quinta-feira, 21 de novembro de 2013

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL

Mensalão: não resta nem a lição - 1

Há certa pregação midiática e, até mesmo, nos eventos corporativos e informais, no sentido de que o mensalão é um marco contra a corrupção. Não é. Já se provou ao longo de toda a história brasileira que a política nacional está mais para Macunaíma do que para qualquer vã filosofia. Fosse diferente, Fernando Collor, personagem do único impeachment republicano, teria servido como exemplo para que o jogo de roubar o Erário se tornasse algo menos vulgar. O mensalão de fato tornou-se a principal lembrança do governismo petista, mas Lula naquela ocasião soube sair-se bem com o seu governo. Pela porta da frente, diga-se. A sociedade brasileira não é apenas negligente em relação à política. Passou ao estágio de descrente, senão conivente. Há uma desmobilização imensa dos movimentos sociais que, mesmo saindo às ruas, não sabem aonde ir. Além disso, quem tem voto no Brasil tem como principal predicado o poder de encastelar seus pares no Estado. Daí, apenas segue as tendências majoritárias ou opera contra para obter outras facilidades. Se assim não fosse, não haveria tantos "partidos penduricalhos" dos poderes espalhados pelo território nacional.

Mensalão: não resta nem a lição - 2

Há, ainda, o absurdo, o exótico, o inacreditável. Veja-se, por exemplo, a mão erguida de José Dirceu e José Genoino. Um gesto de revolucionários no corpo de dois políticos que vão para a cadeia em função dos descalabros que cometeram. Nada a ver com revoluções, Che Guevara ou Lênin. Até Delúbio Soares, este mesmo, o tesoureiro, arriscou-se a soltar pelo Twitter palavras que evocam o sentimento de patriotismo. Sinceramente... Há algo de absurdo no reino de Momo. A sessão do STF que decidiu pelas prisões foi de teor jurídico duvidoso, passando por tiradas de humor peculiares e um certo sentimento de que não se sabia ao certo o que estava sendo decidido. Atitudes que dão margem aos reclamos da penca de advogados que acompanham os poderosos. Um fato como o "mensalão" deveria ser ocasião para se criar e promover instituições republicanas. O que se vê é uma reforma eleitoral fastigiosa de interesse público em meio às negociações eleitorais que fazem que a presidente da República aplaine a maquiagem três vezes ao dia, conforme o público que vai se defrontar. Nunca a política foi tão necessária ao Brasil. Nunca foi tão escassa.

Mensalão, política e eleição - 1

Não se espere da presidente Dilma e de seus ministros - mesmo cobrados pelo PT - qualquer manifestação pública, oficial ou oficiosa - a respeito da prisão dos condenados do mensalão. Também não se espere do ex-presidente Lula nenhuma declaração mais contundente sobre o julgamento dos mensaleiros e das primeiras prisões, além de ambíguas manifestações, como as da semana passada, quando num dia disse que em algum momento poderia contar o que sabe sobre o mensalão e no outro disse que quem era ele para comentar decisões do Supremo. Também ainda não se espere movimentos públicos do PT oficial para defender seus líderes condenados e presos. A indignação da cúpula petista vai se resumir a notas oficiais e declarações formais. As manifestações mais duras serão de petistas mais ligados ainda ao passado do partido, não aos pragmáticos de hoje.

Mensalão, política e eleição - 2

Para Dilma, Lula e o PT quanto mais cedo e com menos estardalhaço esta página triste da história do partido for virada melhor. Nem mesmo da oposição deve se aguardar grandes comemorações pelas prisões que expuseram certas entranhas petistas. Vai haver algum barulho, cobranças, ironias, dentro de certos limites. Afinal, a corrupção pública no Brasil tornou-se ecumênica, como mostram a existência do mensalão mineiro, a história da máfia dos fiscais paulistas, o caso Siemens, as aventuras cabralinas no RJ e uma centena de casos maiores e menores que, se listados em sua extensão, tomariam todo o espaço desta coluna. Ninguém se arriscará a jogar a primeira pedra. O discurso ético, embora não tenha perdido força junto à sociedade, perdeu apelo eleitoral. A eleição presidencial - as pesquisas indicam cada vez mais isto - será definida pelo que vagamente poderemos chamar de "sensação de bem estar" da população. Uma soma de emprego, poder de consumo e satisfação (ou insatisfação) com os serviços públicos.

