Este espaço se quer simples: um altar à deusa Themis, um forno que libere pão para o espírito, uma mesa para erguer um brinde à ética, uma calçada onde se partilhe sonho e poesia!
domingo, 22 de maio de 2016
AGENTES DA INVENCÍVEL BENQUERENÇA!
O encontro inicial assinalou a celebração do deslumbre! Sob a orientação do idioma universal dos gestos, embalados pelo manual invisível da música e a gramática indescritível da dança, há mais de cinco séculos Brasileiros e Portugueses se avistaram e se achegaram pela vez primeira em uma “terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril” – consoante registrou um fidalgo e escritor nascido na cidade do Porto na famosa “CARTA A EL-REI DOM MANOEL SOBRE O ACHAMENTO DO BRASIL”, pergaminho que veio a se tornar o marco zero da nossa literatura formal.
O primeiro jornalista-cronista, dito Pero Vaz de Caminha, nomeado para o cargo de escrivão da armada de Cabral, narrou naquela escritura histórica – um édito louvatório permeado de estupefação - o alto índice de espanto ante a nova e formosa geografia. Depois de registrar “alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas”, viu um “grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome – o Monte Pascoal e à terra – a Terra da Vera Cruz”. Em seguida, avistou os homens: “eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”.
Desde ‘entonces’, como registrei em outra ocasião, nossa relação foi cunhada por um batismo de subjugação e, após passar por intempéries de rebeldia, experimenta agora a unção sacrossanta da harmonia.
Se, nesta noite envolvida pela brisa da afetuosidade, sob o cobertor confortante da envolvente ternura, aponto os lábios da História para compartilhar um breve sorriso das nossas primícias, não é senão para acionar a luminosa irradiação que emerge da nossa planetária rotatória denteada: os homens não estão separados entre europeus e americanos, asiáticos e africanos, mareados ou terráqueos, coloridos ou incolores, crentes ou ateus, desprovidos ou afortunados. O Rotary nos ensina que habitamos uma aldeota comum e somos caminhantes da mesma trilha fundamental, cujo ponto final é a paz universal.
Por isso saudamos e respeitamos as Bandeiras de todos os Países, entoamos o hino da ética como atitude que comporta todas as latitudes, somos convidados a cultuar a filantropia como pão de cada dia e a fazer da dilatação da fraternidade uma das nossas qualidades.
É esse flamejar apaixonado pelos sentimentos excelsos, a sensibilidade às notas musicais da vida, a devoção à generosidade desinteressada, o desejo de contribuir com o refinamento civilizatório e a disposição para garimpar os minérios do altruísmo que devem constituir a divisa, o emblema, o bóton, o distintivo de um verdadeiro rotariano.
Presidente Carlos Trindade Moreira: o Rotary Club Vila Real, com quem assinamos Termo de Geminação em 18 de abril de 2015, é um grêmio que nos brindou com a alegria de percorrer essa encosta ascendente das relações compensadoras. Os Presidentes Levi Torres Madeira e José Alberto Borges, a partir de um papiro informativo, o nosso Jornal Dunas Rotário, iniciaram as tratativas que culminaram com a assinatura do Tratado de Irmandade. Jamais olvidaremos aquela extensa recepção desde Vila Nova de Gaia, o mergulho na biografia dos vinhos, o bacalhau compartilhado à beira do Porto, a nevada subida a Vila Real, a solenidade magnificada pela presença do Reitor e do Governador, o passeio pelas esquinas bucólicas da cidade, a parada na lendária Pastelaria Gomes e as piadas da madrugada. Tudo se agregou às carrancas sentimentais do oceano que nos une.
Retorno ao escriba Cabralino para pontuar que, ao final da missiva, antes de saber se aqui havia “ouro, prata, nem coisa alguma de metal ou ferro”; Caminha escreveu: “Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá”. (Entre-Douro-e-Minho foi uma província do Norte Atlântico de Portugal, composta dentre outros pelos atuais distritos de Porto e Vila Real.)
Somos mais próximos que imaginávamos... Somos rebentos da mesma placenta: gêmeos univitelinos.
E o que sói acontecer com os nossos Clubes agora é isso: a maravilha de descobrirmos que não apenas os indivíduos mas também os seus coletivos organizados podem constituir uma unidade siamesa. Apreciamos não somente o mesmo tempero climático mas em especial igual temperatura fraterna, semelhante ao aperitivo de ternura produzido no Douro.
Esta sessão, com sua solene simplicidade, sepulta qualquer réstia de cisma e sacraliza nossa crisma, confirma nosso batismo na pia rotária e nos faz agentes da invencível benquerença!
Repito: somos gêmeos univitelinos: os sinos dos nossos grêmios de serviço emitem o mesmo som. Estamos sincronizados! Palpitam simultaneamente os nossos núcleos centrais, os nossos músculos vitais, os nossos órgãos de fé, as nossas fontes de emoções, ou seja, os nossos corações!
Unamos nossas mãos e saudemos essa doirada e duradoura geminação! Viva o ROTARY!
(Discurso proferido por Júnior Bonfim ao saudar a comitiva lusitana do Rotary Club Vila Real, de Portugal, no Salão Meireles do Ideal Clube, em 11.02.2016)
LIÇÕES DE UMA ACADEMIA!
Dignidades que ornam a mesa,
Cavalheiros e Damas,
Mocidade aqui presente: meu cordial boa noite!
Se no princípio foi a palavra, antes da palavra foi o silêncio. E no âmago de ambos, do silêncio e da palavra, o estalido da alegria, que neste início de ano nos caiu como uma luva através da milagrosa chuva, que faz explodir o verde, os reservatórios transbordarem, as pessoas resplandecerem. É sob esse entusiasmo benfazejo e contagiante que vos falo...
Orienta o protocolo desses eventos de transmissão de cargo que o sainte preste contas. Perdoem-me se a isso me oponho: é que o acho enfadonho. Suplico, assim, a vossa generosidade compreensiva para, espancando o couvert do formalismo, fazer uma concessão à amenidade, realizar um breve convescote familiar, pronunciar algumas sílabas de intimidade e desenvolver uma conversação de camaradagem.
