sexta-feira, 23 de outubro de 2009

DIA DO AVIADOR - LEMBRANDO SANTOS DUMONT




URUBU VOA? HOMEM VOA?

Nas tardes quentes da fazenda do engenheiro Dumont, em Ribeirão Preto, São Paulo, os meninos brincam. Estamos no princípio dos anos oitenta do século XIX. Na Rússia, o czar Alexandre II. foi assassinado, sucedendo-lhe Alexandre III, e Dostoievski escreve Os Irmãos Karamazov. O reino da Sérvia é proclamado e a Itália junta-se à Alemanha e à Áustria na Tríplice Aliança. Wagner compõe o Parsifal, morrendo dois anos depois. Marx morre também. A linotipia é inventada. No Brasil, reina o imperador Pedro II, há ainda feridas e soam os ecos da vitória sobre o Paraguai na última das guerras platinas, os mações e os republicanos conspiram, a abolição da escravatura divide a sociedade brasileira. Já em 1871 a Lei do Ventre Livre viera libertar os filhos de escravos nascidos a partir desse ano. O caminho-de-ferro vai abrindo novas comunicações, as indústrias surgem pelo país, há conflitos entre o Estado e a Igreja. Tudo isto são coisas que interessam muito ao engenheiro Dumont e aos amigos que aos serões se reúnem na fazenda e discutem estes temas com ar grave, cofiando bigodes, alisando barbas, bebendo um cordial e fumando olorosos charutos. Os jornais de São Paulo todos os dias renovam ou reacendem os assuntos.

Porém, nenhum destes importantes acontecimentos preocupa os meninos que brincam na varanda da fazenda. Estão a jogar ao jogo das prendas. Um deles pergunta: - Voa o gato? Todos gritam: - Não! - Voa o urubu? Levantam os braços: Voa! Voa o carcará? - Voa! - Voa o homem? Todos menos um gritam: - Não! Alberto, um dos filhos do engenheiro, levanta os braços e grita: Voa! Risadas dos irmãos e dos outros meninos. Alberto tem de pagar uma prenda. Ri-se com os outros, mas teima: - Um dia, o homem há-de voar!

O seu mestre Júlio Verne diz-lhe que sim, que o homem voa. Sua irmã Virgínia ensinou-o a ler. Frequenta agora o Colégio, mas todos os tempos livres são passados a devorar as páginas de Cinco Semanas em Balão, de Da Terra à Lua, de Vinte Mil Léguas Submarinas ou da Volta ao Mundo em Oitenta Dias. Phileas Fogg ou o Capitão Nemo são personagens com quem convive no seu dia-a-dia. Nas páginas de Verne, o homem voa já, até mesmo para fora do planeta. Alberto sabe que não faltará muito para que nos céus da realidade o homem voe também.

Na fazenda, Alberto observa as máquinas. As lavadeiras, o descascador, o separador, o ensacador onde o café faz o seu percurso desde a plantação até aos sacos em que seguirá nos vagões do caminho-de-ferro. Vendo as pesadas locomotivas a vapor, conclui que nunca será com máquinas assim que o homem poderá voar. À mente do jovem sonhador acorrem as lendas de Dédalo, Ícaro e Ariel, a história de Olivier de Malmesbury, o monge inglês que, no século XI, construiu um par de asas e com elas se lançou do alto de uma torre, quebrando as pernas, os desenhos de Leonardo da Vinci sobre as estrutura das asas dos pássaros, os músculos que as movem, a função das penas, a tentativa de Bartolomeu de Gusmão que, em 1709, se eleva a 200 pés de altura nos céus de Lisboa, perante a pasmada corte de D. João V, na sua Passarola, ou a «máquina de andar pelos ares», como também lhe chamava, as experiências dos irmãos Montgolfier, a morte de Pilâtre de Rozier ao tentar atravessar a Mancha em balão... Uma das suas brincadeiras favoritas é a de lançar papagaios e de correr, segurando a corda, fazendo-os voar. Nas noites de São João, ele e outros meninos constróem balões de papel. Quando os soltam, fica a vê-los perder-se no céu escuro, uma pequena e luminosa mancha colorida, que o ar quente da mecha faz subir. Em 1888, ano em que a escravatura é abolida no Brasil, visita com a família São Paulo. Numa feira vê, deslumbrado, pela primeira vez um homem voar: um acrobata estrangeiro sobe num balão e lança-se depois em pára-quedas.

