sábado, 29 de outubro de 2011

AMIGOS PARA SEMPRE

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

PROFESSORA ROSA MORAES, PARABÉNS!


Registro que, ontem, celebrou mais um outubro a nonagenária e veneranda professora crateuense Rosa Ferreira de Moraes, cujo nome homenageia o Teatro da cidade.

Sobre ela, escrevi o texto abaixo em meu livro Amores e Clamores da Cidade:

***********************************************************************

Ao tempo em que estava à frente da Secretaria de Educação de Crateús, convidei o Professor Celso Antunes para proferir uma palestra para a comunidade escolar. O longevo mestre, cabelos flor de algodão, distribuidor de sorrisos, olhar penetrantemente delicado, com o magistério da própria experiência encheu a nossa alma de graça e encantamento.

Contou-nos, dentre outros fatos, que, em missão cultural ao Japão, foi levado pelo Ministro da Educação daquele País para um encontro com o Imperador. Ao adentrar no salão do monarca, viu uma cena inusitada: o nobre se curvou, com litúrgica solenidade e reverente respeito, ante a presença dos dois professores. Ficou intrigado. Na saída, indagou ao Ministro o motivo daquele gesto. E ele respondeu: - Se o perguntássemos, ele responderia que presta reverência aos professores porque foram eles que o formaram.

Com essa citação, o mestre Antunes queria deixar registrado que nalguns rincões do planeta os professores estão colocados no lugar que merecem: sobre o púlpito do respeito social, no altar da admiração coletiva.

Talvez para provocar nossa capacidade alterativa ou, simplesmente, como uma cândida lamparina de referência, ainda existem remanescentes – raros, é bem verdade – de uma época áurea da educação, em que os que lideravam as salas de aula estavam, ao lado do Padre e do Juiz, entre as figuras que ocupavam a tribuna de honra da deferência comunitária.

Entre esses nomes, e com indiscutível destaque, está o da crateuense ROSA FERREIRA DE MORAES. Escrevo o seu nome em negrito e com letras maiúsculas porque as palavras que o compõem formam um ternário biográfico.

A sua artística porção ROSA desabrocha permanentemente, como uma flor de roseira, no jardim invisível do seu coração, em especial quando, de posse de um pincel, nos chama a atenção para detalhes pouco perceptíveis do cotidiano, através de quadros pintados com acurado esmero e fina sensibilidade.

Dentre os presentes que esta vida me deu está o privilégio de ter sido aluno desta FERREIRA. De ferro, mesmo. Com seu jeito austero, com sua imponente compleição física, com sua voz grave e seu olhar severo, ensinou-nos os benefícios da férrea disciplina, da dedicação inflexível, do cumprimento do objetivo delineado, da satisfação do dever cumprido. Recordo como era comum, em suas aulas, quando identificava desvios de conduta nos alunos, a realização de paradas bruscas na transmissão dos conteúdos a fim de que pudéssemos ouvir exortações sobre os caminhos da retidão e do bem, verdadeiras lições de moral, preciosos sermões sobre as virtudes de cultuarmos princípios de vida.

Outro dia, ela me confidenciou que seu saudoso pai sempre escrevia MORAES com E ao invés de I porque, no entendimento dele, Morais com “i” era plural de moral. Para mim, esse MORAES deita raízes na palavra mora, não no sentido comercial de retardamento do devedor no pagamento de uma dívida, mas no profundo sentido espiritual da palavra demora, que se resume na rara capacidade de saber o tempo certo de cada coisa, de não atropelar o curso natural da existência, de não queimar etapas na caminhada da vida.

Em suas mais de oito décadas de vida, ROSA FERREIRA DE MORAES tem reluzido. Se pudesse, mudaria o seu nome para ROSA FERREIRA ESTRELA DE MORAES, pois é isto que ela é: uma pétala resplandecente que há iluminado gerações.

(Júnior Bonfim, in "Amores e Clamores da Cidade")

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

CONJUNTURA NACIONAL

Conjunção rachativa

Historinha da Bahia. Grande de nome e pequeno de corpo. Magricela, esperto, inteligente, José Antônio Wagner Castro Alves Araújo de Abreu, sobrinho-neto de Castro Alves, herdou o DNA, o talento e a vadiagem existencial do poeta. Não gostava de estudar. No esporte, era bom em tudo. Colega de Sebastião Nery, no primeiro ano do seminário menor, na Bahia, em 42, na aula de português, o padre Correia lhe perguntou o que era "mas".

- É uma conjunção.

- Certo, mas que conjunção?

Zé Antônio olhou para um lado, para o outro e respondeu:

- Conjunção rachativa, professor.

- Não existe isso, Zé Antônio.

- Existe, professor. Quando a gente quer falar mal de alguém, sempre diz assim : - Fulano até que é um bom sujeito, mas... E aí racha com ele.

