A Procissão
Abro a coluna com pequena homenagem à Mangueira. Qual delas?
A solene procissão descia uma rua do RJ numa Semana Santa, a imagem de Nossa Senhora no andor carregado por homens contritos. Foi quando saiu um bêbado de um boteco e gritou: "Olha a Mangueira aí, gente!". Os olhos do padre e de seus fiéis faiscaram de indignação diante da insolência de comparar a procissão a uma escola de samba. O bêbado insistiu: "Olha a Mangueira aí, gente!". Alguns metros abaixo, um barulho - a imagem da santa espatifou-se contra um galho de árvore. E o bêbado voltou vitorioso:
- Eu bem que avisei que tinha uma mangueira aí, gente !
(Enviada por Luciano Ornelas)
Os pepinos de Rosemary
A ex-chefe do escritório da presidência em SP, Rosemary Noronha, parecia inabalável no cargo. Nomeada por Lula, endossada pela presidente Dilma, amiga do ex-ministro José Dirceu, com quem trabalhou, tinha imagem de poderosa e voluntariosa. Indiciada pela PF na Operação Porto Seguro, que apura um esquema de fraudes em pareceres técnicos de órgãos públicos com a finalidade de beneficiar empresas privadas, foi demitida. Há suspeição sobre sua conduta. Sua filha, Mirelle, também foi demitida da ANAC, onde tinha cargo comissionado. Impressiona, porém, a agilidade da presidente Dilma. Passou a faca rapidamente no cancro descoberto. Os pepinos de Rosemary até poderão ter desdobramentos. Mas a maneira de Dilma administrar crises e tensões é bem diferente do modo mais complacente dos tempos de Lula.
Classe média
A estratégia de demitir quadros e mandar apurar rapidamente os casos nebulosos é bem usada pelo governo para causar boa impressão nas classes médias.
Lula traído?
Lula teria se sentido "apunhalado pelas costas". A punhalada, no caso, teria sido desfechada pela Rosemary. Mas a expressão, de tão banalizada por políticos que se dizem petrificados por absurdos atos cometidos por pessoas próximas, perdeu o crédito. Virou escudo expressivo de proteção. Luiz Inácio, protegido pelo carisma e admiração de galeras de todos os patamares, pode dar-se ao luxo de se valer do batido refrão.
Imagens no alto
Pergunta insistente ao consultor: o que explica a alta avaliação da presidente Dilma e do ex-presidente Lula pela sociedade? Resposta recorrente: a geografia do agradecimento. Que obedece aos seguintes espaços: bolso, estômago, coração e cabeça. Bolso com grana do Bolsa Família significa geladeira bem provida; geladeira cheia propicia barriga satisfeita; barriga satisfeita amolece o coração; coração agradecido envia estímulos à cabeça. Que, ao final do percurso, decide aprovar a administração dos pais e mães do Bolso com a grana do Bolsa Família e programas congêneres.
Mensalão no fim
Joaquim Barbosa, agora como presidente, vai cumprir a liturgia do cargo. Menos exasperação e mais comedimento. Sem transigir com a firmeza. O mensalão vai chegando ao seu final graças à maneira como Carlos Ayres Britto o conduziu. Dele, pinço trecho do meu último artigo: "Lhaneza, cordialidade, simplicidade, disciplina, capacidade de juntar os contrários emergem como virtudes desse magistrado, cujo pendor para a contemplação e meditação, sob um véu de espiritualidade, funcionou como eixo de equilíbrio e luz do bom senso. Quase um milagre, por se saber que, naquele ambiente, os egos tendem a se inflamar...".
"Não perdi a viagem"
"... Há pouco mais de três meses, ao chamar para si a responsabilidade de comandar o julgamento da mais emblemática ação penal do Supremo e o maior caso de corrupção no Brasil, o baixinho poeta Britto parecia navegar sozinho num oceano de descrença. Hoje, com o processo na reta final, sai sob aplausos, reconhecido como magistrado que honrou a toga, um ser profundamente arraigado nas raízes do humanismo, capaz de colorir a práxis do cientista jurídico com as cores exóticas da física quântica, tudo isso embalado na expressão da alma poética. Feliz, confessa: 'não perdi a viagem'. Sim, o país também. Que o acompanhou no caminhar do avanço". (Trecho do meu artigo de domingo passado)
O foco de Joaquim
O presidente Joaquim Barbosa fez um discurso simples e direto em sua posse no STF. Pinço como destaque a parte em que promete fazer uma devassa nos Tribunais para apurar desvios de conduta, a partir do tráfico de influência exercido principalmente por parentes de juízes. Disse ele: "É preciso reforçar a independência do juiz. Afastá-lo desde cedo das más influências". Barbosa criticou a promoção de juízes de primeiro grau por interesses políticos. "Nem todos os brasileiros são tratados com igual consideração quando buscam o serviço público da Justiça".