Lula e seu desafio

Uma das missões de Lula nesta fase da campanha eleitoral será trazer o coração dos empresários para mais próximo do governo e da presidente Dilma. Um desafio e tanto: é cada vez maior - e mais perceptível - a ruminação empresarial contra o estilo da presidente, a ambiguidade de sua política econômica e o discurso arrevesado, que promete e diz uma coisa e na prática faz o contrário.

Expectativas em concordata

Depois do PIB do BC (tido como uma prévia do PIB oficial do IBGE) de negativos 0,12% para o terceiro trimestre do ano, praticamente consolidou-se entre analistas e gestores de empresa a convicção de que, a economia brasileira cresce este ano os 2,5% que o próprio BC vem projetando e o ministro Guido Mantega passou a admitir ultimamente. Deteriorou a expectativa para o ano da graça eleitoral de 2014: tirando as fontes oficiais, que ainda fazem a conta de 3,5% para o PIB do ano que vem, a maioria quase absoluta dos especialistas diz que o movimento da economia nacional será mais lento que o deste ano. A média das previsões já está em torno de 2%. Tudo vai depender do comportamento da inflação, da necessidade que o BC tiver de manipular a taxa de juros para não deixar os preços ao léu em ano eleitoral. Do lado das contas públicas, Alexandre Tombini e sua turma não devem esperar grandes colaborações. Este é o dilema: como fazer uma política mais restritiva para não deixar a inflação corroer salários, renda e empregos e alimentar os apetites eleitorais por mais gastos públicos?

Graça versus Mantega

Sexta-feira tem reunião do Conselho de Administração da Petrobras, presidido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ele e a presidente executiva da empresa, Graça Foster, chegarão finalmente a um acordo sobre o aumento da gasolina e do óleo diesel. Graça olha a contabilidade da empresa e o aumento já é um gatilho para reajustes periódicos e automáticos daqui para frente. Mantega olha a inflação e só quer acertar os preços dos combustíveis quando os preços gerais derem uma folga. A arbitragem, naturalmente, é da presidente Dilma - sem sinais visíveis de que para que lado ela penderá. Mas a comunidade petrobrina está em ebulição com os prejuízos econômicos e para a imagem da estatal.

A responsabilidade de Haddad - 1

Não devem estar sendo muito felizes os últimos dias do prefeito de SP, Fernando Haddad. Aliás, pode-se dizer que este seu primeiro ano na frente da maior prefeitura do país não está sendo dos mais auspiciosos. O caso da máfia dos fiscais, que começou a ser deslindado a partir de uma corregedoria por ele mesmo instalada, mas que acabou respingando em seu próprio governo, forçando o afastamento de um de seus principais secretários, é apenas o mais recente problema que está tendo de administrar. Eleito para administrar uma prefeitura quase falida, coisa que certamente não ignorava, e com um caminhão de promessas despejado sobre a população de SP, contava com a boa vontade financeira de Dilma em Brasília e o amparo político do PT. Até agora não viu muito a cor do dinheiro brasiliense em seus cofres. Assim, foi forçado (ou orientado) a ampliar o buraco nas contas oficiais não aumentando as passagens de ônibus em janeiro e depois sustando o aumento em junho.

