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terça-feira, 27 de novembro de 2012
LIÇÕES DE VIDA!
Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!/ (...) Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!/ A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,/ É um seio de mãe a transbordar carinhos./ Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos...
Suponho que foi no período da escola primária quando tive o primeiro contato com os versos triunfalistas de Olavo Bilac sobre a pátria. Impregnou-se à pele de minha alma – qual uma bendita tatuagem! – esse apelo amoroso. Nasci na fazenda Mondubim, que dista 23 quilômetros da cidade de Crateús. Aquele casarão em que me puseram pela primeira vez em interação com este mundo nunca se despregou da minha memória. Nos últimos anos tive a oportunidade de constantemente revisitá-lo. Visitar o Mondubim é, para mim, manter permanentemente úmidas as genuínas raízes, molhadas pelas águas sentimentais da infância.
Sucede que, além de mergulhar nos balseiros originais, aproveitava para pedir a benção da minha avó, Raimunda Rodrigues Bonfim, a Missanta, e desfrutar do manancial de sua sabedoria existencial. Ela deixou o nosso convívio no último dia 16 de novembro de 2012.
Sua lembrança e seu legado de ensinamentos permanecem como uma cacimba inesgotável naquele árido sertão. Causou-me estupefação aquela simples mulher, desprovida de discos e livros, distante dos sofisticados laboratórios de cultura formal, ser detentora de um corolário extraordinário, um tão seleto celeiro de lição vital.
Destaco três facetas suas, dentre muitas que me impressionavam: a primeira diz respeito à sua construção pessoal; a segunda, o talento convivencial e a terceira, a sua compreensão da morte.
Missanta regava, com igual zelo, os jardins interior e exterior. Cuidava do caule e do casco da sua árvore pessoal. Sabia que o acaso - na comunicação religiosa chamamos Deus - a protegia. Além da essência, cuidava da aparência. Era vaidosa, no bom sentido. É. Assim como existe o bom colesterol, existe a boa vaidade. Certa feita, admirada com um vestido usado pela apresentadora Fátima Bernardes, encomendou a confecção de um similar. Estava vestida nele quando foi enterrada. Por isso estava bela.
Outra de suas habilidades era a de evitar conflitos. Quando estava rodeada de pessoas, era habituée observar as reações, medir as palavras e se portar de modo a não ferir ninguém. Os conflitos, os embates, as imposições de vontade, os confrontos e dissensos são sempre o caminho mais curto para a solução de problemas. Aparentemente, é o percurso mais lógico e racional. Seguramente, o menos civilizado e inteligente, também. O respeito à pluralidade, a incorporação dos diferentes, a construção de consensos constitui uma vereda mais longa, exigente, difícil e vagarosa. Porém, é a estrada da sabedoria. Foi a que Missanta resolveu trilhar.
O terceiro – e não menos surpreendente – farol de sua personalidade foi a maneira como encarou a morte. Acompanhando o jeito Tibetano (oriental) de encarar a morte, a jornalista Maria Fernanda Vomero chegou à seguinte conclusão: “A morte faz parte da vida. Todos começamos a morrer exatamente no dia em que nascemos. A morte, portanto, é um etapa da nossa existência com a qual temos que conviver. Pode-se conviver melhor ou pior com ela. Mas não se pode evitá-la. (...) Mas o fato é que todos nós estamos programados para nascer, crescer e morrer – uma obviedade esquecida por boa parte da sociedade ocidental contemporânea, que teima em ver a morte como um evento artificial, inesperado e injusto. Sobretudo, costumamos vê-la como um evento exclusivo, pessoal, que isola quem sofre uma perda, por meio da dor, do resto do mundo. Quando, ao contrário, não há nada menos exclusivo do que morrer”.
Pouco antes morrer, Missanta sofreu três paradas cardíacas. Na última, mirou o médico e falou lucidamente: - “Doutor, minha hora chegou! Diga para a minha família que vou em paz”. E fechou os olhos.
Cuidar de si mesmo - zelar pelo templo pessoal; ajudar na preservação da praça da integração social – conviver bem com o próximo; ter plena consciência da morte como algo inevitável - que deve ser encarada com serenidade – são três das muitas lições de vida que a matriarca do Mondubim nos ofertou.
Missanta, que por um eflúvio de graça veio a ser minha avó, foi uma mulher exemplar. Aproveitou até a morte para fazer uma homenagem à vida!
(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)
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