Coisa de músico
O pianista Helvius Vilela, conhecido por acompanhar Carlos Drummond de Andrade na leitura de algumas de suas poesias num disco, costumava exagerar na bebida. Certa noite passou da conta, os donos da festa decidiram se livrar do incômodo e o colocaram dentro de um táxi. Ao que o motorista perguntou:
- Para onde, senhor?
E ele respondeu:
- Sabe-se lá...
E ali ficaram até de manhã, quando o músico recuperou sua provável sobriedade.
(Da lavra de Luciano Ornelas)
Economia sob controle
Se a economia continuar sob firme controle, mesmo com crescimento abaixo das expectativas, os horizontes de 2014 serão muito favoráveis ao situacionismo. Em outras palavras, a presidente Dilma continuará no assento.
Economia destrambelhada
Se a locomotiva econômica não conseguir segurar os trens no trilho, as oposições poderiam vislumbrar uma chance. E pensar na cadeira do Planalto.
Mas...
Há um porém no meio das oposições. Quem seria o candidato a reunir as forças oposicionistas? Aécio Neves? Ao senador mineiro, falta discurso. Parece muito despreparado. Às oposições, falta um projeto de país. Tem projeto de poder, mas não um projeto de Nação. Eduardo Campos? Ora, esse governador do PSB não tem força no Sudeste. Marcio Lacerda, prefeito de BH, seria seu cabo eleitoral na região, dizem. Ora, Marcio não é extensão de Aécio Neves, do PSDB?
PMDB e PT
A cada dia, consolida-se parceria entre PMDB e PT. Do ponto de vista imediato, isso significa apoio petista à eleição de Henrique Alves e Renan Calheiros, ambos do PMDB, às presidências da Câmara e Senado. PMDB seria o principal parceiro da base governista. E garantiria a vaga para Michel Temer em 2014. Aliás, o vice tem tido uma atuação discreta. E com uma imensa pauta de responsabilidades. A presidente Dilma tem atribuído a Michel Temer importantes missões na frente das representações do Estado e do governo brasileiros em importantes países, como China, Rússia, Itália, México, entre outros.
Bizarro - I
Se a Anvisa conseguir proibir a venda de álcool líquido no comércio - contra a vontade e a experiência das donas de casa -, o país pode assistir a um espetáculo inusitado. Como é o mesmo produto que abastece os automóveis, antevê-se uma fila de senhoras com vasilhas nas mãos para comprar álcool em postos de gasolina. Embora não tenha critérios nessa questão do álcool, deve-se considerar que a Anvisa é muito criativa: será assunto em todos os meios de comunicação em que haja uma coluna chamada "Insanidade".
Bizarro - II
Para ilustrar seu parecer pela inconstitucionalidade de uma lei que tenta proibir o uso do amianto em São Paulo, o ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, valeu-se do exemplo do famoso caso do Césio 137, em Goiânia. Carroceiros encontraram um aparelho usado em radioterapia abandonado nas ruínas do Instituto Goiano de Radioterapia e o revenderam ao dono de um ferro velho. Desconhecedor do risco, o homem retirou o césio do invólucro de chumbo e utilizou-o para diversas finalidades. Segundo estimativas, 112.800 pessoas foram afetadas pela radiação de apenas 93g de Césio 137. Morreram o dono do ferro velho, a esposa e a filha. "Presente o quadro, indago: seria o caso de banir os aparelhos de radiografia do país?". Evidente que não, conclui. É este o caso: é provável que alguns "mais tontos" tenham se queimado com álcool líquido ao tentar acender a churrasqueira quando não deviam. Agora, a Anvisa quer banir o álcool líquido no país. A Anvisa caminha de um lado, a Justiça de outro.
Alckmin em apuros?
