Ladrões, cambada de ladrões
Cabralzinho, líder estudantil em Campina Grande, foi passear em Sobral, no CE. Chegou em dia de comício. No palanque, longos cabelos brancos ao vento, o deputado Crisanto Moreira da Rocha, competente orador da província:
- Ladrões!
A praça, apinhada de gente, levou o maior susto.
- Ladrões! Ladrões, porque vocês roubaram meu coração!
Cabralzinho voltou para Campina Grande, candidatou-se a vereador. No primeiro comício, lembrou-se de Sobral e do golpe de oratória do deputado, fechou a cara, olhou para os ouvintes com ar furioso:
- Ladrões!
Ninguém se mexeu. Cabralzinho sabia que política em Campina Grande era briga de foice no escuro. Queria o impacto total.
- Cambada de ladrões!
Foi uma loucura. A multidão avançou sobre o palanque. Pedra, pau, sapatos. O rosto sangrando, acuado, Cabralzinho implorava:
- Espera que eu explico! Eu explico!
Explicou. Ao médico, no hospital.
(Historinha é narrada pelo insuperável Sebastião Nery)
O dia D de decisão
Hoje, é o dia D da decisão. A decisão do ministro Celso de Mello sobre o acolhimento ou não dos embargos infringentes. As mais simples projeções se juntam às mais estapafúrdias, a denotar a alma opiniática nacional. Por estas bandas, todos nós declamamos um verbo de opinião. Temos propensão a palpitar sobre coisas simples e complexas. Sendo assim, que todos escancarem sua expressão. Este consultor não se nega a fazê-la. Vamos lá. A começar pela observação de que Celso de Mello tem demonstrado ser o mais denso ministro do compartimento técnico do STF. Seria o juiz garantista por excelência.
"Não há nenhuma grande árvore que o vento não tenha sacudido". (Provérbio hindu)
Coerência
Se Celso de Mello é garantista, certamente deverá manterá coerência, acolhendo os embargos infringentes, ele que, em agosto de 2012, já se manifestara favorável a este expediente. Não teria argumento para, neste momento, contrariar sua própria tese. Seria malvisto na esfera jurídica. Essa é uma faceta da questão. Mas o ministro Celso foi, por outro lado, o mais contundente juiz do mensalão. Usou as expressões mais fortes, na esteira de uma locução indignada. Fez de público uma calorosa defesa da punição dos mensaleiros. Muito bem. Duas posições. Uma, deixando pequena janela para os processos de 12 condenados - os que obtiveram quatro votos a favor no julgamento de alguns crimes, como formação de quadrilha - reiniciarem o fluxo. Outra, comprometida com a condenação. O que pode ocorrer?
"Não é digno de saborear o mel aquele que se afasta da colméia com medo das picadelas das abelhas". (Shakespeare)
Nem lá, nem cá
Celso de Mello deu uma pista muito clara. Pediu para não se confundir acolhimento de embargo infringente, sob uma moldura técnica, com o acolhimento do conteúdo. Logo, a conclusão torna-se patente: vai acolher os embargos, mas mostra inclinação a não aceitá-los no caso em tela, mantendo, assim, as penas já dadas aos réus. Uma no cravo, outra na ferradura. E mais: tem-se a impressão de que o ministro, prestes a se aposentar, gostaria de sair do STF com as portas do mensalão fechadas. Pode combinar com Joaquim Barbosa um calendário de forma a votar o mérito dos embargos infringentes ainda este ano. Seria, então, o voto de maioria pela manutenção dos embargos infringentes e também das penas. Teria isso lógica ? Deixo a discussão com a esfera jurídica. Daqui a pouco, saberemos. A expressão, aqui, é a do analista. Cometi alguma barbaridade?
"O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive". (Padre Antônio Vieira)
Catástrofe?
