sexta-feira, 19 de junho de 2009

A MENTE MOVE A MATÉRIA


O mais célebre livro do poeta português Fernando Pessoa – o único que publicou em vida – é um feixe luminoso de 44 poemas. Na sua compleição original havia sido batizado de Portugal, o nome da pátria do poeta.


No entanto, como Portugal amargava sérios problemas, Pessoa, sob o influxo de conselhos de um amigo, resolve alterar o título do livro. E constrói a palavra “Mensagem” tendo como alicerce fundante a expressão latina Mens agitat molem, isto é, "A mente move a matéria", inspirado na famosa frase da história de Eneida, de Virgílio, dita pela personagem Anquises quando explica a Enéias o sistema do Universo.


E Fernando Pessoa começa a segunda parte do livro professando: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Ou seja, para a consecução de todo empreendimento há que se seguir essa trilha infalível: que o arquiteto da criação ceda o terreno, nele se lance a semente do desejo e, por fim, que se acompanhe a germinação.


O que hoje se opera é fruto dessa conjugação frutífera da vontade superior, do sonho cultivado e do ímpeto realizador. Por isso, indubitavelmente, a constituição da Academia de Letras de Crateús é um evento indelével, uma realização memorável, um feito histórico.


Tal qual o país que nos colonizou à época de Pessoa, a nossa pequena pátria afetiva, o município de Crateús, sofre sob o açoite das dificuldades de toda sorte, sobretudo pela sua própria condição geopolítica de encontrar-se encravado na mais dolorida região brasileira, o semi-árido nordestino.


Pois bem, nessa paisagem sacudida por gigantescas adversidades, estonteada por tantas frustrações políticas, castigada por intempéries, sob o rescaldo das tiranias econômicas, à margem do fulgor capitalista – muitos hão de questionar qual a razão de se implantar uma Academia de Letras?


A resposta vem da pena pioneira de um dos patronos da nossa Arcádia, Gerardo Mello Mourão: “Os filósofos, os poetas, os artistas, como a própria arte, não são fruto da civilização industrial. São mesmo, de um modo geral, os marginais dessa civilização e desse tipo de progresso, desse poder de produção de riqueza”.


É movido por essa crença de aço, consciente dessa assertiva irrefutável, que cada um de nós se dispôs a oferecer o seu quinhão de contribuição a essa causa.


Cremos na floração dos talentos secretos que a nossa terra possui, cremos nos valores humanos que ainda dormitam sob o albergue do anonimato, cremos que esta região precisa de uma incubadora cultural que possa acariciar os embriões dispersos por todos os quadrantes desse município e lhes ofereça o único lenitivo que necessitam: o estímulo vital, o fermento biológico, o recanto para produzir, o púlpito para subir, o palco para brilhar.


Todos os sócios fundadores da Academia de Letras de Crateús – ALC - estamos algemados pela mesma corrente libertária: une-nos a convicção de que a mente move a matéria, o ser se sobrepõe ao ter. Curvamo-nos aos ditames da consciência. Proclamamos a supremacia da virtude, o reinado da inteligência.


Como as amplas casas que sediavam as nossas antigas fazendas e abrigavam numerosas famílias, esta Academia nasce sob o signo imperscrutável da amplidão, está marcada pelo ferro generoso do ecletismo e exibe no frontispício o magnético talismã da pluralidade. Abriga a erudição de um Geraldinho, de um César Vale, de um Elias de França, de um Lourival Veras e de um Carlos Bonfim; recepciona o lampejo cientifico do doutor Arteiro Goiano e dos Professores Luis Carlos e Adriana Calaça; areja-se sob a brisa poética de um Raimundinho Cândido, da doutora Silvia Melo, do animador cultural Edilson Macedo, da mestra Maria da Conceição (Nega), da juventude criativa de uma Isis Celiane e de um Ericson Fabrício; reacende a fogueira da história sob a ação de memorialistas como Flávio Machado, Vera Lúcia Teixeira e Norberto Ferreira Filho (o venerando Ferreirinha); se deixa embalar pela musicalidade de letristas como Aldo dos Santos e Edmilson Providencia; e se faz caudatária da expertise da melhor cepa da literatura popular aqui representada pelo cordelista Carlos Leite, pelo cancioneiro consagrado Lucas Evangelista e pelo patativiano poeta Dideus Sales.


Na nossa trilha existencial, marcada invariavelmente pelos percalços da trivialidade, às vezes nos deparamos com o desafio de fazer História. É o que estamos a realizar hoje. Sob o testemunho singular de cada um dos presentes, em especial dessa sacerdotisa do ensino que emprestou seu nome para este templo à cultura, a jovial octogenária Professora Rosa Morais, estamos erigindo um monumento à imortalidade. Estamos formalizando nesta data, dia de Santo Antonio, o Santo do matrimônio, uma aliança definitiva entre a nossa geração e as gerações vindouras.


A mente move a matéria!


Com a autorização do editor do livro da Criação, demos vazão ao impulso do sonho e a obra nasceu: Viva a Academia de Letras de Crateús!


(Por Júnior Bonfim - Discurso proferido por ocasião da Solenidade de Instalação da Academia de Letras de Crateús, no Teatro Rosa Morais, em 13 de junho de 2009).

Um comentário:

Unknown disse...
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