Este espaço se quer simples: um altar à deusa Themis, um forno que libere pão para o espírito, uma mesa para erguer um brinde à ética, uma calçada onde se partilhe sonho e poesia!
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
BOAVENTURA BONFIM
Será que neste mundo marcado pela ganância desmesurada, em que o ter se sobrepõe ao ser, ainda existem pessoas capazes de fazer um saudável contraponto à versão (ou perversão) capitalista da felicidade? Alguém que, ultrapassando as barrocas da superficialidade, experimente a boa ventura de caminhar serenamente pelos prados azuis da profunda alegria?
Boaventura Bonfim descobriu e palmilha essa radiosa trilha! O rebento de Antônio e Maria Bonfim, nascido, em uma família de treze filhos, no dia onomástico de São Boaventura, no bairro “Benfica” e criado no “Barrocão”, em Crateús, veio ao mundo revestido pela aura evangélica das bem-aventuranças. Como ele mesmo afirma, nasceu “com predisposição genética para ser feliz”. Ressalta, com brilho nas pálpebras, que: “igualmente ao grande poeta (Vinicius), tive uma infância linda/ tão linda que, mesmo longe, continua em mim ainda. E, diferentemente do outro grande poeta (Ataulfo Alves), eu era feliz e já sabia”. Recorda, com emoção na alma, uma de suas primeiras professoras: Maria Tereza Frota Souto, dona Sinhá Frota, a qual no segundo ano o presenteou com o livro ‘Alice no País da Maravilhas’ e a seguinte dedicatória: ‘Joaquim, estude sempre assim para ser sempre o primeiro da classe’. Certa feita foi surpreendido, na Escola da dona Delite, pela presença do irmão Furtadinho que, ansioso pelo carrinho de brinquedo, adentrou chorando e perguntando: - ‘Caquim, cadê meu carrim?’ Emergia, então, o nome afetivo: Caquim, que é diferente de apelido, por este exprimir sentido provocativo. (O nome, aliás, é algo muito forte para ele. Somente ao fazer exame de admissão ao ginásio, verdadeiro vestibular à época, em que se exigia a Certidão de Nascimento, todos tomaram ciência do seu nome por inteiro: Boaventura Joaquim Furtado Bonfim, pois o Boaventura permanecia como “sujeito oculto”. Considera Joaquim mais bonito; Boaventura, mais sonoro. Institucionalizou, porém, Boaventura Bonfim).
Em que pese ter perdido muito cedo a indelével figura paterna, foi amplamente protegido pelo terno cobertor de luz da presença materna. Esta inoculou no coração dos filhos “uma exacerbada e doce espiritualidade”. Criança, ainda, costumava adentrar a Catedral do Senhor do Bonfim, onde orava solitariamente e mergulhava embevecido nas águas mansas e invisíveis do silêncio contemplativo.
Guiado por essa bússola mística, sentou nos bancos da escola da lida e da vida e pincelou uma moldura curricular eticamente admirável. Concluiu o Curso de Contabilidade na Escola Técnica de Comércio Padre Juvêncio. Em 1973/1974 ingressou, por concurso, no Banco do Brasil - para ele, uma grande escola - onde militou por mais de 16 anos. Em 1980, já em Fortaleza, foi realizar consulta para tratar de um dente e, ali, curou também o coração: conheceu de perto Maria Edvanda Moreira Nobre, odontóloga e colega de Banco, a donzela com quem celebrou o sacramento da comunhão de almas. Enamorou-se desse orvalho de bondade, centrada mulher de radiante serenidade que, além de fazer estremecer sua raiz poética, o fez concluir que aquela era uma jovem ‘pra casar’, por isso acrescentou Bonfim ao seu nome. Receberam das mãos do Criador dois tesouros: Camila e Cibele.
Bacharel em Direito pela legendária Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará - UFC, duas especializações e vários cursos, além de Letras, Boaventura nunca quis ser ‘advogado do Banco’, embora trabalhasse na Assessoria Jurídica. Nos idos de 1990 é aprovado nos concursos para o Tribunal Regional Federal Eleitoral, Analista Judiciário, privativo de bacharel em Direito, e para a Magistratura. Considera o Juiz “um ente imparcial que se situa entre a sociedade e o Estado, para fazer cumprir o Contrato Social vendo, no entanto, o fim social a que se destina esse Contrato”. A imagem que cultua de um Juiz é a dos magistrados do século XVIII: de casa para o fórum, do fórum para casa, ouvindo música clássica, dedicado à família e produzindo sentenças memoráveis, primorosos tratados doutrinários de louvor à deusa Thêmis. Talvez por isso é que, convocado em duas oportunidades para assumir o cargo de Juiz de Direito em Pacoti e Ipaporanga, tenha declinado de ambas, preferindo o título de Magistrado resignatário. Pertence a uma corrente para a qual “a lei deve ser para o Juiz apenas um farol, para ele saber conduzir o carro do direito por entre os rochedos da angústia social”. Evitou, assim, a própria angústia...
No TRE, onde trabalha há mais de dezoito anos, galgou respeito e admiração, ocupou diversas posições, tendo assumido, por duas vezes, uma delas ultimamente, o nobilitante cargo de Diretor-Geral. Agora, após laborar uma obra de fôlego pleiteando a merecida aposentadoria, ou, em seu dizer, o “otium cum dignitate”, retorna ao manancial da faina teológico-filosófica, reestudando o Grego clássico. Abstêmio, adora um ‘suco de uva com Filosofia’. Num dos últimos e-mails recebidos de D. Fragoso – com quem trocava correspondência frequentemente – este, sábio e sóbrio aos 83 anos, fez votos que desfrutasse da lucidez sempre.
Possivelmente, o eterno bispo de Crateús estivesse recordando o ensinamento de outro santo bispo, o italiano Giovanni Fidanza, canonizado como São Boaventura: "Não basta a leitura sem a unção, não basta a especulação sem a devoção, não basta a pesquisa sem maravilhar-se; não basta a circunspeção sem o júbilo, o trabalho sem a piedade, a ciência sem a caridade, a inteligência sem a humildade, o estudo sem a graça".
Que, ungido pela graça do amor ao estudo, devoto especulador das venturas celestes, pesquisador do êxtase, piedoso trabalhador, cientista da caridade, mantenhas a tocha da inteligência permanentemente alimentada pelo óleo da humildade! E eterno merecedor da “buena ventura!”.
(Por Júnior Bonfim - publicado na Coluna "Gente Que Brilha", da Revista GENTE DE AÇÃO deste mês)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Olá Júnior,
Obrigada por compartilhar esse relato sobre a vida de Kakin, (para mim será sempre Kakin, não o conheci de outra forma) É bom saber que meu amigo cresceu,tem uma vida digna, uma família formada e é um vitorioso na vida.
Bonita trajetória, e mais rica ainda pela sua capacidade de bem dizer com palavras.
Um abraço,
Dalinha
Postar um comentário