As últimas informações sobre o horizonte político e econômico da nossa Pátria fazem rebentar no mais íntimo de nós mesmos aquelas exclamativas interrogações próprias dos quadrantes delicados da História: Para onde caminhamos? O que queremos?
Miremos nossa Bandeira. Símbolo superior da nossa nação, a Bandeira Brasileira chora. O seu dístico - “Ordem e Progresso” - é uma abreviatura do lema positivista do filósofo francês Auguste Comte (“O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”) e amarga uma crise existencial. Suas cores estão manchadas: o verde das matas e florestas está ameaçado pela sanha do desmatamento; o amarelo, do ouro e das riquezas do País, agoniza ante as agruras da cultura corruptora; o azul celeste, turvado pela poluição e o branco, da paz, tingido pelo sangue que escorre da violência e da insegurança.
Associo-me à peroração de que esse tempo, porém, é de purgação. Nada deve nos abater. Jamais devemos nos render ao desânimo. Aclarar os desafios, responsáveis pelo desassossego atual, é necessário para que nos preparemos para um melhor futuro.
Suponho que pensar sobre a nossa existência, o conserto dos problemas e os contornos do futuro – eis o que importa.
Duas veredas são essenciais nessa caminhada sintonizada com o roteiro solar: colocar a sinceridade no centro da mesa da alma e bombear o coração com o sangue azul da tranquilidade.
Malba Tahan diz bem a respeito da manjedoura que gestou a palavra sinceridade:
“Sincera é uma palavra doce e confiável. Sincera é uma palavra que acolhe. E essa é uma palavra que deveria estar no vocabulário de toda alma. Sincera foi uma palavra inventada pelos romanos. Sincero vem do velho, do velhíssimo latim... Eis a poética viagem que fez sincero de Roma até aqui: Os romanos fabricavam certos vasos de uma cera especial. Essa cera era, às vezes, tão pura e perfeita que os vasos se tornavam transparentes. Em alguns casos, chegava-se a se distinguir um objeto - um colar, uma pulseira ou um dado - que estivesse colocado no interior do vaso. Para o vaso, assim fino e límpido, dizia o romano vaidoso: - Como é lindo... parece até que não tem cera! –“Sine-cera” queria dizer: -"sem cera", uma qualidade de vaso perfeito, finíssimo, delicado, que deixava ver através de suas paredes. Da antiga cerâmica romana, o vocábulo passou a ter um significado muito mais elevado. Sincero é aquele que é franco, leal, verdadeiro, que não oculta, que não usa disfarces, malícias ou dissimulações. O sincero, à semelhança do vaso, deixa ver, através de suas palavras, os nobres sentimentos de seu coração”.
Ah! Como nos ressentimos desse condão, como seríamos livres se nos deixássemos amarrar por esse cordão, como seria bela a vida debaixo dessa simples condição: ao invés de cântaros manchados pelo vício, fôssemos delicados vasos transparentes exibindo as esmeraldas das virtudes!
Se o embuste, a falácia, a trapaça são o exercício extremado do descompromisso e do descuido, a dicção da verdade, desdobramento concreto da sinceridade, deve ser exercitada com os ornamentos típicos das solenidades, cultuada com as formalidades litúrgicas dos empreendimentos sacros. Dalai-Lama revela o tempero a ser usado nesse modus faciendi superior: “Fale a verdade, seja ela qual for, clara e objetivamente, usando um toque de voz tranquilo e agradável, liberto de qualquer preconceito ou hostilidade.”
Por isso, como o vaso da antiga cerâmica romana, cujo continente era elaborado para a boa visão do conteúdo, urge que cultivemos um coração tranquilo para a prática do debate honesto. Vencer as tempestuosas ondas do nosso oceano íntimo, a comoção interna, o alvoroço das moléculas interiores, constitui a abertura do córrego vital que conduz à represa da essência.
Em ‘A Tranquilidade da Alma’, Sêneca mostra a importância do equilíbrio do humor na vida das pessoas. Indagado por um amigo (Aneu Sereno) a respeito de uma questão existencial, uma espécie de inconstância da alma que o incomodava, responde: “o objeto de tuas aspirações é, aliás, uma grande e nobre coisa, e bem próxima de ser divina, pois que é a ausência da inquietação”.
Em seguida, Sêneca diz o que entende por tranquilidade: “Vamos, pois, procurar como é possível à alma caminhar numa conduta sempre igual e firme, sorrindo para si mesma e comprazendo-se com seu próprio espetáculo e prolongando indefinidamente esta agradável sensação, sem se afastar jamais de sua calma, sem se exaltar, nem se deprimir. Isto será tranquilidade”.
Sementes de sinceridade, lançadas por mãos guiadas por almas tranquilas, eis dois imprescindíveis remédios para o pantanoso momento atual e, sobretudo, para que retomemos a serena possibilidade da alegria e o reino auspicioso da claridade!
(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste)
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