Dez observações sobre o "mensalão"
A partir desta semana e, provavelmente, até o final de agosto, o noticiário estará recheado de notícias sobre o julgamento dos 38 réus acusados de um esquema de financiamento eleitoral, apoio partidário, tráfico de influência e tantos outros fatos - a também "alcunhada" Ação Penal 470. Não estamos relacionando "tipos penais", mas traduzindo a percepção que os crimes trazem à população. A despeito da importância do julgamento, relacionamos alguns aspectos que devem ser levados em consideração na análise da política e da economia. Vejamos:
1. É muitíssimo improvável que o julgamento influencie o andamento do mercado financeiro e de capital, a economia e os negócios;
2. O governo Dilma não se envolverá em nenhum aspecto do julgamento. O Congresso se envolverá e muito. Pode haver paralisia legislativa, motivada pelas eleições e pelo mensalão (vide nota abaixo);
3. Nenhum dos réus que serão julgados têm atualmente influência junto ao governo Federal, exceto em certas áreas de interesses específicas, como é o caso do ex-ministro José Dirceu;
4. A credibilidade do STF será testada, mas não de uma forma especial. Já houve casos em que o STF contrariou a opinião pública e sua credibilidade não foi "testada" no sentido que alguns dão à palavra;
5. A credibilidade de alguns ministros do STF será testada, principalmente aqueles que tenham impedimentos relativamente ao caso;
6. O julgamento do mensalão não é nem essencialmente político e nem essencialmente "técnico". Está revestido de múltiplos aspectos que lhe dão uma conotação "especial", "mista", o que desfavorece prognósticos razoáveis;
7. A imprensa estrangeira fará cerrada cobertura do julgamento e pautará a imagem do país mundo afora;
8. O PT sofrerá os efeitos políticos do julgamento, sobretudo por ser o partido do establishment político atual;
9. O resultado do julgamento e sua forma de condução farão jurisprudência relevante em casos relevantes no futuro e/ou a "competência originária" do STF será revista;
10. Ainda estão sem explicações a reunião de Nelson Jobim, Gilmar Mendes e Lula antes do mensalão, bem como o encontro de Paulo Okamoto, ligado à Lula, com Marcos Valério, a figura-mestra no esquema de financiamento do mensalão. Que influência terão no julgamento?
E Dilma?
A presidente ordenou peremptoriamente a seus ministros a não se envolverem num caso em que seu governo só tem a perder se se meter, e nada a ganhar. De sua parte, torce a favor dos réus, quase todos aliados seus e muitos de seu partido. Mas há cabeças pensantes da república de Brasília acreditando que, politicamente, não seria de todo mau se o STF desse um corretivo em alguns dos mensaleiros. Ela ficaria ainda mais livre de algumas amarras partidárias e livre do risco de alguns dos acusados voltarem à cena, com o diploma de inocente e vítima, cobrando espaços.
Sem barulho
O julgamento do mensalão deve ocorrer sem grandes manifestações públicas e passeatas, carreatas, plantões em frente ao tribunal, mobilização de massas e outros que tais antes prometidos ou imaginados por alguns acusados e seus apoiadores. Conclui-se que poderia ser daquelas táticas que poderia sair pela culatra. A voz agora, de preferência, só para os advogados. O silêncio, agora, é de prata, ouro e diamante.
Há outros desafios para Dilma
Nem só de mensalão viverão nesses dias o mundo político e o mundo oficial de Brasília. Dilma já determinou que seus auxiliares não se envolvam nessa história. Afinal, seu governo não tem nada com ela. Quem pariu esse "mateus" que o embale. A ajudinha que ela pode dar aos companheiros direta ou indiretamente envolvidos no processo é anunciar medidas positivas para tentar desviar um pouco o foco das notícias certamente negativas para eles que fluirão do prédio do STF. A agenda da presidente nesse dias contempla uma série de outros desafios, estes sim capazes de abalar (ou de melhorar) a imagem e a percepção da opinião pública a respeito de seu governo:
1. A greve dos servidores públicos não dá sinais de amainar, pelo contrário, está crescendo. Já há reflexos na economia e pode atingir brevemente os serviços para a população. Os dirigentes sindicais estão intransigentes e o governo toma atitudes erráticas : ora ameaça e toma atitudes severas, como mandar cortar o ponto e editar um decreto permitindo substituição de grevistas, ora acena com a possibilidade de rever punições e dar um aumento linear aos servidores, possibilidade antes veementemente negada.