FINALMENTE, O SUCESSO

As aventuras e desventuras do «brasileiro voador» tornam-no numa figura conhecida de Paris. Mas ele não se deixa embriagar pelo sucesso, e vai aperfeiçoando as suas máquinas.
E, em Outubro de 1901 sobe no n.º 6, dá uma volta completa à Torre Eiffel e regressa a Saint-Cloud. Demorou 31 minutos, mais um do que o regulamento do prémio estabelece como limite. Ovações da multidão e hesitações do júri. Finalmente, o prémio é-lhe entregue pois, embora ainda no ar, atravessou a linha de chegada dentro do tempo. Santos-Dumont reparte o valor do prémio com técnicos e auxiliares e o que resta é distribuído por operários desempregados.

O êxito internacional chega por fim. É homenageado em Londres num banquete do Royal Aero Club. O príncipe do Mónaco convida-o a construir um hangar e uma oficina no principado. Eugénia de Montijo, a viúva de Napoleão III visita-o. O governo francês contrata-o para construir o primeiro aeródromo do mundo em Neuillly. O inventor concebe o Santos-Dumont n.º 7 e, a seguir, o n.º 9 (detesta o número oito e, por isso, salta-o). O n.º 9, a Balladeuse, fica famoso. É o meio de transporte pessoal de Santos-Dumont - nele, desloca-se em Paris, visita amigos, vai a almoços e a reuniões... Torna-se familiar nos céus de Paris. Uma vez, os parisienses vêem, preocupados, a aeronave perder altura. Será que vai estatelar-se? Não. Pousa suavemente na rua. Alberto sai, impecavelmente vestido, entra num bar e pede um café. E os modelos sucedem-se, cada vez mais perfeitos. Em 1905 nasce o n.º 14. E, logo após, o célebre 14-Bis. O 14-Bis é já um aeroplano, dotado de um motor a gasolina. A princípio eleva-se rebocado pelo n.º 14 e daí o seu nome. Depois, Dumont atrela-o a um burro que, fustigado, corre pela pista, até que o aeroplano sobe. Mais uma vez, recorre à sua experiência infantil dos papagaios de papel. Em 1906, ainda no 14-Bis, ganha os prémios do Aeroclube e Archdeacon. É considerado o pai da aviação, embora outros, tais como os americanos irmãos Wright, reivindiquem também essa glória.

A MORTE PASSA A TER ASAS

Quando, em 1914, se desencadeia a Primeira Grande Guerra uma nova panóplia de armas vai surgindo: submarinos, gases tóxicos, carros blindados, balas explosivas e aviões. As potências deitam mão de todos os meios de destruição que têm ao alcance das mentes perversas dos dirigentes políticos e militares. Invenções concebidas para fins pacíficos, são convertidas em máquinas de morte. Quando a guerra acaba, há dez milhões de soldados mortos, cidades destruídas, milhões de civis mortos ou sem lar.

Entretanto, Santos-Dumont, devido a doença, é obrigado, desde 1910, a abdicar dos seus voos sem, no entanto, se desligar da aviação. Assiste horrorizado à transformação do seu invento em mais um recurso do Apocalipse. Lança um apelo às potências beligerantes para que seja proibido o armamento aéreo. Sem qualquer resultado. Sempre que tem conhecimento de um bombardeamento aéreo, de um combate entre aviões ou mesmo de um acidente, cai em depressão profunda. A sua ideia não era esta...

Compra então um terreno em Petrópolis, perto do Rio, e aí constrói uma casa provida de diversas comodidades que antecipam alguns dos electrodomésticos actuais. Chama-lhe Encantada. Aí escreve um livro, O Que Eu Vi, o Que Nós Veremos. Procura dar uma ajuda ao governo brasileiro, dando conselhos sobre a construção de aeroportos, a formação de pilotos e a construção de aviões.

