quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

COLUNA PRESTES EM CRATEÚS



Soube que em Crateús, hoje, foi relembrada a histórica passagem da Coluna Prestes pela cidade.

Quando foi inaugurado o monumento que, lamentavelmente, foi erigido em local inadequado, escrevi a seguinte crônica:

MEMORIAL À COLUNA PRESTES

Outro dia, perto da minha casa, o Chico Ximenes me perguntou: - doutor, o que significa esse negócio de Coluna Prestes? (Referia-se à obra de construção do Memorial da Coluna Prestes, que está erigido entre as praças que ficam defronte a Estação Ferroviária). A interrogação do Chico é a mesma de toda a gente simples, do cidadão comum, do homem do povo: - Por que gastar o dinheiro público com uma obra dessa natureza? Se a nossa população é tão pobre, qual a razão de um investimento desse tipo? Se falta o pão em tantas mesas, não será desperdício realizar dispêndios em ações culturais?

O Titãs, um grupo pop cujas músicas encantam multidões juvenis, nos ensinou em uma de suas composições que “a gente não quer só comida”... Temos aí uma proposição de vida: tanto quanto nos esforçamos na distribuição dos bens materiais, precisamos nos dedicar ao fortalecimento do patrimônio imaterial.

Mais do que em qualquer outra quadra da existência humana, vivemos um tempo histórico que reclama o cuidado com a difusão de valores sublimes. Como a terra sedenta por boas sementes para a germinação saudável, o coração da mocidade é um campo aberto ao desenvolvimento de princípios norteadores de vida. Por que será que, a cada dia, aumenta o número de adolescentes que, em nossas comunas, se lança nas águas turvas e perigosas da marginalidade, da delinqüência, da criminalidade?
Outra razão não vislumbro senão a ausência de referenciais, de modelos a seguir, de exemplos a cultuar. É exatamente aí que emerge a história de Prestes.

Com pouco mais de vinte anos de idade, comandou a terceira maior marcha humana da história do planeta, a Coluna Prestes. Foi exilado. Amargou, durante anos a fio, o isolamento da prisão política. Olga Benário, sua mulher, de origem alemã, após ter dado à luz no pátio de um cárcere, foi decapitada pelos nazistas. Apesar do sacrifício durante toda a vida, manteve a grave dignidade dos grandes, a inquebrantável firmeza de idéias, a serenidade superior de um guerreiro vitorioso. Foi uma torre modelar.

Existem momentos que permanecem vivos, como o fogo ardente ou a água cristalina, no arquivo da nossa memória. Meu primeiro e único encontro com Prestes se insere no contexto desses momentos. Frente a frente, o jovem idealista e o velho combatente, a pujança adolescente e o fulgor rejuvenescido da maturidade. Era o mês de janeiro do ano de lutas de 1983. Para o aniversário comemorar, o “Cavaleiro da Esperança” tinha vindo ao Ceará. Numa quadra do Conjunto José Walter, em Fortaleza, dezenas de artistas, intelectuais, sindicalistas e militantes de esquerda se reuniram para festejar a vida do Comandante. Acompanhado de alguns amigos de Crateús (Chichica e Luizinha Camurça, da Pastoral da Terra; Gabriel e Tarcísia, casal militante do movimento de bairros; e Nery Azevedo, ex-seminarista), assistia às homenagens prestadas por gente talentosa como Taiguara e Patativa do Assaré. De repente, um raio de inspiração desceu sobre o meu cérebro e esculpi um poema para o grande herói militar e político do Brasil no século passado. Começava assim: “Prestes Brasileiro, queria que entre os meus lábios e o teu coração se estendesse agora uma ponte invisível – o rio Poty de Crateús - e que sobre essa ponte deslizasse, brilhando, as ternas palavras que ofereço à tua extensão revolucionária!”. Após a leitura dos versos, o legendário Capitão Luis Carlos Prestes levantou-se, olhou-me firmemente na retina, apertou minha mão com energia carinhosa e disse: - Muito obrigado, meu jovem! A figura carismática do homenageado - duro como uma rocha, indiferente à corrosão do tempo - lançou sobre mim um jato de vitalidade.

Aquela emoção calou fundo na minha alma e na minha poesia. Jamais seria o mesmo desde então. Minha alma ficou mais receptiva aos impulsos da Justiça; minha poesia passou a incorporar, também, um brado contra as injustiças do mundo...

Tenho por mim que esse Memorial, que leva a assinatura reluzente de Oscar Niemeyer, é uma realização que vai não só publicar para o mundo a participação de Crateús num dos movimentos épicos mais importantes da história nacional, mas também despertar a juventude para o mundo idealista dos valores essenciais. É válida essa obra. Merece nosso aplauso.

(Por Júnior Bonfim)

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