quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

CONJUNTURA NACIONAL

Abro a Coluna com duas historinhas de Carlos Santos, pinçadas de seu "Só Rindo 2".

Pedras no português

Médico e candidato a prefeito de Pau dos Ferros, Etelânio Vieira retorna de outra movimentação de campanha. Ao seu lado, o vereador "Assis Bigodão".

No interior do carro em que ambos estão, Assis desabafa fuzilando de morte o português:

- Jogaram uma pedra "neu"...(sic).

Com elegância, quase inaudível para não expor o vereador a embaraços, Etelânio sopra o que seria a expressão correta:

- "Neu" não, Assis; "em mim"!

Olhar de espanto, o vereador complementa o assassinato da língua de Fernando Pessoa, Camões e Eça de Queirós:

- Sim...Jogaram no senhor também, doutor!

Que coisa!

O candidato retardado

Palanque armado no bairro Pereiros, o comerciante "Chico do Peixe" chega com considerável atraso, ávido por discursar na condição de candidato a vereador em 1996, no município de Mossoró. Favorecido pela escassez de oradores no comício do candidato governista, engenheiro Valtércio Silveira, apoiado pelo prefeito Dix-huit Rosado, Chico é alertado de que também terá direito a discursar. Ufa! Ele já pensava que não teria vez. Abrindo a oratória, Chico do Peixe tenta justificar sua ausência até então, mas mistura semântica com psiquiatria:

- Olha, meus amigos, eu estou chegando "retardado"...

Previsões para o ano

Há analistas pessimistas, otimistas e realistas. Distinguir uns de outros não é tarefa fácil. Alguns apontam para a recuperação da economia americana e impactos sobre o Brasil. Outros procuram mostrar que a engenharia da "catástrofe perfeita" começa a ser desenhada. Entre uns e outros, os realistas se impõem. A tempestade perfeita ocorreria no cenário de reversão da política monetária, fortemente expansionista, empreendida pelo FED, o banco central americano. O nosso guru, Delfim Netto, diz que se a oferta de moeda estrangeira escassear, o câmbio interno poderia passar por turbulências. Como pano de fundo, rebaixamento da qualidade da dívida brasileira. Mas o próprio Delfim acredita que as chances da tempestade estão sendo afastadas.

Economia de 2% do PIB

Delfim argumenta: basta que a presidente Dilma assuma o compromisso firme de que o governo fará uma economia de 2% do PIB (cerca de R$ 96 bilhões) por ano, destinada a amortizar a dívida (superávit primário), para que a política econômica comece a passar firmeza e, nessas condições, a tempestade seria enfrentada sem avarias de monta para o navio. Nesse caso, teria de basear-se em cálculo transparente das contas públicas, sem os truques contábeis inventados em 2012 pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, que vem denunciando a existência de ataques especulativos contra as finanças do governo.

Leos: garantindo grau de investimento

O economista Mauro Leos, vice-presidente da Moody's, uma das maiores agências internacionais de classificação de risco, garante que se a situação macroeconômica do Brasil, em 2014, for idêntica à do ano passado, a nota do país continuará sendo a de grau de investimento. Com ele, a palavra: "o cenário que prevemos não deverá ser muito diferente de 2013, quando a economia cresceu em torno de 2%. Neste ano, deverá ficar no mesmo patamar. No caso da dívida pública, que ultrapassou 60% do PIB em 2013, deverá acontecer algo parecido. Se esse cenário se confirmar, não precisaremos mudar a classificação de risco do Brasil no curto prazo. Acreditamos que ela é consistente com a nota do país, hoje, de grau de investimento com perspectiva estável".

Dilma, franco favorita

Pois bem, mantida essa situação, este analista acredita que a presidente Dilma Rousseff continua na posição de franco favorita do pleito de outubro. Uma catástrofe - inflação alta, desemprego em massa, tumulto na distribuição do Bolsa Família, descalabro na saúde e segurança pública - aumentaria, consideravelmente, as chances de um candidato das oposições. A candidata governista, convenhamos, conta com gigantesca máquina - as estruturas administrativas de ministérios e agências governamentais, milhares de cabos eleitorais postados em áreas-chave. Pode ser que o clima do ano chegue a conturbar o processo eleitoral. Manifestações por ocasião da Copa, mobilizações nas margens eleitorais, movimentos paredistas de setores e categorias profissionais etc. Teriam força para mudar a paisagem eleitoral? Essa é a pergunta que fica no ar.

