quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

CONJUNTURA NACIONAL

Dinheiro e não pronomes

Abro a primeira coluna do ano com a matreirice mineira.

Benedito Valadares chegou a Curvelo/MG, para visitar a exposição de gado do município. Na hora do discurso, atrapalhou-se:

- Quero dizer aos fazendeiros aqui reunidos que já determinei à Caixa Econômica e aos bancos do Estado a concessão de empréstimos agrícolas a prazos curtos e juros longos.

Lá do povo, alguém corrigiu:

- É o contrário, governador! Empréstimo a prazo longo e juro curto.

- Desde que o dinheiro venha, os pronomes não têm importância.

Precisamos trabalhar

O brigadeiro Eduardo Gomes fazia, no largo da Carioca (Rio de Janeiro), seu primeiro comício da campanha presidencial de 1945. A multidão o ouvia em silêncio:

- Brasileiros, precisamos trabalhar!

Do meio do povo, uma voz poderosa gritou:

- Já começou a perseguição!

Bagunça geral. O comício quase acabou.

O espírito do ano: dureza

2015, como se sabe, será um ano de ajustes. Um ano duro. Dureza, nesse caso, quer significar aperto nas contas, corte de gastos supérfluos (e até comendo as beiradas de gastos necessários), contenção de despesas, eliminação de milhares de cargos comissionados nas administrações estaduais e municipais, cofres mais vazios. Essa é metade da aura de 2015: a outra metade atingirá o bolso. Inflação alta, superando o teto da meta, alimentos, gasolina, energia, transportes mais altos, enfim, a planilha de bens e serviços mais caros baterá forte no bolso do consumidor. A alma consumista entrará em confronto com o espírito do ano. Teremos turbulência.

Movimentos nas ruas

É mais que previsível a reocupação das ruas - a partir do principal polo difusor de ideias do país, São Paulo - pelos movimentos organizados. Há um grupo de jovens líderes que quer aparecer na onda. Vão dar duro para liderar correntes sociais, a partir de Guilherme Boulos, um sujeito que aprecia visibilidade, principalmente a fosforescente. As centrais sindicais vão se agitar para evitar perdas em um ano de muitos sacrifícios. Baterão bumbo. Pretendem alertar à presidente sobre compromissos por ela assumidos na campanha. Categorias profissionais também afinarão suas tubas.

O puxão de orelhas em Barbosa

Nelson Barbosa é pessoa recatada, séria, um técnico muito comedido nas palavras. Um sujeito pacato. Disse apenas o que já se sabia em uma fala apressada com jornalistas. Que uma nova regra iria ser apresentada para correção do salário mínimo, a partir de 2016. De acordo, aliás, com o discurso de ajuste alinhado com a nova equipe econômica. As centrais não gostaram, enxergando na fala de Barbosa perda residual no mínimo. Dilma recebeu comunicação de Mercadante, que também faz o papel de parlador-mor. E ligou para o novo ministro do Planejamento mandando que ele se desmentisse. O que foi feito com uma nota. Barbosa, o comedido, não deve ter gostado. Passará um tempo de bico calado. Para não ter de suportar um segundo puxão de orelhas.

Levy, sob observação

Há quem diga que Joaquim Levy, caso tivesse de se desdizer em menos de 24 horas, sob ordens da presidente, não teria cumprido a ordem. Daria um adeus ao governo. Dono de vastos conhecimentos econômicos, o doutor pela renomada Escola de Chicago com experiência em ajuste de contas de governos, tem plena consciência de sua autoridade, não se dobrando a conceitos com os quais não concorda. Por isso, não são poucos os que acham que, em caso de confronto temático-conceitual com a presidente, não terá receio de pedir o chapéu. O mais provável é que continue por um bom tempo, até as camadas tectônicas da economia se acomodarem.

A índole presidencial

Já se conhece a índole mandona da presidente, seu jeito autoritário de ser. Os políticos, porém, sabem que a presidente terá de se curvar à real politik, que é a maneira brasileira de fazer política, com um agrado aqui, um benefício acolá, um adjutório ao corpo parlamentar. O voto, eles têm. E se negarão a ceder os votos em todas as votações. Por isso, esperam que Dilma seja mais acessível ao clamor da política. A conferir.

Lula no entorno

As alas dilmista e lulista estão em litígio. A presidente escolhe perfis mais próximos a ela, quadros do Rio Grande do Sul, como Pepe Vargas e Miguel Rossetto, afastando a turma de Lula. Mercadante, mesmo fazendo parte da CNB, há tempos se distancia do ex-presidente. É natural que Dilma escolha quadros com os quais mantém afinidade. Mas é visível a querela entre lulistas e dilmistas. A presidente sabe que a tendência Construindo um Novo Brasil, que reúne outras facções do PT, é amplamente majoritária. Lula, por sua vez, se esforça para resgatar a alma do petismo histórico e começa a se preparar para 2018. Apesar da rixa entre os grupos, ela e Lula procuram preservar a boa relação. De irmã para irmão mais velho.