Cena paulistana

A cada dia, a ficha desce um pouco sobre a cabeça de José Serra, eterno candidato à presidência da República. Por onde passa, ele é peremptório : não colocará seu nome na disputa para a prefeitura de São Paulo. Pois bem, este analista quer ver para crer. E mais: aposta que Serra será candidato a prefeito. A lógica sublinha o argumento: não há saída para ele. Aécio Neves, a essa altura, já ganhou o apoio da cúpula do PSDB. Mesmo com os horizontes distantes, Aécio tem maior cacife : um mandato de senador no início, energia e disposição, o apoio da cúpula tucana e o segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais.

Ficha vai cair

José Serra alimenta a esperança da candidatura presidencial em 2014. Não ganhará o troféu de candidato. O vazio oceânico ainda não ocupou sua cabeça. Quando a ficha cair - e cairá lá pelos idos de março - ele concluirá que sua carreira política tem apenas uma fresta para decolar novamente: a candidatura à prefeitura. A não ser que ele decida encerrar a vida pública breve. Por tudo isso, esse analista vai apostar na hipótese: Serra será o candidato tucano para a prefeitura paulistana. Diante dessa possibilidade, os atuais pré-candidatos - José Aníbal, Bruno Covas e Ricardo Trípoli - desistiriam das prévias. A conferir!

Marta, tem chance?

E se for realmente José Serra o candidato tucano, Marta Suplicy poderia ser a candidata do PT? Mesmo com 30% nas pesquisas de intenção de voto, será difícil. É claro que suas chances aumentam, tendo em vista a clássica polarização entre PSDB e PT, que tem nela um símbolo. Ocorre que há um cacique-mor por trás do patrocínio da candidatura petista: Lula. E o candidato dele é mesmo Fernando Haddad. A essa altura, será difícil remover Haddad sob pretexto que, para disputar com Serra, o melhor nome seria o de Marta. Lula acha que só uma cara nova vencerá os tucanos na capital paulista. Esse analista concorda, em princípio, com a tese.

Cantadores da morena

O primeiro sapeca:
- Se eu fosse Nosso Senhor
Dono do ouro e da prata
Mandava fazer espelho
Dos olhos desta mulata

O segundo replica:
- Cabra, deixa de ser besta
Tu não sabe apreciar
Espelho queria eu ser
Pra mulata me mirar.

(Versos apanhados por Leonardo Mota)

Avião de um dólar

Ricardo Teixeira, presidente da CBF, foi convocado pelo Congresso para falar sobre futebol. Claro, que falará menos sobre futebol e mais sobre as práticas de articulação que circundam a paixão nacional. Apura-se uma suspeita de que Teixeira teria adquirido um avião pela módica quantia (módica ?) de US$ 1. Isso mesmo. Um dólar. Há uma gigantesca teia de interesses no entorno da Copa. Por mais que haja esforço para desfazer essa teia ou tentar entendê-la, será impossível. Mas as coisas começam a ficar mais claras nos espaços futebolísticos. Os cartolas abrem os chapéus.

O Brasil é um lixo?

Os containers com lixo hospitalar despachados pelos Estados Unidos para o Brasil carregam uma dura conotação sobre nosso país: um lixo. Só mesmo um território considerado bárbaro, atrasado, carente, pode servir ao de ser penico do mundo. A máfia que está por trás desse empreendimento deve ser destroçada. Se não houver rigorosa punição aos malfeitores, o lixo do mundo continuará a ser objeto de desejo de contingentes carentes. Cadê o ministro da Saúde? Viajando, padilhando.

Greve de médicos

Os médicos do SUS fazem sua greve. Têm direito, sim, a parar os serviços. As condições precárias dos estabelecimentos hospitalares e a péssima remuneração dos profissionais formam o argumento para a greve. Receber R$ 1.946,91 para uma jornada de 20 horas semanais é muito pouco. Onde está o pomposo ministro da Saúde, Padilha? Só pode estar dentro de um avião. Viaja mais que piloto. Deixando a pilotagem da saúde ao léu.

Lula e a nova vida

Lula continua o périplo pelo mundo. Recebe prêmios, faz palestra, embolsa alta grana, é homenageado aqui e alhures. Dizem que tem um olho no norte, outro no sul. Ou seja, um olho na reeleição de Dilma e outro na sua volta ao centro do poder. Este analista começa a achar que Lula aprecia muito o fato de ter uma agenda mais solta. E um bom tempo para encher as burras. Acostuma-se ao fato de não ter a corte de aspones. Afasta-se, gradualmente, da rampa do Planalto.

Religião

Cresce na Grã-Bretanha, a cada ano, o número de jovens mulheres que deixa para trás suas carreiras, namorados e posses para se dedicar totalmente à religião. O fenômeno desperta curiosidades. Decepção com a vida mundana?

PSD com 700 prefeitos

O PSD do prefeito Kassab já tem 700 prefeitos. Ultrapassa o número de prefeitos do PT. Em Santa Catarina, os 42 prefeitos do DEM rumaram para o PSD, acompanhando o governador Raimundo Colombo.