Digamos que Celso de Mello também diminua as penas de alguns condenados. Será uma catástrofe nacional, como muitos enxergam? Será que o clamor popular por punição encherá novamente as ruas ? Este consultor lembra que nossa cultura - costumes, práticas, comportamentos - age como uma gangorra. A indignação sobe e desce, se agiganta e se amofina. Não há um continuum de visões. As borrascas vão amainando na mudança do tempo. O establishment tende a canibalizar as situações e, na sequência, os mecanismos de metabolização passam a funcionar, arrumando as camadas revoltas e apaziguando os espíritos. Não vejo condições de revolta popular. O povo vê seu país como um ente acomodado, paquidérmico, incapaz de promover grandes mudanças. As coisas caminham lentas.
"Eu vivia reclamando porque não tinha sapatos, até o dia em que encontrei um homem sem pés". (Oscal Wilde)
E Celso de Mello?
Aposentado, irá para sua calma Tatuí, usufruir a conversinha com os amigos e tomar café no Café Canção. Será cantado em prosa e verso. Não o vejo como um "inimigo do povo", como muitos desejariam cognominá-lo. Será sempre bem tratado pela esfera jurídica. Respeitado entre os pares. A conferir.
"Prefiro os que me criticam porque me corrigem aos que me bajulam porque me corrompem". (Santo Agostinho)
PSB, hora da definição
Está chegando a hora da definição para o PSB. Sair do governo Dilma agora ou mais tarde? O ministro da Integração, Fernando Bezerra, está tirando licença para tratamento de saúde. Dizem que pode não voltar. A presidente Dilma não gostou de ver Eduardo Campos abraçado a Aécio Neves, ambos sorridentes e faceiros, tratando de uma eventual parceria eleitoral no segundo turno. Queria tirar logo o PSB do governo. Mais uma vez, Lula agiu como bombeiro. Calma, Dilma, calma. Luiz Inácio, o pernambucano, irá ter mais uma conversa com o pernambucano Dudu Beleza. A hipótese de Lula é a de que, na próxima pesquisa, mantendo os mesmos 5% de intenção de voto obtidos na última, o governador de PE deixe a liça. Ele é importante na aliança. Mas Eduardo divisa a possibilidade de ir ao segundo turno.
Geração pós-64
Certa alta noite, em conversa com este consultor em Comandatuba, na BA, Eduardo Campos confessava: "o meu sonho é reunir a turma pós-64 - Eu, Aécio, Ciro, Cid, Kassab, entre outros - e tomarmos as rédeas do país. O governador acalenta esta meta.
"Devemos dizer ao povo o que ele precisa saber e não o que ele gostaria de saber". (John Kennedy)
Terceirização no ponto
Depois de anos de debates e foros, o tema da terceirização de serviços está no ponto para ser votado. O presidente da Câmara, Henrique Alves, quer levar o PL 4330 a plenário. As forças do progresso e da modernidade querem votá-lo. As forças do atraso e das benesses do passado querem arquivá-lo. O PL foi amplamente discutido nos mais plurais foros. Mas o PT e a CUT são contrários. O PT, neste caso, vem à reboque da CUT. Que só pensa em locupletar seus cofres. Como? Obrigando as empresas a expandir as folhas salariais - com funcionários efetivos - para aumentar sua arrecadação.
CUT quer os terceirizados
Até os atuais terceirizados, que integram sindicatos de categorias especializadas, seriam despachados para as categorias representadas pela CUT. É o que essa Central defende quando exige que a representação sindical vá para a área do tomador de serviços e não para a área do prestador. Um terceirizado, por exemplo, na área bancária, seria bancário; no setor metalúrgico, seria metalúrgico. Deixaríamos de ter no país copeiras, atendentes de telemarketing, faxineiras, enfim, umas 50 categorias profissionais.
Divisão no PT
O PT não está pacificado. Suas alas disputam o poder de mando. Mas o dono da flauta continua dando o tom. O dono: Lula. Que reelegerá Rui Falcão.
Partidos novos
O Solidariedade, de Paulinho da Força, deverá surgir até 5/10. A Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, periga naufragar antes de chegar à praia. E um tal de PROS - Partido Republicano da Ordem Social - deverá também ser criado. Será que esses dois ganharam mais assinaturas válidas que o partido de Marina ? Difícil de acreditar.