A responsabilidade de Haddad - 2

Quando imaginou engordar um pouco os seus cofres, com o polêmico aumento do IPTU, não teve a solidariedade dos seus, pelo contrário, foi tachado como politicamente desastrado. Quando destampou, corretamente, o escândalo da máfia dos fiscais, foi discretamente admoestado pelos companheiros porque acabou criando atritos com o ex-prefeito Gilberto Kassab, um parceiro tido como essencial, pelo seu tempo no rádio e na televisão, na aliança nacional que vai tentar reeleger Dilma Rousseff para mais um mandato no Palácio do Planalto. Haddad foi eleito para ser um dos símbolos do novo petismo : testar a "nova forma de governar do PT" e alinhar-se na futura geração de petistas para ocupar cargos executivos mais elevados. Sua gestão era uma das vitrines que o PT pretendia apresentar em 2014 para dar mais votos a Dilma em SP e tirar os tucanos do Palácio dos Bandeirantes, onde estão encastelados há mais de 20 anos. Depois de tantas, está solitário e no limbo. Discretamente, Lula e o PT discutem como ajudá-lo. Uma ajuda com jeito de tutela.

Armas para Marina

O crescimento de 28% no desmatamento da Amazônia em 12 meses é tudo o que a presidente Dilma Rousseff não precisava agora quando busca ações e políticas urgentes para neutralizar o discurso ambientalista da ex-ministra Marina Silva, no momento a pessoa mais capaz de causar estragos no projeto reeleitoral do PT. Para equilibrar o jogo Dilma teria de formatar um discurso mais forte nesta área, o que poderia indispô-la com o agronegócio. Eduardo Campos está sentindo o peso dessas posições. O que vale mais: o voto ambientalista ou o voto ruralista?

Ele é o homem

Segundo colunista de "O Globo" Jorge Bastos Moreno, ele é conhecido no Palácio do Planalto, em algumas rodas em Brasília, como o "coisa ruim" tantas apronta. E apronta há muito tempo, não é de hoje. Se Eduardo Cunha merece o epíteto, é uma questão de ponto de vista. A verdade, porém, é que ele é hoje o mais importante e influente parlamentar do PMDB e do Congresso. É ele quem dá as cartas, se o deputado do PMDB fluminense não quer, não acontece. É ele que controla o PMDB parlamentar. Não tem Temer, não tem Renan, não tem Henrique Alves, não tem Sarney. Agora mesmo, sozinho, segura o Marco Civil da internet.

É para pior

Pode sair nos próximos dias uma minirreforma eleitoral para valer ainda para as eleições de 2014. Não tem nada de bom, só facilita a vida dos políticos. Principalmente naquele item para lá de perigoso : o financiamento da campanha. Será, se passar, mas um liberou geral. Nenhum comentário a mais.

Jango

O retorno do presidente da República João Goulart à Brasília foi simbólico e republicanamente importante. A presidente Dilma bem fez em fazer aquela recepção de Estado. A ironia é que o Brasil reconcilia-se com a história com atraso monumental. Não à toa os arquivos da ditadura militar de 1964 nunca se abrem. Ficam à espera das múltiplas e ineficientes "Comissões da Verdade" espalhadas por municípios, Estados e na União. Jango pelo menos tem a chance de ter a sua morte explicada. Para o país e para os seus. Mas, as ironias espalharam-se na chegada da urna funerária de Jango: a linha de frente da comitiva presidencial tinha composição luminar. Vejamos: José Sarney, umbilicalmente ligado ao regime militar que exilou Goulart, pontificava como naqueles tempos nebulosos. Fernando Collor de Mello, ex-membro do partido político do regime militar e impedido pelas denúncias de corrupção, olhava firmemente a chegada do corpo de Jango. Lula da Silva, este que julgou Sarney tão importante quanto Ulysses Guimarães para a consecução da Constituinte de 1988, esta que enterrou a ditadura, possivelmente só pensava nas alianças eleitorais enquanto assistia à cerimônia.

De Jango para quem?

Disse Jango no famoso comício da Central do Brasil em 13 de março de 1964: "A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do antissindicato, da antirreforma, ou seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam".

(por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)

terça-feira, 19 de novembro de 2013

SOB A PROTEÇÃO DO ACASO!

Autoridades que compõem a mesa,
Senhoras e Senhores:
Boa noite!

Tudo o que vislumbramos e apalpamos originou-se da palavra! Está cunhado, nas pedras sagradas e na madeira da Lei, que no princípio era o Verbo.