As chaves

O poeta manda o verso:
Meu coração está fechado
Não se abre para ninguém,
Foi-se embora o seu dono,
A chave é ele que tem.

O outro retoma:
Sexta-feira faz um ano
Que meu peito se fechou...
Quem morava dentro dele
Tirou a chave e levou.

E o terceiro lamenta:
A chave da fechadura
Que trancou o seu caixão
É a mesma da fechadura
Que trancou meu coração.

(Leonardo Mota em Sertão Alegre)

Filiados partidários

O TSE fechou a conta de filiados aos 29 partidos políticos brasileiros. Um total de 15.381.121. Sete partidos concentram a maioria dos filiados. O PMDB encabeça a lista com 2.420.327. Na sequência aparecem o PT com 1.566.208; o PP com 1.436.670; o PSDB com 1.410.917; o PDT com 1.212.531; e o DEM com 1.124.069.

Nomes

Caso Orlando Silva saia do Ministério do Esporte, dois nomes são apontados para ocupar seu lugar: o ex-deputado Flávio Dino, atual presidente da EMBRATUR e o deputado Aldo Rebelo, ex-presidente da Câmara. Há um 'porém' no caminho de Dino: ele pretende ser candidato à prefeito de São Luís, em 2012. Se for guindado ao Ministério, fecha a chance da candidatura.

PSD no RN

O vice-governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria, é o presidente do PSD no Estado. E acaba de romper com o governo, comandado pelo único governador do DEM, no caso, a governadora Rosalba Ciarlini. Faria foi presidente da Assembleia por três vezes. Como o PMDB está aliado ao governo do DEM, o vice-governador tem campo livre para se firmar como eixo de oposição. A avaliação do governo não é boa. Grande parcela dos prefeitos está insatisfeita. A oposição tende a se expandir no Estado.

7 bilhões

A população mundial cresce a velocidade recorde. Atingirá 7 bilhões no dia 31 de outubro. Em 2050, este número deve alcançar 9,3 bilhões. Entre os fatores que contribuem para o rápido aumento populacional estão a alta taxa de natalidade em alguns países e a maior longevidade da população. Hoje, 893 milhões de pessoas tem mais de 60 anos. Até a metade do século, este número vai praticamente triplicar, chegando a 2,4 bilhões. A expectativa de vida média atual é de 68 anos, quando era de apenas 48 anos em 1950.

Código Florestal

A senadora e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Kátia Abreu (PSD/TO), garante que o novo Código Florestal deve ser votado no Senado dia 22 de novembro. O texto, votado na Câmara dos Deputados, deve passar antes pelas comissões de Agricultura e Reforma Agrária e de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle. A proposta tem pontos polêmicos, como o que permite aos Estados legislar sobre a conservação de áreas rurais.

Brasil e a FIFA

O governo Federal se articula no Congresso para aprovar rapidamente a Lei Geral da Copa. Se o conjunto de normas que vão reger a realização do Mundial de 2014 no país demorar a ser sancionado ou nem sair do papel, a entidade máxima do futebol desfrutará de uma série de poderes que, em alguns casos, se sobrepõem à própria legislação brasileira. As garantias foram assinadas na gestão Lula. O Brasil promete à FIFA direitos soberanos, independentemente da aprovação de lei específica sobre o tema, até o fim do ano de realização do torneio.

As promessas

O Brasil prometeu muita coisa à FIFA. As promessas estão em 11 documentos que tratam desde os trâmites para a entrada e a saída do país, a permissão de trabalho para a FIFA contratar funcionários, facilidades alfandegárias, isenção de impostos à proteção e exploração de direitos comerciais, incluindo hinos e bandeiras nacionais, além do pagamento de indenizações e o fornecimento de infraestrutura tecnológica e de telecomunicações que atenda aos requisitos da entidade. Vejam o que consta nos documentos: "Essa garantia do governo é e permanecerá obrigatória, válida e executável contra o Brasil e seu governo, bem como todas as autoridades estaduais e locais, desde a data desta garantia até 31 de dezembro de 2014, independentemente de qualquer mudança no governo do Brasil ou em seus representantes, ou qualquer mudança nas leis e regulamentos do Brasil". Entre as garantias, há, ainda, a liberação da venda e do consumo de bebidas alcoólicas nos estádios durante os jogos da Copa, medida que fere o Estatuto do Torcedor, em vigor no país desde 2003.

Conselho aos parlamentares

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos partidos. Hoje, sua atenção se volta aos parlamentares:

1. A aprovação da Lei da Copa requer minucioso cuidado sobre promessas e garantias oferecidas pelo Brasil à FIFA. Algumas são absurdas. Urge defender a Soberania nacional.

2. Os responsáveis pelas garantias e promessas devem ser chamados a depor. É inimaginável que tenham assinado documentos que contêm dispositivos que afrontam a dignidade da Nação.

