sábado, 4 de julho de 2009

CRATEÚS - INVENÇÃO DE UM RIO!





Narra Ruy Câmara que o ipueirense Gerardo Mello Mourão, destilando certa feita sua sedutora eloqüência em evento realizado na Assembléia Legislativa do Ceará, após haver falado das misérias que testemunhara durante sua viagem ao sertão do Ceará, perguntou aos deputados: alguém poderia dizer para que serve um poeta num Estado pobre em Cultura, Educação e Saúde? Após um tempo de silêncio frustrante, eis que ele afia as palavras na sua língua de pedra e diz: “Neste mundo o que dura é o que foi fundado pelos poetas e não pelos especialistas, que são meros figurantes de uma tarefa ancilar. Não são protagonistas do saber nem da história. Nunca um especialista criou algo duradouro nem embasou uma nação”.

“A Grécia foi fundada pelo poeta, Homero, cego e gênio. O império romano foi inspirado pelo poeta Virgílio e por um escritor que se fez general, Caio Julio César. O mundo judaico foi fundado pelos poetas das profecias: Jeremias, Isaias, Ezequiel, Daniel e pelos Cantos do rei Davi. A civilização mulçumana foi fundada pelo poeta Maomé, seu senhor e soberano. A China e a Ásia Oriental foram fundadas pelo poeta Kung-Fu-Tze, que conhecemos por Confúcio. A Itália foi fundada por Dante, poeta absoluto. Churchill animava suas tropas contra o fogo de Hitler, enviando aos soldados os versos de Shakespeare. Os soldados germânicos levavam na mochila os Cantos de Rilke e os hinos de Hölderlin. E o que seria de Portugal sem Camões e Pessoa? Da França sem Voltaire, Baudelaire, Lamartine e Hugo? E o Ceará sem seus poetas, renegados e esquecidos? E finalizou dizendo: foi o Deus poético e dialético que engendrou o pensamento mítico, o tempo divino do homem, mas foi a verdade helênica que deu vigor à noção de liberdade e democracia, verdade luminosíssima que fundou o homem livre”. Os aplausos não impediram o nosso poeta de assim dizer: “É para preencher o vazio do espírito humano que serve um poeta com sua poesia”.

Em verdade, o lendário poeta Camões subiu às alturas mitológicas com o seu clássico “Os Lusíadas”, um poema épico dedicado aos lusitanos, raiz fundante do povo português, que se notabilizou pelas conquistas marítimas.

Séculos depois, da mesma seiva que alimentou a epopéia nacional de vinculação ao mar, Fernando Pessoa entoou o famoso verso: "Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal!".

Há pouco mais de uma década, esse mesmo Gerardo Mello Mourão, o grande poeta do século passado, serviu à mesa do banquete sagrado da História o nosso doce manjar batismal: provou que o Brasil é uma “Invenção do Mar”.

Neste aniversário de Crateús, em 2009, me ocorre de perquirir e refletir acerca da veia fluvial que nos legou o sangue vital.

Se, ao contrário do que imaginávamos, o nosso planeta é majoritariamente água ao invés de terra; se, por óbvio, a civilização é fruto de uma química aquática, o aniversariante Crateús é invenção de um rio: o Rio Poty!

Detentor de um currículo épico singular – é o único rio interestadual do Ceará – esse monstro que nasce na Serra da Joaninha inverte o curso natural e conveniente da maioria para percorrer, qual um bravo pioneiro, um caminho inusitado: cortando a cadeia montanhosa da Ibiapaba, brindou o mundo com um Canyon, inexplorada e bela paisagem de luz e vida.

Divago que, na celebração natalícia deste ano, os crateuenses poderiam ser convidados a passar alguns instantes, sob o influxo de uma reverente meditação, às margens do Poty, o leito da nossa alma libertária, regato dos nossos sonhos inconfessos, símbolo maior da nossa terra.

Detentor da mística da fertilidade, o rio carrega em suas pálpebras a dialética pascal da morte e ressurreição, a imperscrutável dinâmica da existência. Há alguns meses atrás, quando a ganância humana e a sanha mercadológica mancharam de fetidez a sua superfície, imaginávamos estar assistindo às exéquias da nossa referência essencial. A cidade se insurgiu. E houve um espontâneo levante popular. Sob os auspícios da Justiça, houve um ajustamento. E no inverno deste ano, ele ressurgiu vitorioso: com a abundância natural, com a coroa majestosa da humildade, com a imponência sublime da benevolência, aspergiu a todos com a água bendita da fecundação.

O rio Poty é o índice magistral, a pedra filosofal de Crateús. Parafraseando o poeta, podemos inquirir:

“Ó Crateús, quanto de ti
São risos e lágrimas do Poty!”


(Publicado no Jornal Gazeta do Centro Oeste – Crateús, Ceará)

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