Não vou debulhar o milho da nossa safra literária ou desfiar o nosso rosário de ações, tampouco listar as realizações deste Sodalício que, em apenas um decênio, já se firmou como um lampadário respeitado na Terra da Luz. Apesar de ainda faiscar os olhos com as estrelas da infância, a AMLEF já caminha com elegância e galhardia pela trilha madura do aprendizado de Sofia.
Pretendo repartir convosco breves lições que aprendi e apreendi neste biênio que se encerra hoje, lições que cimentaram indelevelmente o singelo pórtico da minha alma.
Desde quando descobri que agradecer agrada ao ser, resolvi reposicionar a bússola do meu existencial curso, lançar mão de outros recursos e refazer percursos. Permitam-me nesta noite que apenas abra as modestas janelas do meu coração, a fim de que, por elas, se esparramem os galhos do meu flamboyant de emoção. Por isso uma palavra, soletrada como a melodia de uma canção, é o emblema desta ocasião: a doce gratidão.
Grato sou a cada um de vocês. Distingo, por impulso da gratuidade, aquele que me indicou e o aço dessa indicação significou uma campanha (a primeira em minha vida) em que fui eleito sem pedir votos: Seridião Correia Montenegro! Neste mandato tudo foi breve, porque o suposto fardo se quedou leve, graças à conjunção de mentes e mãos, prédicas e práticas, intenções e gestos protagonizados por nosso colegiado de artesãos literários.
Acho que os Catalães foram radiosamente felizes quando batizaram o órgão executivo das suas municipalidades de ‘ayuntamiento’ (ajuntamento, entre nós). Essa palavra resume a nossa Arcádia. Esta uma inolvidável lição: para nós, gestão é sinônimo de agregação. Bombeadores do oxigênio cerebral, constituímos um mosaico militante de trovadores contra as trevas, arco-íris de carpinteiros das palavras edificadoras. Ao invés do culto à personalidade, cultivamos o elogio à coletividade. Substituímos a exaltação da individualidade pelo louvor à pluralidade.
A tarefa de um sementeiro das letras é a aproximação dos seres. Neruda ensinava que “o primeiro dever do humanista e a tarefa fundamental da inteligência é assegurar o conhecimento e o entendimento entre todos os homens”. Conhecimento e entendimento não se esgrimam; ao contrário, rimam! De nada adianta os dispêndios com o cumular de compêndios se não mitigarmos os humanos vilipêndios. Despiciendo aplaudir a eloquência se descuramos da benevolência.
Com efeito, mais do que comemorar a façanha de termos atravessado o oceano para ser a primeira arcádia cearense a lançar a Antologia UM DEDO DE PROSA, OUTRO DE POESIA no Salão Internacional do Livro de Genebra, na Suíça, quero celebrar o fato de, sucessivamente, batermos recordes no aumento do nosso IDF - Índice de Desenvolvimento Fraterno. Nossas reuniões mensais - assim como nossas redes virtuais, que antes de tudo são reais - constituem pequenos banquetes de afeto, festas de integração. Destaque merecem as nossas parcerias humanitárias e sociais com a Casa de Afonso e Maria, a ALASAC (Academia de Letras e Artes da Sociedade de Assistência aos Cegos) e a Secretaria de Justiça, com quem conveniamos para a consecução do Projeto “Remição pela Leitura nos Estabelecimentos Penais”. E por que esse relevo? Porque, como já mencionei em outra oportunidade, a razão de ser do escritor – e dos seus coletivos organizados, que são as academias – é a de contribuir para que as galinhas se transformem em águias, é fomentar a proliferação de vaga-lumes nos obscuros túneis do tempo, é ser fresta de luz na caverna platônica, é proclamar a civilização da claridade e o império do amor.
Antes dos Titãs cantarem “a gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão e arte”, o Jovem Jesus já havia proclamado que “não só de pão vive o homem”. Eis, Senhoras e Senhores, a aspiração oracular da literatura: reabrir diariamente a padaria espiritual e lançar o fermento sobre a massa do pão da eternidade, o único capaz de mitigar a nossa fome de altruísmo, o vácuo de caráter e a ausência de conteúdo.
Felicito a Diretoria que assume, coesa na busca da fertilidade literária exposta ao brilho do sol e ao sal da terra. Saúdo todos na figura fidalga, de sofisticada simplicidade e energia radiante, da Presidente entrante Grecianny Carvalho Cordeiro.
Diva da iniciativa, instrumento do talento, a nossa Grace - como a outra Grace, de Mônaco – nasceu para percorrer a alameda das grandezas e segurar o facho prodigioso do estrelato. O Carvalho que irrompe do chão do seu nome é o mesmo da raiz latina, ‘robur’, sinônimo de robustez e majestosidade – garantindo-lhe a performance essencial que controla trovões e tempestades. A porção Cordeiro, que ela incorporou do esposo Helder, haverá de transferir para os seus confrades, porque doravante ‘cordeiros’ seremos nós, seus liderados; e ela, a nossa Pastora. Namastê – o Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em você!
(Júnior Bonfim - discurso proferido na Solenidade de Posse da nova Diretoria da AMLEF – no auditório da Procuradoria Geral de Justiça, em 28.01.2016)
ROSA MORAES FOI PINTAR PAISAGENS NO CÉU!
“Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás.” Esta citação está em Eclesiastes 11,1.
À primeira vista é difícil entendê-la: o pão, lançado sobre as águas, certamente depois de muitos dias tende a se diluir. Por que a máxima bíblica assegura que o acharemos?
A Bíblia é um livro parabólico, carregado de expressões figurativas. Segundo historiadores, era costume egípcio, herdado dos hebreus, o lançamento de sementes de trigo sobre as águas nas margens do rio Nilo. Quando as águas baixavam, elas brotavam e produziam trigo na entre safra trazendo, portanto, pão para os famintos nos tempos de mesa escassa.
Rosa Ferreira de Moraes, que nos deixou dia 12 de dezembro de 2015, foi pintar paisagens no Céu porque era uma mulher de fé!