3. Não é momento, porém, de radicalização. Urge avaliar o que é impossível fazer e o que inegociável.

____________

(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 25 de outubro de 2011

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL

Cristina Kirchner Argentina: a vitória

A vitória espetacular da presidente argentina, com mais de 53% dos votos, e superior à eleição de Raúl Alfonsín (51%), o primeiro presidente após a ditadura militar instalada em 1976, pode ser considerada "esperada", mas incorpora significados que merecem melhor análise. Vejamos:

1) Cristina Kirchner, enfim, se tornou um animal político completo, dotado de legitimidade formal e simbólica. Não é mais a sombra do marido morto. Ele é sua sombra.

2) O plano de conquista do poder foi construído de forma consistente. Embora os "analistas políticos" prefiram avaliar sua vitória à vista de modelos teóricos e republicanos, a verdade é que Cristina foi pragmática e focou seus esforços políticos dentre aqueles que têm votos e necessidade básicas, os 30% da população que vivem abaixo da linha da miséria.

3) A elite rural argentina persiste com o poder econômico, mas seus interesses maiores estão além das fronteiras. E essa elite não foi capaz de ter a decisiva influência que historicamente teve. Ao contrário, viu-se acuada e sem discurso.

4) Distribuição de renda, depois de tantos anos de concentração, é politicamente mais importante que construção de renda. E consumo crescente pesa mais que investimento, quando o assunto é eleição.

5) Oposição que não tem projetos econômico-sociais inclusivos não consegue se estabelecer perante a opinião pública. Não à toa, o Partido Radical foi quase destruído.

6) Imprensa livre é essencial, mas pouco conta num cenário onde prevalece o populismo.

Rigorosamente estes aspectos não diferem de outros que podem ser coletados em diferentes sociedades para explicar uma vitória tão significativa.

Cristina Kirchner Argentina: os riscos

Não devemos, a despeito da constatação da imensa vitória de Kirchner, relutar em reconhecer os igualmente imensos riscos da vitória política. Vejamos:

1) O fato de Cristina ter se tornado mais, digamos, "independente" de seu marido morto, a tornará mais desprotegida em termos simbólicos e ideológicos. É preciso deixar de ser "a esposa" e passar a ter brilho próprio.

2) Eleitores mais pobres são menos politizados e para mantê-los sob o manto peronista será necessário continuar a atendê-los em suas ambições psicossociais e econômicas. Isto demandará recursos públicos, sabidamente gerados no setor privado. Caso contrário, o desequilíbrio orçamentário resulta em inflação e perda de renda, sobretudo para os mais pobres.

3) A Argentina é um país muito mais subdesenvolvido que o Brasil no que tange à industrialização. Com efeito, o surgimento de novas "elites" depende de planos nos quais o populismo é uma restrição, não uma alavanca.

4) O Estado pode apenas "criar" recursos em regimes inflacionários. O processo de acumulação de capital é condição inerente e essencial para a distribuição da renda. Este dilema intertemporal será cada vez mais urgente à Cristina e seu projeto político.

5) Um país sem oposição crível do ponto de vista intrínseco (ideologia e projetos) e extrínseco (apoio popular) é caminho para o perigoso ambiente de "vazio político" o qual já ocorreu de forma acentuada na história latino-americana e argentina. Assim, a alternativa ao populismo acaba por ser o próprio populismo.

6) A tentativa explícita de Cristina Kirchner de "enquadrar" e restringir a atuação da imprensa (mídia) favorece a um perigoso oficialismo sem fiscalização e sem crítica social. Uma tragédia contra a democracia que retira da própria Cristina sua legitimidade recém-conquistada.

Como se vê, entre os riscos do governo e a constatação da vitória, o pêndulo da análise cai mais para a preocupação que para a comemoração. Some-se a isto o fato de que tudo isso ocorre num ambiente internacional desfavorável às commodities que a Argentina exporta. Triste sina para a República se algo de grave ocorrer lá no sul.

Brasil e Argentina: além da doçura

Cristina Kirchner considerou os cumprimentos pela vitória da presidente Dilma como "doces palavras". Cabe bem à retórica diplomática, doces palavras, quando se tem uma parceira tão importante como a Argentina. Todavia, a presidente brasileira deveria se socorrer aos dados colecionados pelo Itamaraty e pela Fazenda e estabelecer alternativas estratégicas em relação a tão importante parceria. Por dever de ofício, diplomatas e técnicos da Fazenda deveriam perguntar o que ocorreria se algo der muito errado por lá e quais os efeitos aqui. Os sintomas não são nada bons. Toda vez que a Argentina tem uma dificuldade externa e interna, a primeira reação é restringir as vantagens competitivas do Brasil no Mercosul e proteger suas fronteiras nacionais da entrada de produtos nacionais. A Argentina está longe de ser um país inimigo e igualmente distante de ser um país confiável do ponto de vista de suas relações externas. Assim, o interesse em relação à Argentina deve ser de Estado.

