Guerra de Barack Obama não é fiscal
Muita ênfase tem sido dada à "guerra fiscal" que o presidente norte-americano travará no Congresso daquele país a partir das próximas semanas. De fato, o tal do "abismo" nas contas públicas sobre o qual tanto se fala é um jogo político entre aqueles que acreditam que estímulos fiscais e monetários devem ser a essência das medidas necessárias à recuperação da atividade econômica e, de outro lado, a turma que acredita que a intervenção do governo é o "freio" que não permite a recuperação. Como se vê, um velho jogo entre os pregadores do "livre mercado" e os que creem que o Estado tem de suprir a demanda que falta aos agentes econômicos. Alguém que minimamente conheça história sabe que esta questão já foi decidida: o "livre mercado" é uma construção ideológica desprovida de base na realidade econômica do mundo hodierno no qual se combinam monopólios, oligopólios e "neuroses" capitalistas de todos os lados, do efeito "rebanho" dos investidores à "covardia do capital" (termo batizado por Lord Keynes). Apesar da evidência histórica, nos EUA de Barack Obama a luta continua e muito forte. Uma derrota do presidente no Congresso, implica uma redução de pelo menos 2% no PIB. Uma vitória alarga as chances das coisas se arrumarem nos próximos anos.
Europa: o pior já passou?
O desemprego na Europa meridional está batendo recordes. A Espanha calcula em 6 milhões o montante de desempregados (26% da mão de obra ativa do país). A Grécia tem 25% de desempregados e desesperados. Todos os países da zona do euro estão com desempenhos sofríveis ou recessivos em termos de PIB, inclusive a Alemanha de Merkel que tem sido surpreendida pela fraqueza dos indicadores de atividade econômica do país. Mesmo diante de tanta dificuldade na Velha Europa, a discussão acadêmica começa a se deslocar de temas sobre a recessão para "se o fundo do poço foi tocado". Ora, sabe-se que é muito difícil saber quando a recessão chegou ao máximo, os níveis de preços das ações bateram no mínimo e a tendência cambial mudou. Todavia, o que se verifica é que está se formando um estranho consenso de que o pior já passou na Europa. Afinal, alguns preços já se movem para cima (imóveis no Reino Unido), os leilões de títulos públicos estão mais demandados pelos investidores (Itália, Espanha, Irlanda) e as novas regras de supervisão do sistema financeiro por parte do Banco Central Europeu tiraram os maiores temores sobre a estabilidade dos bancos, sobretudo os espanhóis. Neste contexto, os mercados acionários estão se movendo para cima e o euro mostra certa fortaleza. Apesar destes tênues sinais de melhoras há um outro perigoso consenso entre os especialistas: o pior pode ter passado, mas as mazelas da crise serão curadas durante muito tempo.
Brasil, o país do artigo indefinido
Assim, de repente, não mais que de repente, de fontes sempre mantidas ocultas, fica-se sabendo, entre outras coisas que a presidente Dilma Rousseff não gostou do aval dado pelo assessor especial Marco Aurélio Garcia aos arranjos da Venezuela para empossar Hugo Chávez em um novo mandato de corpo ausente; do imbróglio provocado pelas mágicas fiscais do fim de ano para maquiar o superávit primário; das escolhas do PMDB para comandos na Câmara e no Senado, especialmente a possível indicação do deputado fluminense Eduardo Cunha (RJ) para a liderança do partido na Câmara; e outras cositas mas. Traduzindo, nada que não tenha boa repercussão agrada à presidente. É uma nova versão do que "é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde" do ex-ministro Rubens Ricupero: "o que deu certo é meu, o que deu errado é dos meus auxiliares". Ou o lema de alguns treinadores de futebol: "eu ganho, nós empatamos, vocês perdem". Só que esta versão desmente outra que os assessores presidenciais fazem questão de divulgar de Dilma : a gerentona competente que tudo vê, tudo sabe, tudo cobra, "espanca" coisas mal feitas, não perdoa vacilações. A pergunta é: em que lugar estava esta "onipresença e onipotência" quando os feitos desagradáveis foram perpetrados? A insatisfação da presidente fica no atacado, no artigo indefinido. Há culpas, mas não há culpados. Afinal, pelo seu zelo, todas as políticas são dela. Como culpar alguém de modo definido, no mínimo com um puxão de orelha público e no máximo com a demissão?