Há dois anos, precisamente no dia 26 de outubro de 2013, partilhou o pão centenário, aprendeu a dadivosa extensão dessa Eclesiástica assertiva bíblica: celebrou um século de lúcida e lúdica existência rezando a Santa Missa na mesma Igreja em que se batizou, lançando um livro biográfico no Teatro que leva seu nome, sendo diplomada como honorária da Academia de Letras de Crateús e colhendo homenagens fiadas por familiares, autoridades e amigos na Cabana Mendes, clube de um parente seu.
1913. Ano de seu nascimento. Estados Unidos da América. Henry Ford concebia a famosa “linha de montagem”, revolução na engrenagem de trabalho capitalista que combinava componentes estandardizados, movimento mecânico, equipamento de precisão e processos padronizados.
1913. Rio de Janeiro, Brasil. Nascia, na cidade maravilhosa, o extraordinário poeta Vinicius de Moraes, que embalou a humanidade com algumas das canções mais entoadas no Planeta.
1913. Tagore, o místico poeta indiano a quem o Mahatma Gandhi se referia como "o grande mestre", ganhava o Premio Nobel de Literatura por sua Oferenda Mística. Tagore pontificou que “o homem só ensina bem o que para ele tem poesia”.
1913. Crateús, Ceará. 26 de outubro. Nascia Rosa Ferreira de Moraes. Contraponto aos equivocados e desumanizadores sinais dos tempos; ponto de encontro dos mais elevados valores que a higidez humana podia almejar.
Rosa musicalmente fez do trabalho a sua vida; e da sua vida, o trabalho. Não esse enfadonho labor fundado na individual ambição, mas aquele sintonizado com a transcendental compreensão do serviço de edificação.
Lecionou bem, com o espasmo sereno da verdadeira alegria, porque pincelou a faina com poesia!
Quando o ventre da História, por intermédio do casal José Olímpio de Moraes e Maria da Conceição Ferreira Moraes, pôs Rosa Ferreira de Moraes para abraçar a madrugada do mundo, estava lançando sobre a terra um lírio especial da flora humana.
Na noite do natalício centenário, invisivelmente postada na varanda do firmamento, sentada no trono magisterial de sua urbe, comandando o círculo dos discípulos de sua tribo, Rosa nos convidou para uma breve liturgia de amor.
Com o que podemos comparar Rosa?
Quando estendemos a retina por todo esse mágico bioma que nos circunda, facilmente se conclui que a nossa veneranda professora guarda similitude com o nosso principal estandarte: a elegante, expressiva, multifacetária e imponente Carnaúba!
Visivelmente majestosa, aparentemente solitária como as Carnaúbas – que, no entanto, possuem a fidalguia da palmeira imperial – Rosa tinha nas veias abertas do coração a nobreza de princípios.
Da aparente solidão que exibia descobrimos um ser completamente doado à interação com o próximo e ao serviço à comunidade. Da tua palha, Rosa, confeccionamos a vassoura que varre os nossos defeitos de caráter; o teu tronco, Rosa, se transforma na bancada que agrega a família ou no teto que oferece a sombra da reflexão; a tua cera, Rosa, alisa o piso da nossa alma e faz brilhar os talentos do nosso espírito!
Salve, centenária ROSA FERREIRA DE MORAES, sacerdotisa da educação, mestra da pintura, irmã da música, jardineira da fé, semeadora de bons costumes, legenda referencial!
Abençoada sejas, per sécula seculórum, pelo século dos séculos! Viva!
(Júnior Bonfim, 15 de dezembro de 2015)
domingo, 24 de abril de 2016
A SABEDORIA DO SABOR!
Leda Maria, desenhista das partituras sociais da envolvente sinfonia, colunista das molduras da concórdia e da alegria, estrelada pastora dos azulados búzios da poesia, agora nos surpreende com uma nova iguaria: um livro todo dedicado à gastronomia! Em verdade: “Família, Gastronomia e Sociedade”, os três córregos da efetiva afetividade.
Um livro talentosamente talhado é como um prato bem elaborado: há que ser suave e pacientemente degustado!
Este álbum memorial tem sol e sal, esmero e tempero, prazer e saber, amor e sabor. Aliás, saber e sabor vêm originalmente do mesmo habitat: basta mirar a fonte cristalina da palavra latina ‘sapere’ que encontraremos ‘saborear’. Por isso Horácio, poeta das odes do amanhecer, legou-nos o lema “sapere aude”, que significa “ouse saber” ou “atreva-se a saber”.
Com a serena solenidade de quem sai de uma vigília, Leda teve esse ímpeto de ousadia, juntando energia e mobília para compor um delicado mosaico com doze famílias e nos brindar com o itinerário generoso de suas gastronômicas trilhas.
Eis aqui um refinado manto que nos remete à civilização do encanto. Leda recompõe a alameda sentimental que nos transporta à nossa bela época tropical. Ao dobrarmos cada folha é como se fizéssemos uma escolha. Por um verbete vemos abrir os portões de um palacete; em outro momento, a varanda de um apartamento; noutro plano, um pascal sítio serrano.
Cresci auscultando falarem por toda parte que a culinária é uma arte. Por tudo que vi e ouvi, com essa assertiva sempre assenti. É fascinante descobrir e experimentar o que o casamento de ingredientes pode proporcionar.
Mas, além da arte e da candura, a culinária possui o aperitivo da cultura. Ao redor de uma mesa fraterna, a existência torna-se mais terna. A petição da radiante ventura é deferida e se descobre a fortuna de celebrar a vida. Há espaço para a tenebrosa travessia e para o arroubo de megalomania. Analisa-se o todo do mundo e o raso pires torna-se profundo.
Sem maiores exercícios de empenho, pelos poros da culinária brotam estrofes de arte e engenho, os suores revitalizantes da luta, os incensos da mítica labuta, o frio ardente da ternura, as calorias transcendentais da cultura, as frutíferas árvores da memória, os contagiantes orvalhos da História!
(No universo do religioso simbolismo, a mesa atingiu o ápice do misticismo. O Jovem de Nazaré, que na relva da humildade foi Rei – segurando o vinho e o pão com solene afeição - disse: comei e bebei! Desde então, para quem se proclama cristão, o móvel em que se serve a refeição é também um espaço de sagrada comunhão!)
Este livro é um portal de diamante, que se abre para receber os comensais de um banquete fascinante. Há nele o olor da especial predileção, o inconfundível aroma da envolvente sedução. A gastronomia, ordenamento jurídico do estômago e de sua fantasia, está acompanhada de outra peculiar alegoria: o roteiro de especialista montado por cada protagonista.
Como referencial de uma boa mesa, Abelardo elegeu a cozinha tailandesa, enquanto Cassandra, do ponto de vista da beleza, é apaixonada por aparelhos de louça inglesa. Em se tratando de fruta, Dona Beatriz escolheu a manga; enquanto Mana celebra a páscoa no ameno clima de Guaramiranga. Esta cultua o santo Francisco com fé, herança dos tempos de Canindé; aquela revela um segredinho: o toque da doçura em uma taça de vinho. A paulista Cybele espancou o preconceito e elegeu o baião de dois como um prato conceito. Dama das artes, Ignez Fiúza repontua o momento supréme do famoso La Boheme, espaço créme de la créme.
Porque trata da sabedoria do sabor, este é um caderno de raro esplendor. É para ser apreciado em um lugar aprazível, pois trata de um tema sensível. Ou melhor, daquilo que deve estar em primeiro plano: a essência do humano!
(Júnior Bonfim, no Prefácio do livro “Memórias Gastronômicas de Famílias Cearenses”, de autoria da Jornalista Leda Maria, Fortaleza, Ceará)
Um livro talentosamente talhado é como um prato bem elaborado: há que ser suave e pacientemente degustado!
Este álbum memorial tem sol e sal, esmero e tempero, prazer e saber, amor e sabor. Aliás, saber e sabor vêm originalmente do mesmo habitat: basta mirar a fonte cristalina da palavra latina ‘sapere’ que encontraremos ‘saborear’. Por isso Horácio, poeta das odes do amanhecer, legou-nos o lema “sapere aude”, que significa “ouse saber” ou “atreva-se a saber”.
Com a serena solenidade de quem sai de uma vigília, Leda teve esse ímpeto de ousadia, juntando energia e mobília para compor um delicado mosaico com doze famílias e nos brindar com o itinerário generoso de suas gastronômicas trilhas.
Eis aqui um refinado manto que nos remete à civilização do encanto. Leda recompõe a alameda sentimental que nos transporta à nossa bela época tropical. Ao dobrarmos cada folha é como se fizéssemos uma escolha. Por um verbete vemos abrir os portões de um palacete; em outro momento, a varanda de um apartamento; noutro plano, um pascal sítio serrano.
Cresci auscultando falarem por toda parte que a culinária é uma arte. Por tudo que vi e ouvi, com essa assertiva sempre assenti. É fascinante descobrir e experimentar o que o casamento de ingredientes pode proporcionar.
Mas, além da arte e da candura, a culinária possui o aperitivo da cultura. Ao redor de uma mesa fraterna, a existência torna-se mais terna. A petição da radiante ventura é deferida e se descobre a fortuna de celebrar a vida. Há espaço para a tenebrosa travessia e para o arroubo de megalomania. Analisa-se o todo do mundo e o raso pires torna-se profundo.
Sem maiores exercícios de empenho, pelos poros da culinária brotam estrofes de arte e engenho, os suores revitalizantes da luta, os incensos da mítica labuta, o frio ardente da ternura, as calorias transcendentais da cultura, as frutíferas árvores da memória, os contagiantes orvalhos da História!
(No universo do religioso simbolismo, a mesa atingiu o ápice do misticismo. O Jovem de Nazaré, que na relva da humildade foi Rei – segurando o vinho e o pão com solene afeição - disse: comei e bebei! Desde então, para quem se proclama cristão, o móvel em que se serve a refeição é também um espaço de sagrada comunhão!)
Este livro é um portal de diamante, que se abre para receber os comensais de um banquete fascinante. Há nele o olor da especial predileção, o inconfundível aroma da envolvente sedução. A gastronomia, ordenamento jurídico do estômago e de sua fantasia, está acompanhada de outra peculiar alegoria: o roteiro de especialista montado por cada protagonista.
Como referencial de uma boa mesa, Abelardo elegeu a cozinha tailandesa, enquanto Cassandra, do ponto de vista da beleza, é apaixonada por aparelhos de louça inglesa. Em se tratando de fruta, Dona Beatriz escolheu a manga; enquanto Mana celebra a páscoa no ameno clima de Guaramiranga. Esta cultua o santo Francisco com fé, herança dos tempos de Canindé; aquela revela um segredinho: o toque da doçura em uma taça de vinho. A paulista Cybele espancou o preconceito e elegeu o baião de dois como um prato conceito. Dama das artes, Ignez Fiúza repontua o momento supréme do famoso La Boheme, espaço créme de la créme.
Porque trata da sabedoria do sabor, este é um caderno de raro esplendor. É para ser apreciado em um lugar aprazível, pois trata de um tema sensível. Ou melhor, daquilo que deve estar em primeiro plano: a essência do humano!
(Júnior Bonfim, no Prefácio do livro “Memórias Gastronômicas de Famílias Cearenses”, de autoria da Jornalista Leda Maria, Fortaleza, Ceará)
O DIA DE FINADOS E A VIDA APÓS A VIDA!
Sempre ao derredor do dia em que celebramos os que deixaram o nosso convívio, direcionamos a nossa atenção para a mesma coisa: a estrutura física dos cemitérios – que popularmente alguns chamam de campos santos - o estado de conservação dos túmulos etc.
Raramente, ousamos reflexionar além disso; dificilmente, adentramos no âmago da questão: - Qual o sentido da existência? - Qual o verdadeiro significado da vida? - Por que resistimos à morte?
Os ocidentais temos muita dificuldades de tratar desse tema. Em que pese as vistosas conquistas que temos obtido na esfera tecnológica, ainda tratamos o tema da morte como um tabu. Ensinam-nos a negar a morte e a internalizar que ela nada significa, a não ser aniquilação e perda. Vivemos a negá-la. (Para ser sincero, eu mesmo via de regra resisto em escrever sobre o assunto...).
É tão forte e arraigado este pré-conceito que falar da morte é considerado algo mórbido, e – pasmem! - corriqueiramente julgamos que a simples menção a ela pode atraí-la sobre nós.