Dilma e seu dilema

Se Cristina Kirchner teve um esposo falecido a conformar sua nova estatura política, a presidente Dilma tem um ex-presidente a lhe limitar sua ação, não apenas política, mas administrativa. Infelizmente, no Brasil, ex-presidentes não são apenas "referências políticas". São agentes da ação política. FHC ainda é o maior líder da oposição fruto da ausência de lideranças capazes de arregimentar forças sociais. Lula é um caso ainda mais grave: considera o governo atual como área de manobra para seus óbvios planos políticos. Não precisa a presidente brasileira esgotar os fundamentos da lógica aristotélica para saber disso. Basta atender as ligações telefônicas de Lula. A mudança do ministério do atual governo é o fator político mais simbólico que pode dar à atual ocupante do Planalto a legitimidade que ainda lhe falta e lhe é essencial. Vejamos a continuação da crise nos Esportes.

Orlando resiste

Do ponto de vista stricto sensu, não há mais razão para que o atual ministro dos Esportes permaneça na cadeira. Mais que credibilidade, falta a Orlando Silva condições para implementar políticas públicas. Todavia, as movimentações políticas enquadraram o ministro numa situação na qual ele acaba por (i) catalisar o desejo da classe política em manter o atual status quo da base aliada, (ii) herdar a gratidão do atual governo à fidelidade dos comunistas ao anterior e (iii) não permitir que o lamaçal esportivo acabe por dragar o governador brasiliense Agnelo Queiroz. Há outras razões importantes (Copa do Mundo, por exemplo) que explicariam o emaranhado de interesses na manutenção de Silva, mas estas são paradoxalmente menos importantes, por ora. O que fará Dilma? Vejamos a próxima nota.

Dilma desiste?

A presidente sabe que sua popularidade e o capital próprio que arregimentou decorrem da chamada "limpeza ética" que tenta promover na Esplanada. Ora, tomado este fato como premissa, a presidente não poderia hesitar em assinar a demissão de Orlando Silva. O problema é que, ao contrário de outros demitidos, o atual ocupante dos Esportes e seu minúsculo PC do B são capazes de mexer com os pilares do PT. Sabe-se que a presidente não é muito querida do partido de Lula, e isso pode se transformar em mais um agravante para a condução do governo e a relação com o petismo. Com este tipo de equação política a vigorar nos arredores do Planalto, Dilma vê-se mais constrangida. Ainda mais quando se liga a TV e vê-se o desfile de discursos dos comunistas cerrando fileiras em torno de Orlando Silva. A despeito de tudo isso, a presidente terá de agir e tentar sair desta com uma feição cada vez mais própria ou ceder à permanência da condição de "herdeira de Lula". Não há ação sem custo para Dilma.

Panamericano: fatos à tona, personagens à deriva

Por diversas vezes nesta coluna chamamos a atenção de nossos leitores para os estranhos fatos que marcaram a compra do Banco Panamericano pela CEF. Agora, sabe-se que o surpreendente prejuízo de mais de R$ 4,3 bi - muito além dos R$ 2,5 bi inicialmente informados - é um dado do escândalo. Há uma teia de acontecimentos que vão das perigosas relações do ex-banco de Sílvio Santos com os fundos de pensão via líderes e tecnocratas petistas (Luiz Gushiken, sobretudo) até a "vontade de não contrariar Guido Mantega" na nomeação de Demian Fiocca, ex-BNDES para a diretoria do Banco. As revelações são da colunista da Folha de S.Paulo Renata Lo Prete. Não é necessário ter faro de policial para se imaginar as várias e vastas implicações destas revelações. Há apenas uma pequena ponta do iceberg à vista ou será uma "enorme corrente de enriquecimento ilícito". Talvez até Sílvio Santos queira saber o que havia no baú...

Europa reunida

Até o fechamento desta coluna, na noite da segunda-feira, o encontro dos principais líderes europeus em Bruxelas ainda não tinha chegado a nenhuma conclusão definitiva sobre os caminhos que a UE tomará para evitar o colapso financeiro do Continente. A despeito da falta de uma conclusão definitiva, os sintomas são positivos. A começar pelo reconhecimento de que o European Financial Stability Facility (EFSF) precisa ser substancialmente incrementado para algo como 1,5 trilhão de euros. Neste ponto, finalmente a chanceler Angela Merkel aceitou lutar no Parlamento Alemão para que o país participe do esforço europeu. Neste contexto, não apenas a Grécia se beneficiaria do maior apoio financeiro necessário à estabilização do país, mas todos os outros que estão a se esconder atrás do país balcânico. Um passo gigantesco se considerarmos a postura da Alemanha até pouco tempo atrás.