Em 1922 volta a Paris. É convidado para presidir ao banquete de homenagem a Charles Lindbergh que atravessou o Atlântico Norte, mas a doença impede-o. Em 1928 volta de novo ao Brasil. Continuam as homenagens: a Legião de Honra francesa, um lugar na Academia Brasileira de Letras (que não ocupa). Indiferente a tudo, Santos-Dumont ignora honrarias e nem sequer registra as patentes das suas múltiplas invenções. A depressão ataca-o cada vez mais. Sente-se responsável por todos os acidentes aéreos, pelo aproveitamento militar do seu esforço científico, por tudo o que de mau a aviação significa. Com menos de sessenta anos é um velho doente e taciturno.


O ÚLTIMO PAPAGAIO

Desde 1930, seguindo o exemplo da Europa, onde na Alemanha, em Itália, em Portugal, regimes de extrema direita vão tomando o poder, o Brasil é também governado por uma ditadura, o chamado «Estado Novo» de Getúlio Vargas. Em 1931, Santos-Dumont, cada vez mais doente física e psiquicamente, regressa de França e instala-se próximo de São Paulo, rodeado de cuidados pelos familiares. Parece melhorar, faz pequenos passeios, frequenta a Hípica Paulista e o Clube Atlético Paulistano, visita a redação de O Estado Paulista.

Em 9 de Julho, desencadeia-se um movimento constitucionalista em São Paulo. Diversas forças políticas procuram restabelecer a normalidade democrática sufocada pela ditadura getulista. Santos-Dumont entusiasma-se. Está na praia do Guarujá a convalescer. Redige um manifesto aos mineiros incitando-os a porem-se ao lado dos paulistas. Mas o governo de Getúlio Vargas vai reprimir brutalmente o movimento. Na manhã de 23 Alberto veio até à praia e ajuda um menino a elevar o seu colorido papagaio de papel. Corrigido o peso da cauda, endireitada uma cana da estrutura, o papagaio sobe orgulhoso nos ares. O menino exulta e bate palmas. Dumont sorri ternamente e olha os céus. Nessa altura ouve-se um ruído crescente e na linha de horizonte cresce uma esquadrilha aérea. São aviões federais que vão bombardear um cruzador paulista ancorado em Santos. Brasileiros matam brasileiros servindo-se de uma máquina que ele inventou e foi aperfeiçoando, passo a passo, com tanto amor e ilusão...

Vai para casa e suicida-se nessa noite.

(Por Carlos Loures)

PARA REFLETIR

"No começo deste século, nós, os fundadores da Aeronáutica, havíamos sonhado com um futuro pacífico e grandioso para ela. Mas a guerra veio, apoderou-se de nossos trabalhos e, com todos os seus horrores, aterrorizou a humanidade." (Santos Dumont)

O DEFENSOR DA LEGALIDADE - ÚLTIMA CARTA DE SANTOS DUMONT


"São Paulo, 14 de julho de 1.932

Meus patrícios.

Solicitado pelos meus conterrâneos mineiros moradores neste Estado, para subscrever uma mensagem que se reivindica a ordem constitucional do pais, não me é dado, por motivo de moléstia, sahir do refugio a que forçadamente me acolhi, mas posso, ainda, por essas palavras escriptas, affirmar-lhes, não só o meu inteiro applauso, como também o apello de quem tendo sempre usado a gloria da sua Pátria, dentro do progresso harmônico da humanidade, julga poder dirigir-se em geral a todos os seus patrícios, como um crente sincero em que os problemas de ordem política e econômica, que ora se debatem, somente dentro da lei magna poderão ser resolvidos, de forma a conduzir a nossa Pátria á superior finalidade dos seus altos destinos.

Viva o Brasil unido!

Santos Dumont"

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

CONJUNTURA NACIONAL



CABRAL TOSQUIADO?