Os que se entregam à sedutora aventura de amar o verbo nada mais são que simples ordenhadores das letras, apicultores das sílabas: nas madrugadas da vida, ora colocam as mãos no ubre do idioma; ora se embrenham na flora da linguagem. E desse mágico movimento extraem o leite mugido das palavras nutritivas e o mel puro do vocábulo profundo.

Do leito da História depreendemos que o primeiro espaço congregacional destes aventureiros morfológicos foi idealizado pelo filósofo Platão, e tinha como lócus uma escola fundada no ano 387 a.C., próxima a Atenas. Nessa Casa, um verdadeiro altar dedicado às musas, onde reinava a informalidade e o ensino era professado por meio de lições e diálogos entre os mestres e os discípulos, o filósofo pretendia reunir contribuições dos mais distintos campos do saber. Deslizava sobre o tablado daquele pavimento mosaico a inquietação filosófica, a precisão matemática, o deleite da música, a astronomia com sua estrelada visão e o arcabouço da legislação. Seus jovens seguidores dariam continuidade a esse trabalho que viria a se constituir em um dos capítulos basilares do compêndio histórico do saber ocidental.

Pela tradição, o imóvel teria pertencido a Academus - herói ateniense da guerra de Tróia, e por isso era chamado de Academia. A escola era formada por uma biblioteca, uma residência e um jardim. Vejam aí: a fermentação ideológica (simbolizada na biblioteca), a intimidade gregário-biológica (representada pela edificação residencial) e a interação sócio-ecológica (sintetizada pelo jardim) constituem, até os dias atuais, os três vértices essenciais da pirâmide literária.

E qual a missão dos construtores dessa pirâmide, os designers da semântica, que decifram na prancheta da arte os signos prodigiosos da linguagem?

Segundo o patrono da cadeira que ocupo nesta Arcádia, Gerardo Mello Mourão – aquele a quem Carlos Drummond de Andrade chamou de o maior poeta brasileiro -

“neste mundo o que dura é o que foi fundado pelos poetas. (...) ´A Grécia foi fundada pelo poeta, Homero, cego e gênio. O império romano foi inspirado pelo poeta Virgílio e por um escritor que se fez general, Caio Julio César. O mundo judaico foi fundado pelos poetas das profecias, Jeremias, Isaias, Ezequiel, Daniel e pelos Cantos do rei Davi. A civilização mulçumana foi fundada pelo poeta Maomé, seu senhor e soberano. A China e a Ásia Oriental foram fundadas pelo poeta Kung-Fu-Tze, que conhecemos por Confúcio. A Itália foi fundada por Dante, poeta absoluto. Churchil animava suas tropas contra o fogo de Hitler, enviando aos soldados os versos de Shakespeare. E o que seria de Portugal sem Camões e Pessoa? Da França sem Voltaire, Baudelaire, Lamartine e Hugo? Foi o Deus poético e dialético que engendrou o pensamento mítico, o tempo divino do homem, mas foi a verdade helênica que deu vigor à noção de liberdade e democracia, verdade luminosíssima que fundou o homem livre.”

Quem fundou o Brasil senão os seus primeiros moradores, poetas que batizamos de índios, seres cantantes que exibiam o sol na fronte e carregavam a lua no peito; seres dançantes que tinham os rios como palcos e a natureza imaculada como platéia?!

A poesia, senhoras e senhores, está atravessada em toda a nossa continental geografia, acompanhando cada astre e desastre da nossa caminhada pátria. No nosso próprio achamento lá estava ela, ornando o pergaminho da lavra de Pero Vaz de Caminha para descrever nossa terra:

“De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa”.

Quando, por condução dos governadores gerais, fomos sujeitados à opressão colonial, a resistência logo se fez sentir pela boca de brasa dos cantores barrocos. A poética, e em especial sua faceta profética - artilharia criativa, praguejar explosivo, protesto em forma de caricatura – manifestou-se por Gregório de Matos Guerra:

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.