Mercado pode melhorar

Quase sempre é muito difícil definirmos com mais precisão o momento pelo qual passa o mercado. Nos últimos meses temos expressado nosso pessimismo em relação ao andamento dos mercados globais, em geral, e o brasileiro, em particular. De fato, a conjuntura internacional piorou significativamente e os riscos instalados de forma mais aguda em 2008, acabaram por recrudescer em 2011 de forma novamente aguda. A crise financeira europeia e a letargia da atividade econômica nos EUA são os aspectos mais gritantes da perigosa crise estrutural que vivenciamos. Pois bem: os preços dos ativos, sobremaneira os dos mercados acionários, caíram ao longo dos últimos meses. Como sabemos, os investidores se antecipam aos fatos e precipitam os movimentos de alta e baixa. O pessimismo se consolidou, desta forma. A despeito da conjuntura atual, gostaríamos de recomendar aos nossos leitores que não apostem numa piora significativa do mercado daqui para frente. Há razões para acreditarmos que os mercados estejam passando por um momento de reavaliação. Assim, a volatilidade acentuada pode estar refletindo mais esta reavaliação que o agravamento do pessimismo. Poderemos ter uma conjuntura mais favorável à frente. Nas próximas semanas iremos explorar mais este importante tema. Por enquanto, o recado é: não aposte na piora do mercado.

Banco Central: como previsto

Não houve surpresas na ação do BC na semana passada em relação à taxa de juros básica. A redução de 0,5% era esperada e os agentes estão mais atentos em relação à inflação dos próximos meses. Uma coisa é certa: a atividade econômica está apresentando fraqueza, possivelmente maior que a esperada pelos agentes. Todavia, não sabemos ainda se esta queda da atividade trará efeitos significativos sobre a inflação. As expectativas serão determinantes no andamento dos preços. Além da taxa de câmbio.

Política industrial

O governo está cada vez mais protecionista quando o assunto é importações. A maior preocupação é com os chineses e sua máquina de competição (leal e desleal). As medidas restritivas em relação aos veículos importados sofreram um revés momentâneo em função do prazo legal que tem de ser cumprido, mas uma o animus do governo continua o mesmo: a competitividade da indústria é fator político e econômico sensível e a Fazenda cumprirá a agenda de restrições de importações. Há muitos problemas neste tema, mas um é geral: falta ao governo uma estratégia industrial que melhore a percepção dos agentes de que o protecionismo atende a certos interesses paroquiais e não ao interesse coletivo. Alem do mais, é preciso combinar com o Itamaraty o que está sendo feito. Afinal, tudo pode acabar em demandas internacionais na OMC.

Justiça: questão de competitividade

Os magistrados brasileiros estão a discutir suas questões que envolvem o CNJ, além de outras tantas questões relativamente à transparência do Judiciário. Seria interessante que também fosse avaliado pelos líderes do Judiciário a questão da competitividade brasileira quando o tema é acesso à Justiça. A demora nas decisões, as complicações burocráticas e a falta de eficiência dos juízos e tribunais é questão vital para os agentes econômicos daqui e de lá de fora. Por que não estudar o tema?



(por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)

NO DIA DA DEMOCRACIA, ESCUTEMOS A REFLEXÃO DE JOSÉ SARAMAGO

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

POLÍTICA PÚBLICA NÃO PODE SER DECIDIDA POR TRIBUNAL


O Poder Judiciário precisa refletir sobre seu avanço diante das atribuições dos outros dois Poderes da República. Na implementação de políticas públicas, por exemplo, a Justiça pode até ter uma participação complementar, mas nunca atuar como protagonista em ações típicas dos Poderes Legislativo e Executivo. A opinião é de um dos maiores estudiosos de Direito Constitucional do mundo, o professor da renomada Universidade de Coimbra José Joaquim Gomes Canotilho — ou apenas J. J. Canotilho, como gosta de ser chamado.

O jurista, que tem em seu currículo o fato de ser um dos autores da Constituição de Portugal, é um crítico da ampliação do controle do Poder Judiciário sobre os demais poderes, principalmente na esfera da efetivação de direitos que dependem de políticas públicas, o que se convencionou chamar de ativismo judicial: “Pedir ao Judiciário que exerça alguma função de ordem econômica, cultural ou social é pedir ao órgão que exerça uma função para a qual não está funcionalmente adequado”.

J. J. Canotilho recebeu a revista Consultor Jurídico para uma breve entrevista em São Paulo, por onde passou para participar da entrega do Prêmio Mendes Júnior de Monografias Jurídicas, promovido pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Além fazer observações sobre ativismo, ele também fez ressalvas sobre o mecanismo de Repercussão Geral aplicado pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil.

O professor ainda revelou que há coisas que aproximam bem a Justiça portuguesa da brasileira. Por exemplo, o fato de processos em Portugal poderem percorrer até cinco instâncias para, enfim, chegarem a uma conclusão. O jurista ainda falou sobre as metas do Conselho Nacional de Justiça e considerou questionável a intenção da presidente Dilma Roussef de flexibilizar patentes. “A flexibilização é muito perigosa porque pode significar a quebra de patente”, disse. Para o professor, as empresas têm direito de exploração econômica, por certo período, por ter inventado um produto. É uma garantia constitucional que não deve ser violada a não ser em casos de extremo interesse público.

