sexta-feira, 25 de outubro de 2013

MEMENTO PARA ARACATI


Aracati é a beleza selvagem, a poesia deslumbrante, a duna suntuosa, o espetáculo vital, a pulsação eólica, a praia magnética, a esparramada alegria, a festa do firmamento.

Aracati é o registro permanente, memória em diário, testemunho cotidiano, apadrinhamento perene da renovação invariável das promessas de casamento do Jaguaribe com o mar.

Aracati significa vento. É, portanto, redundante dizer “vento do Aracati”. Aracati é o abano dos deuses, hélice feita pela natureza, movimento olímpico do ar na atmosfera, latência de tornado, arrojo de tufão. É, também, aragem cheirosa, suavidade noturna, sazonalidade de monção, fruta da estação, lua enamorada, brisa perfumada.

Aracati é o coração aberto, palma da mão estendida, rede de acolhida, lençol cantante, hospitalidade militante, colo acolhedor, habitação de amor.

Aracati: do teu agitado acordo com o mar surgiu Majorlândia, a ‘terra do Major’, sacudida pelas ondas fortes, largo banco de areia, exuberante parque coqueiral, arco-íris de velas de jangadas, falésias vestidas de branco e vermelho, cristal bucólico, prateleira de garrafas de areia colorida, harmoniosa tela de beleza!

Improvável resistir ao dinâmico encantamento do afetuoso aconchego da lua com a estrela tendo a falésia como altar! Um desenho topográfico com o formato de uma canoa (ou será coroa?) quebrada! Meca dos mochileiros, paraíso hippie, conjunção gastronômica planetária, santuário cultural de continentes, moldura ecumênica!

Canoa, Canoa! Coroa ou Canoa?! Canoa ou Coroa?! Importa, inspirada loa, sedutora proa - preta branca, branca preta, tua envolvente silhueta! Pergaminho histórico do achamento brasileiro, visão combinada de narrativa fabulosa de pescador, encomenda turística esquecida, casamento indígena de astros celestes, desencargo muçulmano de consciência, síntese dialética do firmamento expressando a união dos pólos masculino e feminino, êxtase procriativo, explosão de fertilidade e amor!...

Aracati transpira história por todos os poros. A imponência silenciosa do casario guarda segredos nunca revelados. Os azulejos portugueses enfeitam a fronte dos prédios ao mesmo tempo em que escondem a escritura invisível dos antepassados. O Centro Histórico, as construções coloniais, os templos seculares são a expressão material de uma memória imaterial. A antiga masmorra municipal, que hoje abriga o Parlamento Mirim da urbe, talvez ainda possua grilhões não quebrados. Muitos foram os filhos desta terra, no entanto, que elevaram às alturas estreladas os sentimentos mais puros e profundos da alma. Vários deles, que enalteceram com o talento todas as artes do engenho humano, hoje nomeiam logradouros de relevo na Capital.

Como olvidar o sabor de réplica na ousadia épica do jangadeiro Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde, um dragão nascido no mar? Sentinela do oceano, libertador de primeira fila, destruidor de algemas, vanguardista da eliminação do tráfico negreiro, suscitou em Joaquim Nabuco a famosa expressão: “O Ceará é o começo de uma Pátria livre”.

Aracati, és histórico estuário do sonho libertário. Quando teu nome, em forma de brasa, arde, escreves a palavra Liberdade.

Aracati, Aracati: nativo ou visitante, próximo ou distante, de longe ou daqui, impossível não gostar de ti!


(Júnior Bonfim, na edição deste mês da Revista GENTE DE AÇÃO, em louvor ao aniversário de ARACATI)

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

CONJUNTURA NACIONAL

Os fundos

Abro a coluna com um "causo" do querido Estado do CE.

Garboso, o candidato a prefeito de Jaguaribe/CE, não economizou promessas em sua campanha, lá pelos idos de 60. Prometeu tudo ou quase: maternidades, poços artesianos, estradas vicinais, escolas e até uma ponte. Mas não se conformava com tão pouco. Queria fazer mais. Tinha de prometer alguma coisa mais popular, que caísse no gosto do povo. Mandou verbo:

- Pois é, minhas conterrâneas e conterrâneos, se vocês tiverem em suas casas redes rasgadas, daquelas que não prestam mais, guardem os punhos da rede. Quando eu for eleito, darei os fundos.

(Quem me mandou a historinha, não conta se perdeu ou ganhou; e se ganhou, deixamos de saber se cumpriu a promessa).