Sérgio Cabral, ainda embriagado pela vitória do Rio na conquista da Olimpíada de 2016, foi chamuscado pelo fogo que consumiu o helicóptero abatido por tiros de fuzil dos bandidos. Sérgio Cabral terá na segurança pública o calcanhar de aquiles dos tempos que virão. Matéria negativa caindo na mídia internacional funcionará como fogueira a consumir a boa imagem positiva alcançada pelo extraordinário esforço de nossas autoridades olímpicas. Lula promete dar, de imediato, R$ 100 milhões para o combate à bandidagem. Pode-se esperar por mais uma dezena de policiais mortos e mais uns 100 marginais.

CUNHA MELO

Histórias de ontem no Senado. Um senador, chateado porque suas verbas não eram liberadas, anunciou para os colegas de bancada:

- Precisamos romper com o governo.

Cunha Melo, sábio e matreiro, pegou o chapéu e saiu de fininho :

- Vou saindo. Tem coisas que não se deve nem ouvir.

ALIANÇA DE COMPROMISSO

O PMDB e o PT enfiam a aliança de compromisso no dedo, sob as bênçãos do cardeal Luiz Inácio. As cúpulas dos partidos se fizeram presentes no ato que terá, ainda, os seguintes desdobramentos. Noivado dentro de um a dois meses, ocasião em que será produzido o anúncio de casamento, com estabelecimento das regras e, mais adiante, casamento com pompa, oportunidade em que será anunciado o modus operandi do noivo na campanha de dona Dilma. O PMDB não quer apenas ceder tempo eleitoral. Quer ser parceiro forte no casamento, com direito a apontar rumos. O programa, portanto, será uma palavra chave.

PACTO PODE SER ROMPIDO

Semana passada, este consultor sinalizou um possível pacto em Santa Catarina envolvendo os parceiros do PMDB, DEM e PSDB. Pelo pacto, em janeiro/fevereiro de 2010, o candidato a ser escolhido seria aquele com melhor índice nas pesquisas. Ao que parece, a coisa não será bem por aí. O PMDB quer porque quer lançar candidato ao governo. O nome: Eduardo Moreira, presidente do partido no Estado. Moreira está com 7% de intenção de voto contra os cerca de 20% dos pré-candidatos do DEM, senador Raimundo Colombo, e Leonel Pavan, do PSDB e vice-governador. Será uma parada dura. Eduardo Moreira e Ideli Salvati, eventual candidata do PT, teriam, a esta altura, firmado compromisso de apoio mútuo no segundo turno.

LUIZ HENRIQUE

Quem deseja manter o pacto entre os três partidos é o governador Luiz Henrique. Mas Eduardo Moreira defende outro pacto. Que inclua obrigatoriamente o candidato do PMDB no centro das conversações. Vai ser uma parada federal.

SINDICALISMO VÂNDALO

Ainda há sindicatos no país que acham que o sindicalismo é campo para a bandidagem. Para a vassalagem. Para servir aos oportunistas, picaretas e arrivistas. Um desses sindicatos, vez por outra, ameaça investir sobre a seara de outros. Não conformado em querer solapar as bases de outra entidade empresarial – prestigiada e de alta credibilidade no mundo sindical – tenta, por meio de medidas solertes, acampar também no terreiro do sindicato laboral. Seus dirigentes, como aves de rapina, ignoram o fato de que, a qualquer hora, essa tentativa de emboscada será denunciada e eles, sim, eles mesmos, serão pegos com a boca na botija e abatidos em pleno ar. Nos bastidores, muito se sabe sobre as peripécias da corja.

O OLHO DE MOSCOU

João Goulart em um papo com Getúlio Vargas:

- Presidente, há muita gente desempregada, muito trabalhador posto no olho da rua.

Getúlio:

- Isso é muito ruim. Operário posto no olho da rua vai logo para o olho de Moscou.


SUNGASUPLICY

O senador Eduardo Suplicy procura desesperadamente companheiros e amigos para explicar o indigitado gesto de vestir sunga vermelha sobre as calças. Teria sido uma brincadeira. Batizada de coisa ridícula. O caso já foi arquivado. E que sirva de lição. Há uma liturgia de poder e de autoridade que não pode ser rasgada pela palhaçada midiática. Que, aliás, cumpre o papel de mostrar um Congresso capenga. E de baixa credibilidade.