2. Esboçam-se em setores privados algumas paralisações com grande poder de prejudicar a população, caso do selvagem (já) movimento dos caminhoneiros, com bloqueios de algumas rodovias estratégicas (Fernão Dias no sábado, Dutra no domingo e na segunda-feira). O Dia D para o governo dar uma solução para os problemas dos fretes, segundo os líderes da categoria é hoje. Até agora está restrito aos "fretistas" individuais, mas a questão é a mesma das grandes transportadoras. Com um agravante para o lado delas : as mudanças no regime de trabalho dos motoristas, justas por sinal, exigirão novas contratações e, portanto, aumentará também o custo dos serviços, já onerado com outros aumentos, com o do óleo diesel.
3. A presidente vai ter de se ajustar com a indústria automobilística, com ameaças de demissão nas montadoras de carros de passeio e demissões e suspensões de contratos de trabalho nas produtoras de caminhões. Dilma ameaça não prorrogar a isenção ou redução do IPI que vence em 31 de agosto, uma decisão equivocada nessa altura para quem quer incentivar o aquecimento da economia. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come : não pode obrigar a indústria a não demitir nem pode correr o risco de as vendas de carros sofrerem novos baques.
4. É preciso fechar o pacote de agosto, com novos incentivos ao florescimento do PIB, com mais incentivos fiscais, renúncias de receita, ao mesmo tempo em que a arrecadação tributária dá sinais de que não vai atingir as metas programadas para este ano.
5. Está na hora de dar um choque gerencial para valer no setor público. Quando se descontam a maquiagem e os disfarces, o que se vê é um ritmo muito baixo na execução dos investimentos públicos.
6. A presidente e seus operadores econômicos ainda não ganharam a batalha das expectativas dos agentes econômicos. Uma coisa é que eles dizem no Palácio ou em público, outra o que dizem na surdina ou como agem.
7. O Congresso volta ao trabalho amanhã, é certo que naquele ritmo pré-eleitoral, ávido ainda por um bom tratamento e com alguns temas explosivos no gatilho : Código Florestal, royalties do petróleo, fator previdenciário... Todos são "instrumentos de barganha".
Tudo isso num cenário de eleição municipal no qual os aliados, apesar das aparências, mais se digladiam do que se entendem, a exigir uma constante vigilância da presidente para não se indispor com uns e outros e ter de apagar incêndios na Câmara e no Senado.
Economia: a espera de medidas
De uma forma geral, o governo tem diagnosticado corretamente as vulnerabilidades da economia brasileira, sobretudo aquelas relacionadas à desindustrialização do país. Todavia, falta ao governo, um plano "orgânico" para enfrentar tais vulnerabilidades. Assim, parece que a repercussão das medidas é limitada a alguns setores e não ao "sistema" como um todo. Aparentemente, o governo percebeu o erro e agora pretende tornar os efeitos das políticas mais macroeconômicas. A queda dos juros básicos, neste sentido, atinge este objetivo. Já o ajuste cambial, difícil de ser executado, não atendeu plenamente ao objetivo pleno de "proteger" a indústria. As medidas de crédito carecem de um diagnóstico completo: não basta reduzir as taxas (o que é essencial). É preciso ter confiança no futuro e é isso que falta. Não à toa, os investimentos privados capengam e os públicos estão em níveis deploráveis. Ao governo falta um choque de competência e ao setor privado, um choque de otimismo, com medidas críveis. Agosto trará novidades. Veremos se suficientes para acabar com a letargia econômica.
Fora de foco?
A imprensa, no que diz respeito à lei de transparência pública, tem concentrado suas maiores preocupações na cobrança de divulgação dos salários dos servidores públicos, no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, na União, nos Estados e nos municípios. É preciso, de fato, saber os abusos que se cometem nesta área. Porém, é preciso não negligenciar outros ramos da administração pública, ralos de dinheiro talvez muito mais daninhos. Os contratos do DNIT, por exemplo, podem trazer grandes revelações, assim como os da Funasa e de diversos órgãos de desenvolvimento regional e os repasses voluntários da esfera Federal para Estados e municípios. E os contratos com as ONGs? Dariam grandes revelações ainda os contratos de publicidade e a contratação de serviços de assessoria de imprensa, de comunicação, de relações públicas e realização de eventos tanto pela administração direta e pelas empresas estatais. Outro filão está na contratação de consultorias. O campo é fértil.