Depois de frequentar por largo tempo os espaços dos Céus, o governador Geraldo Alckmin inicia uma trajetória pelo inferno. Os astros parecem conspirar contra ele. Sem um grande eixo positivo, o governador paulista arrisca-se a ser embalado pelo véu sangrento. Em SP, a violência assume proporções e catástrofe. Apesar de números não tão extraordinários em se tratando de Brasil. Mas a mídia está pondo lenha na fogueira. E se isso ocorrer, adeus reeleição. Adicione-se o fato de que os tucanos começam a sofrer em SP os efeitos da corrosão de material. São quase 20 anos de poder. O povo gosta de testar novas páginas no livro da governança.
Você tem razão
"Getúlio defendia a tese segundo a qual não devia ter nenhum amigo de que não pudesse se desfazer, e nenhum inimigo do qual não pudesse se aproximar. Foi amigo e inimigo de João Neves da Fontoura, José Américo de Almeida, Adhemar de Barros, Juarez Távora, Borges de Medeiros, Juracy Magalhães, Eduardo Gomes, Eurico Gaspar Dutra. Sua capacidade de não tomar posição quando não queria era lendária. Conta-se que, certa vez, recebeu um político, ouviu-o e, no final, lhe disse que tinha toda a razão. Logo depois, recebeu o principal adversário deste político, ouviu-o e também lhe deu razão. Alzira, sua filha (que seria esposa de um governador do Rio, Amaral Peixoto, e sogra de outro, Moreira Franco), estranhou: "Papai, o senhor ouviu duas histórias opostas e deu razão aos dois!". Getúlio, sorridente: "Sabe que você também tem razão ?". (De Carlos Brickmann em A vida é um palanque)
PSB gera desconfiança
Após reinar por um tempo no alto da visibilidade, Eduardo Campos e seu PSB começam a ser olhados com desconfiança. O deputado Julio Salgado, do PSB mineiro, vê despencar sua candidatura à presidência da Câmara. Eduardo flerta com as oposições e tenta convencer que continua sendo um bom aliado do governo Dilma. Para tanto, usa a amizade que conserva com Lula. Mas o governador pernambucano acaba expandindo a distância do Palácio do Planalto.
Kassab na base A
O prefeito Gilberto Kassab confessa que já cumpriu todos os compromissos que tinha com Serra. Agora, vai alargar seu próprio caminho. Seu partido, PSD, será aliado do governo. Dilma convidou Kassab para compor o Ministério. Educadamente, o alcaide não aceitou com a justificativa de que gostaria de tempo para se habilitar a uma candidatura majoritária em 2014. Nos cargos de governador ou senador. Mas seu partido aceita o convite e indicará um nome. A propósito, o prefeito tem procurado o PMDB para formar uma ampla parceria em torno dos projetos de 2014.
Lutem, pediu Hakim
Hakim gostava de passear à noite usando todos os tipos de disfarces. Numa dessas caminhadas noturnas, numa colina próxima ao Cairo, ele encontrou dez homens bem armados que o reconheceram e que lhe pediram dinheiro. Ele lhes disse: "Separem-se em dois grupos e lutem uns contra os outros; quem sair vencedor receberá dinheiro de mim". Eles obedeceram e lutaram com tanto ímpeto que nove deles perderam a vida.
Trucidem, ordenou Hakim
Ao que sobreviveu Hakim lançou uma grande quantidade de peças de ouro que carregava na manga. Mas, enquanto o homem se agachava para recolhê-las, Hakim mandou que fosse trucidado por seus criados. Desta forma ele demonstrou sua clara compreensão do processo da sobrevivência; ele o gozava como uma espécie de representação que ele mesmo provocava e, no final, o aniquilamento do sobrevivente ainda servia para lhe dar alegria. (De Elias Canetti em Massa e Poder)
Conselho ao Ministro Barbosa
Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos vereadores eleitos. Hoje a atenção se volta ao ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF:
1. O Brasil espera que continue a cumprir sua missão com renovada força. Mas a liturgia do cargo impõe atitudes menos nervosas e destemperadas.
2. Junte forças e convoque a sociedade para alcançar a meta de passar uma vassoura no lixo que se esconde em alguns corredores do próprio Poder Judiciário.
3. Continue a abrir as portas da Alta Corte de forma que ela possa absorver as temáticas de alta prioridade para a harmonia e o equilíbrio social.
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(Gaudêncio Torquato)
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