Novos rumos
A impressão que o governo em Brasília passa é a de que está sentindo o golpe : a imagem de eficiência da presidente, pelas razões expostas acima, está também sendo atingida. Por isso, é visível neste início de ano a postura mais ativa, para fora, da presidente. A abertura do Palácio do Planalto para conversas públicas, individuais, de Dilma com empresários, rara nos dois primeiros anos de mandato, faz parte desta postura. Desde tempos imemoriais esses encontros nunca funcionaram: as empresas não agem na base da lábia, nem de versões : mas de fatos e ações. Porém, as cenas ajudam a criar a impressão de muita azafama na capital da República. O calendário de viagens da presidência, iniciado com a visita ao Piauí na sexta-feira passada e que deverá, até março, contemplar o Nordeste com mais cinco viagens, foram outras em outros Estados, como a SP, na capital, na sexta-feira, para a festa de aniversário da cidade, tem o mesmo foco. O terceiro ponto deverá ser apressar algumas medidas concretas para, na expressão oficial, "destravar" a economia. Como pano de fundo, cada vez mais notícias de cobranças a ministros e auxiliares, de broncas privadas. Sempre na base do "artigo indefinido".
Velhos problemas
Os problemas fundamentais do governo da presidente Dilma não são a política fiscal, a monetária e nem a cambial. Muito embora nestes itens tenham faltado vigilância cabível ao administrador público, os problemas tem soluções disponíveis e relativamente rápidas (coisa de meses e não anos como nos tempos da inflação alta e insegurança cambial). Além disso, é difícil imaginar no curto prazo (1 ano) que a economia perca um razoável perfil. O problema essencial do governo Dilma é a quase absoluta ausência de prioridades estratégicas e boa capacidade de execução de planos, obras e programas. Não à toa é o investimento o item mais capenga da equação do crescimento uma vez que aí reside a necessidade de presença do governo como bom estrategista e executor. Só assim, a iniciativa privada será seduzida a acompanhar o governo na tarefa de jogar o PIB para cima por meio de investimentos e não consumo. E o que se vê? O ministro Mantega anuncia a cada semana medidas de estímulo ao consumo, uma clara evidência da falta de sentido estratégico do governo. Até mesmo o "acelerado" setor de construção civil recebe benefícios do governo quando se sabe que nem engenheiros se tem em suficiência para atender a demanda. E onde estão as medidas estratégicas pró-investimento? Provavelmente, não estejam sequer nas gavetas da burocracia brasiliense.
BC na encruzilhada
Nem toda unanimidade é burra como pregou Nelson Rodrigues no passado. Todavia, as unanimidades merecem sempre atenção. O BC decidiu, por meio de uma votação unânime, que a taxa de juros básica fica em 7,5% ao ano. Bem, há muito mais razões para a taxa não subir que justificativas para a alta do juro básico. A principal razão para uma taxa de juros baixa é o fato de que a demanda anda fraca e o país está estagnado. Assim como no mundo, o Brasil afrouxa as garras monetárias e, em menor medida, as fiscais. Ocorre que o BC está assistindo passivamente a inflação permanecer em níveis altos, deteriorando o poder de compra da moeda no médio prazo e estimulando pouco a pouco a que os agentes fiquem na defensiva com o acúmulo de (muita) inflação. Assim como nos parece razoável que o juro básico não suba, cabe-nos perguntar o que farão os diretores do BC diante de uma inflação que incomoda a todos? Aparentemente, a razão principal do silêncio dos diretores da autoridade monetária em relação à matéria é que, para analisar a questão, eles terão de tocar em certos assuntos que incomodam a Esplanada dos Ministérios e o Planalto : aumento dos combustíveis, crise energética, fraqueza dos investimentos, etc., etc. Meia palavra não basta neste caso.
