terça-feira, 18 de novembro de 2008

CRONICA



ALDEIA GLOBAL

Júnior Bonfim


Tornou-se lugar comum, entre os militantes das letras, a afirmação de que quanto mais nos aprofundamos no local, mais nos tornamos universal. Fernando Pessoa foi um expoente dessa tese quando cantou na voz de Alberto Caeiro: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”.

Chamado às galas da Universidade Federal do Ceará para receber o título de Doutor Honoris Causa, Gerardo Melo Mourão ofertou aos presentes um dos mais belos buquês de oratória do jardim verbal da história humana. Após narrar sua saga pessoal eivada de astres e desastres, declarou seu amor pela terra em que nasceu:

“Até hoje, guardo a paixão pelas gitiranas, e mais tarde aprendi de cor os versos antológicos das gitiranas, de nosso poeta Otacílio Colares. Adquiri o costume de recitá-los nas passagens de minhas estrepolias romeiras pelo oco do inundo, como resgate e penitência pela advertência sábia de minha avó, Dona Úrsula, a todos os que pretendiam emigrar em nossa família — "boa romaria faz quem em sua casa fica em paz". Recitei-os à beira do Arno, nas manhãs florentinas da Toscana.

Cantei as gitiranas das Ipueiras em Jerusalém, em Belém do Para e em Belém de Judá, no lago de Tiberíades, no Mar Morto, na feira de Cafamaum e na cripta de Nazaré, onde o Arcanjo Gabriel anunciou à Virgem o nascimento de Jesus.

Cantei as gitiranas de minha fuga infantil contemplando os rios de Babilônia, nas terras que foram a Assíria e repeti as estrofes de minha terra junto aos jardins povoados de pavões azuis no memorial de amor do Taj Mahal, como o fizera entre as colunas do Partenon, do Pentélikon, do Olimpo e do Parnaso, nas fronteiras da Pushta húngara, na Croácia e em Sarajevo, na Dalmácia, na Moldávia, na glorieta do Hofburg e nos bosques de Viena. E se mais mundo houvera, lá chegara”.

Poliglota luminoso, ao misturar a vegetação da caatinga cearense com a flora dos outros cantos do planeta, Gerardo desbancou o falso antagonismo entre o local e o universal. E foi mais longe: inaugurou, como um profeta poeta, um novo jeito de ser e encarar o mundo, antecipando em décadas um fenômeno que atualmente chamamos de globalização.

Hoje, virou corriqueiro dizer que o mundo é uma aldeia global. Em verdade, o é. Prova disso é essa obra fantástica do engenho humano chamada internet. Por conta dela, o conhecimento adquirido ao longo de milênios encontra-se disponível a qualquer pessoa em questão de segundos. É óbvio que, como reflete o mundo, possui águas barrentas que convivem paradoxalmente com águas cristalinas. Compete a cada um separar o joio do trigo.

Embora com pouca experiência sobre esse oceano mágico, aventurei-me a navegar sobre suas encantadas ondas. Desde o início deste mês, alimento uma modesta página (http://juniorbonfim.blogspot.com) definida como um “espaço que se quer simples: um altar à deusa Themis, um forno que libere pão para o espírito, uma mesa para erguer um brinde à ética, uma calçada onde se partilhe sonho e poesia!”
No entanto, o objetivo maior é congregar todos os aldeões livres e de bons costumes, que não enxergam barreiras no culto ao espírito e na propagação da fraternidade.



(Publicada na Edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste – Crateús, Ceará).

Nenhum comentário: