quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O LOURINHO


Comenta-se que, nessa costela do centro-sul e centro-oeste do Ceará, viveram três destacadas e distintamente caracterizadas tribos indígenas: os Quixelôs, no entorno de Iguatú; os Inhamuns, nas imediações de Tauá; e os Karatiús, à beira do rio Poty, em Crateús. Os Quixelôs eram amantes do trabalho, os Inhamuns exercitavam a arte da guerra e os Karatiús adoravam festas (eram do tipo que viam do nascimento à morte motivo de comemoração). Talvez deite raízes aí o espírito festivo do crateuense. A cidade de Crateús já ostentou título de uma das urbes com vida noturna das mais agitadas do interland cearense.

Em verdade, uma cidade só é completa se exibir uma inclinação notívaga. Na noite se gesta um tipo especial de gente, uma confraria singular de pessoas, uma raça única de terrestres: os boêmios. Segundo Juarez Leitão, “a boemia é, antes de tudo, uma vocação. Não é qualquer um que pode exercê-la. Compreende certos requisitos, algumas posturas e meia dúzia de princípios que só os puros de coração podem praticar. Os moralistas confundem boêmia (ou boemia) com a vadiagem torpe, por absoluta desinformação. (...) O boêmio nunca será um calhorda, um mau caráter, um sujeito de alma suja. O verdadeiro boêmio é leve, boa praça. É solidário e sabe perdoar”.
Crateús também pariu seus boêmios. Alguns bateram em retirada, outros cumpriram a missão dos marinheiros – distribuir adeus e se lançar ao mar.

Há, no entanto, um guerreiro solitário que mantém em suas mãos o ramo de estrelas que ilumina as noites da urbe. É o Lourival Pessoa Marques, popularmente consagrado como Lourinho. Ícone da boemia na cidade, Lourinho, apesar de ter completado setenta anos, exala invejável jovialidade, pois descobriu que juventude e velhice são estados mentais.

Filho do casal José Pacheco e Maria Ondina - ele alfaiate, ela costureira – Lourival conheceu desde cedo a face rígida da vida. Aos doze anos de idade, ia comprar batata doce em Independência para vender em Crateús. Talvez esse movimento comercial tenha lhe ensinado a extrair, da aspereza daquele cotidiano, o lado doce da existência...
Mas foi no inicio da década de 60 que descobriu que sua missão era perscrutar os mistérios da noite. Defronte ao Clube Sargento, abriu o “Bar O Lourinho”. Àquela capela de encontro rumavam profissionais liberais, médicos, comerciantes, políticos, bancários – enfim, todos os que cultuavam o prazer de um bom papo em torno de uma mesa bebida. Tornou-se, ao lado dos bares do Rochinha, do Armando (também no centro da cidade) e do Manoel Barbosa (no bairro Ponte Preta), um dos points da cidade.
Em 1971, Lourinho dá mais um passo em sua escalada nos montes noturnos. Adquire, na Praça da Catedral, a Sorveteria Esplanada, que logo virou um espaço frenética e freqüentemente visitado. Ali era ponto obrigatório, por exemplo, do seu amigo particular Antonio Lins, que governou a cidade de janeiro de 1973 a dezembro de 1976.

Doze anos após ter adquirido a Sorveteria, Lourinho toma uma decisão ousada: sai da área central da cidade e abre, na saída para Novo Oriente, o restaurante “Casa Blanca”. Muitos julgaram uma loucura. Mas àquela altura Lourinho já havia se firmado como um mestre da noite e tinha, então, uma enorme legião de discípulos. A despeito dos prognósticos contrários, o Casa Blanca tornou-se, por duas décadas, a mais freqüentada casa de encontro da cidade. Suas serestas, às quarta-feiras e sábados, atraiam grande público e se tornaram espaço de revelação de artistas locais, jovens talentos que viviam sob o manto do anonimato. Não raro o próprio dono do restaurante lançava mão do microfone e brindava os presentes com músicas consagradas; também, como boêmio boa praça, fazia companhia aos fregueses solitários, sentando-se à mesa e compartilhando uma conversa sobre qualquer tema. Segundo o próprio Lourinho, no Casa Blanca afloraram muitos casamentos. E separações também...

Casado com dona Meire Macedo Marques, é pai de Paula Francinete, Claudia Virginia, Lourival Filho (Afiro), Dorotéia Maria e José Pachêco.

Aos filhos, deu o anzol, ensinou a pescar e hoje todos estão encaminhados na vida. E ele, com vigor juvenil, continua trabalhando. Durante o dia, administra o Spázio Hotel. No inicio da noite, realiza religiosamente o mesmo périplo boêmio: visita bares e restaurantes de amigos, como Vanderlei e Nilo, senta com colegas, relembra o passado, analisa o presente e tem sempre uma opinião sobre o futuro.

Lourinho, que continues por muitos anos a salpicar de estrelas o nosso chão, cultivando novas amizades e erguendo brindes à vida! Parabéns!

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