Noutro extremo, há também quem encare a morte de maneira quase ingênua, frívola ou irracional: “se chega para todo mundo, não é nada de mais. Vai chegar prá mim também. É absolutamente natural”. Ambas atitudes estão pouco próximas da com-preensão do verdadeiro significado da morte.
O professor Sogyal Rinpoche, que nasceu no Tibet e é um dos pioneiros na promoção do diálogo entre a Ciência e a Espiritualidade, leciona que “todas as tradições espirituais do mundo, inclusive, é claro, o cristianismo, dizem explicitamente que a morte não é um fim. Todas falam em algum tipo de vida futura, o que infunde em nossa vida atual um sentido sagrado. Mas, não obstante esses ensinamentos, a sociedade moderna é um deserto espiritual em que a maioria imagina que esta vida é tudo que existe. Sem qualquer fé autêntica numa vida futura, a maioria das pessoas vive toda a sua existência destituída de um sentido supremo”.
Segundo o mestre budista, são desastrosos os efeitos dessa atitude de negação da morte. Vão além da esfera individual, afetam o planeta inteiro.
Disso resultou o aço opressivo que pesa sobre nossos ombros: uma sociedade acorrentada por padrões comportamentais equivocados, que salpica de lama os valores mais sublimes do humanismo. Rendidas pela completa permissividade, as pessoas acham que obrigatoriamente têm que ser “modernas” (no sentido pejorativo do termo),
cultuam uma rebeldia sem sentido, priorizam ser “sexy” desnudamento completo, em todos os sentidos, por dentro e por fora.
Disseminou-se uma falsa cultura de saúde total, em que padrão de beleza rima com excessiva magreza, que substituí a natural alegria pelo espectro da anorexia.
O resultado desse caldo insípido é um banquete surreal, no qual predomina um cardápio composto por dois ingredientes desprovidos de sedução: uma incontida decepção e uma crescente frustração.
Que estrada estamos a percorrer? Que farol poderá nos guiar? É difícil responder. Certo é que, se quisermos continuar, temos que urgentemente começar a mudar.
Como bem asseverou Charles Chaplin: “O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma do homem ... levantou no mundo as muralhas do ódio ... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas duas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido”.
Supondo que esta vida é única, não desenvolvemos uma visão de longo prazo e, tomados pelo egoísmo, passamos a saquear o planeta em que vivemos para atingir nossas metas imediatas. E isso pode ser fatal no futuro.
Neste mês de novembro, em que celebramos o dia de finados (que deveria ter outro nome, pois finados diz respeito a falecido e encerra uma compreensão da morte com “fim” – o que não é o caso), alimentemos, como Raymond Moody, a forte e viva esperança de que há, de fato, uma “vida após a vida”.
(Júnior Bonfim)
Raramente, ousamos reflexionar além disso; dificilmente, adentramos no âmago da questão: - Qual o sentido da existência? - Qual o verdadeiro significado da vida? - Por que resistimos à morte?
Os ocidentais temos muita dificuldades de tratar desse tema. Em que pese as vistosas conquistas que temos obtido na esfera tecnológica, ainda tratamos o tema da morte como um tabu. Ensinam-nos a negar a morte e a internalizar que ela nada significa, a não ser aniquilação e perda. Vivemos a negá-la. (Para ser sincero, eu mesmo via de regra resisto em escrever sobre o assunto...).
É tão forte e arraigado este pré-conceito que falar da morte é considerado algo mórbido, e – pasmem! - corriqueiramente julgamos que a simples menção a ela pode atraí-la sobre nós.
Noutro extremo, há também quem encare a morte de maneira quase ingênua, frívola ou irracional: “se chega para todo mundo, não é nada de mais. Vai chegar prá mim também. É absolutamente natural”. Ambas atitudes estão pouco próximas da com-preensão do verdadeiro significado da morte.
O professor Sogyal Rinpoche, que nasceu no Tibet e é um dos pioneiros na promoção do diálogo entre a Ciência e a Espiritualidade, leciona que “todas as tradições espirituais do mundo, inclusive, é claro, o cristianismo, dizem explicitamente que a morte não é um fim. Todas falam em algum tipo de vida futura, o que infunde em nossa vida atual um sentido sagrado. Mas, não obstante esses ensinamentos, a sociedade moderna é um deserto espiritual em que a maioria imagina que esta vida é tudo que existe. Sem qualquer fé autêntica numa vida futura, a maioria das pessoas vive toda a sua existência destituída de um sentido supremo”.
Segundo o mestre budista, são desastrosos os efeitos dessa atitude de negação da morte. Vão além da esfera individual, afetam o planeta inteiro.
Disso resultou o aço opressivo que pesa sobre nossos ombros: uma sociedade acorrentada por padrões comportamentais equivocados, que salpica de lama os valores mais sublimes do humanismo. Rendidas pela completa permissividade, as pessoas acham que obrigatoriamente têm que ser “modernas” (no sentido pejorativo do termo),
cultuam uma rebeldia sem sentido, priorizam ser “sexy” desnudamento completo, em todos os sentidos, por dentro e por fora.
Disseminou-se uma falsa cultura de saúde total, em que padrão de beleza rima com excessiva magreza, que substituí a natural alegria pelo espectro da anorexia.
O resultado desse caldo insípido é um banquete surreal, no qual predomina um cardápio composto por dois ingredientes desprovidos de sedução: uma incontida decepção e uma crescente frustração.
Que estrada estamos a percorrer? Que farol poderá nos guiar? É difícil responder. Certo é que, se quisermos continuar, temos que urgentemente começar a mudar.
Como bem asseverou Charles Chaplin: “O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma do homem ... levantou no mundo as muralhas do ódio ... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas duas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido”.
Supondo que esta vida é única, não desenvolvemos uma visão de longo prazo e, tomados pelo egoísmo, passamos a saquear o planeta em que vivemos para atingir nossas metas imediatas. E isso pode ser fatal no futuro.
Neste mês de novembro, em que celebramos o dia de finados (que deveria ter outro nome, pois finados diz respeito a falecido e encerra uma compreensão da morte com “fim” – o que não é o caso), alimentemos, como Raymond Moody, a forte e viva esperança de que há, de fato, uma “vida após a vida”.
