terça-feira, 15 de setembro de 2009

PENSAR A CIDADE

O filósofo Platão relata, em Teeteto, um episódio protagonizado por seu mestre Sócrates. Segundo informa Platão, interrogam a Sócrates:

- Afinal, qual a tua profissão?

- A mesma da minha mãe – responde o pensador.

- Mas tua mãe é parteira! – exclamam os interrogadores.

E Sócrates arremata:

- Eu também. Sou parteiro de idéias.

Parto da premissa que o útero da nossa urbe é prenhe de parteiros de idéias – atentos observadores que processam a paisagem que possuímos e pincelam o quadro ideal de outra que povoa o seu imaginário.

A essas pessoas, que transitam pelas esburacadas vias do anonimato, falta apenas as conchas auriculares do cérebro que dirige a maquina pública, os ouvidos do poder político. Urge que se abra espaço, uma fresta ao menos, para que na sala escura do poder adentre o raio luminoso da inventividade popular, da criatividade que palpita no coração da cidadania.

Dar vazão às idéias é abrir a mente ao portal do sonho. No fundo, planejar é sonhar. Ou organizar o sonho, transformando-o em semente para ser lançada no solo fértil da realização.

O planejamento público é essa tarefa mobilizadora, desafio contagiante, de sistematizar o desejo coletivo, numa dinâmica interativa.

Basta que lancemos o olhar sobre o corpo da cidade de Crateús para sentirmos os efeitos da ausência desse planejamento compartilhado.

Exemplos simples confirmam essa assertiva. Há uma indústria cerâmica no bairro dos Venâncios, outra no outro extremo da cidade, no bairro Ponte Preta. Um complexo industrial foi erigido no bairro Fátima I, atrás da escola Santa Inês. Na saída para Novo Oriente, próximo a Justiça do Trabalho, funciona outro parque fabril. Quando a cidade se planeja, o setor de indústria se localiza em uma única área, estrategicamente disposta para compatibilizar o desenvolvimento com o respeito à qualidade de vida das pessoas e o meio ambiente.

Onde estão nossas áreas verdes? Como o pulmão para o ser humano, a cidade precisa de espaços verdes que propiciem a integração dos que a habitam com a energia revitalizadora da Natureza. Há alguns anos foi desenhado um projeto estupendo de recuperação do leito urbano do nosso rio chamado Parque Ecológico do Rio Poty. Além da recuperação da mata ciliar, prevê a otimização da orla fluvial a partir da construção de equipamentos coletivos de lazer, atividades físicas e divertimento. É imperioso que se priorize a execução desse projeto, essencial para a oxigenação da cidade.

Cidade de feição meramente horizontal, Crateús precisa estimular o crescimento vertical, que facilita a concentração de pessoas e diminui a demanda de serviços de infra-estrutura, em geral onerosos aos cofres públicos. A cada nova rua que se abre, aumenta a demanda por pavimentação, iluminação publica e saneamento básico, dentre outros. Na medida em que se investe na construção de edifícios, em áreas onde já estão disponibilizados os serviços básicos, diminui-se o ônus do erário.

É obvio que essas perorações têm um único objetivo: frisar a necessidade de pensarmos a cidade. Definirmos o seu rumo. Em uma palavra: planejá-la! Com espírito desarmado, com o horizonte aberto para o futuro, com o coração palpitando de sonhos revolucionários, com a alma sintonizada nas energias vitais. Tarefa impossível? Jamais. Basta que o poder público reúna os nossos anônimos parteiros de idéias e se lhes dê assento e palavra, vez e voz, dignidade e respeito.


(Por Júnior Bonfim – na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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