QUÉRCIA SE MOVIMENTA

Orestes Quércia tenta sensibilizar os governadores Roberto Requião e Luiz Henrique, atraindo-os para a esfera das oposições. Requião está fechado com Lula. O que prega no PMDB é uma consulta às bases para que o programa de governo de Dilma Rousseff contenha as propostas do partido. Já Luiz Henrique está fechado com Serra. Por conta das conveniências regionais e do pacto entre PMDB, PSDB e DEM. Quércia teme que o PMDB, por maioria dos convencionais, feche posição com o PT. Essa é a tendência hoje.

GRANDEZA DE OUTRORA

Augusto Franco, governador, cheio de si, desceu no Galeão, e foi logo respondendo à pergunta de uma atendente da Varig:

- O Sr. é o Dr. Augusto Franco, de Sergipe ?

- Não, minha filha, Sergipe é que é de Augusto Franco.

O NOVO DENTRO DO VELHO

No Brasil, a reciclagem toma conta até das conversas e das promessas. Roger Agnelli, pressionado por Lula, promete para 2010 investimentos da ordem de R$ 12,9 bilhões. Parece coisa nova. Que nada. São investimentos que, há tempos, figuram no budget da mineradora Vale.

E AGORA?

O presidente da Corte Suprema, Gilmar Mendes, não tem dúvidas: Lula e Dilma antecipam a campanha. O que dirá, agora, o TSE? Se a Justiça Eleitoral está sendo testada, qual será sua reação? Com a palavra, suas Excelências.

O TAMANHO DOS TUCANOS

Rodrigo Maia, presidente do DEM, diz que, se os tucanos excluírem São Paulo, seus bicos ficam do tamanho dos bicos das maritacas. O argumento do deputado quer indicar a maior capilaridade do DEM em termos nacionais. Não é que Maia tem razão? Os DEM estão mais espalhados, povoam de maneira mais horizontal os espaços nacionais e, dessa forma, chegam de forma mais intensa às proximidades populares. Boa observação.

PT E PSDB JUNTOS?

Ante a constatação aguda de Rodrigo Maia, dá até para desconfiar de que um acordo secretíssimo juntaria interesses de tucanos e petistas. Sob que lógica? O rodízio no poder. Sai um, entra outro. Perpetuando a hegemonia dos dois partidos. Sob a gangorra do PMDB que, também, acompanharia um e outro, nas subidas e descidas da montanha política. Pelo acordo, o DEM estaria condenado ao enforcamento. A hipótese, longe de apego ao catastrofismo, tem lógica.

DISCURSOS DE CAMPANHA

Os discursos para a campanha começam a ser arrumados, conforme descrevi em meu artigo dominical no Estadão. Dilma tentará enfiar o perfil de Serra no curral da era FHC. Usando conceitos e chavões do tipo: ambição privativista e modelo neoliberal. Serra acusará o "estilo petista de governar" com a volta do velho patrimonialismo e o resgate de novas formas de engorda do Estado. Haja vista a República Sindicalista. Ciro, se for candidato, embarcará na canoa de integração entre Estado e iniciativa privada, maior investimento na área educacional e esforço para que o país tire o atraso tecnológico. E Marina, claro, vestirá o traje verde da sustentabilidade ambiental.

RECONVOCAÇÃO DE LINA?

Essa idéia de reconvocar Lina Vieira para confirmar a existência de uma agenda e, assim, acender a fogueira contra a ministra Dilma é, aqui pra nós, ausência de discurso substantivo. Velhas feridas tampadas só jorram sangue depois de novos e contundentes ferimentos no mesmo local. Ao que parece, o que vê, naquele espaço, é imagem cicatrizada. E muito esparadrapo.

ADEUS AO "PIRA"

Meu comovido adeus ao grande publicitário e amigo Luiz Celso de Piratininga, figuraça da história da propaganda. Tive a honra de participar, na ECA - USP, de sua banca de mestrado em tempos idos. E a satisfação de dar-lhe a nota máxima. Humano, gentil, espirituoso, criativo. Que Deus o conserve no melhor dos cantinhos do céu.