A última campanha

Cada ciclo político-eleitoral tem o seu marco. Pode ser um evento, o clima ambiental, as ondas do momento, o pano de fundo social. Pois bem, a campanha de 2014 será emblemática sob essa visão. Primeiro, por abrigar a última peleja contemporânea entre PT e PSDB, pois é mais que provável que esses dois partidos não resistam a mais um pleito presidencial com candidatos que ainda frequentam o ringue da polarização. As siglas enfrentam o fenômeno da corrosão de material. Duas décadas no poder parecem constituir o ciclo de mando de um partido no comando da Nação. Até é possível que, na campanha que se abre, um novo ator consiga desbancar os dois principais eixos da polarização política no país. Referimo-nos, claro, ao PSB e seus mais destacados perfis, Marina Silva e Eduardo Campos.

Poder dividido

Alguém poderá objetar: eles terão vida mais longa, eis que o poder está dividido entre ambos. Se o país se encontra nas mãos do PT, o maior Estado da Federação - maior colégio eleitoral, maior força econômica, maiores quadros políticos, maior ajuntamento social - , SP, está nas mãos do PSDB. A verdade, porém, é que o PSDB também vive em SP tempos de desgaste de material. Cinco governos seguidos fechariam a cota dos tucanos. O revezamento que se observa é no espaço municipal, na disputa eleitoral na capital. O PT ganhou a última, como já havia ganho com Luiza Erundina, no passado, e com Marta Suplicy, mais recentemente. Agora, é a vez de Fernando Haddad.

Ares novos

O fato é que, tanto na esfera Federal quanto na frente estadual, a população sinaliza a vontade de respirar ares novos, climas diferentes, passando a conviver com novos atores, até para experimentá-los sob o prisma da gestão pública. Em muitos Estados, essa sinalização já é praticada com a eleição de perfis que fogem ao modelo da velha política. Noutros, se não há tanta renovação, é porque os "donos" das grandes siglas que ascendem ao mando usam fortes baterias de comunicação, abrindo espaços gigantescos de visibilidade e, dessa forma, perpetuando-se no sistema cognitivo do eleitorado.

Dilma favorita

Sob a moldura da corrosão pelo tempo no poder, dar-se-á a campanha de 2014. No caso da campanha presidencial, a candidata do PT continua sendo a franca favorita. Por representar um estilo de trabalho, por dar continuidade a um gigantesco braço social - o Bolsa Família -, que poderá ser bastante esticado com o sucesso (bastante provável) do Mais Médicos e, claro, com uma economia controlada. Mas o sucesso da presidente Dilma, mesmo que ultrapasse as melhores expectativas, não significará necessariamente a continuidade do PT no comando do país. O partido sofre desgaste de imagem. Perdeu raiz histórica. Abandonou valores. Para recuperar vetor de força, deve ceder lugar a outros, refluir seu poder. É possível que abra um período sabático. Para, lá mais adiante, voltar sob novas luzes.

Eduardo e Marina

Faz bem à democracia e, particularmente, ao sistema eleitoral a participação da dupla Eduardo e Marina no pleito presidencial. Conseguem ambos passar a ideia de figuras novas na desgastada paisagem política. Fizeram uma aliança à base do modelão antigo. Pois o PSB é sigla do sistema; o estilo Campos, que puxou o avô, Miguel Arraes, em matéria de trabalhar a arte da política, é duro; o ingresso de Marina no PSB se deu pela porta da velha tradição - alguém, às vésperas de findar o prazo para filiação, corre e crava o apoio a um candidato de sigla tradicional.

Lula e o velho PT

Lula dá uma no cravo, outra na ferradura. Depois de bater nos adversários, principalmente os tucanos, o ex-presidente dá um puxão de orelhas no PT. Diz que muitos petistas só pensam em cargos. Outros, em mandatos no Legislativo. E se esquecendo dos tempos em que carregavam tijolos para construir o grande empreendimento petista. Forma de dizer: companheiros, voltemos às origens. Isso é possível ? Não. Heródoto ensinava: nenhum homem atravessa o mesmo rio duas vezes.

A fatura de Dilma

A presidente Dilma Rousseff colocou o carro na rua e já engata a terceira. Esse programa Mais Médicos será a marca principal do fim do seu primeiro mandato. Vai para as urnas sob o empuxo desse carro em velocidade. Dilma não perde tempo. O leilão de Libra só teve um consórcio. Não houve, a rigor, leilão. Mas ela proclama aos quatro cantos que o país abre as portas do futuro. Dinheiro para livros, educação, saúde para todos. Estamos abrindo a porta do paraíso. Em 30 anos, para explorar o campo e produzir óleo, serão necessários 400 bilhões de reais. Mais uma vez, podemos dizer como nossos tataravós: vamos lutar para fazer o Brasil dos nossos filhos e netos. O futuro abrirá os discursos per secula seculorum.

