OBSERVATÓRIO
Júnior Bonfim
No final da tarde do dia 19 de setembro de 2001, tomei posse como Secretário de Educação de Crateús. O auditório estava lotado. Os professores em luta por melhores condições de trabalho agrupavam-se em torno do MOVE – Movimento dos Educadores – um embrião do Sindicato dos Professores, que logo depois tomaria forma. Uma enorme e agressiva faixa à direita do palco sinalizava o alto índice de tensão que orientava as relações entre os profissionais da educação e o comando da Secretaria. Ao falar, externei o interesse em inaugurar um modelo diferente de relacionamento, pautado no respeito mútuo e na construção de consensos possíveis, abstraindo barganhas e cooptações. Nos meses seguintes, evoluímos para uma saudável e civilizada convivência, onde o diálogo permanente era uma marca.
A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO
Política é, dentre outras, uma arte dialógica. A mais bela das ciências, que trata das questões da polis – ou, pela lição dos gregos, da cidade, da comunidade – a política está diretamente ligada à capacidade de articulação relacional entre representantes e representados. Digo isso a propósito do momento em que vive Crateús. Carlos Felipe é, desde primeiro de janeiro deste ano, o prefeito de todos os crateuenses. Plena de significados, sua ascensão ao topo da municipalidade carregou no alforje da trajetória dois grandes desafios: um de verniz político e outro de natureza administrativa.
O DESAFIO POLÍTICO
Do primeiro se sobressaiu com galhardia. Através de uma costura coligacional bem feita, passou a imagem de que era o “novo” e derrotou as principais lideranças tradicionais do município – que, embora juntas, não estavam unidas e não conseguiram se libertar da atmosfera de saturação. Embora tivesse ingressado na política local através de um partido então dominante, o PSDB, Felipe logo dele se desvencilhou e filiou-se a uma agremiação sem qualquer tradição eleitoral significativa no município, o PCdoB. Daí trabalhou um acerto com outros partidos pequenos e granjeou o apoio do PT, detentor de espaços na máquina estadual e das rédeas do governo federal. Por conseqüência, ganhou o direito de exibir a grife de Lula, o mais popular político do País. Esse bordado, aliado a um vigoroso trabalho pessoal de atendimento eficiente às pessoas, lhe garantiu a mais estupenda vitória da história eleitoral de Crateús.
O DESAFIO ADMINISTRATIVO
Passada a eleição, Felipe passou a lidar com o segundo e mais expressivo desafio da sua vida como político: encarar os problemas administrativos de Crateús e apresentar soluções consistentes. Obter êxito nesse quesito é o obstáculo mais poderoso que deverá transpor. Todos os prefeitos que o antecederam ultimamente, em maior ou menor intensidade, foram também eleitoralmente vitoriosos. Tropeçaram no aspecto administrativo. Qual o caminho, então? Inexiste receita pronta. Como disse o poeta, “o caminho se faz ao caminhar”.
INDICATIVO I
Um indicativo, porém, há que ser colocado: é difícil encontrar um gestor bem-sucedido que tenha obtido sustentabilidade na sua caminhada sem uma boa capacidade de articulação e diálogo. Primeiro, para conseguir a adesão interna, de funcionários e colaboradores. Segundo, para obter apoio externo e viabilizar os grandes projetos de cunho estruturante que o município reclama. Na seqüência, fazer o dever de casa: definir um curso (planejar), afinar o discurso (buscar unidade), alocar bem os recursos (humanos e financeiros) e não desviar o percurso (andar nos trilhos da lei).
INDICATIVO II
A abertura ao diálogo na coisa pública desdobra-se, também, noutra faceta: a aceitação da crítica, que pode ser justa ou injusta. Ouvi, por exemplo, uma observação pertinente: “o prefeito fez uma campanha contra os ex-prefeitos e contra quem não era de Crateús. Hoje, na sua equipe, quem não é de fora esteve ligado aos ex-prefeitos. A única exceção é o Secretário de Agricultura, que confirma a regra”. É óbvio que esse tipo de crítica não pode irritar o gestor. Ele não está errado em nomear pessoas doutros lugares ou que trabalharam em outras gestões, desde que sejam competentes. Equivocado ele estava quando transformou o discurso da aversão às pessoas de fora ou aos ex-gestores em bandeira de campanha. O grande desafio de Crateús não é de separação, mas de superação, que pressupõe união.
INDICATIVO III
A grande questão que se coloca para o Prefeito é: como dar efetividade ao discurso que inflamou de esperança toda uma população?! Que mecanismos vão ser oferecidos ao povo para que este tenha um controle das ações? Como demonstrar que os programas serão transparentes? Quais os instrumentos reais de participação popular?
CÂMARA
No episódio da eleição da Câmara Municipal, o Prefeito saiu chamuscado. Entrou em bola dividida, quando não deveria. Olvidou a lição de Jean Jacques Rousseau: “aquele que governa os homens não deve governar as leis, o que governa as leis não deve também governar os homens”. Quem se sobressaiu foi o vereador Márcio Cavalcante. Agiu habilmente. De ovelha negra do PSDB passou a ser cortejado como o único edil do partido. Dialogou bem com os demais colegas, articulou-se com as cúpulas partidárias e sagrou-se Presidente de novo. Quando imaginavam que seria um político fadado a sentar-se numa cadeira isolada, abiscoitou o principal assento do Legislativo Crateuense. A sua postura independente vai exigir que o Executivo use de muito jogo de cintura para garantir a materialização do princípio da harmonia.
PARA REFLETIR
“Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”. (Voltaire)
(Publicado no Jornal Gazeta do Centro-Oeste de hoje)
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