MISTURA DE CORES E SABORES

Esse consultor, vez ou outra, brinca com a salada mista que se exibe nas mesas da política partidária. E sai por aí mostrando incongruências. O que tem a ver Paulo Skaf com o socialismo do PSB? O que tem a ver o bom deputado Armando Monteiro, presidente da CNI, com o petismo? Pois bem, em Pernambuco, Monteiro deverá fazer aliança com o PT, saindo ele e João Paulo, ex-prefeito de Recife, como candidatos ao Senado. Sinais dos tempos. Com exceção das siglas radicais, os grandes e médios partidos são geléia partidária, pasteurizados, amorfos. Então, não há muita razão em se criticar algo que inexiste, como doutrina ou ideologia.

PÉROLAS DO ENEM

Vejam as pérolas dos alunos no Enem:

'O sero mano tem uma missão….'

'O Euninho já provocou secas e enchentes calamitosas.'

'O problema ainda é maior se tratando da camada Diozanio!'

'Enquanto isso os zoutros… tudo baixo nive.'

'A situação tende a piorar : os madereiros da Amazônia destroem a Mata Atlântica da região.'

'O que é de interesse coletivo de todos nem sempre interessa a ninguém individualmente.'

'Não preserve apenas o meio ambiente e sim todo ele.'

'O grande problema do Rio Amazonas é a pesca dos peixes.'

'É um problema de muita gravidez.'

'A AIDS é transmitida pelo mosquito AIDES EGIPSIO.'

'Já está muito de difíciu de achar os pandas na Amazônia.'

'Vamos deixar de sermos egoistas e pensarmos um pouco mais em nos mesmos.'

'Eu concordo em gênero e número igual.'

'Precisa-se começar uma reciclagem mental dos humanos, fazer uma verdadeira lavagem celebral em relação ao desmatamento, poluição e depredação de si próprio.'

CONSELHO A EDUARDO SUPLICY

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na edição passada, o espaço foi destinado aos marqueteiros. Hoje, volta sua atenção ao Senador Eduardo Suplicy:

1. Lembre-se do conselho do general Sun Tzu: "há estradas que não devem ser percorridas e cidades que não devem ser sitiadas". Ou seja, há vestes que não devem ser vestidas. Há sungas vermelhas que não devem ser experimentadas, mesmo se uma sereia cantar loas no seu ouvido.

2. Dê interpretação adequada ao princípio de Maquiavel: "os fins justificam os meios". Quando os meios são mais esdrúxulos e ridículos que os fins a que servem, o tiro sairá pela culatra. No caso, o tiro da sunga foi um bumerangue.

3. Pense uma, duas, três vezes antes de enfrentar uma situação que pode resvalar pelo ridículo. Que pena. Desta feita, sua índole não o ajudou. Por quê? Pelo fato de Vossa Excelência ser considerada pessoa que pensa tão devagar a ponto de a palavra sair antes da idéia.

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(Por Gaudêncio Torquato)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

NO DIA DE HOJE, EM 1971, NERUDA RECEBIA O NOBEL DE LITERATURA


No dia 21 de outubro de 1971, quando recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, Pablo Neruda proferiu um discurso que se tornou célebre pela veemência e lirismo.

Ao final, proclamou:

Nossas estrelas primordiais são a luta e a esperança. Mas não há luta nem esperança solitárias. Em todo homem se jun­tam as épocas remotas, a inércia, os erros, as paixões, as urgên­cias do nosso tempo, a velocidade da História. Mas o que seria de mim se eu, por exemplo, tivesse contribuído de alguma ma­neira com o passado feudal do grande continente americano? Como poderia eu levantar a cabeça, iluminada pela honra que a Suécia me outorgou, se não me sentisse orgulhoso de ter toma­do uma mínima parte na transformação atual do meu país? É preciso olhar o mapa da América, encarar a grandiosa diversi­dade, a generosidade cósmica do espaço que nos rodeia, para entender que muitos escritores se negam a compartir o passado de opróbrio e de pilhagem que obscuros deuses destinaram aos povos americanos.