Aos 68 anos, Canotilho é considerado um dos papas do Direito Constitucional da atualidade, citado com frequência por ministros do Supremo Tribunal Federal. É doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Macau e autor de obras clássicas como Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador e Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

Leia a entrevista

ConJur — Recentemente, o senhor participou de um debate em que se discutiu o ativismo judicial. Qual a sua opinião sobre o assunto?

J. J. Canotilho — Não sou um dos maiores simpatizantes do ativismo judicial. Entendo que a política é feita por cidadãos que questionam, criticam e apontam problemas. Os juízes nunca fizeram revoluções. Eles aprofundaram aplicações de princípios, contribuíram para a estabilidade do Estado de Direito, da ordem democrática, mas nunca promoveram revoluções. E, portanto, pedir ao Judiciário que exerça alguma função de ordem econômica, cultural, social, e assim por diante, é pedir ao órgão que exerça uma função para a qual não está funcionalmente adequado.

ConJur — No Brasil, há uma enxurrada de ações e determinações judiciais para que o Estado forneça remédios para quem não pode comprá-los. Como o Judiciário deve atuar quando o Estado não põe em prática as políticas públicas?

J. J. Canotilho — As políticas públicas não podem ser decididas pelos tribunais, mas pelos órgãos socialmente conformadores da Constituição. Mas é fato que existem medicamentos raros e certa falta de compreensão para situações especificas de alguns doentes. Isso põe em causa a defesa do bem da vida. Os tribunais devem ter legitimação para solucionar um problema desses. É um problema de Justiça e o valor que está a ser invocado é indiscutível: o bem da vida.

ConJur — O senhor afirma que as políticas públicas não devem ser decididas pelo Judiciário. Mas, uma vez que passam a representar uma demanda que a Justiça não tem como deixar de enfrentar, qual a melhor forma de equalizar esta questão?

J. J. Canotilho — O Judiciário precisa enxergar o seu papel nessa questão. Ele pode ter uma participação, mas tem que complementar, e não ser protagonista. Até porque, quando determina a entrega de um medicamento a um cidadão, ele não está resolvendo o problema da saúde. Ele não tem o poder, a incumbência e não é o mais apropriado para a solução das políticas públicas sociais. Os que são responsáveis são os órgãos com responsabilidade política dos serviços de saúde, desde o Legislativo ao Executivo.

ConJur — Qual a sua opinião sobre o mecanismo da Repercussão Geral, criada para filtrar a subida de recursos e para pacificar em todo o Judiciário os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal?

J. J. Canotilho — É uma das perguntas a que não sei responder. Porque, no fundo, o apelo à Repercussão Geral é, de certo modo, uma urgência de sintonizar as decisões judiciais — que são muitas — com a República e com os cidadãos. Nessa medida, entendo que o Supremo Tribunal Federal está levando em conta uma dimensão interessante. Essa é uma atitude inteligente. Mas uma coisa é convocar a vontade da Repercussão Geral e outra é avocar os argumentos, que é um conceito indeterminado, para justificar um caso concreto. Existe então a possibilidade da jurisprudência ser uma jurisprudência que não aplica o Direito para o caso concreto, mas que repete a retórica e os textos argumentativos de outras sentenças.

ConJur — Qual é a diferença?

J. J. Canotilho — A diferença é que embora você tenha uma Repercussão Geral, cada caso possui uma particularidade. Por isso, cada juiz deve julgar o caso concreto. O que por vezes se tem percebido é que tanto a Repercussão Geral quanto a disponibilização do processo digitalizado têm contribuído para que juízes apliquem a decisão, a mesma que o tribunal tomou sobre aquele tema, quando na verdade o correto é avocar o entendimento para tomar sua própria decisão.

ConJur — O senhor é contra a informatização dos processos?

J. J. Canotilho — Não há razão nenhuma para duvidar da bondade da informatização, até porque ela oferece ao cidadão acesso a um ato do tribunal e à possibilidade de saber em que pé está o processo. Eu acho que isso é uma evolução absolutamente incontornável, então não podemos criticá-la. Até porque, relativamente aos juízes que aparecem agora, mais jovens, nenhum pode deixar de saber trabalhar com os instrumentos da informática, com os computadores.

ConJur — Mas, ao falar da Repercussão Geral, o senhor deu a entender que existe algum problema com relação à digitalização do processo...

J. J. Canotilho — Sim. É a questão de os juízes pensarem em copiar uns aos outros. Ou seja: “Como é jurisprudência constante... Como já decidimos...”. Com a ausência do papel, agora isso é muito mais fácil. E pode haver alguma uniformização da própria estrutura, da própria retórica, o que não é mal, desde que aquilo sirva ao caso concreto que está a ser discutido. Mas isso também parece incontornável. Isso facilita também que os juízes transcrevam um esquema básico e, afinal de contas, não é só um parâmetro, mas é um esquema que eles utilizam todos da mesma maneira. Ou seja, garante-se um nível de uniformização, mas perde-se alguma coisa desta dimensão de que cada processo é um processo, de que cada caso é um caso. E há esta possibilidade da jurisprudência ser uma jurisprudência que não diz o Direito para o caso concreto, mas que repete a retórica e os textos argumentativos de outras sentenças.