Análise do governo Dilma
O governo Dilma pode ser analisado sob o modelo de Carlos Matus, o cientista social chileno: Planejamento Estratégico Situacional (PES). Que abriga três cinturões: o político, o econômico e o dos problemas rotineiros. A gestão política não diz respeito apenas às formas de articulação com os políticos. Abrange fatores referentes à qualidade da democracia, aspectos como respeito aos direitos humanos, descentralização do poder, apego à ética, transparência, distribuição de renda, etc. Na banda negativa do balanço político, contabilizam-se situações como estilo autoritário, "democratismo" populista, permissividade para a corrupção, incúria administrativa, etc.
Cinto político
Algumas ênfases do governo: o resgate da memória das vítimas da ditadura, tarefa hoje a cargo das comissões da verdade; a defesa do ideário da liberdade de expressão, bandeira que emerge diante da postura do governo de não ceder às pressões de parcelas do PT para patrocinar projeto de controle dos meios de comunicação; abrangente programa de distribuição de renda, responsável pelo alargamento do meio da pirâmide social; fortes traços neopeleguistas presentes nos dutos que ligam centrais sindicais aos cofres do Estado. Ressalta-se, também, a faxina promovida no início do governo que veio a se mostrar, depois, capenga, haja vista a caudalosa corrente de recursos públicos que inundou os pântanos de ONGs, desvios que culminaram, nos últimos dias, com o esquema de fraudes no Ministério do Trabalho. Ainda na configuração política, registra-se a continuidade do pendor legiferante do Executivo, caracterizado pela multiplicação de MPs, ao lado da precária articulação com a esfera política, fator constante de atritos com o Poder Legislativo.
Cinto econômico
No cordão econômico, as estratégias se orientam para a preservação dos índices de emprego e da inflação, a par do equilíbrio da balança do comércio exterior, sofregamente preservado pela frente do agronegócio. No centro do debate, o foco aponta para o pífio resultado na planilha do crescimento econômico, eixo nevrálgico do ciclo dilmista, a par de uma carga tributária que beira os 37% do PIB.
Cinto dos problemas cotidianos
O terceiro cinturão, onde se localizam os buracos dos problemas cotidianos - particularmente nos setores de saúde, educação, mobilidade urbana, segurança, moradia, saneamento básico - é o responsável pela satisfação e/ou indignação das pessoas. Os serviços públicos funcionam como um termômetro a medir a temperatura social, como se pode aduzir dos movimentos que enchem as ruas do país, desde junho passado. Não por acaso, o governo se esforça para arrumar um símbolo, um fator de diferenciação, um projeto que venha se somar à força do Bolsa Família. O programa Mais Médicos, por exemplo, entraria nessa formatação e seus resultados começariam a jorrar nas margens eleitorais de 2014. Positivo, ajudaria a consolidar a posição da candidata à reeleição; negativo, teria efeito catastrófico sobre sua imagem.
Resumo
À promessa de que obras em curso serão entregues contrapõe-se a desconfiança de que os eventos da Copa Mundial enfrentarão estrangulamentos na frente da logística. Em suma, juntando os fatores alto emprego e baixa inflação (cinto econômico) com uma dor de cabeça apenas suave (cinto da agenda cotidiana), o governo ganharia fôlego para fazer a travessia. E a presidente evitaria a borrasca. A recíproca é verdadeira.
Conselho à presidente Dilma
Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos parlamentares. Hoje, volta sua atenção para a presidente Dilma:
1. Vossa Excelência, ao desistir da viagem aos EUA, perde grande oportunidade para, testa a testa, cobrar do presidente Obama mais compromisso com a democracia.
2. Já imaginou uma entrevista coletiva na Casa Branca, dizendo que tratou com o presidente norte-americano de questões importantes para os sistemas democráticos, incluindo a espionagem? Seria manchete mundial.
3. Vossa Excelência não deveria deixar de cumprir os compromissos internacionais, mesmo diante do flagrante atentado à soberania nacional e violação dos direitos individuais, cometidos pela Nação que mais se orgulha de praticar a democracia, os EUA.
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(Gaudêncio Torquato)
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