(Júnior Bonfim)
CHICO ROSA!
1985 ou 1986. O ano não recordo precisamente, mas a voz de trovão, com tintas proféticas, do doutor Chico Barros, permanece indelével na minha memória:
- “Júnior, anote aí: há uma novidade na política de Nova Russas que atende pelo nome de Chico Rosa. É um jovem simples e arrojado, cheio de ideias inovadoras, que está fadado a ser o futuro Prefeito daquela cidade.”
De fato, em 1988, Chico Rosa liderava a primeira de uma série de empreitadas urnísticas vitoriosas. Na sua sucessão, indicou o então parceiro de lutas Luis Acácio e mergulhou intensamente nas atividades de campanha. Acácio foi eleito. No prélio de 1996, como em um teste pessoal, submeteu ao veredito popular a sua cara metade, Iranede Veras, e também logrou êxito. Após uma tentativa frustrada em 2004, saiu do exercício ativo da política e hoje cultiva um bom relacionamento com todas as forças políticas que atuam em Nova Russas, de modo que o seu nome é sempre citado com destaque em qualquer enquete popular.
No seu percurso de militância direta, estendeu-se entre nós um fio relacional a partir da afinidade com um amigo comum: Manoel Veras, naqueles idos um operoso representante do povo dos Sertões de Crateús na Assembleia Legislativa, de quem éramos eleitores e cuja amizade continua até hoje.
O fato é que sempre notei em Chico uma indisfarçável intimidade com o nosso bioma: suas mãos parecem ir ao encontro de raízes, seus olhos não disfarçam a afeição pelas árvores, sua alma se alimenta com a nossa flora, seu coração palpita em melodia ante o deslumbre invisível da nossa geografia.
Não por acaso escolheu ser engenheiro agrônomo. Decifrar os signos que ornam a agronomia, ciência que cuida das leis do campo ou da terra (agro: campo, terra; nomia: lei), é uma tarefa superior. Chico Rosa se desincumbe dessa missão com alegria e paixão. Quando o vejo absorto em pensamentos fora do chão, imagino que está mergulhando serenamente nas nossas croas, nos nossos serrotes e várzeas; enfim, nos subterrâneos da nossa desafiadora região.
Chico é dado ao espetáculo da inovação, à ousadia do pioneirismo, à arte de surpreender. Pouco tempo depois de formado, mirando o exemplo da iniciativa privada do Sul e Sudeste, fundou o grupo EMPA (Empresa Municipal de Projetos e Assistência Técnica e Agropecuária), que veio a ser a primeira empresa de assistência técnica rural do interland cearense.
Na política, apesar do legado da tradição paterna (seu pai governou Nova Russas na década de 1960) deixou uma marca própria: a vanguarda visionária, o pendor desenvolvimentista e a primazia das políticas sociais em favor dos mais carentes.
Porém, o ápice da trajetória, o experimento de glória, a página doirada da sua história estava reservada para ser escrita com sílabas de sobriedade, exatamente quando o empolgado agrônomo conhecesse o vale da maturidade: a ideia de Reflorestar o Semiárido gerando uma fonte de renda para os produtores rurais. Ou seja, uma harmoniosa combinação de sustentabilidade ambiental com alteração da paisagem econômico-social.
(Jamais esqueci o dia em que ele entrou no meu escritório para narrar, com entusiasmo adolescente, seu Projeto Poupança Verde, baseado no plantio de espécies florestais nobres de Cedros, Mognos, Ipês e outras, a partir da irrigação por gotejamento, em vários Municípios do Ceará e já com contatos para iniciar no Rio Grande do Norte e no Piauí. E mais: tudo isso em pleno período de extensa estiagem, o que só confirma ser uma excelente alternativa convivencial para o Semiárido).
É óbvio que esse fantástico lampejo não surgiu como um relâmpago. Como as boas sementes, que dormitam pacientemente na terra à espera do sagrado momento da germinação, esse Projeto é a colheita obtida após vários invernos de pesquisa.
Como os bons amantes da sabedoria, que experimentam o efeito benfazejo e multiplicador da partilha, Chico resolveu disponibilizar esse acervo técnico e humano para quem interessar possa através desta obra intelectual.
Este livro, marco no estudo sobre Reflorestamento no Nordeste, é mais que um simples contributo à alteração paisagística e ambiental da Caatinga. É o pulsante testemunho de um homem que revela ser possível, com ações simples, alterarmos o desafiador e complexo panorama do Semiárido Nordestino.
As páginas deste trabalho nos convidam para o estudo da beleza ou a reflexão sobre as infinitas possibilidades da nossa Natureza.
Vivemos o mais delicado momento de passagem da história humana. Mais do que a busca por Democracia – poder nas mãos do povo – a humanidade, até sem o saber ou verbalizar, anseia ardentemente pelo advento da Biocracia – poder nas mãos de todos os seres vivos (animais, plantas, águas, paisagens e todos os elementos da natureza).
Salve!
(Júnior Bonfim, na apresentação do Livro Reflorestamento do Nordeste, de Chico Rosa)
- “Júnior, anote aí: há uma novidade na política de Nova Russas que atende pelo nome de Chico Rosa. É um jovem simples e arrojado, cheio de ideias inovadoras, que está fadado a ser o futuro Prefeito daquela cidade.”
De fato, em 1988, Chico Rosa liderava a primeira de uma série de empreitadas urnísticas vitoriosas. Na sua sucessão, indicou o então parceiro de lutas Luis Acácio e mergulhou intensamente nas atividades de campanha. Acácio foi eleito. No prélio de 1996, como em um teste pessoal, submeteu ao veredito popular a sua cara metade, Iranede Veras, e também logrou êxito. Após uma tentativa frustrada em 2004, saiu do exercício ativo da política e hoje cultiva um bom relacionamento com todas as forças políticas que atuam em Nova Russas, de modo que o seu nome é sempre citado com destaque em qualquer enquete popular.
No seu percurso de militância direta, estendeu-se entre nós um fio relacional a partir da afinidade com um amigo comum: Manoel Veras, naqueles idos um operoso representante do povo dos Sertões de Crateús na Assembleia Legislativa, de quem éramos eleitores e cuja amizade continua até hoje.