Na Inconfidência Mineira, os poetas eram os faróis do povo para driblar a censura oficial e o terror. O manancial lírico que fez Tomás Antônio Gonzaga dedilhar os líricos versos de ‘’Marília de Dirceu’’ produziu também as epístolas satíricas conhecidas como ‘’Cartas Chilenas’’, versos decassílabos brancos sem rimas, cobertos de máscaras e alusões ao despotismo reinante, referindo-se a Vila Rica como se o Chile fosse. Ali se lê:

Os grandes, Doroteu, da nossa Espanha
Têm diversas herdades: uma delas
Dão trigo, dão centeio e dão cevada,
As outras têm cascatas e pomares,
Com outras muitas peças, que só servem,
Nos calmosos verões, de algum recreio.
Assim os generais da nossa Chile
Têm diversas fazendas: numas passam
As horas de descanso, as outras geram
Os milhos, os feijões e os úteis fruto
Que podem sustentar as grandes casas.


Castro Alves, ardente expressão da fé na justiça e no fim da opressão, fez do poema um látego pesado contra a escravidão. Bradou que “a praça, a praça é do povo como o céu é do condor”. Jamais esqueceremos seus versos faiscantes, encantados e flamejantes:

Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... Chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...



Bem próximo de nós, o mais lúdico dos nossos cantores, o centenário poeta Vinicius de Moraes, que no século passado presenciou também a perversão e a injustiça que marcam as relações entre Capital e Trabalho, consignou o seu grito no Operário em Construção:

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.


Esse breve passeio pela alameda cronológica brasileira foi só para reafirmarmos uma clara e antiga certeza: não existe boa escritura divorciada da construção civilizatória, do conserto planetário.

A razão de ser do escritor – e dos seus coletivos organizados, que são as academias – é a de contribuir para que as galinhas se transformem em águias, é fomentar a proliferação de vaga-lumes nos obscuros túneis do tempo, é ser fresta de luz na caverna platônica.

Lembro quando aqui ingressei. Em uma viagem de carro para a minha terra natal, Crateús, os acadêmicos João Bosco Ferreira Lima e José Anízio de Araújo formularam o convite para que somasse na construção do Silogeu que engatinhava. A ambos quero externar publicamente minha gratidão.

No dia da posse, ingressávamos eu, Pedro Jorge e Nirvanda Medeiros, Olímpio e Murilo Araújo, além do mestre José Muniz Brandão. Este deixou em nosso fraternal convívio um ramo de estrelas, uma ferradura de amor. Era uma substância do bem, uma mineral cachoeira de doação, um oceano de tranquila alegria. Sua silhueta de gentleman permanece em nossa memória. Por isso a nossa chapa foi batizada com seu nome. Incorporo as palavras do Presidente Seridião ao se referir aos acadêmicos Mário Kaúla e Matilde Mariano, todos na Mansão dos Justos.

Relembro também que, por ocasião da minha admissão, o Presidente era José Lemos de Carvalho, o Dezinho, o idealizador, que lançou a rede sobre o mar dos nossos corações e se fez pescador de escritores. Na sequencia, Dezinho passou o comando para Anízio Araújo, que acelerou a empreitada expansionista, como um bom mestre de obra da edificação literário-acadêmica. Seu sucessor, Seridião Correia Montenegro, constituiu-se o Presidente da completude. Conseguiu desbancar a máxima de Nelson Rodrigues e provar que é possível – e de maneira decente – a construção de uma unanimidade inteligente. A Diretoria empossada sabe que nos cômodos das palavras jamais caberão os latifúndios afetivos que ele logrou matricular no cartório sagrado do nosso coração. Parabéns, Seridião! Muito obrigado, irmão!

Manter o patamar congregacional obtido entre nós é martelo agalopado para poeta concretista desarmado. Os que nesta noite assumem a direção da AMLEF estão cônscios desse magnânimo desafio.

Francisco de Assis Almeida Filho, o Assis Almeida, que abraçou a fantástica e sedutora seara mercadológica da produção e edição livrescas, comandará a Diretoria de Publicações e Comunicações.

