte da Campanha Nacional da Justiça Fiscal "Quanto custa o Brasil pra você?".

Velha história, nova história

Carta de Vespasiano a seu filho Tito

23 de junho de 79 d.C.

"Tito, meu filho, estou morrendo. Logo eu serei pó e tu, imperador. Espero que os deuses te ajudem nesta árdua tarefa, afastando as tempestades e os inimigos. "De minha parte, só o que posso fazer é dar-te um conselho: não pare a construção do Colosseum. Em menos de um ano ele ficará pronto, dando-te muitas alegrias e infinita memória." "Alguns senadores o criticam, dizendo que deveríamos investir em esgotos e escolas. Não dê ouvidos a esses poucos. Pensa : onde o povo prefere pousar seu clunis : numa privada, num banco de escola ou num estádio? Num estádio, é claro." "Será uma imensa propaganda para ti. Ele ficará no coração de Roma 'per omnia saecula saeculorum', e sempre que o olharem dirão : 'Estás vendo este colosso? Foi Vespasiano quem o começou e Tito quem o inaugurou'." "Outra vantagem do Colosseum: ao erguê-lo, teremos repassado dinheiro público aos nossos amigos construtores, que tanto nos ajudam nos momentos de precisão." "Moralistas e loucos dirão que mais certo seria reformar as velhas arenas. Mas todos sabem que é melhor usar roupas novas que remendadas. 'Vel caeco appareat' (Até um cego vê isso). Portanto, deves construir esse estádio em Roma". Enfim, meu filho, desejo-te sorte e deixo-te uma frase: 'Ad captandum vulgus, panem et circenses' (Para seduzir o povo, pão e circo)." "Esperarei por ti ao lado de Júpiter."

Nossos coliseus

Vespasiano morreu no dia seguinte à carta. Tito inaugurou o Coliseu com 100 dias de festa. Tanto o pai quanto o filho foram deificados pelo Senado. Cheguemos aos nossos dias. A pergunta de Vespasiano continua valendo: "Onde o povo prefere pousar seu clunis: nos monumentais estádios de Cuiabá, Brasília, Natal, Recife e Manaus? Ou numa privada, num banco de escola ou num estádio?" P. S. A Arena Pantanal, em Cuiabá, terá 43.600 lugares. No último campeonato de MT, a média foi inferior a 1.000 pessoas por partida. Em Manaus, a Arena terá 47 mil lugares. No último campeonato estadual, juntando os 80 jogos, o público total foi de 37.971. Vespasiano está vibrando. Em tempo: Em latim, clunis quer dizer nádega. (De um constante colaborador da coluna)

Comida de tubarão

Piada contada nas rodas do Teresina Shopping, pelo "historiador" Sena Rosa. Um piauiense chega a SP pedindo emprego e lhe é oferecida a oportunidade de entrar no mar dentro de uma jaula para enfrentar um tubarão preso em outra jaula. O empregador: "Lá no fundo do mar, você abre a sua jaula para o tubarão entrar e aguarde para pronunciar a palavra 'tuba'". O piauiense: "E porque não dizer a palavra 'tubarão' completa?". O empregador: "Se der tempo".

Conselho aos membros do PT

Na última coluna, o espaço foi destinado aos eventuais candidatos aos governantes. Hoje, volta sua atenção aos membros do PT.

1. O PT realiza esta semana seu 5º Congresso Nacional com os olhos pregados no futuro. Certamente, temas sensíveis como a AP 470 deverão ser objeto de análise e debates. O PT não pode continuar argumentando que o mensalão não existiu, que o STF errou em seu julgamento, que o Partido é uma vestal da República.

2. O PT deve entender que faz parte do quadro partidário, moldando-se à cultura política e, dessa maneira, navega nas ondas dos costumes e padrões em curso, não sendo exceção à regra.

3. O PT não pode desejar ser referência de ética e moral, como alguns membros da cúpula partidária garantem. O PT precisa reconhecer seus erros.


(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL

Política econômica : cartas na mesa - 1

A divulgação do PIB do terceiro trimestre do Brasil (-0,5%) e a queda do desemprego nos EUA (de 7,3% para 7% no mês de novembro) são duas notícias que ilustram bem o tom que a política econômica terá daqui para frente. Nos EUA está evidente que as políticas keynesianas, adotadas agressivamente após o débâcle de 2008, estão a produzir os resultados esperados. Há um intenso debate entre os formuladores da política econômica norte-americana, bem como entre os economistas dos dois partidos representados no Congresso de como sair desta política. Afinal, a sustentação da imensa expansão monetária promovida pelo Federal Reserve não deve e não pode ser eterna. Será preciso reduzi-la. É como retirar um paciente que volta do coma do balão de oxigênio. Requererá sabedoria e tenacidade por parte do BC. De toda a forma, os EUA tem a moeda forte do mundo e este está disponível para financiar este processo, mesmo porque não há alternativas suficientemente atraentes. A retirada do estímulo econômico deve ocorrer ao longo do ano que vem e isso implicará na elevação do juros por lá e o dólar ficará mais forte. Os agentes econômicos podem puxar o juros de longo prazo em questão de minutos, bastará a sinalização do Fed.

Política econômica : cartas na mesa - 2

Por aqui espalha-se o sentimento de que perdemos a tração na atividade econômica. O Brasil não consegue aumentar os investimentos de forma consistente, bem como não tem como sustentar o consumo em patamares crescentes de vez que as famílias estão endividadas e a taxa de juros é escandalosa. Mas, o mais preocupante é que a presidente da República, que é quem comanda a economia juntamente com o seu assessor Guido Mantega, conseguiu criar, nos últimos três anos, uma somatória de problemas macroeconômicos que pareciam sob controle. Do lado fiscal, as contas públicas mostram-se abaladas pelo excesso de gastos os quais têm sido tentativamente escondidos por maquiagens nos números. Do lado monetário, os juros básicos vão subindo pois, sem o "apoio" da política fiscal, a demanda tem de ser controlada pelos juros. Mesmo assim, a inflação tem sido renitente. No setor externo, as exportações não são mais tão competitivas, sobretudo no setor de manufaturados, e as nossas commodities perderam a dinâmica dos "anos Lula" que favoreceram a formação de um montante de reservas que podem suportar os desarranjos domésticos atuais.

Política econômica : cartas na mesa - 3

O cenário acima descrito está consolidado entre os agentes econômicos. Não é novidade para ninguém. Mas, o que pode ser diferente, então ? Na nossa visão o maior risco é que o real venha a se desvalorizar para um patamar superior aos movimentos que serão provocados pela mudança da política monetária dos EUA. A subida dos juros de longo prazo nos EUA e a consequente valorização do dólar jogarão as moedas do mundo, sobretudo dos emergentes, para baixo. No caso do Brasil, com seus fundamentos mais deteriorados, o real pode ir além da paridade esperada. Neste caso, os efeitos cambiais terão de ser compensados pela elevação dos juros por parte do BC na tentativa de controlar a inflação que virá via câmbio. Neste caso, por que alguém imaginaria um desempenho da atividade econômica melhor ? A nosso ver, 2% é topo para a elevação do PIB em 2014. Não estamos tentando "adivinhar" o PIB, mas apenas fazendo uma leitura das tendências que se delineiam para o Brasil. Obviamente, alguém poderia evocar os efeitos afrodisíacos que a Copa do Mundo pode ter para o país. Neste caso, teremos de abandonar as tabelas de indicadores econômicos e nos debruçarmos nas tabelas dos jogos. Quando a coisa chega neste ponto é melhor ligar a TV e assistir a um filme.