O fato é que sempre notei em Chico uma indisfarçável intimidade com o nosso bioma: suas mãos parecem ir ao encontro de raízes, seus olhos não disfarçam a afeição pelas árvores, sua alma se alimenta com a nossa flora, seu coração palpita em melodia ante o deslumbre invisível da nossa geografia.
Não por acaso escolheu ser engenheiro agrônomo. Decifrar os signos que ornam a agronomia, ciência que cuida das leis do campo ou da terra (agro: campo, terra; nomia: lei), é uma tarefa superior. Chico Rosa se desincumbe dessa missão com alegria e paixão. Quando o vejo absorto em pensamentos fora do chão, imagino que está mergulhando serenamente nas nossas croas, nos nossos serrotes e várzeas; enfim, nos subterrâneos da nossa desafiadora região.
Chico é dado ao espetáculo da inovação, à ousadia do pioneirismo, à arte de surpreender. Pouco tempo depois de formado, mirando o exemplo da iniciativa privada do Sul e Sudeste, fundou o grupo EMPA (Empresa Municipal de Projetos e Assistência Técnica e Agropecuária), que veio a ser a primeira empresa de assistência técnica rural do interland cearense.
Na política, apesar do legado da tradição paterna (seu pai governou Nova Russas na década de 1960) deixou uma marca própria: a vanguarda visionária, o pendor desenvolvimentista e a primazia das políticas sociais em favor dos mais carentes.
Porém, o ápice da trajetória, o experimento de glória, a página doirada da sua história estava reservada para ser escrita com sílabas de sobriedade, exatamente quando o empolgado agrônomo conhecesse o vale da maturidade: a ideia de Reflorestar o Semiárido gerando uma fonte de renda para os produtores rurais. Ou seja, uma harmoniosa combinação de sustentabilidade ambiental com alteração da paisagem econômico-social.
(Jamais esqueci o dia em que ele entrou no meu escritório para narrar, com entusiasmo adolescente, seu Projeto Poupança Verde, baseado no plantio de espécies florestais nobres de Cedros, Mognos, Ipês e outras, a partir da irrigação por gotejamento, em vários Municípios do Ceará e já com contatos para iniciar no Rio Grande do Norte e no Piauí. E mais: tudo isso em pleno período de extensa estiagem, o que só confirma ser uma excelente alternativa convivencial para o Semiárido).
É óbvio que esse fantástico lampejo não surgiu como um relâmpago. Como as boas sementes, que dormitam pacientemente na terra à espera do sagrado momento da germinação, esse Projeto é a colheita obtida após vários invernos de pesquisa.
Como os bons amantes da sabedoria, que experimentam o efeito benfazejo e multiplicador da partilha, Chico resolveu disponibilizar esse acervo técnico e humano para quem interessar possa através desta obra intelectual.
Este livro, marco no estudo sobre Reflorestamento no Nordeste, é mais que um simples contributo à alteração paisagística e ambiental da Caatinga. É o pulsante testemunho de um homem que revela ser possível, com ações simples, alterarmos o desafiador e complexo panorama do Semiárido Nordestino.
As páginas deste trabalho nos convidam para o estudo da beleza ou a reflexão sobre as infinitas possibilidades da nossa Natureza.
Vivemos o mais delicado momento de passagem da história humana. Mais do que a busca por Democracia – poder nas mãos do povo – a humanidade, até sem o saber ou verbalizar, anseia ardentemente pelo advento da Biocracia – poder nas mãos de todos os seres vivos (animais, plantas, águas, paisagens e todos os elementos da natureza).
Salve!
(Júnior Bonfim, na apresentação do Livro Reflorestamento do Nordeste, de Chico Rosa)
OS SÍMBOLOS DO MOMENTO
Se pudesse, queria que, ao invés de um texto, destas letras brotassem mãos, mãos estendidas, mãos fraternais para lhes afagar com um abraço de amizade, oferecer-lhes o ósculo da paz e lançar as sementes de boas novas. Só isso!
Mas a magnitude deste momento, misto de uma imbricação de angústias conceituais com redescobertas de trilhas, nos impulsiona a compartilhar com vocês uma breve reflexão.
Como bem sabeis, o pontal simbólico é um estandarte que atravessou os séculos graças à auréola das significações que o acompanham. A linguagem simbólica visa tornar mais fácil o entendimento das mensagens.
Não por acaso Jesus, em sua peregrinação terrena, disse que falava por parábolas. Porque ficava incomodado com o fato de, nas suas prédicas, as multidões olharem e não enxergarem, ouvirem e não escutarem, apreenderem e não entenderem.
Para nós, os símbolos têm o significado que a etimologia original, do grego clássico, elucidou: sim (junto) e bailein (lançar). O sentido é lançar as coisas de tal modo que permaneçam juntas.
Pois bem. Como no universo do simbolismo nada ocorre por acaso, fico perquirindo por que somos protagonistas de um momento histórico tão carregado de pinhos e espinhos, de fortunas e infortúnios, de flores e dores, de astres e desastres!
O invisível bonde que nos transporta convida permanentemente para um ágape fraternal, a fim de nos banquetearmos saboreando as nossas raízes. Ou melhor, extrairmos a seiva dos nossos radicais e oferecermos um contributo frutífero às gerações presente e futura. Resgatarmos nosso passado heroico! Afinal, como nos ensinaram os latinos, ‘Historia magistra vitae est’, ou seja, “a história é a mestra da vida”.
Com efeito, é hora de lembrarmos de que a nossa existência constitui um ritual de passagem, do qual devemos recolher e internalizar as lições emanadas do forno da sabedoria dos nossos antepassados. Observarmos o córrego que banhou os grandes mestres do território complexo das ciências, os que bailaram no emaranhado fonético do salão das letras, os que percorreram o jardim florido das artes.
Permitam-me que saliente três exemplos que povoam as enciclopédias universais.
Cito Benjamim Franklin, elétrico patriarca das Américas, inventor contumaz, criador do para-raios, dos óculos bifocais, dentre inúmeras outras criações da sua mente prodigiosa. É exemplo de humano empreendedor.
