domingo, 18 de janeiro de 2009

OBAMA, LUTHER KING E LINCOLN



O mais poderoso país do planeta está coberto por uma atmosfera festiva de celebração da ascensão do primeiro mulato à cadeira mais importante da nação.

Duas legendas históricas da América estão sendo associadas a esse momento marcante protagonizado por Obama: Martin Luther King Jr e Abraham Lincoln. Posto aqui três discursos memoráveis da lavra de cada uma dessas figuras extraordinárias:

LEMBRANDO MARTIN LUTHER KING

(Discurso de Barack Obama em razão dos 40 anos da morte de Martin Luther King Jr.)


Como disse Mike, o dia de hoje é um trágico aniversário para o nosso país. Por meio de sua fé, coragem e sabedoria, o Dr. Martin Luther King comoveu todo o país. Pregava o evangelho da irmandade, da igualdade e da justiça. Foi esta a causa pela qual viveu e pela qual morreu há exatos 40 anos. Assim, antes de começarmos, eu gostaria que vocês se unissem a mim em um minuto de silêncio, em honra desse norte-americano extraordinário.

Houve muita discussão esta semana sobre a o que a vida e o legado de King têm a nos dizer hoje. Ela vem acontecendo nas escolas e igrejas, na televisão e nas mesas de jantar. E suspeito que muito do que as pessoas venham dizendo gire em torno de questões de justiça racial o boicote ao sistema de ônibus de Montgomery, a marcha a Washington, a campanha pela igualdade racial no sul, a resistência em Selma.

E é justo que assim seja porque aquela foi uma era em que homens e mulheres comuns se aprumaram e decidiram lucidamente desafiar o que consideravam errado, para ajudar a aperfeiçoar nossa união. E o fizeram em larga medida porque King estava lá para apontar um caminho.

Mas também acredito que valha a pena refletir sobre o que King estava fazendo em Memphis quando ele saiu por um momento à varanda, antes de deixar o motel para jantar.

Sua missão lá era apoiar os lixeiros da sua cidade em sua greve. Eram trabalhadores que serviam a cidade há anos sem se queixar, recolhendo o lixo dos outros por baixos salários e ainda menos respeito. Os transeuntes os chamavam de "urubus andantes" e, devido à segregação que ainda existia no sul, eles tinham de usar bebedouros e banheiros separados.

Mas em 1968 esses trabalhadores decidiram que já chegava, e mais de mil deles entraram em greve. Suas demandas eram modestas: melhores salários, mais benefícios, e o reconhecimento de seu direito de sindicalização. Mas a oposição era feroz. Suas vigílias resultavam em detenções. Seus protestos eram reprimidos com cassetetes. E, ao final de uma de suas marchas, um menino de 16 anos estava morto.

Foi essa a batalha que levou King a Memphis. Uma luta pela justiça econômica, pelas oportunidades de que pessoas de todas as raças e condições deveriam desfrutar. Porque King compreendia que a luta pela justiça econômica e a luta pela justiça racial eram na verdade a mesma luta e parte de uma luta ainda maior, "pela liberdade, pela dignidade e pela humanidade". Enquanto houvesse norte-americanos aprisionados na pobreza, enquanto lhes fossem negados os salários, benefícios e tratamento justo que mereciam enquanto as oportunidades existissem apenas para alguns e não para todos-, o sonho de que ele falou continuaria fora de alcance.

Na véspera de sua morte, King pregou um sermão em Memphis sobre aquilo que o movimento a que a cidade estava assistindo significava para ele e para o país. E em tons que se provariam sobrenaturalmente proféticos, King disse que, a despeito das ameaças que havia recebido, não temia homem algum, porque havia estado lá no momento em que Birmingham despertou a consciência do país. E havia estado lá com os estudantes quando estes se ergueram pela liberdade ao ocupar lugares reservados a brancos nos restaurantes. E estivera em Memphis em um momento em que estava escuro o bastante para ver as estrelas, e para ver a comunidade unida em torno de um propósito comum. King havia galgado a montanha. Vira a Terra Prometida. E embora soubesse na medula dos ossos que não chegaria a ela conosco, estava certo que chegaríamos lá.

