terça-feira, 28 de setembro de 2010

OBSERVATÓRIO


“O poder não é um antro; é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro. Agrade, ou não agrade, as constituições que abraçaram o governo da Nação pela Nação, têm por suprema esta norma: para a Nação não há segredos; na sua administração não se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores não cabe mistério; e toda encoberta, sonegação ou reserva, em matéria de seus interesses, importa, nos homens públicos, traição ou deslealdade aos mais altos deveres do funcionário para com o cargo, do cidadão para com o país”.


ATUALIDADE

Parecem escritas agora, mas as palavras acima foram proferidas em 1920 pelo notável homem público Ruy Barbosa. Integram a Conferência “A Imprensa e o Dever da Verdade”, que tinha dois objetivos: chamar a atenção da comunidade para a responsabilidade dos meios de comunicação social e contribuir para os serviços de assistência social e educacional prestados por entidades particulares. Os intentos foram alcançados. A renda proveniente da publicação foi revertida em favor do Abrigo dos Filhos do Povo, uma entidade que possuía dez escolas na periferia de Salvador, Capital da Bahia.

ELEIÇÕES

No próximo domingo os brasileiros se dirigirão às urnas para a escolha de quem deverá conduzir, no próximo quadriênio, os destinos da Pátria, dos Governos Estaduais, do Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas Estaduais e do Distrito Federal. O ideal é que cada um fizesse a escolha a partir de uma profunda reflexão. No entanto, as campanhas eleitorais progressivamente são contaminadas por baixas contingências gregárias. Uma torrente de emoção sacode, inclusive, as consciências mais sóbrias. Há uma agitação feérica, um fenômeno recorrente de abalo no estado de ânimo das pessoas, majoritariamente provocado pelo incentivo das lideranças. Nessa ambiência de incontrolável efervescência, há muita perda de referência. Qual o verdadeiro significado da representação popular? Para que serve o poder?

A CONJUNTURA ATUAL

Embalados pelos bons ventos da situação econômica que o País experimenta, a maioria do povo parece anestesiada. Idolatra o Presidente da República e pronto. Há uma verdadeira veneração ao Chefe do Governo. Sua trajetória singular o alçou à condição de mito. É como se fosse um homem que pairasse acima do reino do bem ou do império da maldade. Salvo diminutas exceções que confirmam a regra, todo mundo se entregou à sauna do individualismo e fazendo vistas grossas às mazelas públicas. Veja-se o caso de Erenice Guerra.

ERENICE

Erenice Guerra foi escolhida para substituir Dilma Rousseff como ministra por ser pessoa da estrita confiança da ex-chefe da Casa Civil. A imprensa provou que o coração do governo era, sob os auspícios da ministra, um balcão de negócios. Fábrica de nepotismo. A reação de Erenice foi agressiva: negou peremptoriamente. Incontinenti, mais graves evidências eclodiram. Sua situação ficou insustentável. Foi obrigada a pedir para sair. A denúncia deixou o Presidente possesso. Não com os malfeitores, mas com a imprensa que descobriu o malfeito. E, em gesto de descontrole pouco recomendável, acusou os meios de comunicação que divulgaram o episódio de ‘mídia golpista’.

A IMPRENSA

Todo mundo sabe que essa mesma imprensa denunciou recentemente problemas na obra do rodoanel e do metrô de São Paulo, sob o governo tucano. Igualmente deu ampla publicidade ao mensalão de Brasília que culminou com a derrocada de José Roberto Arruda, governador pelo DEM. ‘A imprensa’, dizia Rui Barbosa, ‘é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam’. Essa sempre foi a essência do papel da imprensa: fiscalização permanente do exercício do poder. Na oposição, o PT aplaudia essa postura crítica; na situação, defenestra.

O PRESIDENTE

O que ocorre é que o Presidente, ego inflado por índices estratosféricos de popularidade, despreza valores caros à democracia e aos princípios republicanos. Desce da condição de estadista para a de cabo eleitoral. É um militante assanhado que reage raivosamente a qualquer provocação. Revela enorme dificuldade de conviver com pensamentos contrários ao seu. Isso é lamentável. Pior: a correção procedimental é posta em segundo plano. Se a economia vai bem, se muita gente melhorou de vida, que se dane a ética, a moral e os bons costumes. Há uma verdadeira banalização da moralidade pública. Segundo Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, “na certeza da impunidade, Lula já não se preocupa mais nem mesmo em valorizar a honestidade. É constrangedor...”

PARA REFLETIR

“A liberdade não foi conquistada apenas para os que "informam corretamente", mas também para os que, na opinião desse ou daquele presidente da República, não informam tão corretamente assim. Se um jornal quiser assumir uma postura militante, de cabo eleitoral histérico, e, mais, se quiser não declarar que faz as vezes de cabo eleitoral, o problema é desse jornal, que se arrisca a perder credibilidade. O problema é dele, só dele, não é do governo. (...) Não cabe ao Executivo, ao Legislativo ou ao Judiciário definir o que é "informação correta". Isso é prerrogativa do cidadão e da sociedade. Que setores da sociedade protestem contra esse ou aquele jornal faz parte da vida democrática. Às vezes, é bom. Pode ser profilático. Agora, que o governo emule, patrocine ou encoraje esses movimentos é no mínimo temerário. (...) A pessoa do presidente tem direito de se irritar com o noticiário. Tem até o direito de processar jornalistas. Mas o chefe de Estado não deveria semear o ódio, conclamando o povo a "derrotar" órgãos de imprensa”. (Eugênio Bucci, no artigo Um pingo de serenidade)



(Publicado na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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