Para Diretor Cultural, convidamos aquele que abriu as cortinas do Ceará para os ventos da renovação democrática, que emprestou sua coragem e tirocínio para ajudar o Brasil a respirar os ares das liberdades públicas, Luiz Gonzaga da Fonseca Mota.

O Diretor de Relações Públicas, Marcus Fernandes de Oliveira, cuja oratória inflamada, postura destemida e intimidade com a ousadia o tornaram protagonista de republicanos debates e boas relações nesta Capital certamente contribuirá para a ampliação da fraternidade acadêmica.

O Segundo Tesoureiro, José Jackson Lima de Albuquerque, é um professor poeta que toca a vida em estilo haicai, com a concisão de um epigrama lírico japonês.

O Primeiro Tesoureiro, Jaildon Correia Barbosa, filho de Iracema ou do doce balanço de sua praia, cuida da finança institucional com o mesmo zelo que reserva ao dinheiro pessoal.

Maria Gilmaíse de Oliveira Mendes, nossa Segunda Secretária, é uma aguerrida e imparcial julgadora, que se fez, sobretudo, serva da filantropia na Casa de Afonso e Maria.

O Primeiro Secretário, José Olímpio de Sousa Araújo, impecável guia na condução de todos nós pelas selvas da gramática, tem nos mostrado que, sem espiritualidade, tudo se fragiliza, inclusive a inteligência.

A nossa Vice-Presidente, Grecianny Carvalho Cordeiro, fulgurante romancista que escolheu o ofício de promover a Justiça, festejada aqui e alhures, premiada no Brasil e na Europa, vestirá camisa de titular nesse time que dispensará reservas.

Se alguma temeridade pode ser arguida em relação à Diretoria empossada, certamente repousará sobre este que vos fala. Às vezes fiquei indagando sobre as razões que levaram esta Academia, soberano plenário de almas conscientes e corações livres, majoritariamente passada na moenda azul da maturidade, a escolher o mais imaturo dos seus integrantes para presidi-la. Certamente é uma aposta no acaso. E o acaso, se Deus quiser, como na música titânica, “o acaso vai nos proteger”.

Na ribeira do Poty, onde fui criado, aprendi desde cedo com Dom Antonio Batista Fragoso o valor de uma instituição denominada “mutirão”, ajuntamento de homens para lançar sementes à terra ou para concatenar tijolos no desenho mágico de uma obra. Desde então, sempre tive mais facilidade em verberar o pronome plural “nós” do que o pronome singular “eu”. E é assim, que sonhamos e rogamos ao Ser Superior que nos oriente à frente da AMLEF.

Mas, para que não paire a mínima réstia de dúvida, vou mais uma vez repetir quem sou. Eu sou:

Um pássaro – que tem o sol como meta/
Um apaixonado barco – em mares de aventura/
Um homem sério – com o coração de poeta/
Uma sonhadora abelha – que só busca doçura!

Nos olhos tristes – a infinita alegria/
No peito uma estrela – de invisível brilho/
Namorado da paz – torcedor da rebeldia/
Amante das pétalas – do sorriso filho.

Bandeira de incêndio – horizontal canção/
Um monte calmo – com tendências de vulcão/
Um marinheiro – que distribui beijos de adeus.

Uma árvore – perfumada de emoção/
Um grande ateu – que tem muita fé em Deus/
E que por tranquilidade – só tem a agitação!


Concluo recorrendo ao poeta e reiterando a mesma frase do meu discurso de posse aqui, que ainda conduzo no umbigo:

Não esperem nada de mim. Vim aqui para cantar. E para que cantem comigo!

Muito obrigado!

(Júnior Bonfim, Discurso de Posse na Presidência da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza - AMLEF - 13.11.2013)

DISCURSO DE POSSE DE JÚNIOR BONFIM - AMLEF Parte 1/2

DISCURSO DE POSSE DE JÚNIOR BONFIM - AMLEF Parte 2/2