A eleição da desconfiança e da insatisfação
A pulverização de votos entre diferentes partidos nas disputas nas capitais e nas grandes cidades, a enorme quantidade de segundos turnos nas capitais, as renovações elevadas nas Câmaras de vereadores em diversas cidades, são indicações reais de que o eleitor brasileiro cantou nas urnas de domingo toda sua desconfiança e insatisfação com o quadro atual da política brasileira. Sobrou um pouquinho para todo mundo - governistas e oposicionistas, à esquerda, à direita, ao centro e os "nem tanto". Em SP capital, especificamente, ainda houve um crescimento dos votos nulos e brancos, a maior percentagem desde 2000 na cidade. Entre mortos e feridos e alguns sucessos individuais, perderam todos. Parte do insucesso generalizado pode ser atribuído ao mensalão. Todavia, todos perderam um pouco com a exibição ao vivo e em cores de uma das maiores "ervas daninhas" da cultura política nacional, a corrupção. O eleitor está em busca não apenas do novo, do diferente, mas do confiável. Vai parar neste recado ou em 2014 tem mais?
Renovação
A Câmara municipal de SP terá renovação de 40% no próximo ano - em 2008, a dança de cadeiras foi de apenas 29%. Em BH, o índice de novatos chegou a 59% contra 39% da eleição anterior. No mundo dos vereadores foi normal o rolar de cabeças, nos grandes, médios e pequenos municípios.
Pulverização
No primeiro turno sete partidos elegeram prefeitos nas capitais. Mais oito diferentes desses têm chances de emplacar candidatos no segundo turno. Se tal se verificar, 15 legendas poderão ter prefeitos de capitais, contra 10 em 2008. A mesma tendência está se observando nas cidades com mais de 200 mil eleitores. Há mais gente dividindo o bolo eleitoral no país.
Divórcio à vista?
Os caminhos de Eduardo Campos e do PSB com os do PT (e naturalmente de Lula e Dilma) não vão continuar correndo no mesmo sentido por muito tempo. Os projetos políticos são distintos no longo prazo. O PT, a não ser no desespero, nunca abrirá mão de seu projeto de poder hegemônico, nem em 2014 e 2018, nem nunca. Campos tem seus próprios planos. As desavenças em BH, Recife e em alguns outros lugares, por ora, serão atenuadas. Num dado momento, o divórcio será inevitável. Provavelmente, antes de 2014.
Caciques em baixa
A família Sarney, aliada ao PT foi alijada do segundo turno em São Luís. Jader Barbalho viu seu sobrinho amargar um terceiro lugar em Belém. Renan Calheiros (como Fernando Collor) nem candidato teve em Maceió. Mesmo que Ronaldo Lessa não tivesse a candidatura cassada, não iria para o segundo turno. Bons sinais para o país, maus sinais para as oligarquias.
Réquiem para o DEM
A chamada "direita" no Brasil sempre teve marcas bastante negativas ao processo democrático. Em grande parte do século XX foi golpista e associada às oligarquias mais atrasadas do país. Ao final daquele século tentou se modernizar, mas foi engolida pelo discurso social democrata que, como no mundo afora, adernou o discurso na direção do centro. No caso brasileiro, o PSDB ficou mais à direita e o PT mais social democrata. Ambos com traços de modernidade e muitos de atraso. O Democratas não conseguiu progredir em nenhuma direção de forma consistente e vê o seu transcurso eleitoral mostrar que a hora é de formalizar o funeral ou seguir outro rumo. Apenas o oligárquico ACM Neto faz às vezes junto ao distinto eleitorado nas capitais. João Alves em Aracaju é nanico. Pois bem: a probabilidade maior é que o velho partido herdeiro da ditadura militar busque uma solução junto a outro partido, via fusão. O problema será o de sempre: como acomodar os caciques em prol de projetos. Sabe-se que os primeiros têm prevalecido. Mesmo que não seja nas urnas.
Reaproximação
Para seus planos futuros, a presidente Dilma terá de fazer movimentos de maior aproximação (ou reaproximação) com o PMDB e outros aliados eventuais como o PSD do prefeito Gilberto Kassab. Afinal, sua principal aposta nesta eleição era impor uma derrota conjunta em Aécio Neves e Eduardo Campos em BH. De fato, viu Campos, uma incógnita para 2014, sair fortalecido com a vitória no primeiro turno em Recife e um crescimento expressivo de sua base de prefeitos no país. Para o PMDB este retorno é bem vindo, pois o fantasma do PSB e do neto de Arrais há muito assombra o partido do vice-presidente Michel Temer. Como é bom de contas - e saiu das urnas ainda como o partido com maior número de prefeitos - o PMDB saberá cobrar sua parte nesse latifúndio governista Federal.