E a oposição ?

O cenário econômico acima descrito pode ter sido provocado pelo atual governo, mas caberá ao próximo governo tê-lo por herança. Se for o atual governo, os eleitores saberão cobrar em face do que já foi feito. No caso da oposição parece claro que é necessário que o eleitor seja informado sobre o que ela fará, caso seja eleita. Aécio Neves lançará seu pré-programa esta semana (vide nota abaixo). Veremos. No caso de Campos-Marina, a questão da política econômica é mais complexa ainda pois a sua candidatura se reveste de um prometido caráter mudancista "estrutural". Terão de mostrar "profissionalismo" na tarefa de recuperar a economia, coisa que numa campanha eleitoral é relativamente difícil de fazê-lo. O programa econômico dos candidatos será importantíssimo para arrecadar recursos de campanha. Nessa hora não adiantará ser apenas pragmático (ou conservador) para agradar a plateia. O cenário das ruas pode exigir que a política seja mais arrojada para tirar o país da letargia e levá-lo para um patamar melhor.

Mercados

Desde a semana passada sinalizamos para os nossos leitores que, a despeito das boas-novas na economia mundial, grande parte dos ganhos registrados nos mercados acionários já foram incorporados nos preços. A hora, ao que nos parece, é de realização de lucros no mercado internacional e no local. As commodities também parecem que irão se acomodar em patamares mais baixos, incluso o ouro, metal que brilhou muito nos últimos anos, mas que está se acomodando em patamares bem baixos. Vale lembrar que os democratas e republicanos voltaram a negociar o teto de endividamento do Tesouro norte-americano. Este tema, tão caro ao mercado ao longo deste ano, persistirá sendo o contraponto ao sucesso da política de expansão monetária promovida pelos EUA e sobre a qual comentamos nas notas iniciais desta coluna. A maior volatilidade deve ser vivenciada nos mercados cambiais os quais viveram um ano tranquilo em 2013.

Imagina na Copa

As imagens de mais um dia de caos nos aeroportos brasileiros no sábado e a incrível briga entre torcedores do Vasco e do Atlético Paranaense foram destaques nos jornais em todo mundo, acendendo os temores de que muita confusão pode ocorrer no Brasil durante a Copa do Mundo. Voltou a correr aquele mantra : se é assim agora, imagina na Copa. Ainda mais que estão cada vez mais claras as indicações de que se preparam, à moda de junho, manifestações de rua nos dias de jogos em todas as sedes da Copa. As autoridades, a FIFA e a CBF deveriam cuidar menos de festas e discursos como os de sexta-feira na Costa do Sauípe e prestar mais atenção para evitar que o maior evento do futebol mundial arranhe a imagem do país. O risco não é pequeno.

O PMDB mostra suas cartas - 1

Como observamos na coluna da semana passada ("O PMDB e PT condenados a viver juntos"), no atacado das eleições de 2014, os dois partidos, salvo algo inusitado, marcharão unidos na campanha para a reeleição da presidente Dilma. No varejo, no entanto, as divergências não são pequenas, e não apenas em relação às composições para as eleições para os governos estaduais. Um teme a rasteira do outro, pois ambos têm outro objetivo : formar as maiores bancadas na Câmara e no Senado. Para o PMDB é essencial ter maioria, principalmente no Senado, para manter pelo menos a presidência de uma das duas casas legislativas e continuar com um "forte apelo" ao Palácio do Planalto em prol de seus interesses na máquina Federal. Para o PT, conquistar a hegemonia no legislativo Federal, principalmente no Senado, significa livrar-se do que o petismo qualifica como "poder de chantagem" do peemedebismo. Com a presidência da Câmara e do Senado, Dilma, caso reeleita, ficaria livre de muitos sustos que costuma passar no Congresso.

O PMDB mostra suas cartas - 2

A desconfiança do PMDB de que o PT está lhe preparando alguma armadilha não diminui depois do ágape partidário de sábado retrasado na Granja do Torto. Nenhum acerto em nenhum dos Estados onde o PT quer que o PMDB o apóie prioritariamente foi fechado de fato, nem no MA da família Sarney. Algumas insinuações em falas do ex-presidente Lula e do presidente reeleito do PT, Rui Falcão, deixaram os peemedebistas com um amontoado de pulgas atrás da orelha. Intrigou principalmente o dito meio solto de que o PT tem total fidelidade à permanência do vice Michel Temer na chapa da reeleição, mas que o PMDB parece às vezes não entender bem as coisas e pode complicar. Foi esta a razão para o PMDB não sair de sorrisos escancarados da reunião e para o silêncio de suas principais figuras sobre o que de fato acertou-se na Granja do Torto. Porém, bem ao seu estilo nada sutil, o peemedebismo deu o troco dias depois.

O PMDB mostra suas cartas - 3

Inusitadamente, quebrando todas normas e praxes partidários, a bancada do partido na Câmara antecipou a recondução do deputado Eduardo Cunha para a liderança do PMDB na Câmara, decisão que as legendas só tomam, normalmente, em fevereiro, no começo da sessão legislativa. E foi por aclamação. Eduardo Cunha é aquele que nas hostes governamentais é mais conhecido como "o coisa ruim" tal a capacidade de causar embaraços para o Palácio do Planalto quando não se sente bem atendido. Sua mais recente façanha foi levar para o ano que vem a votação do Marco Civil na internet, projeto eleito como prioritário pela presidente. O recado do PMDB foi cristalino : antes de chegar a 2015 é preciso passar por 2014 e se o partido não for bem tratado não vai deixar por isso mesmo. Ele mostrou suas unhas, bem afiadas.

O PT e sua natureza

Já está disponível na rede o documento preliminar preparado pela direção do PT para ser discutido no 5º Congresso Nacional do partido marcado para esta semana, de quinta-feira a sábado (clique aqui). O documento que o Congresso aprovar servirá de base para as ações do PT nos próximos anos e balizará a campanha de seus candidatos em 2014. Um dos pontos centrais é a defesa de busca do "socialismo do século 21", a fase do pós-capitalismo. Três curiosidades a anotar e para meditar :

1. A defesa dessas posições, embora teóricas e feitas em grande parte para motivar os militantes, surge no mesmo momento em que a presidente Dilma faz um extraordinário esforço para convencer investidores externos e internos que seu governo não tem nada contra o capital privado e o lucro.

2. Em 2001, também em dezembro, no Recife, também em um Congresso Nacional, o PT aprovou também uma polêmica declaração, na qual, entre outras coisas, dizia ser contra "tudo que está aí". No auge da campanha de 2002, quando eram grandes as desconfianças de como poderia ser um governo Lula-PT, com o dólar subindo, o risco Brasil crescendo, o PT providenciou a edição da famosa "Carta aos Brasileiros", na qual renegava boa parte do que aprovar meses antes em Recife.

3. Há um trecho altamente enigmático, mas que parece uma insinuação contra a autonomia de alguns governantes eleitos pelo partido : "Governantes e parlamentares do PT, pressionados por seus afazeres institucionais, ganharam exagerada autonomia em relação à atividade partidária".

