O noticiário político de Crateús na quinzena passada foi dominado por um fato que chocou muita gente: o possível desembarque do PMDB local na plataforma do Executivo Municipal. Segundo informam alguns atores do teatro político crateuense, o acerto deixou de se concretizar por intervenção do Deputado Domingos Filho, que havia relembrado aos correligionários um compromisso anteriormente firmado noutra direção. A indagação que emerge é: o que estaria nas entrelinhas dessa ação?
UM OLHO NO LEGISLATIVO...
O Prefeito Carlos Felipe teria assim agido visando dois objetivos: o primeiro, com repercussão imediata na sua base de apoio na Câmara Municipal, seria encurralar dois edis da sua coligação: Betinha Machado e Nego do Bento. O Prefeito acha que eles estão causando muitos desconfortos. São, hoje, presenças incômodas (Nego do Bento, por exemplo, na quinta-feira passada fez um discurso contundente em cima do Secretário de Administração, ‘Cabo Chico’). Exercem uma independência constrangedora. Além disso, ‘pedem demais’. Se conseguisse o apoio de outros vereadores, o desejo era colocar os impertinentes aliados na geladeira.
OUTRO NA ELEIÇÃO...
O segundo objetivo dessa manobra política seria a eleição de 2010. Inseguro com relação aos resultados eleitorais do ano que vem, o alcaide tenciona repetir o discurso que o levou ao Paço Municipal: unir o que ele chama de ‘família crateuense’ fustigando os políticos oriundo de outras terras. Em primeiro lugar, o deputado em que votou, pediu votos e trabalhou na eleição de 2006: Nenen Coelho; em segundo, Domingos Filho ou seu candidato a Federal, Domingos Neto.
O EFEITO
Em verdade, apesar de ter subido às alturas do apoio popular ancorado na aeronave de uma “vida nova”, o Prefeito, após tomar o assento do poder, resolveu incorporar o que existe de mais velho na política: o apreço à dissimulação, o cultivo da malícia, o exercício da rasteira, o desprezo aos aliados de primeira hora em troca dos oportunistas de plantão. Ninguém ignora em Crateús que Betinha Machado e Nego do Bento optaram por Carlos Felipe quando este ainda era somente uma promessa. Se hoje cobram algum quinhão do latifúndio prefeitural, é porque viram o comandante da fazenda – que prometeu um governo sério e combate rigoroso aos velhos costumes - se embrenhar de maneira desassombrada pela capoeira do clientelismo. Se o Prefeito instituiu o reino do toma-lá-dá-cá e está privilegiando aqueles que combatia, cobrindo de benesses os vereadores antes adversários, nada mais justo – na lógica desses vereadores - que os que participaram do início da empreita reivindiquem a parte que lhes cabe. A vereadora Betinha, por exemplo, foi a mais votada. O seu grupo de retaguarda construiu a maior máquina estrutural da campanha e foi quem montou o primeiro palanque potente para o candidato comunista, quando ainda havia muita incerteza.
O EFEITO II
O outro objetivo de Carlos Felipe – obter um bom resultado eleitoral na eleição de Deputado – tem encontrado obstáculos. O primeiro é que gerou expectativas ou firmou compromisso com muita gente: só para Deputado Federal, aguardam o apoio do Prefeito os candidatos João Ananias, José Guimarães, Chico Lopes, Gorete Pereira e Lúcio Alcântara. Para Estadual, pretende apoiar apenas um nome visando uma polarização com Nenen Coelho. Descartou Hermínio Resende. Tentou Nenzé Bezerra que, como um gato escaldado, tem pulado dessa água fria. Estuda lançar o vice-prefeito Mauro Soares. Mas este, se conquistar muito espaço na eleição de Deputado, pode ser um complicador na refrega sucessória. Já se comenta que o vice-prefeito dos sonhos de Carlos Felipe é Márcio Cavalcante, hoje o mais influente operador político do seu governo.
O EFEITO III
Equivoca-se o Prefeito ao achar que a mera repetição daquela bairrista mensagem de rejeição a quem nasceu fora de Crateús surtirá o mesmo impacto. Narrin. Nunca. Isso valia quando as pessoas desconheciam a diferença entre intenção e gesto, entre o prometido e o praticado. Quem está com as rédeas do alazão governamental vai para as urnas tendo que se explicar. Passa a ser alvo.
ALERTAS
Na política, mundo das mistificações, os amigos evitam alertar os governantes quanto aos desvios de rota - diferentemente da vida normal, onde predomina o ditado “quem avisa amigo é”. Ninguém na Prefeitura parece alertar o gestor maior, enquanto responsável pelas Contas de Governo do município, sobre o básico: a Administração Pública é regida pelo princípio da legalidade. Traduzindo: um agente público só pode fazer aquilo que a lei permite. Jamais o que ela proíbe. Apenas dois exemplos: 1) A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece o limite de 54% para gastos com pessoal por parte do Poder Executivo. A Prefeitura de Crateús, segundo relatório que ela mesma publicou, já ultrapassou em muito esse limite. Se chegar ao final do ano nesse ritmo, o Prefeito responderá pelo ilícito. 2) Pintaram um espaço público com os seguintes dizeres: “Carlos Felipe – o Prefeito que mais investiu no esporte”. Ora, essa propaganda, além de ser uma inverdade, contém uma ilegalidade. Primeiro, com base em que se chegou a essa constatação? Quer dizer que os Prefeitos anteriores, que construíram estádio, ginásio coberto e quadras poliesportivas, investiram menos que o atual? Segundo, a Constituição Federal proíbe o uso do dinheiro público para a promoção pessoal do governante, como no caso sob exame. Isso fere o princípio da impessoalidade que orienta o ente público.
PARA REFLETIR
“Na política, a verdade deve esperar o momento em que todos precisem dela.” (Bjornstjerne Bjornson)
(Por Júnior Bonfim - publicado na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, de Crateús, Ceará)
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