E o emprego?
Embora acredite que, ainda que tenha de plantar um pouco mais está na hora de colher os frutos que já semeou (tom do discurso de Dilma no Piauí), o governo está com toda a atenção voltada para duas possíveis assombrações: os níveis de emprego e da renda. Com alguma razão, enquanto esses dois pilares do prestígio de Dilma e do governo não forem abalados, não há riscos de sismos eleitorais. A questão é como manter isto se a inflação ficar mais indisciplinada e a atividade econômica permanecer rateando. Em números: uma inflação próxima de 6% mais um ano e um crescimento entre 3% e 3,5%, como está na média das previsões, são suficientes para manter o mercado de trabalho aquecido e a receita média no mínimo nos mesmos níveis atuais? Esta é a fonte mais importante da popularidade da presidente.
O olho em 2014
Um dos focos das últimas ações de Dilma Rousseff é organizar 2013 para os embates de 2014. Lula será consultado pessoalmente no dia 25 em SP sobre as estratégias políticas daqui para frente. O marqueteiro João Santana também palpita sobre formas - e até conteúdos. As viagens com prioridade inicial no Nordeste têm o claro objetivo de tentar neutralizar a crescente influência do governador Eduardo Campos na região. A nova "caravana da cidadania" que Lula promete reavivar a partir de março, abril, deverá se concentrar inicialmente em rebater Aécio Neves, o principal rival na eleição de 2014. Enquanto o mineiro e o PSDB estiverem ainda nos ensaios iniciais, eles não serão alvos-diretos. O governo espera primeiro ganhar a "batalha da comunicação" para depois enfrentar os adversários. Alguns analistas oficiais acham que não há nada de muito errado nas políticas e ações governamentais, o que há é incompreensão, falhas na comunicação.
Depois que o Carnaval passar
Agora, parece definitivo. Se é que seja possível dizer que uma decisão tucana, temperada com certo sabor mineiro, é definitiva. O PSDB, em que pese os amuos do sempre amuado José Serra, vai colocar o bloco da candidatura de Aécio Neves na rua depois da quarta-feira de cinzas. Inicialmente, com dois focos: de um lado, tentando manter o PT e o ex-presidente Lula na defensiva, ainda com o "mensalão" e com o "rosegate"; de um outro, atacando as dificuldades operacionais e gerenciais da presidente Dilma Rousseff. O foco será no segundo ato. Fala-se até que o partido deverá voltar a defender as privatizações do governo FHC para contrastar com as dificuldades (e algumas resistências) de Dilma de deslanchar as concessões/privatizações na área de infraestrutura.
O desgaste já ficou
Dificilmente ocorrerá coisa diferente na semana que vem no Congresso que não a eleição de Renan Calheiros (PMDB/AL) e Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN) para as presidências da Câmara e do Senado, respectivamente. Porém, a avalanche de denúncias que apareceram contra os dois nos últimos dias - e que poderá crescer até o dia da eleição no legislativo - já tornou o comando deles nas duas casas bem fragilizado. Tanto Alves quanto Calheiros terão de se desdobrar para atender ao seu público interno, sempre muito competente para cobrar as fraquezas dos parceiros, o que pode tornar mais difícil ainda a operação do Palácio do Planalto com o Congresso. Para atender ao baixo e ao alto clero (cada vez em menor número) parlamentar, os dois precisarão, em plena efervescência eleitoral, contrariar interesses do Palácio do Planalto. Basta ver que a plataforma informal e o mundo de promessas lançados pelos dois candidatos contemplam assuntos que Dilma não quer ver nem pintados de verde evoluindo na Marquês de Sapucaí. Possivelmente - se isso ainda é possível - teremos o pior momento do Congresso Nacional em algumas décadas.
(por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)
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