segunda-feira, 30 de setembro de 2013

ESMERINO OLIVEIRA ARRUDA COELHO


Esmerino Arruda se desprendeu do nosso convívio. Nos últimos anos, tive a alegria de desfrutar da fraterna amizade que dele emergia. Confundia-se com a máxima de Confúcio: “É melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão.” A vela era o seu símbolo essencial, o mimo pessoal, o rótulo escorreito, o talismã do peito, a luz da fronte, a bandeira na ponte.
Enigmático e constelado, macambúzio e extrovertido, belicoso e afetuoso, florido e espinhoso, Esmerino era uma divertida encarnação da permanente germinação, uma palmeira imperial em pleno universo de carnaúbas do litoral.

Cedo concluiu que a política, musa que consumiu sua longeva existência, tinha mais de arte do que de ciência. Ela exige, além do constante fervor, o tempero sedutor da ação com emoção. Esmerino foi um olímpico campeão no jogo da política enquanto praça de sedução.

Como Sir Winston Churchill sabia que a “política é quase tão excitante quanto a guerra, e quase tão perigosa”. Por isso, quando entrava na pista, virava um estrategista. Nas campanhas agia com argúcia, mergulhando na minúcia. Do terreno mais áspero fazia brotar flores; era pródigo em surpreender os contendores. Em mais de sessenta anos de ativa militância e engenhos notáveis, protagonizou fatos e cousas memoráveis. Conheceu e foi conhecido dos mais fulgurantes nomes da política nacional. Na década de cinqüenta, em Sobral, aconselhou o Padre Palhano, então candidato a Prefeito em terceiro lugar nas pesquisas, que imitasse Ademar de Barros e criasse um fato capaz de comover a população. O piloto Padre Palhano tomou um avião e sumiu. Espalhou-se a notícia de que o sacerdote havia falecido. Três dias depois, Padre Palhano ressurgiu, triunfante, para o gáudio dos fiéis, que fielmente o elegeram.

Em Camocim, no ano 2004, apostou no candidato Chico Vaulino contra a tradicional família Aguiar, que reinava absoluta no município. Um belo dia a cidade amanheceu inundada de panfletos com impropérios contra o candidato que Esmerino apoiava. Imediatamente ele mobilizou a militância, fez um discurso inflamado e organizou uma carreata. Foi o início da virada. Chico Vaulino ganhou a eleição. No churrasco da vitória, o líder Granjense fez uma revelação que deixou o eleito embasbacado: os injuriosos panfletos apócrifos tinham sido elaborados pelo próprio Esmerino... Há muito tinha incorporado a lição de Henry Ford: "os homens hão de aprender que a política não é a moral e que se ocupa apenas do que é oportuno."

Conhecia, por experiência própria, as trilhas ingratas da selva em que estava metido. Certa feita me contou que, em um dia de 1958, ele e Álvaro Lins, então Deputados Federais pelo Ceará, encontravam-se em um restaurante do Rio de Janeiro e compartilhavam uma mesa com os líderes Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. Era uma prosa política. Falavam sobre eleição, favores, nomeações de correligionários e... ingratidão. A certa altura, Ulysses proferiu a seguinte frase: “Em política, o dia do benefício é a véspera da traição”.

É inesgotável o patrimônio de ensinamentos portentosos que Esmerino acumulou ao longo da sua dinâmica e vibrante existência. Desceu na nonagenária estação com o fulgor de um adolescente em ebulição. No trem da vida, à sua inconfundível maneira, sempre sentava na cadeira da classe primeira. Com glamour e élan, era um ‘bon vivant’. Colecionador de obras de arte, apreciava o talento em toda parte. Era um artista quando erguia uma dose de Black & White, o uísque que sempre conduzia na bagagem, como que a resumir nossa paradoxal passagem.

ESMERINO OLIVEIRA ARRUDA COELHO. Um nome com registro produtivo, um canteiro de significações. Coelho, símbolo pascal da fertilidade; Oliveira, fonte do melhor azeite, bíblica árvore da longevidade; Arruda, cujos raminhos abençoados fazem espargir a água-benta que espanta o mau-olhado; Esmerino, do esmero, o primor feito requinte, ou de esmeria, pendente de revisão.

Nesses últimos dias, como que pressentindo a partida, estava aberto à dimensão profunda: encarou a alameda da verdade, apreciando a sombra fresca e suave da espiritualidade. Se a tivesse incorporado antes, naturalmente teria evitado inúteis dissabores. Certamente, em uma próxima encarnação, surgirá magicamente da cartola do sonho, um Coelho azeitado na melhor Oliveira, distribuindo ramos de Arruda com impecável Esmero e sem pendência de revisão. Assim seja!

(Júnior Bonfim, poeta e advogado, é membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza – AMLEF)

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