É documento para causar muita polêmica, se Lula e seus pragmáticos não agirem para torná-lo mais light.

A ocupação do Poder
Sabe-se que o Poder não aceita "vácuos". Estes são ocupados por quem estiver a postos. José Dirceu está na prisão, Genoino também em prisão domiciliar e o mensalão ainda deixa rastros pelo PT, inclusive em função das novas denúncias publicadas pela revista Veja neste final de semana. Ao invés de se afastar destes tristes episódios, o PT fará em seu Congresso desagravos aos implicados nos fatos ilícitos. Todavia, a questão relevante é a seguinte : o PT nunca esteve sob o estrito controle de Lula da Silva. De agora em diante, a dinâmica petista dependerá, ao redor do seu maior líder, de novos atores a ensejar novas estratégias e políticas. Quem serão eles ? Não está claro por uma razão simples : dependerá do desempenho de "novos líderes" como Haddad, Padilha e Lindbergh Farias. Estes terão de se provar no governo e nas eleições antes de aparecerem perante Lula e a plateia petista.

O PSDB e suas armadilhas

Hoje à tarde em Brasília o senador Aécio Neves, com a presença anunciada de alguns dos grandes figurões tucanos e das bancadas da legenda na Câmara e no Senado, deverá anunciar o seu pré-programa de campanha, que está sendo classificado como uma carta de intenções, temas básicos para o debate eleitoral. O programa só será detalhado depois de abril. O evento de hoje traz dois desafios para o senador mineiro, o mais provável candidato do partido à sucessão em 2014 e para o próprio tucanato :

1. Mostrar que o partido vai unido para a briga sucessória, sem a fogueira de vaidades que o consumiu nas três últimas disputadas presidenciais.

2. Mostrar que o PSDB tem uma proposta de governo factível, clara, e que de fato é uma alternativa de poder e não apenas uma oposição fraca e em frangalhos.

A "rebelião" na Fazenda

Dez coordenadores do Tesouro Nacional, área vital do Ministério da Fazenda, se reuniram com o secretário do Tesouro Arno Augustin no dia 22/11. Ao que se sabe, foram se questionar os passos do secretário em relação a aportes e alocações de recursos a serem feitos e as necessidades de captação. Foi uma reunião tensa onde os técnicos foram incisivos a respeito de certas práticas de Augustin, economista responsável pelas manobras contábeis que tentam mascarar as contas públicas e com fortes laços com a presidente. Nada aconteceu em relação aos pontos discutidos. Na dúvida, os técnicos do Tesouro chamaram os jornalistas e, sem se identificarem, vazaram o conteúdo da reunião. Aí, ficou evidente de que se tratava de uma rebelião. A nota posterior, do dia 5/12, negou que houvesse rebelião mas, quem sabe das coisas de Brasília, o recado já estava dado. Do alto de sua posição quem saiu imediatamente em socorro do secretário não foi o seu chefe direto Mantega, mas a presidente Dilma a qual mandou que o ministro da Fazenda "controlasse" a turma do Tesouro. Mantega, suave pessoa que é, cumpriu a ordem. Ao final, o nosso leitor pode anotar : há inquietação dos técnicos do Tesouro com o custo da dívida interna por força das medidas adotadas por Arno, Mantega ficou, mais uma vez, desmoralizado pelas "ordens de cima" e Arno Augustin é forte no Planalto. Somente lá.

Não é fato isolado
Há pouco mais de um mês, esta coluna comentou que havia inquietação em algumas importantes áreas do governo, dentre membros do chamado "segundo escalão". Este é composto por técnicos concursados que ficam enquanto governos passam. Uma boa parte destes são "petistas de carteirinha", mas todos acabam se defrontando com a "realidade" que mora fora de Brasília. Assim sendo, quando não concordam com as políticas do governo acabam por registrar suas inquietações fora dos muros da capital Federal. É o caso da diplomacia, da Receita Federal, de técnicos do BNDES e do BC, etc. É certo que não somente em relação ao atual governo, mas em relação a qualquer outro, não é saudável que o segundo escalão se rebele contra aqueles que direta ou indiretamente tem um mandato originado pelo povo. A exceção é evidente : quando se praticam ilicitudes. Contudo, o fato é que esta camada do poder está se mexendo com riscos de tremores e erupções mais à frente.

Desafios da diplomacia brasileira - 1

Nos próximos poucos anos, entre dois e quatro, o Brasil vai se defrontar com uma avalanche de mudanças no cenário das transações comerciais. Na área do Pacífico-Índico o acordo iniciado em agosto passado entre o Japão e a Índia alavanca as trocas entre um país emergente ávido por incrementos tecnológicos e outro que tenta baratear seus produtos sem colocar azeitonas na torta chinesa. Por sua vez a China está fazendo acordos por todos os lados : na Bacia do Pacífico firma sua liderança com novos acordos com a Indonésia e Filipinas. Na África avança celeremente com acordos bilaterais que lhe garantam matéria-prima. Mesmo na América Latina, Chile, Peru e Colômbia viram seus olhos para os EUA. Na semana passada, o acordo de Bali, cria um cenário de flexibilização alfandegária que estimulará a rapidez em novos acordos comerciais.

Desafios da diplomacia brasileira - 2

Enquanto isso, está evidente que o Mercosul é um projeto incerto e, até agora, ineficaz para os interesses brasileiros. Argentina, Bolívia e Venezuela não são parceiros que nos levarão a novos patamares em matéria de comércio exterior. Não são apenas os aspectos políticos da questão que nos deixam vulneráveis perante estes países, mas a realidade objetiva : precisamos aumentar as trocas e, assim, facilitar a melhoria do conteúdo (tecnológico, por exemplo) de nossas exportações. O parágrafo único do artigo 4º da Constituição reza que o "Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações". A matéria constitucional não deixa dúvida sobre nossas prioridades formais. Contudo, à diplomacia brasileira caberá, à luz das restrições constitucionais, desembaraçar a questão e buscar saídas para o nosso cambaleante comércio exterior. Precisamos de saídas efetivas e não discursos ideológicos.

Frase da semana

Do deputado Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara dos Deputados e peemedebista de estirpe : "Feio é perder a eleição. Dentro dos critérios éticos básicos, devemos fazer tudo para ganhar."

domingo, 8 de dezembro de 2013

MANDELA E A LIBERTAÇÃO DAS AMARRAS DA REVANCHE

RIO - O mundo inteiro chora a morte de Nelson Mandela. Para nós, brasileiros, sua ação representou, além de um apelo forte à consolidação de uma nação independente, a luta pela liberação do ser humano das amarras, tanto do racismo, como da revanche. Sua vida foi envolta por uma aura de grandeza, de decência e de humildade. Ninguém definiu melhor a relação entre Mandela e seus contemporâneos que sua conterrânea Manphela Ramphele: “Não foi ele quem buscou a glória, foi esta que o procurou”.

Encontrei-me com Mandela em várias oportunidades. A primeira, em 1995, dois anos depois de ele ter sido eleito presidente da África do Sul. A última, em maio de 2010. Mandela formara um grupo, o Elders — antigos líderes dispostos a continuar pelejando pela paz e pela decência no mundo — e teve a generosidade de me incluir entre os dez escolhidos. Em nosso último encontro, de maio passado, em Johannesburgo, embora já fragilizado pela idade e pelas marcas de tantos anos de lutas e sofrimento, jantou conosco. Continuava lúcido e atento às tragédias do mundo, principalmente, às que ocorriam na África.

