segunda-feira, 9 de novembro de 2009

LOURIVAL VERAS


“O maior acontecimento de minha vida foi, sem sombra de dúvida, a biblioteca de meu pai”. Essa frase, comoventemente impactante e fascinantemente grandiosa, nasceu da boca do mais extraordinário poeta argentino, Jorge Luis Borges. Esse contagiante amor pelos livros acompanhou o escritor até os últimos dias de sua existência, quando já estava cego e dependente de amigos ou familiares que diariamente o realimentavam e rejuvenesciam através da leitura.

Em 1978, Borges completara vinte anos que havia perdido a visão. Fora convidado para proferir uma conferência na Universidade de Belgrano, em Buenos Aires. O tema? O LIVRO.

Cego – e só quem é privado da vista sabe a dimensão e a profundidade dessa experiência - Borges articulou ali uma das mais belas orações que conhecemos sobre o assunto. Ele, em pleno vôo de inventividade, espargindo a fertilidade imaginativa, recorre a figuras que sintetizam a sondagem do infinito e a captação das minúsculas partículas. Principia assim sua sinfonia reflexiva: “Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, sem dúvida, o livro. Os outros são extensões do corpo. O microscópio, o telescópio, são extensões da vista; o telefone é extensão da voz; temos o arado e a espada, extensões do braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação”.

Em verdade, o livro liberta. Quem experienciou o gáudio de se relacionar com um bom enfeixe de folhas, sabe o olor revolucionário que dali exala.

Só capta o perfume libertário de um livro quem se deixa por ele envolver, num enlace de flerte, num lampejo de namoro, numa relação amorosa. Se, através da viagem singular e intima da leitura, descobrirmos o minério de paixão que o livro esconde, seremos capazes de rapidamente nos tornarmos ricos. Ricos, sim! Detentores daquele invejável patrimônio que sobrevive à corrosão das traças e ao desgaste do tempo.

Foi por isso que meu coração palpitou de alegria e minha alma se inebriou de satisfação quando o amigo Lourival Veras me enviou uma correspondência eletrônica avisando que, em Crateús, a SABi (Sociedade Amigos da Biblioteca Norberto Ferreira Filho) estava a desenvolver um Projeto batizado de “Circulando Livros”, uma inédita feira de livros combinada com a oferta de brindes culturais ao ar livre, tendo como lócus a área do anfiteatro da Praça da Matriz.

Porém, o mais auspicioso é que aquele convite/contato virtual me fez repassar, no trailer da memória, um período abrasado de minha vida. Fiquei relembrando o velho Lourival de guerras idílicas. Lourival Mourão Veras. Amigo com quem comparti muitos momentos de fosforescência intelectual e semeadura poética, que me provocou a deixar cair as escamas e me permitiu vislumbrar a lua de uma mulher noturna.

Carlos Drummond de Andrade, ao contemplar a plural singularidade do modus vivendi de Vinicius de Moraes, proclamou que ele tinha sido “o único poeta que viveu como poeta”.

Dos poetas crateuenses, Lourival é, talvez, o que mais tenha incorporado a mística essencial, a rota insana, o culto à desobediência e o fulgor telúrico que constituem a argamassa dos que renomeiam as coisas.

Abstenho-me hoje, como sempre faço nesta moldura louvativa, de alinhavar a cronologia existencial do referenciado, marcada pelos assombros espetaculares que quase invariavelmente acidentam a biografia dos transcendentais amantes da profundidade.

Pouco importa se foi ou é dirigente social, líder cultural, contista premiado, poeta laureado, fundador da Sabi e membro da Academia de Letras da terra natal.
O que é lisonjeiro, prestigioso ou elevado é que saboreou e saboreia vagarosa e intensamente a fruta da vida. Que se embrenhou pela vegetação das paixões arrebatadoras, percorreu a trilha íngreme das contestações, desceu à gruta secreta das novidades, tocou a pele selvagem do desejo, banhou-se na cachoeira do sonho e descobriu o olho d’água da fraternidade.

Sinto muito. Devo parar por aqui. De um poeta se deve evitar falar. Ante um poeta se deve silenciar, celebrar.

Ou lembrar Federico Garcia Lorca. Que, convidado para falar sobre poesia, limitou-se a estender as duas mãos abertas e dizer: “Eu não posso, eu não sei falar sobre poesia. Eu a tenho aqui em minhas mãos. Sei que está queimando minha pele. Porém, não sei o que é”.

Calemo-nos. Sintamos apenas o poeta. Ou a sua poesia. Queimando a sensibilidade da nossa pele, penetrando o recôndito da nossa alma, esparramando-se pelo córrego do nosso coração.

Aplausos à sociedade dos poetas vivos!

(Por Júnior Bonfim - publicado na Coluna "Gente Que Brilha" - da Revista GENTE DE AÇÃO)


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Amigo Júnior,

É costume meu acessar sempre seu blog, informar-me com quem entende dos assuntos de nossa cidade e país.

Jamais esperei fazer parte dele, e de uma forma tão carinhosa, tão repleta de sentimentos bons.

Embora envaidecido, sei que não sou merecedor. Credito isso ao amor que você sempre dedica aos filhos de nossa querida Crateús. Agradeço a lembrança.

E aproveito a oportunidade para agradecer também, e publicamente, todo o empenho que você tem dedicado à defesa da cultura de nossa cidade.

Obrigados (assim mesmo no plural).

Lourival Mourão Veras

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Júnior, depois da leitura do seu texto me aconteceu o seguinte:

"Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira."

[Carlos Drummond]

Karla Gomes

2 comentários:

Lourival disse...

Amigo Júnior, é costume meu acessar sempre seu blog, informar-me com quem entende dos assuntos de nossa cidade e país. Jamais esperei fazer parte dele, e de uma forma tão carinhosa, tão repleta de sentimentos bons. Embora envaidecido, sei que não sou merecedor. Credito isso ao amor que você sempre dedica aos filhos de nossa querida Crateús. Agradeço a lembrança. E aproveito a oportunidade para agradecer também, e publicamente, todo o empenho que você tem dedicado à defesa da cultura de nossa cidade. Obrigados (assim mesmo no plural).

Lourival Mourão Veras

Karla disse...

Júnior, depois da leitura do seu texto me aconteceu o seguinte:
"Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira."
[Carlos Drummond]

Karla Gomes