Efeito Lula e mensalão
Inegavelmente a ida de Fernando Haddad para a disputa do segundo turno da eleição paulistana foi uma vitória do ex-presidente Lula. Tirado do "bolso do colete" do líder petista, o ex-ministro conseguiu dois efeitos há muito desejados por Lula: (i) tornar a eleição paulistana um "divisor de águas" do predomínio tucano no maior estado da federação com o uso de um "novo nome" e (ii) "proteger" a presidente Dilma no futuro embate presidencial de 2014 da influência tucana paulista. Bem, ambos os objetivos não foram alcançados totalmente, pois, por óbvio que seja, necessitam da vitória final de Haddad. Sem ela, tudo permanecerá à espera de 2014. Todavia, uma coisa se tornou muito certa: o mensalão adquirirá um protagonismo que não teve totalmente no primeiro turno. O jogo será pesado e no exato momento em que José Genoíno e José Dirceu sobem no cadafalso e verão se o dedo do STF vira para cima ou para baixo. Em alto som o tucanato sairá do ninho e cantará: "dai a Lula o que é de Lula e a Haddad o que também é de Lula".
O teste de Serra
Serra deverá se preocupar menos com suas profundas olheiras e mensagens de 140 caracteres nas madrugadas daqui para frente. A questão segundo um tucano de alto coturno é outra: ele tem de ser capaz de ser um líder partidário e erguer o dedo na direção de Lula. Se ficar com um discurso meramente tecnocrático, vai perder. A questão, segundo este líder, é simples: Serra desuniu muito o tucanato e o elo de união é derrotar o "sapo barbudo", resgatando o passado anterior dos feitos do PSDB. Coisa que Serra sempre se recusou a fazer com todas as letras. Não à toa, o octogenário FHC em suas entrevistas só falou de "mensalão" e nada sobre calçadas ou transportes. Quis pautar Serra e o partido.
Voltas às aulas
Mesmo com todas as juras de todos os aliados de que os embates eleitorais entre eles não deixaram sequelas, a presidente Dilma terá de fazer um carinho geral para amaciar sua base aliada na volta aos trabalhos do Congresso, prometida para esta terça-feira. A agenda da Câmara e do Senado é ampla e com algumas bombas - mais ou menos inadiáveis e a ser consumida em pouco mais de 20 dias úteis (no apertado calendário legislativo nacional). Sem contar o Orçamento, que tem sido votado cada vez com mais descaso, mas que tem de ser acompanhado com lupa para que os deputados e senadores não extrapolem demais na conta da receita. Há pelo menos dois projetos com hora marcada para sair do forno: a MP do setor elétrico e as novas regras de distribuição dos royalties do petróleo, essencial para que o governo possa formatar os novos leilões de áreas de exploração, marcadas para maio e novembro. E ainda a regulamentação do direito de greve do funcionalismo público.
Bomba elétrica I
Em meio à repercussão negativa de dois "apaguinhos" de boas proporções na semana passada, um para uso exclusivo de Brasília, a capital que costuma ser imune a intempéries nacionais, entra o governo num sério embate legislativo para aprovar a MP 579 do setor elétrico. Haverá "queda de braço" com o setor privado para que as novas regras nelas impostas sejam aceitas pelas empresas atingidas inicialmente, pelo mercado de capitais e pelos investidores, principalmente o precioso dinheiro externo. No Congresso a liderança do governo terá de tourear mais de 400 emendas de parlamentares, em todas as direções e defendendo todo tipo de interesse. É o tipo do assunto que perpassa as forças partidárias, envolve aspirações regionais e, portanto, não poderá ser resolvido no Congresso simplesmente com uma ordem unida para a base aliada.
