Este espaço se quer simples: um altar à deusa Themis, um forno que libere pão para o espírito, uma mesa para erguer um brinde à ética, uma calçada onde se partilhe sonho e poesia!
terça-feira, 11 de agosto de 2009
SEJA CULTO: AUSCULTE!
Aprendemos que culto é o homem que detém farta ‘bagagem cultural’, entendida como o acúmulo de estoque teórico, domínio de teses, cultura livresca e variedades conceituais.
Culto é o que mergulha no oceano da cultura. (Bem que poderia ser ‘margulha’ - neologismo que pode significar a inserção no mar da vida similar à da agulha no tecido: metódica, sinuosa, consistente!).
Como vivemos em constante interação, a verdade é que a cultura está também associada à nossa capacidade de incorporar a produção cultural dos outros. E como se apreende o que o outro produziu? Ouvindo, escutando.
Longe de ser uma atitude passiva, escutar é uma postura ativa.
O mais influente psicólogo da história americana, Carl Ramson Rogers (1902-1987), foi um humanista iluminado e cientista brilhante. Semeador da “terapia centrada no cliente”, fez com que seu ideário transcendesse as fronteiras da clínica psicoterapêutica. É dele a seguinte reflexão:
"Quando digo que gosto de ouvir alguém estou me referindo evidentemente a uma escuta profunda. Quero dizer que ouço as palavras, os pensamentos, a tonalidade dos sentimentos, o significado pessoal, até mesmo o significado que subjaz às intenções conscientes do interlocutor. Em algumas ocasiões ouço, por trás de uma mensagem que superficialmente parece pouco importante, um grito humano profundo, desconhecido e enterrado muito abaixo da superfície da pessoa."
“Constato, tanto em entrevistas terapêuticas como nas experiências intensivas de grupo que me foram muito significativas, que ouvir traz conseqüências. Quando efetivamente ouço uma pessoa e os significados que lhe são importantes naquele momento, ouvindo não suas palavras mas ela mesma, e quando lhe demonstro que ouvi seus significados pessoais e íntimos, muitas coisas acontecem. Há, em primeiro lugar, um olhar agradecido. Ela se sente aliviada. Quer falar mais sobre seu mundo. Sente-se impelida em direção a um novo sentido de liberdade. Torna-se mais aberta ao processo de mudança."
Como magistralmente ensina Rogers, ‘ouvir traz conseqüências’. Mas, primeiro, acende antecedências. Para ouvir verdadeiramente, preciso antes me despir e me dispor. Despir-me da idéia de auto-suficiência, de me bastar a mim mesmo. Dispor-me a garimpar as pedras preciosas escondidas no aparentemente íngreme território do outro. Dispor-me a incursionar pelo desconhecido túnel do silêncio. (Aliás, o que de mais poderoso existe começou silenciosamente...).
Rubem Alves definiu poeticamente: “No silêncio, abrem-se as portas de um mundo encantado que mora em nós - como no poema de Mallarmé, A catedral submersa, que Debussy musicou. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Me veio agora a idéia de que, talvez, essa seja a essência da experiência religiosa - quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também”.
Essa é a nossa atual pedra paradoxal: vivemos a era da comunicação abundante, da informação automática. Pavimentaram-se vertiginosamente as vias de comunicação, mas inversamente pouco caminhamos no sentido de ouvirmos uns aos outros.
É para isto a Crônica de hoje. Para que relembremos a valia da escuta. Quantas divergências poderiam ser transformadas em convergências se nos dispuséssemos a ouvir.
Além do outro, ouçamos também nós mesmos: os apelos da consciência, os sons da alma, a música do coração!
Seja culto: ausculte!
(Por Júnior Bonfim, publicado na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro-Oeste)
====================================================================================
Paulo Nazareno disse:
Che Guevara em certo momento disse: "Para se auscultar o coração do povo, não se usa estetoscópio, se escuta com o coração".
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Che Guevara em certo momento disse: "Para se auscultar o coração do povo, não se usa estetoscópio, se escuta com o coração".
Postar um comentário