ConJur — Mas isso também ocorre em virtude do número grande de processos, não? A propósito, qual a opinião do senhor sobre as metas impostas pelo CNJ?

J. J. Canotilho — Há mais ou menos uns dois anos, o governo português tinha mandado fazer um estudo sobre o tempo médio de trabalho necessário para proferir uma decisão. Os magistrados logo se revoltaram dizendo que era intrusão do Executivo no Judiciário, porque não há possibilidade de determinar um tempo médio na produção de um juiz. Essa cobrança é natural, afinal, nos tempos de hoje, tudo requer agilidade e eficiência. Mas basta entrar em qualquer tribunal para ver processos com milhares de partes, processos com monstruosa complexidade, que levam meses e até anos para serem decididos. Por mais que se criem soluções como a informatização, ainda é o ser humano que decide. Por exemplo, se determina que o juiz julgue 500 casos por ano. Ele julga 300. Depois se pede 400. E ele julga 300. E quando se pede 200? Ele julga 300. Portanto, as metas nos permitem dizer que é humanamente impossível decidir por ano mais do que tantos processos.

ConJur — Aqui ainda é forte a máxima do “ganha, mas não leva”, porque o pleito da causa e a execução se dão em processos diferentes. Isso também ocorre em Portugal?

J. J. Canotilho — Em Portugal também funciona assim. Muito dos processos acabaram por ser processos puramente declaratórios. Muitas partes não abdicam de todas as dimensões recursais e vão até o Supremo. Em Portugal, há o risco de termos até cinco instâncias. São três até ao Supremo Tribunal de Justiça, quatro com a Corte Constitucional e cinco ao Tribunal Europeu. Muitas empresas arrastam os processos sem razão de ser. Há processos demasiado formalistas ou garantistas que impedem uma solução dos conflitos.

ConJur — Parece que não existe Defensoria Pública em Portugal. Como isso funciona?

J. J. Canotilho — Não existe a instituição Defensoria Pública, mas há defensores pagos pelo Ministério da Justiça. Portanto, de uma lista de advogados, indicados pela Ordem dos Advogados, há defensor oficioso que é pago pelo Estado. Isso traz alguns problemas. Muitas vezes, são jovens advogados que não têm experiência, o governo atrasa o pagamento, mas não sei qual é o melhor modelo, até porque não sei como seria se tivéssemos a Defensoria. No Brasil tem, mas não conheço seu trabalho.

ConJur — O senhor falou sobre advogados com pouca experiência, mas como o avalia a nova geração da advocacia?

J. J. Canotilho — Existe uma questão que precisa ser observada no Brasil, que é a qualidade das universidades, em especial das privadas. A quantidade de universidades que publicam livros, que realmente acrescentam para o mundo do conhecimento é muito pequena. As universidades não podem ser escolas primárias. Vejo muita honestidade e boa vontade na iniciativa do Brasil em democratizar o acesso ao ensino superior, mas isso precisa vir acompanhado de qualidade.

ConJur — Aqui no Brasil se critica o baixo índice de aprovação no Exame da OAB. O senhor acredita que isso é resultado do número de universidades de má qualidade?

J. J. Canotilho — Não apenas. Qual é o brasileiro que pode se dedicar exclusivamente aos estudos? Poucos. Isso influencia também. Não que eu defenda que as pessoas devam se dedicar integralmente aos estudos, mas é preciso reservar tempo considerável. O mesmo se aplica aos professores. As universidades públicas pagam quase nada para que eles façam orientação de mestrado, doutorado, por isso muitos saem da aula e vão direto para o tribunal advogar. Eles não têm tempo para preparar uma boa aula. Os alunos estão cansados. Não há tempo para o estudo, não há tempo para pesquisa. Trabalhos acadêmicos são grandes plágios.

ConJur — Por falar em plágio, a presidente Dilma Roussef tem falado em flexibilização de patentes. Qual a sua opinião?

J. J. Canotilho — A flexibilização é muito perigosa porque pode significar a quebra de patente. As empresas têm direito de exploração econômica, por certo período, por ter inventado um produto. É uma garantia constitucional que não deve ser violada a não ser em casos de extremo interesse público, como no caso dos genéricos, e não nos moldes que ocorre no Brasil.

ConJur — Por quê? O que há de errado na política brasileira de medicamentos genéricos?

J. J. Canotilho — No meu ponto de vista esta é uma questão que o Brasil deveria ter superado. O que é um genérico? Um medicamento com o mesmo princípio ativo que um de mercado. Ou seja, de um que foi desenvolvido pela indústria, com base em anos de pesquisa, muito dinheiro investido e que está protegido por lei por 20 anos. Como um medicamento genérico pode confeccionar uma bula dizendo que em 2% dos casos pode ocorrer tal reação adversa? Ele não fez nenhum teste, como pode afirmar? O genérico é um grande plágio.

Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.