Sua simplicidade e, ao mesmo tempo, a imantação que decorria de sua presença deixaram marcas fortes nos que conviveram com ele. Há várias formas para um líder fazer notar sua capacidade de orientar e de comandar. Alguns a demonstram com energia e denodo. Outros com certa demagogia e proximidade com os comandados. Há ainda os que utilizam a persuasão intelectual-emotiva das palavras para serem ouvidos. Mandela dispensava tudo isso: sua presença de homem esguio, elegante, suave, com voz entre rouca, estridente, marcante, dava a seus gestos e a suas palavras uma quase santidade. Por trás de cada movimento seu, sem que ele precisasse recordar, vinha à memória dos interlocutores — fosse uma pessoa ou uma multidão — a história de um lutador que não fugiu aos desafios da luta armada, de um advogado que abraçava as causas dos humilhados e dominados, do prisioneiro que se igualava aos demais no trabalho pesado de quebrar pedreiras, do político que, ainda não liberado, se recusava a compromissos, mas que, tão logo teve a voz livre, pregou a reconciliação sem mentiras.

Era tão forte a impressão de quase sobre-humano que Mandela deixava entre os que com ele conviviam, ouviam ou sabiam de suas ações e palavras que ele próprio se assustou. No último livro que publicou, “Conversations with myself” (que tive a honra de receber das mãos de Graça Machel, com dedicatória do autor, quando ela veio a São Paulo inaugurar, no ano passado, o centro que leva o nome de quem foi sua amiga e minha mulher, Ruth Cardoso), Mandela adverte para os erros que cometeu e recusa o altar em que quase todos o colocaram: “O problema, naturalmente, é que muitos homens de sucesso se dobram a algumas formas de vaidade. Chega um momento de suas vidas em que consideram aceitável serem egoístas e vangloriam-se de suas realizações diante do público em geral como se fossem únicas” (p. 6).

Contrapondo-se a esta atitude, Mandela deixa uma lição diferente. Há um estágio na vida no qual cada reformador social se baseia, fundamentalmente, em plataformas tonitruantes como um modo de se desculpar dos fragmentos de informação mal digeridas que acumulou em sua mente; trata-se de tentativas para “impressionar as multidões, em vez de começar pela simples e calma exposição de ideias e princípios cuja verdade universal se faz evidente pela experiência pessoal e o estudo profundo” (p. 41).

Acrescenta ele, “fui vítima das fraquezas de minha geração, não uma, mas centenas de vezes. Devo ser franco e dizer-lhes que, ao olhar para o passado e ver meus primeiros escritos e discursos, fico chocado por seu pedantismo, artificialidade e falta de originalidade. A urgência de impressionar e de propagandear é claramente perceptível neles” (p. 45).

Na maturidade, declarou com serenidade: “Eu não desejo incitar as multidões. Desejo que elas entendam o que estamos fazendo; desejo incutir-lhes o espírito da reconciliação” (p. 326).

Não é preciso acrescentar mais nada para registrar a grandeza de quem soube mostrar a seu povo e a todos nós o caminho da sinceridade, da fraternidade e da luta contínua pela igualdade que a simplicidade só faz enaltecer. Choremos sua morte; guardemos seu testemunho e suas lições.

Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e ex-presidente da República (1995-2002)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

NELSON MANDELA MORREU

No ano de 2010, a Copa do Mundo, o maior espetáculo futebolístico da terra, nos familiarizou com a África do Sul. Acendeu-nos a lamparina da emoção ver, em especial, o mais espiritualizado líder político do planeta, Nelson Mandela, saudar a sua gente no encerramento do evento. Mandela pisa, agora, a grama do estádio celeste!

Ao liderar um extraordinário movimento que libertou sua pátria dos grilhões do preconceito, Mandela inscreveu seu nome na lápide sagrada da história.

Ricardo Stengel, repórter americano, conviveu durante anos com o líder sul-africano na consecução de um projeto biográfico. Escreveu “Os Caminhos de Mandela – lições de vida, amor e coragem”, um livro encantador que elenca as principais lições existenciais extraídas da trajetória heróica do homem que exterminou a apartação entre negros e branco sul-africanos.

Em determinado trecho livro, Stengel registra: “Alguns chamam de cegueira, outros de ingenuidade, mas Mandela considera quase todo mundo virtuoso, até prova em contrário. Ele começa com a suposição de que você está lidando com ele de boa-fé. Acredita nisso – assim como fingir que ser corajoso pode levar a atos de coragem real – julgando que o que há de bom nas outras pessoas melhora as chances de que revelarão o melhor de si. É extraordinário que um homem que foi maltratado a maior parte da sua vida possa tanto ver o que há de bom nos outros”.

Veja o que há de bom nos outros. Esse é o título do capítulo onde se lê a reflexão acima.

Vivemos uma quadra delicada da existência humana. Como um veio vulcânico latejando nos subterrâneos da alma, o ser humano se debate sobre os fundamentos da vida e a colaboração última do conhecimento. Não raro as massas populares, na imperiosa ânsia de corrigir distorções, se rendem a movimentos passionais e apelos ideológicos.

Imagino que deveríamos ser mais comedidos na emissão de juízos de valor sobre as pessoas. Na seara do direito, especialmente, nos deparamos com situações delicadas, que reclamam um filtro de serenidade. Nem todo mundo que está na fogueira de uma acusação é satanás; nem todo mundo que está fora é santo. Há pessoas virtuosas nesse meio. Que foram vítimas e não algozes. Talvez devêssemos evitar o dedo em riste, a opinião implacável, o julgamento impiedoso. Até porque o mundo não se divide entre bons e maus, limpos e sujos. Em cada um de nós há estilhaços defeituosos e substâncias de estrelas. Melhor é fazermos como Mandela: Ver o que há de bom nos outros.

(Por Júnior Bonfim)





quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

CONUUNTURA NACIONAL



Nesses tempos de tanta acochambração, abro a coluna com uma historinha de Salim, de um leitor fiel de Porandubas :

Salim pensou bem e decidiu ir ao banco.

- Eu quer faze uma embréstimo]!

Surpreso, o gerente pergunta para Salim:

- Você, Salim, querendo um empréstimo? De quanto?

- Uma real.

- Um real? Ah, isso eu mesmo te dou.

- Não, não! Eu querer embrestado da banco mesmo! Uma real!

- Bem, são 12% de juros, para 30 dias...

- Zem broblema! Vai dar uma real e doze zentavos. Onde eu assina?

- Um momento, Salim. O banco precisa de uma garantia. Sabe como é, são as normas.

- Bode begar meu Mercedes zerinha, que tá aí fora e deixa ele guardado no garagem da banco, até eu bagar a embréstimo. Tão bom azim?

- Feito!

Chegando em casa, Salim diz para Jamile:

- Bronto, nóis já bode viajar bra Turquia zem breogubazon. Conzegui dexar a Mercedes num garagem do Banco do Brasil bor 30 dias, e eu só vai bagar doze zentavos de estacionamento.

A renúncia de Genoino

A renúncia do deputado José Genoino (PT/SP) o livra do processo de cassação. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), garante que ele ainda pode se aposentar, por ter entrado com o pedido antes de ter anunciado a renúncia. Se a aposentadoria fosse concedida antes da abertura do processo de cassação, Genoino também não responderia pelo processo de cassação de mandato. Como se recorda, o STF - que o condenou no processo do mensalão - determinou a perda automática do mandato parlamentar, mas o presidente da Câmara dos Deputados disse que iria instaurar processo normal de cassação, que inclui votação em plenário. Caso Genoino não tivesse renunciado, o processo seria submetido ao plenário da Câmara já em votação aberta.

Eletricidade no ar

A eletricidade está no ar. Em todos os espaços. Ainda bem longe da feroz campanha de 2014, os ânimos já se acirram. De um lado, as oposições tentando tirar uma casquinha nas feridas do mensalão que chega ao fim, com a prisão de políticos petistas e outros; e de outro, o governismo comemorando o avanço lento e gradual da presidente Dilma no ranking pré-eleitoral. Afinal, quais os efeitos do mensalão na campanha e por onde caminhará o governismo?

A economia das bases prevalece

Os oposicionistas estão com a pulga atrás da orelha. Perguntam-se : afinal de contas, com a onda midiática em torno da prisão de mensaleiros, por que a presidente Dilma, que encarna o status quo governista, expande seus índices eleitorais ? Mais uma vez, este consultor mete a mão na cumbuca para reiterar o que tem dito ao longo dos últimos meses. A economia prevalece sobre a política. Ou seja, o bolso, neste momento, é mais importante que o barulho que a política provoca. Apesar dos pesares na esfera das contas públicas, déficits fiscais, baixo crescimento do PIB, conta exportação em baixa, o povão das margens não tem sido afetado pelos grandes números. O programa assistencialista garante geladeira cheia e barriga satisfeita. Logo, a cabeça pende para quem patrocina as benesses.

Dossiês

Começou o ciclo de produção de dossiês. Há gente inocente pagando por calhordas no episódio dos trens em SP. E há partidos querendo tirar proveito do episódio. Há muita versão fajuta. A conferir os resultados.

O meio consolida posições

Por isso mesmo, as bases têm garantido à presidente Dilma seu bom posicionamento. E mais: querem que ela faça mudanças. Esse é um dado interessante. Identificam nela o perfil capaz de fazer mudanças, não o Aécio nem o Eduardo Campos. Já as classes médias consolidam sua visão, mantendo forte rejeição ao lulopetismo, como se observa em SP, por exemplo. No maior colégio eleitoral do país estão os contingentes mais racionais e as searas mais anti-petistas. Por isso, Alckmin continua a ter bons índices - 43% - nas pesquisas.

Lula, ainda o maior

Luiz Inácio Lula da Silva continua a liderar o ranking de puxadores de voto. Teria, hoje, na condição de eventual, cerca de 55% de intenção de voto. Continua a desfraldar a bandeira de defensor dos pobres.

Mensalões no ar

É evidente que muita coisa poderá mudar até as eleições. Digamos que o efeito pedra no meio da lagoa gere consequências (marolas se formam até as margens da lagoa) ; isto é, as classes médias, contrárias ao petismo, fariam circular sua contrariedade até as beiradas. Tudo bem. Isso é possível. Mas em 2014, deveremos assistir o affaire do mensalão mineiro. Os petistas poderão brandir o escândalo mineiro em contraponto ao seu escândalo. O deputado Eduardo Azeredo, do PSDB, poderá virar o alvo do tiroteio.

O Triângulo das Bermudas

O centro do fenômeno eleitoral será o espaço chamado Triângulo das Bermudas: SP, maior colégio eleitoral, com 32 milhões de eleitores; MG, com 15 milhões, segundo colégio eleitoral, e RJ, com 11 milhões, terceiro colégio eleitoral. SP e Minas são governados por tucanos. Alckmin, hoje, lidera o processo em SP, tendo mais de 40% de intenção de voto. O governador Anastasia, em Minas, quer dar a Aécio maioria de 4 milhões de votos. No Rio, Garotinho está na frente e os candidatos do PT e do PMDB, Lindbergh e Pezão, poderão crescer. Lembre-se, ainda, que GO, com Marcone Perillo, e PR, com Beto Richa, são governados por tucanos. O PSDB, teoricamente, tem boas condições de lutar pelo segundo turno. Mas...

Cadê o discurso?

Ocorre que falta discurso às oposições. Aécio Neves expressa com veemência peroração política - centrando críticas em perfis do petismo, a partir da presidente Dilma - mas lhe falta uma abordagem programática. Qual é o projeto para o país? Qual a alternativa econômica em substituição ao modelo petista? Por onde caminhar? Qual a proposta para a reforma tributária? São questões como essas que continuam sem resposta por parte das oposições. E Eduardo Campos, por sua vez, tem uma banda governista. Não conseguiu, até o momento, fixar uma imagem de oposição forte. Carrega imagem frappé.

Campos no Nordeste

Eduardo Campos vai tentar se apresentar como o candidato da região Nordeste. E quer sair de PE com uma extraordinária votação. Tem tido boa avaliação, sem dúvida. Mas não devemos esquecer que Lula é pernambucano e vai correr seu Estado para encher a bacia de votos de sua candidata. Dirá, por exemplo, que os R$ 40 bilhões que PE recebeu, nos últimos anos, de investimentos se deram sob a égide dos governos petistas, dele e da presidente Dilma. Será interessante acompanhar a querela pernambucana.

Ceará e os Ferreira Gomes

No CE, os irmãos Cid Gomes e Ciro Gomes resistem a um acordo com o PMDB, cujo candidato ao governo é o senador Eunício Oliveira, hoje com 45%. Esse é um dos imbróglios a serem resolvidos pelo PT. No pano de fundo, vê-se a chance de Tasso Jereissati voltar à política como senador, pelo PSDB. Portanto, é possível que o reduto governista dos Ferreira Gomes vá às urnas bastante dividido.

Sergipe e o vice-+

Com a morte do governador Marcelo Déda, aos 53 anos, crescem as chances do vice-governador Jackson Barreto, do PMDB, levar a melhor no pleito de 2014. Terá a máquina a seu favor. Sobre Deda: um perfil de moderação; inteligente, articulado, poeta. Um dos melhores quadros do PT. Querido amigo da presidente Dilma.

Skaf em SP

Paulo Skaf, que será o candidato do PMDB ao governo paulista, continua despontando com boas chances. Tem cerca de 20% de intenção de voto. O índice se mantém. Nas pesquisas qualitativas, aparece como o perfil que mais se destaca, o mais asséptico. Paulo tem, sim, condições de quebrar a polarização PSDB x PT.

PMDB nos Estados

No PR, o PMDB poderá vir a apoiar a senadora Gleisi, do PT, ao governo; mas Requião, o senador com voz forte no partido, pensa em se candidatar. Em GO, o candidato deverá ser Junior, da Friboi; em Minas, o PMDB poderá fechar com o PT, de Fernando Pimentel, e ganhar a vice, com o ministro Antônio Andrade, da Agricultura; Clésio, o senador do PMDB pensa em disputar o cargo de governador. Na BA, Geddel será o candidato ; no RN, se não sair com candidato próprio, poderá fazer aliança com o PSB de Wilma Faria. No Rio, o imbróglio é grande. Pezão será candidato. E assumirá o governo com a saída de Cabral, que se candidatará ao Senado. E quando o PT vai deixar o governo de Cabral?

