John Kennedy inscreveu seu nome na maioria dos livros de citações ao dizer, em seu discurso de posse, em 1961: “Americanos, meus patrícios; não perguntem o que o seu país pode fazer por vocês; perguntem o que vocês podem fazer pelo seu país”.
O texto tem uma segunda parte, menos conhecida, que vale a pena lembrar: “Cidadãos do mundo, meus amigos: perguntem o que a América fará por vocês, mas o que juntos poderemos fazer pela liberdade do homem”.
Quarenta e oito anos depois, nós, brasileiros poderíamos, modificando alguma coisa na frase de Kennedy, dizer ao presidente norte-americano Barack Obama que o mundo não pergunta hoje o que ele, como dirigente do país que detém a maior economia do planeta, pode fazer pela liberdade de homem. Contenta-se em desejar que em seu mandato, iniciado em meio a grandes esperanças, administre bem o seu país, ponha fim ao colossal déficit público norte-americano e retome o processo produtivo, que ali se paralisou. Se atingir essas metas, eliminará muito dos problemas que comprometem a estabilidade e toldam o futuro de dezenas de países.
Os brasileiros que ingressaram na escola primária na década de 1950 conviveram com um ideal pan-americano que ninguém sabia explicar exatamente o que era. Cantavam “Deus salve a América”, canção com que o russo Irving Berlin homenageou seu país de adoção, com uma bonita letra em português de João de Barro, o Braguinha. Tinham a ilusão de que a América à qual ela se referia fosse o continente e não o nome mais popular dos Estados Unidos.
No Brasil, o pan-americanismo afundou com o desencontro entre a Doutrina Truman e o projeto econômico do segundo governo Vargas (1951/1954).
Único governante da América do Sul a enviar forças de seu país ao teatro de guerra europeu, para lutar contra as forças militares do nazismo, Getúlio esperava ver o País fosse contemplado numa extensão do Plano Marshall. Os norte-americanos estavam reconstruindo a economia de seus ex-inimigos alemães, italianos e japoneses. Podiam e deviam dar uma mãozinha ao Brasil que, além de soldados da FEB e aviadores da FAB, participara do esforço de guerra permitindo a implantação em nosso território da grande base militar de Natal.
Em vez disso, Vargas recebeu cobranças e pressões para enviar soldados brasileiros à Guerra da Coréia, facilitar o acesso das empresas americanas à exploração de nossas possíveis jazidas de petróleo e vender a preços camaradas minerais estratégicos como a areia monazítica. Em relação a estas, os americanos perderam o interesse pelas nossas jazidas ao descobrirem depósitos daquele insumo em seu próprio território. A esperança de um apoio estadunidense ao desenvolvimento da America Latina se reacendeu no governo Kennedy (1961/63), com a Aliança para o Progresso.
Dela sobrou pouca coisa depois que, na Conferência de Chanceleres Americanos em Punta Del Leste, em 1961, Che Guevara, então ministro da Economia de Cuba, país que ainda não fora expulso da Organização dos Estados Americanos (OEA), alertou seus colegas para uma realidade incômoda.
As linhas de crédito mais consistentes à disposição da América Latina eram destinadas a financiar sistemas de tratamento de água e coleta de esgoto. Praticamente nada se previa no tocante à modernização da economia em si.
O saneamento básico não ascendera, ainda, à condição de prioridade para os governos do continente. Os municípios brasileiros que aceitaram os recursos da Aliança e os gerenciaram adequadamente fizeram um excelente negócio. Mas o que sobrou da Aliança para a maioria dos latino-americanos foi a expectativa frustrada de um maior apoio dos Estados Unidos ao desenvolvimento de seus países.
Neste instante, em que muitas esperanças cercam o governo de Barack Obama, é bom lembrar que na lista de prioridades da nova política externa, ocupa o penúltimo lugar, à frente apenas da África. Por sua vez, os interesses brasileiros, em relação aos Estados Unidos situam-se principalmente na busca de relações comerciais não protecionistas, com destaque para o etanol.
Mesmo nesse terreno restrito as chances de êxito do Brasil não são entusiasmantes. Mas um eventual insucesso não nos trará desilusões tão fortes quanto as suportadas nos tempos de Truman e de Kennedy.
Se Obama equilibrar o espantoso déficit fiscal que herdou de George W. Bush estará tornando menos difícil o dia-a-dia de dezenas países, inclusive o nosso, aos quais o governo de Washington vem repassando os efeitos do desastre econômico da América.
Adotemos, pois uma postura de saudável ceticismo em relação aos efeitos da era Obama para o Brasil. A citação que vale para o nosso país e aquela, enfática, do poeta Gilberto Gil: “Meu caminho pelo mundo eu mesmo faço!”.
* Antonio Carlos Pannunzio - deputado federal e membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional
Nenhum comentário:
Postar um comentário