A história registra o caso, por exemplo, de uma mulher, doente mental, casada com um homem desequilibrado em todos os sentidos. Alcoólatra e desocupado, estava longe de ser pai modelar ou marido referencial. Esse casal, no entanto, teve quatro filhos: o primeiro, doente mental; o segundo, paralítico; o terceiro, acometido de outra enfermidade séria; o quarto também deficiente. Mesmo com todo esse histórico de tragédia, a mulher estava grávida pela quinta vez. E esse quinto filho, que tudo apontaria para ter também uma vida desventurada, foi Ludwig Van Beethoven, um dos maiores gênios musicais da humanidade. Varão das artes. Gênio perpétuo e inolvidável.
Outro, no campo das letras, foi François-Marie Arouet, o francês Voltaire. Incondicional amante da liberdade, foi advogado dos oprimidos e escritor magnífico. Deixou frases insuperáveis em defesa da liberdade de opinião, como essa: “Não concordo com uma única palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-la.”
É disso que estamos precisando: para um País abatido por sucessivas tormentas ao longo de seus anos, a aura empreendedora de um Benjamin Franklin; para uma Pátria abalada por solavancos de temor quanto ao futuro, a audácia do exemplo de um Beethoven; para um Povo que se engalfinha em discussões estéreis, que tem dificuldade de conviver com a opinião alheia, que enxerga no pensamento divergente uma razão para se render à inutilidade da cólera e alimentar uma irracional divisão interna, o exemplo libertário de um Voltaire.
É disso que precisamos. Este o nosso desafio: estarmos à altura do que nos cobra este momento histórico. Que sejamos instrumentos dessa força revolucionária, capaz de sacudir as frágeis colunas dos nossos egoísmos e nos fazer enxergar o universo mágico da verdadeira vida, da existência que importa.
Enfim, queria que deste texto pudessem emergir mãos, mãos de labor e luz, que segurassem a trolha aplainadora das diferenças e nos convocassem para a magnifica e magnânima prática da tolerância e do amor!
(Júnior Bonfim)
Mas a magnitude deste momento, misto de uma imbricação de angústias conceituais com redescobertas de trilhas, nos impulsiona a compartilhar com vocês uma breve reflexão.
Como bem sabeis, o pontal simbólico é um estandarte que atravessou os séculos graças à auréola das significações que o acompanham. A linguagem simbólica visa tornar mais fácil o entendimento das mensagens.
Não por acaso Jesus, em sua peregrinação terrena, disse que falava por parábolas. Porque ficava incomodado com o fato de, nas suas prédicas, as multidões olharem e não enxergarem, ouvirem e não escutarem, apreenderem e não entenderem.
Para nós, os símbolos têm o significado que a etimologia original, do grego clássico, elucidou: sim (junto) e bailein (lançar). O sentido é lançar as coisas de tal modo que permaneçam juntas.
Pois bem. Como no universo do simbolismo nada ocorre por acaso, fico perquirindo por que somos protagonistas de um momento histórico tão carregado de pinhos e espinhos, de fortunas e infortúnios, de flores e dores, de astres e desastres!
O invisível bonde que nos transporta convida permanentemente para um ágape fraternal, a fim de nos banquetearmos saboreando as nossas raízes. Ou melhor, extrairmos a seiva dos nossos radicais e oferecermos um contributo frutífero às gerações presente e futura. Resgatarmos nosso passado heroico! Afinal, como nos ensinaram os latinos, ‘Historia magistra vitae est’, ou seja, “a história é a mestra da vida”.
Com efeito, é hora de lembrarmos de que a nossa existência constitui um ritual de passagem, do qual devemos recolher e internalizar as lições emanadas do forno da sabedoria dos nossos antepassados. Observarmos o córrego que banhou os grandes mestres do território complexo das ciências, os que bailaram no emaranhado fonético do salão das letras, os que percorreram o jardim florido das artes.
Permitam-me que saliente três exemplos que povoam as enciclopédias universais.
Cito Benjamim Franklin, elétrico patriarca das Américas, inventor contumaz, criador do para-raios, dos óculos bifocais, dentre inúmeras outras criações da sua mente prodigiosa. É exemplo de humano empreendedor.
A história registra o caso, por exemplo, de uma mulher, doente mental, casada com um homem desequilibrado em todos os sentidos. Alcoólatra e desocupado, estava longe de ser pai modelar ou marido referencial. Esse casal, no entanto, teve quatro filhos: o primeiro, doente mental; o segundo, paralítico; o terceiro, acometido de outra enfermidade séria; o quarto também deficiente. Mesmo com todo esse histórico de tragédia, a mulher estava grávida pela quinta vez. E esse quinto filho, que tudo apontaria para ter também uma vida desventurada, foi Ludwig Van Beethoven, um dos maiores gênios musicais da humanidade. Varão das artes. Gênio perpétuo e inolvidável.
Outro, no campo das letras, foi François-Marie Arouet, o francês Voltaire. Incondicional amante da liberdade, foi advogado dos oprimidos e escritor magnífico. Deixou frases insuperáveis em defesa da liberdade de opinião, como essa: “Não concordo com uma única palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-la.”
É disso que estamos precisando: para um País abatido por sucessivas tormentas ao longo de seus anos, a aura empreendedora de um Benjamin Franklin; para uma Pátria abalada por solavancos de temor quanto ao futuro, a audácia do exemplo de um Beethoven; para um Povo que se engalfinha em discussões estéreis, que tem dificuldade de conviver com a opinião alheia, que enxerga no pensamento divergente uma razão para se render à inutilidade da cólera e alimentar uma irracional divisão interna, o exemplo libertário de um Voltaire.
É disso que precisamos. Este o nosso desafio: estarmos à altura do que nos cobra este momento histórico. Que sejamos instrumentos dessa força revolucionária, capaz de sacudir as frágeis colunas dos nossos egoísmos e nos fazer enxergar o universo mágico da verdadeira vida, da existência que importa.
Enfim, queria que deste texto pudessem emergir mãos, mãos de labor e luz, que segurassem a trolha aplainadora das diferenças e nos convocassem para a magnifica e magnânima prática da tolerância e do amor!
(Júnior Bonfim)
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