Este espaço se quer simples: um altar à deusa Themis, um forno que libere pão para o espírito, uma mesa para erguer um brinde à ética, uma calçada onde se partilhe sonho e poesia!
quinta-feira, 2 de julho de 2009
MARIA MOREIRA
Os poetas e os filósofos, quando miram o itinerário encantador da vida – ou de certas vidas – produzem construções memoráveis.
Fernando Pessoa, sob a pena de Álvaro de Campos, saiu-se com esta: “somos o intervalo entre o meu desejo e aquilo que o desejo dos outros fizeram de mim”. Já com o heterônimo de Alberto Caieiro esculpiu o seguinte verso: “… Procuro despir-me do que aprendi,/ Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,/ E raspar a tinta com que pintaram os sentidos,/ Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,/ Desembrulhar-me e ser eu…”
O filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre escreveu: "Não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim."
Essa frase é a home page ou frontispício da trajetória pessoal de Maria Moreira Marques, atual diretora da Unidade de Semi Liberdade de Crateús.
Nascida há cinqüenta anos no distrito de Poty, às margens do rio do mesmo nome, Maria outro dia me contou o que fez com o que fizeram dela.
Filha de pais marcadamente pobres (a mãe, analfabeta; o pai, lavrador), desde criança amargou a dolorosa experiência de ser “dada” aos outros: viveu uns tempos na casa da senhora Maria da Fé (que a colocou na escola), da senhora Lourdes, da sua madrinha Suzana, da prima “Mazé”... Seus olhos lacrimejam recordando humilhações, castigos, sofrimentos... Porém, evita se deter sobre as dores da infância. Prefere acentuar que nunca desenvolveu qualquer sentimento de raiva, larva de ódio ou poço de mágoa.
Talvez por isso, e embora fora da faixa etária normal, o horizonte de luz se descortinou: aos onze anos de idade, aprendeu a ler. Em compensação, com quinze, começou a lecionar como professora substituta. Em seguida, apaixonou-se pelo movimento pastoral das comunidades eclesiais de base, liderado por D. Fragoso. Aliás, o oceano tempestuoso da militância política e social sempre a seduziu. Ainda criancinha, na década de 60, atraia a atenção dos adultos cantando a música do “dôtor Lolavo” – referindo-se ao doutor Olavo Cardoso, médico lendário que foi Prefeito de Crateús.
Na adolescência, residindo na casa de sua madrinha Suzana, obteve uma oportunidade ímpar: estudar no respeitado e tradicional Colégio Pio XII, à época um espaço disputado pelos filhos da elite da cidade. Ali, era evidente a apartheid social: certa vez, foi expulsa da sala de aula porque não tinha o dinheiro do material da aula de artes, cujo objeto era a confecção de um ‘cachorrinho de gesso’. A professora Neide Nogueira, porém, fez questão de ressaltar que, no caso de Maria, o problema não era de inadimplência, mas de impossibilidade de pagamento. Isso sensibilizou os colegas Júnior Palhano e Júnior Sales a se cotizarem e solucionar o imbróglio. Em outros momentos, como no da aquisição da roupa da farda e do calçado, foi o conjunto dos colegas de classe que colaborou na viabilização.
No entanto, se tarde conheceu os bancos escolares, cedo sentou no banco da paixão. Enamorou-se de Evandro, com quem casou e teve quatro filhos: Wagner, Vilma, Vanderlei e Virna. 18 anos depois, constatada a inviabilidade da convivência harmoniosa, formalizou a separação e retomou a trajetória inicial. Como a onda do mar, que vai e vem numa recomposição permanente, várias vezes alternou o domicílio entre o distrito de Poty e a cidade de Crateús. Ao todo, cerca de quatorze vezes. Em 21 de abril de 1985, exatamente no dia em que o País se consternava com a morte de Tancredo Neves, fez sua última escalada retirante: na carroceria de uma caminhonete do primo Zé Maria Pedreiro, junto com os quatro filhos e uma pequena bagagem, saiu definitivamente do distrito onde nasceu e se instalou numa casa no bairro Patriarcas, cujo aluguel era pago pelo próprio Zé Maria, seu primo mais bem situado financeiramente.
Aí, sua vida deslanchou: retomou os estudos, concluiu a Faculdade de Pedagogia, fez pós-graduação e passou a lecionar na Universidade Vale do Acaraú – UVA.
Antes, porém, ingressou por concurso nos quadros do magistério municipal. Na Prefeitura, sentiu o aço da discriminação política. Recorda que, na primeira gestão de Paulo Nazareno, sabendo das fofocas envolvendo o seu nome, procurou-o para uma conversa. Paulo foi direto e disse que só nomearia em cargo de confiança pessoa que o houvesse apoiado, que não era o caso de Maria. Ela ponderou: “Sei que razão lhe assiste, Prefeito. Quero, porém, lhe fazer um pedido. Se algum dia, por mérito, conquistar algum espaço, evite me tolher”. Paulo aquiesceu. Tempos depois, Maria foi nomeada para a coordenação do Semi Liberdade.
Segundo ela, sempre trabalhou redobradamente porque tinha dois investimentos a fazer: em si mesma e nos filhos. E obteve dividendos em ambos. O filho mais velho, Wagner, é formado em Matemática; Vilma se graduou em Pedagogia; Vanderlei, também formado em Matemática, agora é concludente do Curso de Direito e Virna, a caçula, é Psicóloga.
Na Unidade de Semi Liberdade, Maria Moreira coordena um grupo de vinte e quatro funcionários cuja tarefa precípua é assistir adolescentes que a sociedade tenta desvirtuar do bom caminho.
Seis de julho, dia do aniversário do município, assinala também o natalício de Maria Moreira. Nesta data, pretende reunir familiares, amigos e pessoas que marcaram sua existência para agradecer a Deus as graças alcançadas e os sonhos realizados.
Porém, continua sonhando. Quer fazer mestrado e escrever um livro. O título? O QUE FIZ COM O QUE FIZERAM DE MIM.
(Coluna "Gente Que Brilha" - da Revista GENTE DE AÇÃO)
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Olá Júnior,
Belo relato, bonita história de uma vencedora chamada Maria. Que se a vida lhe oferece pouco ela teima e quer muito mais.
Eu também sou Maria, hoje cheia de graça, contudo já tive minha grande cota de martírios.
Foi caindo, escorregando e levantando que aprendi a ser forte.
Parabéns pela brava Maria Moreira e por todas as Marias que dignificam suas histórias.
Um abraço,
Dalinha Catunda
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2 comentários:
Olá Júnior,
Belo relato, bonita história de uma vencedora chamada Maria. Que se a vida lhe oferece pouco ela teima e quer muito mais.
Eu também sou Maria, hoje cheia de graça, contudo já tive minha grande cota de martírios.
Foi caindo, escorregando e levantando que aprendi a ser forte.
Parabéns pela brava Maria Moreira e por todas as Marias que dignificam suas histórias.
Um abraço,
Dalinha Catunda
Conviví à epoca de Prefeito com inúmeras pessoas,no entanto,algumas deixaram sua marca indelével,no sentido de nos mostrar quão infrutífera é a intolerância,a intransigência e a prepotência.Maria traz consigo aquele estranho brilho,uma vibração inerente àquelas pessoas destinadas a fazer do seu destino e o dos outros,um rastro de luz.Maria,bendita sois vos entre as mulheres.Obrigado por tudo.
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