Bomba elétrica II
No mundo empresarial, embora no curto prazo o mercado tenha se acalmado, há inquietações na área de eletricidade, mas também fora dela. Há certo temor com o que está sendo chamado de "excesso de ativismo governamental". Para completar a confusão, as empresas atingidas diretamente não se manifestaram, porém estavam agindo a todo vapor nos bastidores. E o prazo para que elas digam se aceitam ou não termina dia 15, p.f.. Até o governo parece "piscar" no caso: não pode ter outro sentido a ameaça, nada velada, que o presidente da Aneel fez às empresas recalcitrantes em entrevista ao "Valor Econômico". Nelson Hubner avisou que quem não quiser o jogo agora, pode ficar fora do leilão de concessões se isto vier a ocorrer. Esta confusão toda, se não for bem gerida, pode prejudicar a mais que bem intencionada - necessária e urgente mesmo - redução das tarifas de energia elétrica que está embutida na MP 579.
Mensalão em doses
O empenho do STF no julgamento da AP 470 já fez despertar o temor de que a roda toda da Justiça vai girar na direção apontada pelos ministros do STF, em casos que envolvam também o setor público e o setor político. Nem tanto pelas sentenças que estão sendo distribuídas, mas pela simples disposição de julgar com mais celeridade tais processos. Entram nessa roda não só outros casos do "mundo político" como o chamado mensalão mineiro (ou do PSDB) e mensalão candango (ou do DEM), como também em histórias nas quais o público e o privado se encontram, como foi o caso da "Operação Castelo de Areia". Haja trabalho para a Justiça e, como disse a respeito do atual mensalão o ministro Marco Aurélio Mello, "haja coração".
Melancólica CPI
Passadas as eleições, haverá reunião da CPI do Cachoeira. Sabe o que deve ocorrer ? Provavelmente, nadinha. Não porque não existam fatos a serem investigados, mas exatamente o contrário. Estes são fartos e fariam os mais ingênuos ficarem muito mais ruborizados que no caso do mensalão. Com o agravante de que a coisa toda do Cachoeira é "multipartidária", para dizer uma palavra suave. O único movimento que pode alterar a melancolia desta CPI pode vir do réu. Como se sabe, ele está estressado da vida atrás das grades, vê seus recursos negados em função de certo "clamor popular" e, assim, pode buscar alternativas na sua videoteca, desconhecida do grande público. Note-se, adicionalmente, que a situação financeira de Cachoeira vem se deteriorando em função de sua ausência frente aos negócios.
Um COPOM para se ver
Nosso BC gosta de se autodenominar "operacionalmente independente". Ou seja, na ausência de amarras institucionais que o libertem do jugo da influência direta do Executivo e do Legislativo, diz-se que ele "opera" livremente. Tudo um jogo de palavras. Porém, não é um jogo inútil e sem efeitos. O BC vem agindo coordenadamente na direção de fazer um correto e histórico ajuste do juro básico nativo, bem como relaxou a política monetária em prol da fraqueza da demanda e na ausência de políticas vindas da Esplanada dos Ministérios e do Planalto que jogassem a taxa de investimento para cima. Tombini e seus companheiros de COPOM, nesta quarta-feira, mostrarão se o jogo deles em relação ao juro básico terá uma parada ou se prosseguirá na direção da baixa. O fato é que a demanda permanece ainda "insustentavelmente leve", apesar de melhora que houve, e a inflação não está no figurino que o próprio governo a ela atribui, ou seja, está fora da meta. Na próxima reunião do COPOM, o BC falará sobre tudo isso. É capaz de surpreender e jogar o juros mais para baixo.
Câmbio, ainda um problema
Mexer com câmbio é infernal. Pode explodir ou murchar. Pode-se agir num sentido e acabar indo em outro. O governo, como se sabe, pode controlar apenas a taxa nominal. A taxa real, por sua vez, depende da inflação do país e do exterior. Os fluxos cambiais, além de imprevisíveis, costumam ser voláteis. Se não existe modelo para prever o câmbio ou fazê-lo ser uma certa taxa, uma coisa é certa : sabe-se quando ele está errado. Basta ver se há debilidade nas contas de comércio, especialmente dos produtos industriais e medir os custos dos produtos non-tradeables, aqueles que não são passíveis de substituição por outros de fora. Numa nota, como esta, não nos cabe fazer enormes digressões acadêmicas sobre o tema, mas deixamos duas mensagens claras: (i) a indústria brasileira persiste sem competitividade internacional, o que aumenta o percentual das vendas externas sobre o PIB de forma consistente e (ii) os custos dos serviços no Brasil têm deixado os "gringos" de boca aberta. Acham caro. O câmbio persiste defasado para as ambições de o país ser de fato "emergente".
(por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)
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