O governo gostou
Os sorrisos não poderiam estar mais escancarados em Brasília, naqueles palácios do Executivo desenhados por Oscar Niemeyer, com o sucesso de público de ações oficiais como o combate aos bancos nos juros altos, o ataque aos planos de saúde e, mais recentemente, o golpe certeiro nas telefônicas de celulares. A moda pegou... Vem mais por aí.
Mario Draghi tem procuração?
O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, tem sido um dos poucos líderes europeus que reúne bom senso, credibilidade técnica e, mais importante, capacidade de agir. Em meio à passividade geral dos líderes do Velho Continente diante das tragédias que se instalaram por lá, sobretudo na Europa Meridional, Mario Draghi sabe que não adianta ficar pregando medidas de austeridade diante da miséria social de países como Espanha, Grécia, Itália. Finanças em ordem é matéria ordinária. Expansão monetária para conter a recessão é matéria extraordinária. De toda a forma, ao dizer na semana passada que "o euro será salvo a todo custo", Mario Draghi apontou na direção correta. Os investidores, parcela bem informada da opinião pública, reagiram bem ao redor do mundo, mostrando para alemães e sua banda "fiscalista", que mais ação monetária é necessária. Resta saber se o italiano tem procuração de Berlim para falar coisas tão óbvias.
Agosto negro para os gregos
Nas negociações de agosto, Atenas não conta nem com o FMI, nem com o BCE e nem com a União Europeia para minorar os ajustes fiscais que terá de fazer para pagar as contas. Tentará fazer e provavelmente fracassará. Será uma batalha mais difícil que a de Salamina.
Boa notícia para o Brasil?
Os fundos hedge persistem comprando posições no mercado de commodities. Trata-se do movimento mais forte dos últimos três anos e está ocorrendo mais forte nas últimas três semanas. Os administradores destes fundos acreditam que a China e, até mesmo a Europa, adotarão medidas de estímulos que serão suficientes para levantar os preços das commodities. Normalmente, os fundos hedge, dado seu caráter altamente especulativo, "sinalizam" mudanças relevantes nos preços dos ativos. Se confirmada esta tendência, haverá direta e decisiva influência sobre a bolsa brasileira, bem como sobre a pauta de exportações do país.
Uma adesão capenga
Hoje tem festa no Palácio do Planalto, com direito à presença dos presidentes-parceiros Cristina Kirchner, da Argentina, e José Mujica, do Uruguai, para a assinatura do documento de adesão da Venezuela como membro pleno do Mercosul. Mas será apenas uma cerimônia política, pró-forma. O país de Hugo Chávez, apesar de ter tido sua adesão ao bloco aprovada há vários anos, tendo ficado apenas na dependência formal da aprovação pelos parlamentos dos outros países, não tomou nenhuma iniciativa objetiva para adotar as medidas necessárias para sua integração de fato ao bloco. As possíveis vantagens econômicas só surgirão a muito longo prazo. Agora foi só política e, se quiserem forçar a interpretação, "diplomacia".
Eleição? Que eleição?
Os políticos já estão quase se matando, os adversários e até aliados. Mas quem anda pelas ruas, principalmente das grandes cidades, nem percebe que estamos distantes apenas um pouco mais de dois meses das eleições municipais. A não ser quem está diretamente no jogo, ninguém mais está interessado nos candidatos e seus cabos eleitorais. Esta apatia pode ser até um sinal de um certo amadurecimento político da população, como nos países mais avançados, nos quais a disputas eleitorais são fatos naturais. Mas podem ser também - na verdade é o que mais parece - um sintoma da decepção dos cidadãos com a política no país, seu modo de ser e de fazer. Como a política é essencial, em algum momento esta situação vai virar - e virar-se contra os que estão hoje em cena no mundo dos políticos.
De fazer inveja aos mineiros
Dados do TSE indicam que em 106 dos 5.568 municípios brasileiros não haverá disputas eleitorais em outubro: neles só há um candidato a prefeito, indicação de falta de ambição, o que sobra no restante do país, e/ou de um grande espírito de conciliação e desprendimento, mercadoria em falta quase sempre no mercado político tupiniquim. Mas nenhum município supera, nesse quesito, o de Mato Queimado, no noroeste do RS. Com 16 anos de existência e 1,8 mil habitantes, nunca teve uma briga pela prefeitura. Os líderes dos quatro partidos da cidade (PT, PMDB, PTB e PP) se reúnem a quatro anos e escolhem um candidato único. Não há também oposição na escolha de vereadores: todos os candidatos concorrem numa chapa única, da coligação. E ainda são os gaúchos que carregam a fama de turrões, enquanto os mineiros desfrutam a de eternos conciliadores.
(por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)
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