Dor de cabeça

A dor de cabeça que afligirá a candidata à reeleição pode, também, prejudicar o rumo de sua campanha. Trata-se do imbróglio da reforma ministerial. Sairão alguns ministros para disputar a eleição. Os partidos começam a guerrear por melhores postos na administração, a partir do PMDB, o maior partido aliado. Será impossível chegar ao consenso. No Rio, as posições tendem a ser irreconciliáveis, a partir da férrea determinação do PMDB e do PT de manter as candidaturas do vice-governador, Pezão, e do senador petista Lindenberg. O vice-presidente Michel Temer, com sua conhecida habilidade para negociar, continua a tentar um acordo. O que pode ocorrer é um palanque duplo para Dilma, no Rio de Janeiro. E uma parceria estremecida.

Rolezinhos

Os "rolezinhos" começam a se multiplicar pelas praças do território. Aglomerados de jovens, sob o convite das redes, adentram os shoppings centers, para uma zoeira, um encontro animado, sob manifestações e palavras-chave de uma turba que quer se divertir. Os "rolezinhos", como estão sendo chamados, podem se transformar no hit das próximas estações, principalmente se o Estado não souber administrar as ondas. Proibir a entrada de jovens em um shopping center, levando em conta seu modo de vestir, é um ato discriminatório. Permitir a bagunça generalizada em um ambiente privado também é inconveniente. O Estado é transportado ao espaço entre a cruz e a caldeirinha.

Significado

Os "rolezinhos" são como a água corrente de um rio, que esbarra em pedras e obstáculos, até encontrar o oceano. A água se infiltra entre as pedras, procurando desvios, ladeando barreiras, adentrando os estreitos espaços entre rochas. Procuram dar vazão a seus volumes. A falta de espaços urbanos para o lazer, a compressão das grandes cidades, o estrangulamento das vias e praças públicas - eis o leit motiv dos "rolezinhos". Essa movimentação quer dar vazão à expressão de jovens contidos em suas vontades, anseios, expectativas e demandas.

O marketing eleitoral

Estamos quase entrando no "império dos signos". Refiro-me à campanha eleitoral. Urge lembrar aos candidatos. A esperteza, o vale-tudo, a dramatização, os recursos artificiais e a insinceridade deverão ser anotadas por um eleitor mais sabido, crítico e racional. A "feitiçaria" da publicização eleitoral não será capaz de enganar a massa eleitoral. Gato não mais será vendido como lebre. Se o Príncipe não pode dispensar a astúcia da raposa e a força do leão, devendo trapacear e matar, de acordo com os preceitos de Maquiavel, o súdito não vai deixar ser pego por eles. O eleitor saberá medir versões, interpretações e propostas. "Nenhum homem, por maior esforço que faça, pode acrescentar um palmo à sua altura e alterar o pequeno modelo que é o corpo humano". É o que diz a Sagrada Escritura.

Candidato não é sabonete

Candidato não pode ser tratado como sabonete. Tem identidade, alma, tem emoção. Para chegar ao fim do caminho, passará por cinco grandes fases. A primeira é a do lançamento, quando seu nome começa a ser apresentado ao eleitorado. A segunda é a do discurso, quando fará propostas condizentes com as demandas sociais. Contará com a ajuda de mapeamentos e pesquisas qualitativas e quantitativas. Usará uma ampla e densa bateria de comunicação para dar conhecimento de suas ideias, os chamados canais publicitários e jornalísticos. Deverá formar uma sólida rede de articulação com a sociedade organizada, a partir de entidades de credibilidade e respeito, a partir de convocação e parceria com os setores políticos (partidos e lideranças). E fechará seu marketing com os esquemas de mobilização, onde deverão ocorrer os eventos de contato com as massas.

O eleitor de 2014

Uma pequena lição de Zaratustra para compreender melhor o eleitor de outubro próximo: "novos caminhos, sigo; uma nova fala me empolga: cansei-me das velhas línguas. Não quer mais o meu espírito caminhar com solas gastas".

Debates

Este consultor sugere um amplo e contínuo programa de debates entre os candidatos. Como faz a TV americana. Escolhem-se três a quatro temas e, sobre eles, cada candidato fará a sua análise e propostas. O eleitor ganhará ao poder comparar a viabilidade de cada proposta e a maneira de implementação das ideias. Sem agressões.