Ele o sabia porque havia percebido que os norte-americanos têm "a capacidade", como disse naquela noite, de "projetar o eu no tu". De reconhecer que, não importa a cor da pele, não importa que fé professemos, não importa quanto dinheiro tenhamos, não importa que sejamos lixeiros ou senadores dos Estados Unidos, todos temos interesses mútuos, todos devemos cuidar de nossos irmãos, de nossas irmãos, e "ou nos ergueremos juntos ou cairemos juntos".

E quanto ele foi morto no dia seguinte, a alma de nosso país sofreu uma ferida da qual ainda não se curou. E em poucos lugares essa dor foi mais pronunciada do que em Indianápolis, onde Robert Kennedy estava fazendo campanha. E coube a ele informar a um parque repleto de militantes que King havia sido morto. À medida que o choque se transformava em raiva, Kennedy lembrava aos espectadores da compaixão de King, de seu amor. E, em uma noite na qual cidades de todo o país foram iluminadas pelas labaredas da violência, em Indianápolis houve silêncio.

Nos dias que seguiram à morte de King, sua mulher, Coretta Scott King, preferiu apontar para as estrelas. Ela assumiu a causa do marido e liderou uma marcha em Memphis. Mas embora os lixeiros da cidade terminassem por conquistar seu contrato sindical, a luta pela justiça econômica continua a ser uma porção inacabada do legado de King. Porque o sonho continua fora do alcance para número excessivo de norte-americanos. Ainda esta manhã, surgiu o anúncio de que o desemprego do país está mais alto agora do que esteve em muitos anos. E em toda a nação, famílias enfrentam preços em alta, salários estagnados e o terrível fardo de perderem suas casas.

Parte do problema é que, por tempo demais, nós vivemos com uma política mesquinha demais para a dimensão dos desafios que precisamos encarar. Trata-se de algo sobre o que falei em discurso que fiz algumas semanas atrás em Filadélfia. E o que eu disse foi que em lugar de termos uma política que faça jus ao apelo de King pela união, temos uma política que usou a raça para nos separar, ainda que isso apenas alimente as forças da divisão e da dissonância, e nos impeça de resolver nossos problemas.

É por isso que a grande necessidade desta hora é mais ou menos a mesma que existia quando o Dr. King pronunciou seu sermão em Memphis. Temos de reconhecer que, embora tenhamos todos passados diferentes, compartilhamos das mesmas esperanças para o futuro que possamos encontrar um trabalho que pague salário decente, que seja possível encontrar serviços de saúde acessíveis quando adoecemos, que possamos um dia enviar nossos filhos à universidade, e que, depois de uma vida de trabalho árduo, nos seja possível desfrutar de uma aposentadoria segura. Trata-se de esperanças comuns, sonhos modestos. E eles ocupam posição central na luta pela liberdade, dignidade e humanidade que King começou e que nos cabe concluir.

King declarou certa vez que o arco do universo moral é longo, mas que se inclina na direção da justiça. Mas o que ele também sabia é que o arco não se inclina sozinho. Inclina-se porque cada um de nós faz força para que ele tome a direção da justiça.

Assim, que hoje, especialmente hoje, cada um de nós faça sua parte para que o arco se incline.

Que o arco se incline em direção à justiça.

Que o arco se incline em direção à oportunidade.

Que o arco se incline em direção à prosperidade para todos.

E se pudermos fazê-lo e marchar juntos como país unido e povo unido, não estaremos só mantendo a fé péla qual King viveu e morreu, mas concretizando as palavras de Amós que ele invocava com tanta freqüência: "Que a justiça flua como a água, e a retidão seja corrente caudalosa".

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