Este espaço se quer simples: um altar à deusa Themis, um forno que libere pão para o espírito, uma mesa para erguer um brinde à ética, uma calçada onde se partilhe sonho e poesia!
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
JOÃOZINHO
Ano 2000. Empolgado por ter retirado da fornalha o meu primeiro pão literário, o livro Poesias Adolescentes e Maduras, marchei para lançá-lo em Brasília, onde havia residido nos anos de 1997 e 1998. (Apesar daquele Planalto Central, no cumprimento da rogativa visionária de Juscelino Kubitschek, ter se transformado no poderoso cérebro das mais altas decisões nacionais, sempre consegui vislumbrar poesia naquele palpitar sinuoso de racionalidade). Se “companheiro”, ao gosto do mel que escorre do seu caule etimológico, é alguém com quem se “compartilha o pão” - naquela viagem desfrutei da agradável companhia de quatro deles: o poeta Dideus Sales, o compositor e sanfoneiro Edilson Vieira, o prefeito Paulo Nazareno e o deputado Manoel Veras.
Na empreitada de mobilização para o evento, Dideus me convida para fazer um périplo por alguns crateuenses. Invariavelmente, antes de chegarmos à residência ou ao local de trabalho onde encontraríamos o conterrâneo, ele fazia uma peroração sobre a trajetória da pessoa a ser visitada.
Certa manhã, Dideus me falou: - “Hoje vamos ao Guará, visitar uma pessoa especial. É o Joãozinho, um sujeito fantástico...” e começou a discorrer sobre a modelar história de vida do cidadão.
Ao chegarmos ao prédio comercial do cidadão, tive o primeiro e desconcertante impacto: o homem que Dideus me apresenta como o “dono” do negócio é o que aparenta ser o mais humilde dentre todos. Roupa de balconista, estilo receptivo, jeito centrado, conversa leve, Joãozinho começa a indagar sobre o que mais gosta: Crateús – sua terra e sua gente!
A partir daí passei a ser, também, um admirador de João Alves Lopes, o Joãozinho, crateuense nascido na Tapera do Canto dos Pintos aos doze dias do Augusto mês do ano em que Juscelino Kubitschek, o construtor de Brasília, foi eleito Presidente da República.
Último homem dos treze filhos do casal Belarmino Rodrigues Sousa (Mestre Belo) e Maria Alves Lopes, Joãozinho desde cedo, certamente por herança dos pais, aprendeu a fazer do labor um ato de amor. (Seu pai pontificou, na terra do Senhor do Bonfim, a mais famosa barbearia da cidade. Batizado com sua alcunha, o “Salão do Mestre Belo” – ainda hoje mantido à Rua Coronel Zezé – é um estabelecimento comercial onde se conserva a tradição de aparar os cabelos e apanhar as principais notícias da urbe).
Joãozinho parece ter nascido predestinado ao ofício de remediar. Seu primeiro emprego, no árido ano de 1970, foi na farmácia Seiva, do senhor Deusdeth Cavalcante, espaço onde desenvolveu a habilidade de oferecer lenitivo às pessoas que precisavam.
Sete anos depois se processaria a maior alquimia da sua existência: troca alianças com Lucília Araujo Soares e passa a residir na Capital da República.
Da mulher, companheira de fé e luta, recebe a força amorosa para os desafios da vida. Da cidade, em plena explosão desenvolvimentista, extrai a seiva para erigir, naquela selva de pedra urbana, o frutífero canteiro do progresso pessoal.
No ano de 1982 adquire a primeira farmácia, no Guará, uma das principais cidades satélite de Brasília. Hoje, controla uma ampla rede comercial no Distrito Federal, que soma cerca de vinte espaços negociais entre drogarias, lojas de cosméticos e restaurantes, disponibilizando oportunidade de trabalho para várias dezenas de crateuenses.
Cumprindo a assertiva superior de ‘crescer e multiplicar’, comprovando também que “filhos, melhor tê-los”, João e Lucília fecundaram três descendentes: Jorge (farmacêutico), Nádia (psicóloga) e Nayara (advogada).
Além da ampla casa no Guará, João mantém um paradisíaco sítio em Valparaíso, nos arredores de Brasília. Cercado por um primoroso pomar, com piscina de água natural e frondosas árvores, o local o remete ao torrão natal, de onde nunca se desvencilhou.
O erudito Gerardo Mello Mourão, citando Comenius, sustenta que “a natureza produz tudo a partir da raiz” e ensina: — “na árvore, tudo o que virá a ser a madeira, a tasca, as folhas, as flores e os frutos, não provém senão da raiz”. E conclui, dizendo que o ser do homem não se mantém e não floresce, se não estiver permanentemente plantado em suas raízes.
Visceralmente vinculado às raízes vitais, e para manter de pé a invisível ponte que liga o seu peito à terra onde enterrou o umbigo, João adquiriu uma propriedade, a Grota da Onça, localizada a poucos quilômetros do centro de Crateús - onde mantém, na Rua Moreira da Rocha, uma loja de artigos campestres chamada “Coisas do Campo”. Essas aquisições são o motivo para visitar, pelo menos duas vezes por ano, o chão que tanto ama.
Porém, o que mais chama atenção no fenótipo singular de João é a sua genuína humildade. O progressivo aumento do acervo patrimonial jamais interferiu na serenidade dos seus neurônios. Permanece manso como as pequenas e anônimas lagoas do nosso sertão. Lembra a majestosa generosidade de uma velha oiticica à beira do rio. É um vigoroso e despretensioso pau d’arco, desprovido de ambição predatória.
Que assim permaneças, João, semeador de bem-aventuranças, vaqueiro do comboio do progresso, homem moldado pela argila do trabalho, alfaiate da vestimenta da simplicidade. És a prova de que, à inspiração do evangelho, há um reino virtuoso para os mansos de alma e humildes de coração!
(Por Júnior Bonfim - publicado na Coluna Gente Que Brilha, da Revista Gente de Ação)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário