terça-feira, 2 de junho de 2009

CRÔNICA DA CIDADE


A HUMILDADE NA POLÍTICA

A leitura de um episódio ocorrido com uma popular figura da dramaturgia brasileira me despertou especial atenção e quero aqui compartilhar.

O instrutor pergunta ao aluno: "Quantos rins nós temos?"

"Temos quatro!" responde o aluno. "Quatro?" replica o instrutor, um desses arrogantes que adoram tripudiar sobre os erros dos outros.

"Traga um feixe de capim, pois temos um asno na sala" ordena o sabichão ao bedel.

"E pra mim um cafezinho" acrescenta o aluno ao auxiliar do mestre.

Irado, o professor expulsou o aluno da sala.

Esse aluno era, segundo dizem seus biógrafos, o futuro humorista Aparício Torelly Aporelly, mais conhecido como Barão de Itararé, que, já adulto, como jornalista, criticava duramente o governo Vargas. Uns policiais entraram na sala dele, quebraram móveis e rasgaram tudo o que puderam. No dia seguinte o Barão, depois de recompor a sala, teria colocado um cartaz na porta: "Entre sem bater".

O incidente na escola não ficou naquilo. Antes de deixar a sala de aula, o Aparício esclareceu:

"O senhor me perguntou quantos rins nós temos. Nós, eu mais o senhor, temos quatro: dois meus e dois teus. Tenha um bom apetite."

Qualquer pessoa sensata teria elogiado a lógica da resposta e retirado a ordem de expulsão. Mas, o que se verificou foi a absoluta ausência de humildade e raciocínio lógico!

Esse episódio ocorrido com o Barão de Itararé me ocorreu quando reflito a respeito da relação e da importância da humildade na nossa vida, sobremaneira nos meandros da política.

Antes do mais, impende indagarmos: - O que vem a ser a humildade? Humildade é uma palavra que vem do Latim – de ‘húmus’ (terra) – que significa "filhos da terra". Refere-se à qualidade daqueles que têm intimidade com a terra, que têm os pés no chão, que não tentam se projetar sobre os outros.

Talvez seja disso que estejamos precisando ou, até mesmo, o que mais se necessite no árido e pedregoso território da política. Humildade. Nada de postura piegas, culto à submissão ou atitude medrosa. Humildade como maneira de ser e estar no processo de interação com os semelhantes. Audácia de abrir as portas à participação popular, fazer da ação política uma construção coletiva, responsabilidade partilhada por todos. Difusão de uma dimensão humana dos dirigentes. Lembrança permanente do valor da igualdade entre todos.

Em especial, humildade como enfrentamento a qualquer ponto obscuro, apreço à limpeza do vidro público. Gandhi dizia que foi a devoção à verdade que o empurrou para a política.

A humildade... Quanta falta faz essa virtuosa postura diante da vida.

Humildade, não como abandono do amor próprio, mas enquanto prática desassombrada de perscrutar os mistérios que dormitam no mais profundo de nós mesmos e que se traduz, por conseqüência, na aceitação das convicções alheias. Como Charles Chaplin, que certa feita disse: “Quando me amei de verdade, desisti de querer sempre ter razão e, com isso, errei muitas menos vezes. Hoje descobri a... Humildade”.


(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro-Oeste)

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