Haddad em baixa

Previsível. O prefeito Fernando Haddad está no despenhadeiro da imagem. Também, pudera. Faz um pacote com alta taxa de IPTU para áreas comerciais e algumas regiões, algo entre 25% e 35%. A comparação é inevitável: quem teve aumentos salariais e de ganhos nesses índices? Era de esperar um reajuste de 10% no máximo. Seu pacotão vai estourar nas costas de Padilha?

Padilha, Mais Médicos

Se Alexandre Padilha fosse candidato a governador em um Estado do Norte ou mesmo do Nordeste, poderia ter uma ótima votação. Em SP, a coisa é mais complexa. O programa Mais Médicos renderá ótimos frutos para a presidente Dilma em 2014. Em SP os efeitos desse programa não serão tão impactantes. Mas o PT, como se sabe, tem garantido a seus candidatos majoritários cerca de 30% dos votos em SP. Desse modo, esse poderá ser o teto de Padilha. Aliás, podemos projetar a seguinte equação : 30% para o candidato governista; 30% para o candidato oposicionista e 30% para o perfil alternativo. É uma boa equação para se projetar o cenário paulista.

Petrobras

É surpreendente como a Petrobras descamba no perigoso terreno da má gestão. Graça Foster, diz-se, é uma ótima gestora. Mas quem está dirigindo a empresa é a dupla Dilma/Mantega. Graça apenas assina os papéis. De tombo a tombo, a Petrobras cai no poço do descrédito. Desabou, esta semana, 10,37%. Que triste.

Marcha à ré no crescimento

O governo anda trombando em seus próprios números. Esta semana o IBGE anunciou que a economia brasileira recuou 0,5% no terceiro trimestre deste ano em relação ao trimestre anterior. É o pior desempenho desde o primeiro trimestre de 2009, durante o auge da crise global - ali houve retração de 1,6% na comparação com o trimestre anterior. Primeiro erro : um dia antes, o ministro Guido Mantega disse que a economia deveria registrar crescimento de 2,5% neste trimestre em relação ao mesmo período do ano passado. O número correto é 2,2%. Segundo erro : em entrevista ao jornal espanhol El País, a presidente Dilma disse que o PIB de 2012 seria revisado de 0,9 para 1,5%. Foi apenas de 0,9% para 1%.

Mais um gigante nacional?

Por meio de manifestação de interesse, a prefeitura de SP selecionou interessados na modelagem da PPP que será responsável pela modernização, operação e manutenção da iluminação pública da cidade. SP é uma das cinco maiores metrópoles do mundo. O consórcio que faz hoje o serviço se uniu a J&F, ou seja, Friboi. Há quem diga que o PT estaria por trás dessa tentativa de criar mais um gigante nacional. Para haver efetiva concorrência, urge lembrar que SP é tão grande que, em uma licitação nacional, quem faz o serviço em SP teria melhores condições de atestar experiência.

Transparência

Brasil caiu no ranking da transparência. Ocupa a 72ª posição entre 177 Nações. Tinha a 69ª posição.

Um alerta à ANAC

O departamento de transporte dos EUA multou a companhia aérea GOL em US$ 250 mil por violar várias normas sobre Direito do Consumidor e não revelar todas as informações necessárias sobre as taxas aplicadas aos passageiros. Esta é a maior multa aplicada pela agência Federal desde que reforçou sua legislação de proteção dos passageiros em abril de 2011. "Adotamos estas normas para assegurar que os passageiros sejam tratados com respeito quando compram um bilhete ou entram em um avião", afirmou Anthony Foxx, secretário de transporte dos EUA em uma nota de imprensa. A sanção decorre das falhas observadas no site da GOL após seu lançamento em 2012, no qual não estavam incluídas todas as informações requeridas, como os planos de contingência para longos atrasos na pista do aeroporto ou links à lista de preços por bagagem e outros serviços opcionais. É um alerta à nossa ANAC.

Conselho às autoridades

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos eventuais candidatos aos governos estaduais. Hoje, volta sua atenção aos governantes : Nos últimos tempos, temos assistido a eventos de impacto, principalmente acidentes envolvendo obras em construção, como estádios, prédios, etc.

1. Urge pôr uma lupa nos empreendimentos, observando-se rigorosamente as maneiras de operação, os sistemas de segurança, os licenciamentos e as condições de trabalho.

2. Nas arenas em construção para a Copa de 2014, todo cuidado é pouco. Imaginem a ocorrência de acidentes no período de realização dos jogos ; a imagem do país estaria irremediavelmente comprometida.

3. A pressa é inimiga da perfeição. Querer tirar os atrasos nos cronogramas, procurando queimar etapas ou acelerar processos, sob a ameaça de perda de qualidade, é um enorme risco. Atentem para essa questão.


(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A RENÚNCIA DE GENOÍNO

"Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados

Excelentíssimos Senhores Membros da Mesa Diretora

Excelentíssimos Senhores Deputados

Dirijo-me a Vossas Excelências após mais de 25 anos dedicados à Câmara dos Deputados, e com uma história de mais de 45 anos de luta em rol da defesa intransigente do Brasil, da democracia e do povo brasileiro, para comunicar uma breve pausa nessa luta, que representa o início de uma nova batalha, dentre as tantas que assumi ao longo da vida.

Assim, e considerando o disposto no inciso II, do artigo 56 da Constituição Federal;

Considerando ainda a transformação midiática em espetáculo de um processo de cassação;

Considerando, de outro modo, que não pratiquei nenhum crime, não dei azo a quaisquer condutas, em toda minha vida pública ou privada, que tivesse o condão de atentar contra a ética e o decoro parlamentar;

Considerando que sou inocente;

Considerando, também, que a razão de ser da minha vida é a luta por sonhos e causas ao longo dos 45 anos, reitero que entre a humilhação e a ilegalidade, prefiro o risco da luta; e

Considerando, por derradeiro, que sempre lutei por ideias e jamais acumulei patrimônio ou riqueza.

Por tudo isso e ao mesmo tempo em que agradeço a confiança em mim depositada ao longo de muitos anos pelo povo do Estado de São Paulo e pelo Brasil, RENUNCIO ao mandato parlamentar e encaminho a presente missiva através do deputado José Guimarães PT/CE e do dr. Alberto Moreira Rodrigues, advogado inscrito na OAB/DF nº 12.652.

Atenciosamente,

José Genoino Neto – deputado federal licenciado – PT/SP

Alberto Moreira Rodrigues – OAB/DF – 12.652"

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL

PT e PMDB: condenados a viver juntos - 1

Os dois maiores partidos da base aliada, juntamente com a presidente da República, o ex-presidente Lula e alguns ministros dedicaram o descanso de sábado para debater a aliança eleitoral para 2014. A nacional e as regionais. As informações a respeito do que ficou ajustado são divergentes no que tange aos acordos estaduais. Não têm solidez, porém, nem qualquer acerto feito na Granja do Torto nem qualquer desacerto pode ser impossível de ser superado. As definições dos palanques regionais na sua maior parte vão depender de muitas variáveis e só começarão a ganhar consistência entre abril de junho. Antes, são especulações.

