Para que servem as fotos? Por que guardamos - no compartimento do carinho, na alcova da nostalgia - os álbuns fotográficos?
Os retratos constituem pedaços do quebra-cabeça da nossa trajetória existencial. Embora coladas às folhas de um álbum, as fotos não estão presas. Quando as contemplamos, somos arrastados por suas asas mágicas e transportados para o momento que elas registram.
O mesmo ocorre com as urbes. Somatório de individualidades, conjunção de prédios, colares geográficos, artefatos do gênio humano, as cidades são como as pessoas. Quando uma cidade é bem cuidada, transpira alegria; vítima do descuido, açoitada pelo descaso, derrama lágrimas!
Assim como os seres, as cidades possuem registro memorial. Um prédio antigo é mais que um ajuntamento calcário, uma orquestra de tijolo ou um encadeamento de concreto: é o assentamento de um tempo histórico, a fotografia de um conceito geracional, a exibição de um estilo arquitetônico predominante em determinado período.
Sem embargo, uma das notícias que mais me comoveram nos últimos tempos foi a que deu conta de um movimento em defesa daquele casarão octogenário estratégica e imponentemente encravado em uma esquina das ruas Coronel Lúcio com Barão do Rio Branco.
Segundo o relato disponibilizado na internet pela lavra do Presidente da Academia de Letras de Crateús, Elias de França, aquela casa-castelo seria derrubada “na calada da noite”. E acrescenta os detalhes da ação e da reação: “As máquinas já puxavam a cabos de aço as velhas e belas paredes, quando lá chegamos. Mergulhamos na nuvem de poeira e nos metemos entre a pobre casa e as máquinas. Estávamos há 13 dias da eleição. Entre nós havia dois candidatos. Fomos mal compreendidos, acusados de ato politiqueiro. Padecemos a hostilidade dos representantes dos proprietários e das equipes contratadas para fazer o serviço. Alguns populares que assistiam à demolição gritavam aos operadores das maquinas frases como “derruba tudo por cima desses baderneiros!” No dia seguinte, ouvimos nas emissoras de rádio da cidade muitas opiniões a respeito do acontecido. A maioria nos acusava de “querer se apoderar do que é alheio”, achavam que “o que vale é o direito de quem comprou”.
Ainda no dia seguinte, o Ministério Público Estadual impetrou ação judicial cautelar requerendo a preservação do bem histórico-cultural. E enfim, hoje, a exato um mês, dia 24 de outubro de 2012, o direito à memória histórica, a este tão importante bem imaterial, foi, pela primeira vez na história desta cidade, formal e expressamente reconhecido. E melhor: mediante acordo entre as partes.
Estão de parabéns todos que tomaram parte deste ato heróico e histórico. (...)
E podemos escrever: daquele dia em diante, nenhum prédio histórico da cidade de Crateús haverá de ser destruído. Porque agora é outra história”.
Esta bandeira, içada no platô das consciências, tremulando sob o vento da cidadania crateuense, revela uma inflexão essencial para o despertar de um novo sentimento: o sentimento de pertence. Quando nos sentimos parte da cidade e a tratamos como um pedaço ou extensão de nós mesmos, tudo se transforma.
Altera-se nossa maneira de olhar o corpo geográfico, o desenho das construções, a distribuição espacial. Desenvolvemos a sensibilidade ambiental. Imagine-se cuidando do rio e das suas margens como quem zela pelo jardim de casa.
Miramos os prédios antigos como quem contempla uma fotografia da infância: com o olhar carinhoso da preservação de uma relíquia. E invertemos a escala dos valores, a hierarquia dos conceitos: moderno é o que amolda ao eterno. Avançado é o que não destrói o passado!
(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)
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