Escolhi o difícil caminho de uma responsabilidade compartida e, em vez de reiterar a adoração ao indivíduo como sol cen­tral do sistema, preferi entregar com humildade o meu serviço a um considerável exército que pode errar às vezes, mas que ca­minha sem descanso e avança cada dia, enfrentando tanto ana­crônicos recalcitrantes, quanto enfatuados impacientes. Porque acredito que meus deveres de poeta não me indicavam somente a fraternidade com a rosa e a simetria, com o exaltado amor e a nostalgia infinita, mas também com as ásperas tarefas humanas que incorporei à minha poesia.

Há exatamente cem anos, um pobre e esplêndido poeta, o mais atroz dos desesperados, escreveu esta profecia: “À l’aurore, armes d’une ardente patiente, nous entrerons aux splendides Villes” (Ao amanhecer, armados de uma ardente paciência, entraremos nas esplêndidas cidades).

Acredito nesta profecia de Rimbaud, o vidente. Venho de uma obscura província, de um país separado de todos os outros pela sua talhante geografia. Fui o mais abandonado dos poetas e minha poesia foi regional, dolorosa e chuvosa. Mas sempre ti­ve confiança no homem. Jamais perdi a esperança. Por isso talvez tenha chegado até aqui com a minha poesia, e também com a minha bandeira.

Em conclusão, devo dizer aos homens de boa vontade, aos trabalhadores, aos poetas, que todo o futuro foi expressado nes­sa frase de Rimbaud: só com uma ardente paciência conquista­remos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dignidade a todos os homens.

Assim a poesia não terá cantado em vão.


(Pablo Neruda)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

OBSERVATÓRIO

“A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam. (...) O poder não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro. Agrade, ou não agrade, as Constituições que abraçaram o governo da Nação pela Nação têm por suprema esta norma: para a Nação não há segredos; na sua administração não se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores não cabe mistério; e toda encoberta, sonegação ou reserva, em matéria de seus interesses, importa, nos homens públicos, traição ou deslealdade aos mais altos deveres do funcionário para com o cargo, do cidadão para com o país.”

NOSSO PAPEL

As palavras acima são de Rui Barbosa, crânio iluminado, gênio do direito, altivo tribuno, ícone do jornalismo combativo brasileiro há mais de um século atrás. Desde quando assumimos o compromisso de regar esta coluna, moldura analítica dos fatos atinentes à coisa pública, sempre procuramos insuflar a pluralidade, realizar o patrocínio do bem, professar a fé na democracia em ação. Sabemos que o debate político sempre é contaminado pela cegueira proveniente da obsessão pelo poder. Tinge-o a lama da ambição desmesurada. E isso leva, invariavelmente, ao terreno movediço do açodamento pessoal. A crítica a um projeto, imprescindível corretivo, é vista pelo sectário como um afronta à pessoa. E leva o homem público, ao invés de investigar o fato pontuado, a buscar devolver com uma ação para desqualificar quem critica. E perdemos a oportunidade do bom debate, aquele circunscrito à arena das idéias.

NOSSO PAPEL II

Temos uma posição nítida como a manhã de verão. Fazemos, em relação aos governantes, a cobrança em cima dos compromissos por eles celebrados em praça pública. É de conhecimento geral que o atual governo municipal de Crateús assumiu a revolucionária bandeira da alteração dos costumes políticos, da transformação social, da defesa dos trabalhadores, da “vida nova”. O ideário é belo, louvável. Cabe aos órgãos de imprensa, lentes da sociedade, perscrutar se o caminho pregado está sendo seguido. Na edição passada, postamos aqui uma observação sobre o projeto de lei que diminui o limite daqueles chamados requisitórios de pequeno valor. Ao invés de discutir o projeto, e apresentar justificativa plausível, houve quem preferisse assacar contra este escriba, disparando uma ironia: “parece que esse pessoal esquece que fez parte das administrações passadas”... Como se isso viesse ao caso. Ou possíveis equívocos de alhures fosse salvo-conduto para, no presente, quem está no poder assumir a rota da incoerência.