PT e PMDB: condenados a viver juntos - 2

O presidente em exercício do PMDB, por exemplo, saiu do encontro dizendo que Lula e Dilma haviam acertado o apoio do PT ao candidato da família Sarney ao governo do MA e à governadora Roseana ao Senado. Ruy Falcão, presidente do PT, rechaçou avisando que nada foi acertado. Óbvio, o adversário dos Sarney é o presidente da Embratur, Flávio Dino, do PC do B. E os comunistas do ministro Aldo Rebelo cobram do PT uma compensação para os anos de fidelidade ao petismo. No caso, a tática oficial é deixar andar para ver como fica. No Rio, também, a situação ficou confusa e a tática é a mesma. A informação é a de que o PT não abriu mão da candidatura do senador Lindbergh Farias. E que o governador Sérgio Cabral, peemedebista, insiste com a postulação de seu vice, Pezão. No impasse, teria surgido a possibilidade dos dois apoiarem um tertius, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, também peemedebista. Há, porém, um outro nó : o candidato mais bem cotado na pesquisa, até agora, é outro governista, o ministro da Pesca, Marcelo Crivella, do PR, o partido dos desejados evangélicos.

PT e PMDB: condenados a viver juntos - 3

Esses desacertos, mesmo que muitos redundem em palanques estaduais duplos e pouco amigáveis, não vão prejudicar o acerto nacional. No campo da sucessão presidencial, PT e PMDB estão condenados a viverem juntos. O dote oferecido pelo PT é a vice-presidência para Michel Temer. O PMDB entra com um dote considerado preciosíssimo pelos marqueteiros : os minutos no horário eleitoral obrigatório no rádio e na televisão. Contas bem feitas, o dote do PMDB é maior. Boa parte dos peemedebistas não dá a mínima para o cargo de vice. Muitos dizem que o partido até perde com isso, pois quando reivindicam melhor distribuição de cargos recebem logo a advertência de que têm a vice. Ora, como lembra um bem humorado peemedebista, vice do Brasil "não dá nem nome de um mero beco em cidades do interior". Ademais, o PMDB joga um jogo no qual já sabe previamente que está nas finais: qualquer que seja o resultado da eleição presidencial, ele sabe que será peça essencial no futuro "governo de coalizão". A não ser que o partido não consiga bons desempenhos nas eleições estaduais: para os governos, Câmara, Senado e Assembleias Legislativas. Assim, queira ou não queira, o PT vai ter de fazer mais concessões nas alianças regionais com o PMDB. É isto que Lula tem dito (ordenado) a seus correligionários. Nessas circunstâncias, os Sarney dificilmente deixarão de levar a bola do PT no MA.

Pesquisa: desastre para a oposição, alertas para Dilma - 1

Dilma entra a semana em meio estado de graça, para desespero da oposição. A mais recente pesquisa DataFolha, do fim de semana, indicou que a preferência dos eleitores por sua candidatura voltou a crescer, depois de um período estagnada em torno dos 35%. Nada ainda que a aproxime dos números anteriores aos barulhos de junho, mas uma recuperação que parece sustentada. Os sinais bons para a petista e aliados é um desastre para os oposicionistas em geral: estão perdendo fôlego, apesar das indicações de que a população continua preocupada com os riscos de inflação e o desemprego. O discurso oposicionista, repita-se o que se viu em outras pesquisas, não convenceu ainda de que é capaz de fazer melhor.

Pesquisa: desastre para a oposição, alertas para Dilma - 2

O eleitor está naquela : entre o incerto e o conhecido, ele tende a ficar com o conhecido, mesmo que ele não esteja agradando muito. Apesar do alívio, Dilma vai precisar se precaver. Como na pesquisa anterior da CNI, já comentada aqui, a população continua insatisfeita: 66% dos entrevistados do DataFolha disserem que querem políticas diferentes da que está em uso. E, confirmando o que era fácil intuir, quando Lula é apresentado como candidato governista, no lugar dela, a intenção de votos dele é muito superior à da pupila: Dilma fica na casa dos 40% e Lula chega próximo aos 60%. Uma sonata nos ouvidos das viúvas do lulismo, no PT, nos partidos aliados, nos meios empresariais. A leitura mais possível de tudo isto: quem disser que sabe o que vai acontecer em 2014 ou está muito mal informado ou é apenas um torcedor.

É agora ou agora

Naturalmente vão crescer as pressões para Aécio Neves anunciar sua candidatura e mergulhar de vez na campanha. O mineiro vai anunciar lá pelo dia 15 seu programa de campanha. Terá de ser claro, simples, objetivo e com promessas factíveis. Mesmo assim, fica um problema: quem vai colocar o guiso no pescoço do José Serra. Os tucanos vão se afundando em suas eternas vacilações e enormes vaidades.

Água e óleo

Estava certo quem previu que na prática não seria nada fácil misturar o pragmatismo socialista do governador Eduardo Campos com os sonhos de Marina Silva. Os dois estão perdendo adeptos e diminuindo aos olhos de alguns eleitores. A dupla não apenas não se entende, assim como é completamente ausente das notícias do dia a dia, espaço vital para quem tem algo a dizer e é candidato oposicionista. Ao governo sobram erros e não há entre os pessebistas nenhum sinal de vida política que mereça registro. A coisa parece mal e sem saída clara até agora.

Candidatos tutelados

Na semana passada comentamos que cresce dentro do petismo e fora dele, sobretudo entre os empresários, a vontade de que Lula não deixe a atual presidente à solta no próximo mandato o qual, sendo o segundo, torna ela mais livre para exercer o governo que tem na sua mente. Não resta dúvida de que Dilma é uma política tutelada e com rédeas relativamente curtas. Afinal, não é alguém com experiência em campanhas e nem concepção política provada por eleitores, apesar de gostar de pregar verdades por todos os lados. De outro lado, temos Aécio Neves, que apesar de ser político de estirpe mais conhecida, neto de Tancredo e com trânsito congressual indubitável, também aceita passivamente a tutela intelectual e política da velha guarda do PSDB, liderada pelo octogenário FHC. Aécio Neves parece garoto de velhos recados quando fala de políticas públicas. Falta-lhe brilho próprio e uma agenda atualizada à realidade atual. Ademais, se associa à turma da "Casa das Garças" da PUC/Rio, a nomes como os de Armínio Fraga, Pérsio Arida e Edmar Lisboa Bacha, conhecidos como bons economistas, mas não necessariamente conhecedores de vastas áreas de políticas públicas, especialmente as sociais. Como dissemos acima, veremos em breve o seu programa eleitoral. Todavia, há muito espera-se que o mineiro conduza e não seja conduzido pelas velhas guardas que o cercam.

A missão de Geraldo Alckmin

Há algo de podre no reino paulista do PSDB. Não se sabe se as listas de possíveis corruptos do PSDB paulista são verdadeiras, mas que há algo errado não resta dúvida. As denúncias da Siemens, forjadas por um acordo judicial na Alemanha, são consistentes com os fatos que se viu e outros sobre os quais apenas se sente o cheiro. Aécio Neves cobrou explicações ao ministro da Justiça Eduardo Cardozo, mas deveria ir além. Vale cobrar do governador de SP Geraldo Alckmin uma investigação própria e profunda, mesmo que tenha de extirpar seus colegas de partido. Ninguém pode cobrar nada que não faça por moto proprio. As nuvens que recobrem o Palácio dos Bandeirantes não são de coloração diversa daquilo que se vê em outros recantos nacionais. Há algo de corrupto no ar.