Herói

O Brasil está à procura de um Herói. Quem se habilita? Atenção aos candidatos: cuidado com as pedradas.

Grande dúvida

Guido Mantega resistirá? Continuará firme e forte no Governo Dilma? E o Arno Agustín, Secretário do Tesouro, idem?

Papel tem pernas?

E a seguinte historinha (real) dos papéis que andam entre as instantes dos prédios públicos não passaria de folclore. O cidadão chega à repartição e pede para ver seu processo. Ouve do atendente: "ah, tem muitos outros na frente. Vai demorar um tempão até ser despachado. Papel, doutor, não tem pernas". Agastado, o interlocutor reage: "e quanto o senhor quer para por dois pés nesse papel?" Tiro e queda. A nota de 100 fez o papel correr rapidinho.

Conselho aos jovens

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos maniqueístas que se multiplicam no país. Hoje, dirige-se aos jovens :

1. Compreende-se a onda jovem que irrompe nos espaços privados para fazer valer sua expressão e necessidades lúdicas. A falta de espaços públicos para as manifestações da juventude explica, em parte, a multiplicação de ondas de mobilização juvenil.

2. Convém, no entanto, não se deixar levar por oportunistas e aproveitadores, que procuram disseminar um poderio destrutivo, voltado para a depredação dos ambientes.

3. Cuidado para não servirem de massa de manobra a grupos e setores interessados em desestabilizar os climas ambientais.

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(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

OBSERVATÓRIO

A certa altura do seu segundo mandato, com a imagem consolidada de grande tocador de obras, Paulo Nazareno resolveu lançar uma cartilha apresentando suas centenas de realizações. Um dos lançamentos dessa revista ocorreu na sede do distrito de Santo Antonio dos Azevedos. Para lá acorreram várias lideranças. Era uma ensolarada manhã de domingo e o povo da região lotou as dependências do Grupo Escolar, onde ocorreu a solenidade. Um dos oradores foi o então vereador Francisco Pinto da Silva, o Pinto, que costumava fazer uma impostação de voz similar à do deputado Antonio dos Santos. Convidado a fazer uso da palavra, Pinto assumiu uma postura altiva, inflamou a voz, segurou com firmeza o microfone e disparou: “Povo de Santo Antonio, vocês estão recebendo hoje uma cartilha apresentando as obras do nosso Prefeito Paulo Nazareno. Nunca vi um Prefeito realizar tanta obra. É obra prá todo lado, é obra prá todo canto. É obra demais, minha gente. Ô Prefeito prá obrar esse Paulo Nazareno”.

A RENÚNCIA

Confirmado! Carlos Felipe, alcaide crateuense, vai renunciar na última semana de janeiro. Disputará uma cadeira de Deputado Estadual. Na cabeça do atual Prefeito de Crateús só há um nome que pode representar o município de Crateús na Assembleia Legislativa: Carlos Felipe. Seu mote de campanha se resume às obras que realizou como Prefeito da terra do Senhor do Bonfim.

‘OBRISMO’

Volta e meia, o ‘obrismo’ toma conta do debate político. É um tema antigo e recorrente na política brasileira. Desde o tempo do “rouba, mas faz” que se procura incutir na cabeça da população a ideia de que um bom governo se mede pelo índice de obras. Recentemente, o governador Cid Gomes reacendeu essa chama ao lançar um desafio ao ex-governador Tasso sobre o legado de obras de cada um. Debate à parte, o certo é que um grande homem público não se mede somente pelos quilos de concreto armado que exibe. Vai além disso. A dimensão de um líder se aufere por um conjunto de atributos, dentre eles a estatura moral, a lista de princípios, a correção das ações, a visão de mundo. Líder é o que arrebata os liderados pelo exemplo. É um farol que ilumina pela autoridade pessoal, pela imantação sedutora, pelo respeito natural.