Lula doente?

Balela. Corre pelas redes sociais a informação de que Luiz Inácio estaria às voltas com a recidiva de câncer. Fofoca. Intrigas. Ele está bem de saúde, segundo pessoas que estão no seu entorno. Idas e vindas do ex-presidente para muitos cantos e recantos demonstram vitalidade.

Mercadante

Aloizio Mercadante encarna mesmo o papel de primeiro-ministro. É centralizador, preparado, um técnico de alta competência e um parlamentar com formidável experiência. Em um ministério de figuras apagadas - com exceção de uns poucos - tende a ganhar mais força e visibilidade. Teria sido dele a ideia da presidente exigir o desmentido de Barbosa sobre a nova regra para o salário mínimo entre 2016/19.

Insatisfações

O PMDB começa a ser chamado de partido de secretarias : da Pesca, da Aviação Civil e dos Portos. O fato é que, apesar de adicionar uma Pasta a mais às cinco que detinha no primeiro mandato, o maior aliado do governo foi contemplado com ministérios de menor importância. Quer compensar as perdas com cargos de segundo escalão. Ameaça tornar-se independente no Senado. Se o rebuliço ocorrer na Câmara Alta, imagine-se o que pode ocorrer na Câmara.

Estratégia de Dilma

A presidente distribuiu a estrutura ministerial de forma a contemplar as seguintes estratégias : diminuir força do PMDB ; fortalecer forças dos partidos médios - PDT, PTB, PSD, PROS, PC do B etc. ; tirar mais peso do PT lulista e reforçar a ala dilmista. Nessa linha, o novo ministro das Cidades, Gilberto Kassab, foi motivado a refundar o antigo PL e, depois de criado, fazer a fusão com seu PSD. Surgiria, então, um partido maior que o atual PMDB, a segunda bancada da Câmara. A conferir.

Maré brava

O novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, acenou com alta de impostos. Os preços represados de bens e serviços abrirão porteiras. As ações da Petrobras caem no fundo do poço, a ponto de ameaçar a viabilidade do pré-sal. A inflação tende a estourar o teto da meta, de 6,5%. As categorias profissionais exigirão aumentos acima da inflação. O arrocho será inevitável.

Falta de credibilidade

Prioridade das prioridades, definida no discurso de posse da presidente : fazer do país uma Pátria Educadora. Ora, mas boas intenções e slogans não são capazes de sustentar um bom programa. Urge credibilidade a quem cabe a responsabilidade de executá-lo. O novo ministro da Educação, Cid Gomes, não está no rol de pessoas críveis. Já chegou a dizer que professor de ensino público deve ensinar por prazer, não para ganhar dinheiro. Se for o caso, deve mudar para o ensino privado. O ex-governador do Ceará é aquele que pegou a família, sogra junto, e levou-a para um passeio pela Europa. Com recursos públicos.

Embate

A ministra da Agricultura, Katia Abreu, afirma que não há mais latifúndios no Brasil. O MST diz que eles ainda existem. E o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, entra na dança ao dizer que "não basta derrubar cerca do latinfúndio", mas fazer a reforma agrária. Ministros com armas em plena arena. Do mesmo governo.

Demissões

Mais de 800 trabalhadores demitidos na Volks. Metalúrgicos ameaçam com greve. Demissões na imprensa. Grupo Abril em refluxo. Metade do prédio de Veja entregue à Previ, que alugará os espaços desocupados a novos clientes. Crise começa chegar nas frentes do Emprego.

E as chuvas, hein?

Quanto mais pé d'água em São Paulo, com queda de árvores e destruição de imóveis, menos água no sistema Cantareira. O nível está deixando os 7%. Como será a vida daqui a uns três, quatro meses, se não chover bastante até lá ? Não ouvi ainda explicação satisfatória.

Fecho a Coluna com mais essa deliciosa historinha.

Tu não vais, não é?

Luís Simões Lopes era um miniditador. Diretor do DASP, fazia o que queria, com apoio de Getúlio. Mandou ofício aos ministros com uma série de determinações. Enquadrava todo mundo. Osvaldo Aranha, ministro da Fazenda, recebeu, leu, devolveu:

"Ao remetente: vá à merda."

Entregou ao chefe de gabinete. O chefe de gabinete ficou em pânico:

- Devolver pelo protocolo reservado, não é, senhor ministro?

- Não, pelo protocolo comum.

Era um escândalo. De mão em mão. Luís Simões Lopes recebeu, ficou furioso, foi a Getúlio pedir demissão. Getúlio puxou uma baforada do charuto:

- Ora, Luís, para que demissão? Tu não vais, não é? Não indo, tu desmoralizas o Osvaldo. Ele vai ficar uma fera. Tu sabes. Tu sabes.

Luís Simões Lopes foi. Mas foi de volta para seu gabinete no DASP.

(Gaudêncio Torquato)