quinta-feira, 6 de novembro de 2008

GENTE QUE BRILHA - GUIDO DAREZO



Júnior Bonfim

É difícil imaginar, nesses tempos de culto à especialização, que ainda exista alguém com perfil multifacetário, como o foi um Leonardo da Vinci, por exemplo. Mas – dirão - Da Vinci é exceção, pois era um gênio, desses que manejava com invejável maestria talentos distintos como o diletantismo da pintura, o raciocínio matemático, a destreza para a escultura, a inventividade de um arquiteto, a percepção de um físico, a intimidade com as letras de um escritor, o tirocínio de um engenheiro, a ludicidade poética, a lucidez científica, o coração botânico e a alma musical.

Pois numa radiosa manhã de domingo, aquecido pelo sol especial deste ano da graça de 2008, vagueando pelas ruas de Crateús à cata de uma figura reluzente que estrelasse esta página, deparo-me com o mestre Antonio Guido Brito da Silva, o nosso Guido Darezzo.

Como Leonardo, Guido é um ser misterioso e carrega dentro de si habilidades distintas: adora pintura, estuda desenho geométrico, é fascinado por arquitetura, ganhou nome como especialista ótico, tornou-se artista consagrado, é afamado pé de valsa dos mais disputados e, em especial, é amante da música. Por isso o nome artístico Guido Darezzo, numa referência ao monge italiano que, baseando-se em um texto sagrado em latim, cantado pelas crianças do coral para que São João os protegesse da rouquidão, criou a pauta musical e batizou as notas musicais com os nomes que conhecemos hoje: dó, ré, mi, fá, sol, lá e si.

A paixão pela música o arrebata desde a adolescência, quando começou a comprar discos de vinil e colecionar. Hoje, ainda conserva cerca de dois mil LPs, todos catalogados na velha máquina de datilografia. Ao tocar no assunto, ele filosofa: “Música é algo fantástico, que mexe com as pessoas. Ela nos transporta, tem a magia de nos fazer sonhar. E, o que é mais incrível, toda música começa no silêncio”.

O fortalezense de nascimento chegou a Crateús, na década de 60, para passar quinze dias trabalhando numa ótica. Adorou a água do Poty e nunca mais retornou. “Sempre gostei do que é bom: coisas e pessoas”. Freqüentando os bons locais, sobretudo os clubes da cidade, já enturmado na sociedade organizada, conheceu a elegante professora Toty Azevedo, que reputa como a pessoa mais importante de sua vida. Com ela trocou aliança e constituiu família, um varão e duas damas. Constantino reside em Resende, Rio de Janeiro, é militar da Academia Militar da Agulhas Negras (AMAN). Josefina optou pela área de saúde e mora em Brasília, onde exerce a profissão de enfermeira. Magdalena, a mais nova, cursa faculdade de Psicologia. Conta com emocionada alegria quando, certa feita, dirigindo-se ao rebento, exclamou: “Meu filho, meu ídolo!”. E a resposta veio rápida: “Não é o contrário, papai?!”

Há alguns anos optou por viver sozinho. Esquivo-me de indagar os motivos, pois percebo que estou diante de uma figura transcendental, descolada da mediocridade, que já percorreu veredas incomuns e escalou ladeiras contemplativas. Está, pois, acima da média.

Igualmente, abstenho-me de perguntar sua idade. Sei que mocidade e velhice são estados mentais. Como que percebendo o interesse, adianta-se: “Tenho 22 anos. Ano que vem completo 21”.

Foi com a jovialidade saltitando na mente criativa que, há alguns anos, começou a transformar lixo de vidro em obra de arte. O reconhecimento veio há dez anos atrás quando foi premiado no I Salão de Artes de Crateús, uma iniciativa da Casa de Arte e Cultura Belchior. Daí foi expor em Belo Horizonte, Minas Gerais, onde conheceu artistas de nome nacional. Sua arte já é apreciada em vários lugares do Brasil.

Miro uma de suas obras-primas, uma réplica da Torre Eiffel, o símbolo máximo de Paris, o monumento mais visitado do mundo. Construiu-a com pedaços de vidros, medindo milimetricamente cada módulo, o que a torna desmontável.

Cercado por mandalas e oratórios que enfeitam o seu longo e esbelto espaço comercial - uma combinação de ótica, atelier, museu, oficina e showroom de peças artísticas – faço uma última indagação: - ‘Qual o preço?’ Ele responde: - “Sempre que me perguntam o valor de cada peça, eu devolvo a pergunta: Quanto você acha que vale? Isso é obra de arte. Arte não tem preço. Vale o que cada um lhe dá. E cada um dá conforme o seu gosto, a sua percepção, a sua apreciação. É O PREÇO DO APREÇO!”

(Publicado na Revista Gente de Ação - setembro/08)

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