A RENÚNCIA II

A renúncia de Carlos Felipe suscita algumas constatações e ponderações. A primeira é sua opção pela política profissional, seguindo carreira na atividade. A segunda é que não deixa de ser um ato de coragem. Apesar de todas as garantias que obteve – fechou com o deputado federal Guimarães o apoio em outros colégios – pairam dúvidas sobre sua eleição. Pode tirar uma grande votação em Crateús e minguar em outros municípios. O seu partido, PCdoB, encerrou a lua de mel com o governo estadual desde a última eleição municipal, quando fincou pé na candidatura de Inácio Arruda no primeiro turno. Tanto é que perdeu a principal posição que detinha na máquina estadual: a Secretaria de Saúde. Por outra, o Olimpo Estadual priorizará na região dois outros nomes: Jeová Mota e Nenen Coelho.

A RENÚNCIA III

Porém, a oposição não pode subestimar Carlos Felipe. Ele não é um bobo e demonstra que já aprendeu todos os trejeitos de esperteza dos velhos políticos. Quando se faz de desentendido exerce, na verdade, uma arte na qual se tornou mestre, a arte da dissimulação. Na campanha passada, quando seu concorrente Ivan Claudino o desafiou a assinar um documento se comprometendo a exercer o mandato de Prefeito integralmente e não abandonar a Prefeitura para ser candidato a Deputado em 2014, ele simplesmente fez ouvido de mercador. Seu pensamento era outro. Como outro era seu intento quando foi à residência do Conselheiro Manoel Veras convidá-lo para ser candidato a Deputado Estadual e prometeu apoio.

IVAN

Por falar em Ivan, ele hoje está inspecionando pessoalmente as obras do DNOCS nos sertões de Crateús. E o faz na condição de diretor geral do órgão, visto que está respondendo pelas férias do titular. Dezenas de obras hídricas estão sendo executadas em municípios da região. Duas empresas foram contratadas: uma de Pernambuco, para os chafarizes e outra do Maranhão, para os pequenos abastecimentos d’água, além da máquina do próprio DNOCS, que perfurará dezenas de poços.

CURTAS...

...comenta-se que Hermínio Rezende poderá surpreender e ser candidato a Deputado Federal.

...a obra do novo Fórum de Crateús contou com o empenho de magistrados ligados à terrinha, como os desembargadores Emanuel Leite Albuquerque e João Byron Frota. Este último está agora cumprindo aquilo que o famoso orador romano Cícero chamava de “otium cum dignitate” (ócio com dignidade), ou seja, a ocupação do tempo com o exercício de atividades nobres.

...Amanhã, quarta-feira, a Academia de Letras de Crateús e a Prefeitura Municipal realizam solenidade comemorativa dos 88 anos da passagem da Coluna Prestes em Crateús. Programação tem início às 16hs00min com visita aos locais que marcaram a passagem da Coluna Prestes em Crateús e conclui à noite, com exibição do filme ‘A história de Luiz Carlos Prestes’, apresentação da Banda de Música Expedito Paiva e palavra de intelectuais sobre a Coluna Prestes.

PARA REFLETIR

“A Coluna Prestes superou a marcha de Mao Tse-Tung, em número de quilômetros e em sacrifícios. É a maior marcha da Idade Moderna, e um símbolo de valores como ética e justiça. E Crateús é uma referência da passagem da Coluna pelo Ceará”. (Padre Geraldo Oliveira Lima)

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

OS POEMAS TELÚRICOS DE DIDEUS


Dideus Sales celebra 16 publicações livrescas. Já virou rotina lançamento de livro dele. Porém, a retina da rotina não há que ter necessariamente um veio pejorativo. Pois, tudo é rotina. Em defesa da repetição, Gerardo Mello Mourão proclamou que “só há uma forma boa de gerar um ser novo no ventre de uma fêmea: repetir o ato imemorial de Adão em cima de Eva, com um movimento entre a cintura e as ancas. O resto é inseminação artificial. A repetição gera o novo.”

Nesses últimos tempos tenho me interrogado a respeito da aura que circunda a poesia. O que vem a ser esse cantante, encantado e encantador fenômeno? Parece-me que Poesia é tudo aquilo que nos torna essencialmente mais humanos, nos aprofunda no humanismo ao ponto de nos aproximar do divino. A poesia é a divinização do humano. Nessa esteira, o primeiro e maior poeta é Deus, que com seu sopro mágico desenhou o universo, a magnitude da natureza, a comunidade dos seres vivos. Nessa trilha, todos somos ou podemos ser poetas. Os que desenvolvem a arte de concatenar os fonemas musicais, as obras arquitetônicas das estrofes arrebatadoras nada mais são do que sonoros instrumentos que o Poeta original distinguiu com a missão de apontar, como guias abençoados, as trilhas de Orfeu. Por isso que o amazônico Thiago de Mello proclamou: Não somos melhores nem piores. Somos iguais. Melhor é a nossa causa.