PSDB

A cúpula do PSDB crateuense se reuniu e resolveu acertar o ninho. Ao invés de continuar se bicando, os tucanos avaliaram o cenário político municipal e acertaram uma agenda mínima de trabalho. Escolheram, para presidir o partido, o professor e empresário José Vagno Mota, que vai se responsabilizar pela oxigenação do grêmio partidário, incorporando novos segmentos e desenhando uma agenda propositiva para a cidade. Demais disso, foi acertado manter acesa a chama oposicionista e cumprir os compromissos firmados na eleição passada: manter a parceria com o PMDB, a quem caberia indicar um candidato a Deputado Federal e votar no estadual tucano.

PMDB

Sucede que parte do PMDB se rendeu aos acenos da situação. Alguns raciocinam que é difícil sobreviver longe do poder. Esquecem que o fascínio da política reside no seu dinamismo - demonstrado no processo dialético de morte e ressurreição (um político, aparentemente morto, pode ressurgir das cinzas). Emblemático disso é o caso de Zé Almir, expressão maior do peemedebismo local. Em 2000, após uma pesada derrota, manteve-se firme na oposição. Quatro anos depois, retornava ao comando do Paço Municipal. Porém, o imediatismo tem falado mais alto. O vereador João de Deus, que se iniciou na radiofonia como comentarista esportivo, assumiu a Secretaria Municipal de Esportes. Fala-se que o apoio dessa facção do PMDB ao Prefeito está adstrito à esfera administrativa. É esperar para ver.

PARTICIPAÇÃO

Enquanto o prefeito conversa exaustivamente com os políticos tradicionais, esquece de dialogar com os setores mais avançados da sociedade civil organizada. É grande a queixa de que os setores populares estão marginalizados das essenciais decisões. Inexistiu um debate amplo e qualificado sobre os principais projetos gestados este ano. Lamentam o estilo personalista do Chefe do Executivo. Quando convida as pessoas para conversar, só ele fala e transparece uma auto-suficiência fora do normal. Sabe tudo e dispensa a opinião alheia. Essa postura tolhe a oportunidade de sentir a atmosfera de insatisfação que o rodeia, interna e externamente. Exemplo disso são as baixas na equipe. O desconforto já levou secretários a entregarem as pastas e, pessoas outras, uma vez convidadas, declinarem.

MUDANÇAS


Sexta-feira à tarde, no Auditório dos Servidores Municipais, ocorreu a posse da secretaria interina da Educação, Aurineide Aguiar. O ex-secretário Avelar, cujas reais razões de saída ainda são desconhecidas, evitou comparecer. Mauro Soares, o vice-prefeito que tem se desdobrado em contornar deslizes do Prefeito, assumiu mais um pepino: a Secretaria de Administração. Cabo Chico, o antecessor, foi cuidar das Relações Institucionais. E João de Deus, como já foi dito, vestiu a camisa de titular de Esportes.

ACADEMIA

A Academia de Letras de Crateús esteve reunida no domingo passado. Assuntos relevantes, como a sede do sodalício e a biblioteca Norberto Ferreira Filho (Ferreirinha), dominaram a pauta. A notícia de que o projeto de reconstrução da praça da estação contempla a demolição da biblioteca causou estupefação. Ora, é simplesmente injustificável destruir a única biblioteca pública da cidade. Uma comissão foi composta para levar ao Executivo Municipal posição da Academia municipal de letras: evitar que esse desatino se concretize. E mais: sugerir que a Prefeitura passe a observar o ditame legal da participação popular no debate dos temas mais importantes da comuna.


PARA REFLETIR

“Melhor é prevenir do que remediar, e é prevenindo, muitas vezes, que deste lugar se prestam os melhores serviços ao país. Vem o abuso amostrando a ponta da unha, dá-lhe o jornalista em cima com o bom senso, ou a lei, e ei-lo que recolhe incontinente a garra. Surde o erro a furta-passo, tenteando a coragem de assoalhar-se francamente; mas a imprensa, que o pressentiu, dá-lhe o rebate da censura, que o espera, e já não há mais que o recear. É uma das suas maiores utilidades esta função preventiva da imprensa”. (Rui Barbosa)

(Por Júnior Bonfim - publicado na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)