As Alagoas ofereceram ao Brasil homens de têmpera extraordinária, que protagonizaram capítulos de aço da vida nacional. No final do século XIX, montado num cavalo da Guarda Imperial, Deodoro da Fonseca cavalgou a transição pacífica da Monarquia para a República. Algumas décadas depois, numa pequena urbe chamada Palmeira – que não era Imperial, mas dos Índios – um intelectual caprichoso e metódico revolucionava, com graça e ramos, a governança municipal. Da terra de Graciliano Ramos, há cerca de meio século atrás um jovem médico e oficial do Exército aportava em Crateús. Era José Fernandes da Silva, o doutor Fernandes.
Carregava, no alforje da alma, os dois ferros que marcam os grandes alagoanos: o fulgor contestatório e a fulgurância empreendedora. Aquele o levou, algum tempo depois, a ser expulso das fileiras militares. Quando Márcio Moreira Alves ocupou a tribuna da Câmara Federal e proferiu o histórico discurso que enfureceu os generais e originou o famigerado AI 5, fez menção à bravura do grupo de oficiais que, em Crateús, se levantou contra o cerceamento das Liberdades. Sob a liderança do Comandante Lignell, José Fernandes pontificava entre os que abriam as trincheiras da resistência democrática.
Tiraram-lhe a farda do Exército, mas não o puderam despir da adotiva vestimenta de cidadão crateuense. Já casado com a jovem Maria do Rosário (Zazá) e usando a roupa branca de médico, passou a clinicar num pequeno consultório instalado na Rua Santos Dumont, no centro da cidade.
E aí passou a desenvolver sua outra faceta, o dínamo empreendedor. Associou-se ao lendário médico Olavo Cardoso e, juntos, fundaram a Policlínica – que, ao lado da Clínica Santa Terezinha (do médico Francisco Sales de Macedo), se constituíam nos mais requisitados equipamentos de saúde da cidade. E foi exatamente com o doutor Sales que, na segunda metade da década de 1970, doutor Fernandes se consorciou para erigir o maior complexo de saúde da terra do Senhor do Bonfim: o HGC – Hospital Geral de Crateús.
Nas últimas eleições municipais sob o tacão da ditadura, em 1982, os segmentos mais progressistas da cidade o fizeram candidato a prefeito. A campanha se caracterizava por ser demasiadamente longa. Começava em março e terminava em novembro. Era uma luta inglória. De um lado, o arbítrio e seus ardis, como o voto vinculado, que obrigava o eleitor a votar, para as diversas postulações, em candidatos de um só e mesmo partido. Do outro, o idealismo pujante, o ímpeto mudancista, o sonho democrático. Zé Fernandes encarou aquela ingrata batalha com a garra de um jovem e visionário capitão que, na guerra final, tinha na mão a certeza da vitória.
Nessa época, seus amigos identificaram que, por trás de sua aparente sisudez, escondia-se um ser humano de fino humor. Após o desgaste físico e financeiro daquela eleição, três vereadores do seu bloco político (Edi Pinto, Osvaldo Oliveira e Tobias das Flores) o procuraram no Hospital. Queixavam-se de uma doença séria. Tinham dificuldade de identificar os sintomas, mas se sabiam doentes. Doutor Fernandes os examinou cuidadosamente e, ao final, diagnosticou: - A doença de vocês é a mesma minha: liseira. Vamos trabalhar e pagar as contas que fica todo mundo curado...
Do seu casamento com dona Zazá, vieram ao mundo Marister (uma psicóloga que descobriu o transcendentalismo oriental e já esteve no Tibet), Júnior Fernandes (como o pai, exerce a medicina e incursiona pelas veredas da política), Alexandre (que é advogado militante e artesão de amizades) e Maria do Carmo (que se formou em Administração Hospitalar e integra a equipe gestora do Hospital fundado pelo pai).
Parece que a vida sempre o coloca em frentes de batalha. Nos últimos anos, enfrentou uma das lutas mais difíceis: a da própria saúde! Com sérios problemas coronarianos, insuficiência renal e diabetes, submeteu-se a cirurgias delicadas. Muitos imaginavam que o velho comandante poderia sucumbir. Após safenas e stents, diálise peritoneal e até hemodiálise, ele resiste bravamente, como sói acontecer aos grandes lutadores. No carnaval de 2008, o bloco Maravilhas o homenageou. Ao lado de colegas de trabalho, familiares e amigos, lá estava ele desfilando em carro aberto e saudando a multidão de foliões da terra que aprendeu a amar.
Tal qual a Carnaúba, imponente palmeira do nosso sertão, José Fernandes da Silva permanece refletindo o intenso brilho do sol nordestino. É um homem de garra. É gente de ação!
(Júnior Bonfim, in "Amores e Clamores da Cidade")
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