O mundo inteiro, esta semana, está reverenciando um poeta que se fez líder global, herói maiúsculo, libertador singular, gênio da paz: Nelson Mandela!

O Dragão do Mar Africano, sem escrever poesias, foi um poeta militante, que na solidão da masmorra, na escuridão do cárcere, repetia um mantra: Não importa quão estreito o portão/ Quão repleta de castigo a sentença,/ Eu sou o senhor de meu destino/ Eu sou o capitão de minha alma.

Mandela carregava na sua jangada existencial a lanterna da poesia. Senhor do destino, capitão da alma, general do coração e soldado da consciência, colonizou projetos pessoais e grupais e delineou um projeto de sociedade em que os seres não estavam apartados pela cor da pele, em que um governante não precisava demonizar o passado, em que os homens pudessem compartilhar civilizadamente o mesmo espaço social.

Quando dispunha do pescoço dos algozes e dele esperaram as correntes da vingança, estendeu a cadeira da reconciliação e ofereceu o banquete da paz. Quando lhe franquearam a continuidade no poder, lançou o manifesto do desapego. Era um homem superior, sintonizado com a melodia celeste. Como político, atuou não em função de uma parte ou de um partido, mas com uma invulgar compreensão de totalidade.

Era um homem, do ponto de vista ético, da melhor estatura, com visão de Estado. Um verdadeiro estadista. Poeta é, pois, todo aquele que se dispõe a romper os grilhões dos formalismos estéreis, das convenções descabidas, dos debates inúteis, do cotidiano infrutífero, da pusilanimidade dominante.

Poeta é aquele que, em qualquer barco de sonho, ultrapassa as ondas da superfície e alcança o espaço tranqüilo das águas profundas do oceano da vida. Dideus merece ser festejado porque é um desses desassombrados padeiros da massa poética.

Mello Mourão dizia que o poeta tem que ser assim: essencialmente poeta. De resto, tinha razão Rilke: cantar é ser. Às vezes somos forçados a fazer outras coisas na vida. Gerardo confessa ter tido a necessidade de exercer atividades as mais díspares na vida, como a política partidária e outras aventuras. Mas considerava tudo isso "adultério" à sua musa permanente, a poesia.

Dideus luta incessantemente para guardar fidelidade à poesia. Comete, vez por outra, alguns adultérios: ora edita uma Revista, ora se embrenha na produção rural, ora se entrega à intimidade de um microfone de rádio.

Todos esses ‘pulos de cerca’ são perdoáveis, porque ele é um incorrigível amante da poesia. E está sempre renovando esse matrimonio sagrado. O livro Poemas Telúricos é um delicado registro cartorial da renovação desses votos de amor. Telúrico vem de terra. Por isso fiz questão de consignar que a lírica desse fraterno filho da argila tem a altivez das carnaúbas, o perfume do mufumbo, a sombra do juazeiro, o desabrochar gratuito das jitiranas, o tempero do manjericão.

Um pequeno relato final. Johann Christian Friedrich Hölderlin, poeta lírico e romancista alemão, certa feita foi instado pela mãe a deixar esse negócio de poesia. (Sua genitora considerava isso um tanto perigoso, além de impedi-lo de viver uma vida normal). Em resposta, ele escreve à mãe: “a poesia é a coisa mais inocente do mundo.” Inocente, em alemão, é "unschuldig", que quer dizer uma coisa não-culpada, isenta de culpa. Em latim, “inocens” significa algo que não prejudica. Nocere é ser nocivo, prejudicar. Inocens é aquilo que não prejudica a ninguém e a nada.

Aprendamos com esse poeta terrestre, telúrico, a lição essencial da poesia: passar por essa vida insuflando a alegria, lançando sementes de sonho no coração dos nossos semelhantes e evitando causar prejuízos às coisas e às pessoas.

(Júnior Bonfim, na apresentação do livro Poemas Telúricos, de Dideus Sales, no Café da Vila, em Aracati, Ceará, aos doze dias de dezembro de dois mil e treze).