Vai bombar

Após mais uma decepção com o resultado das contas públicas em novembro, o secretário do Tesouro Arno Agustin, o "maquiador contábil" mais requisitado de Brasília, voltou a garantir que a meta fiscal do governo Federal será cumprida este ano. Qual, exatamente, vai se saber no fim do ano: 3,1%? 2,3% ? 1,7%? 1,5% ? Não há dúvida que vai, com o apoio do R$ 15 bilhões do pré-sal que entraram em novembro e pelo menos mais R$ 16 bilhões do "Refis do Refis" da crise, acertos de bancos e grandes empresas com o fisco. Somente da Vale podem ser mais de R$ 5 bi. Para efeitos contábeis, assim, estará tudo certo. Porém, não significa nenhum esforço fiscal real, ou seja, racionalização de gastos, evitando as despesas mais supérfluas e priorizando os investimentos. Pelo andar da carruagem, os investimentos Federais este ano serão inferiores aos do ano passado.E certamente não será em ano eleitoral que o setor público vai mudar esse comportamento.

A questão do "rebaixamento" do Brasil

As agências classificadoras de risco (rating agencies) são daquelas empresas que relatam o risco depois de que este já ocorreu. São inúmeras provas disso, especialmente após a crise de 2008. Todavia, estas agências ainda gozam de certo prestígio dentre administradores de fundos e concessores de crédito - estes, ao invés de tomarem suas responsabilidades, acabam por se "esconder" por entre os relatórios da Standard & Poor's e Moody's. Há a dúvida recente se o Brasil terá a sua nota reduzida por estas agências. A opinião desta coluna é clara: não há razões objetivas para que isto ocorra agora. No futuro, será preciso reavaliar. Isso porque não há riscos substantivos de que o padrão de solvência do país piore nos próximos meses a ponto de justificar um rebaixamento. Cabe lembrar, neste particular, que as reservas externas do país e a dívida interna sob relativo controle evidenciam que a nota do Brasil é justa. De outro lado, lembramos aos nossos leitores que não se deve confundir solvência (em certo momento histórico) com boas práticas de política econômica. O Brasil abusa do déficit externo, da leniência com a inflação, com a incompetência na transformação estrutural da economia brasileira, com os ineficazes e elevados gastos públicos, por um sistema tributário projetado no Instituto Pinel, etc. Em outro momento histórico, mais a frente, estas más políticas destruirão a solvência brasileira. E muito mais.

Mercado de Ações

Que ano maravilhoso para o mercado acionário. Referimo-nos ao mercado norte-americano, é claro. Na semana passada, os índices S&P 500 e NASDAQ ultrapassaram os significativos patamares de 1.800 e 4.000 pontos, respectivamente. Um sinal consistente com a recuperação (ainda em curso) da economia dos EUA. Nas próximas semanas poderemos ter um período de "realização de lucros". Afinal, depois de tantos ganhos, há uma parcela relevante do mercado que acredita que os preços das ações estão elevados demais. No médio prazo, continuamos otimistas com o mercado acionário americano. Por aqui acreditamos que, estes sim, os preços das ações estão elevados e as perspectivas do país não são boas. O atual marasmo (em termos de preços) do mercado acionário está em linha com o desaquecimento global e com o fracasso da política de crescimento da presidente e ministra da economia Dilma Rousseff. O ano que vem será muito desafiador: o país pode começar a sofrer ainda mais com o padrão já velho das políticas públicas.

PIB: decepção e aviso

O PIB do terceiro trimestre, calculado pelo IBGE e que será divulgado nesta terça-feira, mostrará não apenas o colossal fracasso da política econômica do governo. Haveremos de verificar que neste número estão embutidos todos os riscos estratégicos do país na área econômica: pobreza tecnológica, excesso de regulação, excesso de tributação, crise de confiança, falta de competitividade internacional, ausência de parceiros externos confiáveis, custos de logística elevados, etc. Dilma e seu assessor Guido Mantega patrocinam a desindustrialização do país, mas apenas há três anos. O país está neste processo há três décadas e nenhum governante tomou as rédeas para mudar esta situação.

Um novo enredo

Diante dos sinais de que dois terços da população quer mudanças nas políticas em voga em Brasília - e não se trata da política dos políticos, mas da política que determina o bem estar dos cidadãos - o governo está em busca de uma nova "narrativa econômica" para começar 2014 e angariar eleitores. A "narrativa" ensaiada no ano passado está esgotada: perderam-se o discurso dos juros, da redução das tarifas, do consumo sem freios. E, principalmente, a de que o crescimento econômico seria retomado com vigor. Para o setor empresarial é tornar crível a política fiscal e afastar os riscos da tal "tempestade perfeita" que o ex-ministro Delfim Neto diz que pode se abater sobre o Brasil no próximo ano. A perda de confiança no governo, no entanto, não parece ser uma questão de "narrativa" e sim de esgotamento do modelo, sustentado pelo incentivo ao consumo e pelos gastos públicos.

Privatizações, um alívio

Depois de atrasos, decepções e insucessos totais e parciais, a presidente Dilma teve dois momentos de alívio no seu plano de privatizações: os leilões dos aeroportos do Galeão e de Confins e de um trecho da BR 163. Foi o suficiente para a ela exibir todo o seu estilo e gabar-se: "É o meu modelo". Os avanços são evidentes, porém, nem tanto ao mar, nem tanto a terra : as privatizações só começaram a deslanchar depois de profundas mudanças nas modelagens iniciais preparadas pelo governo. Se ficasse na teimosia anterior, estaria tudo parado ainda.

Enfim, descobriram

Incrível como pessoas que há anos militam nos meios jurídicos brasileiros, alguns com mais de 50 anos de experiência no ramo, com passagens por diversos governos, conselheiros de ministros e presidentes começaram agora a descobrir que o sistema prisional brasileiro é sub-humano. Nunca se viu tanta gente boa falando sobre isto, imprecando contra esta "maldade" como neste momento. Qual a razão deste milagre?

A flor da pele

Boa parte das críticas - e a totalidade dos ataques - ao ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF, por suas ações no mensalão não escondem um indisfarçável tom racista. E olha que vem de gente que se julga da mais fina estirpe, politicamente correta, não apenas de raivosos internautas. Só faltam dizer e escrever que "o ministro não reconhece o seu lugar". (Sobre o assunto há um excelente comentário do jornalista Carlos Brickmann em seu blog: "Os 50 tons de pele".)

Um pouco de humor

Do jornalista Ricardo Setti em seu blog no portal da revista Veja: "Não dá para resistir à piada: se o senador Eduardo Suplicy (PT/SP) continuar visitando diariamente o mensaleiro condenado José Dirceu na penitenciária da Papuda, no DF - vai ver que até cantando, de vez em quando, o Blowin' in the Wind de Bob Dylan -, o ex-ministro acabará por pedir uma mudança em seu regime prisional. Em vez do semiaberto, poderá até, quem sabe, solicitar uma temporada numa solitária."

(por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)