250 mil dólares

Li que Fernando Henrique e seu ex-genro queriam vender o Libra por US$ 250 mil. Não me recordo disso. Deve ser ufanada exagerada dos adversários. Não?

Reforma política?

Esqueçam. A reforma política, para fim de adoção em 2014, é mais uma dessas promessas de primavera. O projeto em andamento gera muita polêmica. E praticamente só altera questões relativas a recursos de campanha e apresentação de contas. Coisinhas pontuais.

Sem censura - I

Wagner Kotsura, jornalista dos bons, um dos mais diligentes caçadores de detalhes, chama a atenção deste consultor, com esta mensagem: "o artigo do Código Civil que se está aplicando às biografias, se não contiver um tremendo erro de Português (concordância), não parece autorizar censura. Vejamos. Art. 20: "Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da Justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais".

Sem censura - II

Wagner arremata: "O complemento 'de uma pessoa' refere-se a todas as expressões antecedentes ("a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem"). Trata-se, portanto, de escritos, palavra e imagem de uma pessoa, e não sobre uma pessoa. Dito de outra forma, não se pode reproduzir nada que alguém tenha escrito ou falado, sem autorização prévia; mas não parece haver nenhum impedimento a que se divulgue qualquer coisa sobre uma pessoa". Advogados e juízes, atentem para a observação.

Menos burocracia

Já está disponível o Módulo Estadual de Licenciamento, programa do governo do Estado de SP que permite a abertura de empresas de forma mais rápida e sem burocracia. Os detalhes do novo sistema, que integra 645 municípios, foram acertados em reunião recente entre o secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de SP, Rodrigo Garcia, e representantes do setor contábil, entre eles, o presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e de Assessoramento no Estado de SP (Sescon/SP), Sérgio Approbato Machado Júnior. Por meio do site da Jucesp é possível fazer todos os procedimentos de abertura de empresas e obter licenças do Corpo de Bombeiros, da Vigilância Sanitária e Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb).

ICMS: prazo estendido

Empresas do Estado de SP que recolhem o ICMS no terceiro dia útil do mês subsequente ao da ocorrência dos fatos geradores terão prazo para pagamento do tributo prorrogado para o 20º dia do segundo mês subsequente. A mudança trará benefícios de fluxo de caixa para as empresas e mais tempo de processamento das operações para as organizações e profissionais da Contabilidade. A novidade foi dada pelo secretário da Fazenda, Andrea Calabi, durante o 5º Gescon - Seminário de Gestão de Empresas Contábeis, realizado pelo Sescon/SP, nos dias 16 e 17/10, em SP. A prorrogação do prazo era um pleito antigo da entidade e da classe contábil. O anúncio oficial da mudança será feito em breve.

Você

O amigo Luis Costa manda essa peça sobre o tratamento você. O empregado de um condomínio usou o termo, ao se dirigir a um condômino. Este não gostou. Foi bater na Justiça. O juiz, Alexandre Eduardo Scisinio, julgou assim (resumo da peça):

- O empregado que se refere ao autor por "você", pode estar sendo cortês, posto que "você" não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social. O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe "semiculta", que sequer se importa com isso.

(...) Seu, Dona

- A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas frequências do pronome "você" devem ser classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de "seu" ou "dona", e isso é tratamento formal.

(...) Etiqueta, cortesia

- A própria presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes. Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de "você" e "senhor" traduz-se numa questão sociolinguística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais. Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corporis daquela própria comunidade.

Conselho aos médicos

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos pré-candidatos nas eleições majoritárias. Hoje, dedica sua atenção aos médicos brasileiros:

1. O programa Mais Médicos, da alçada do governo Federal, já virou lei. Não adianta, agora, questioná-lo. E nem é o caso de torcer contra ele. A população brasileira, principalmente das regiões mais carentes, quer ser amparada. Seja por um médico daqui, dali ou dos cafundós do mundo.

2. Se houver problemas ou se os médicos demonstrarem ineficácia ou desconhecimento de seu ofício, estarão sujeitos às penalidades normativas. Há fiscalização, há controles e há denúncias.

3. Importa, nesse momento, estender as mãos na gigantesca tarefa de ajudar as comunidades miseráveis a ter um padrão de vida mais saudável.

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(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL

Radicalizar: a opção de Aécio - 1

Disse o respeitadíssimo sociólogo Manuel Castells sobre os protestos de junho passado que foi "a primeira vez que os brasileiros se manifestam fora dos canais tradicionais, como partidos e sindicatos. As pessoas cobram soberania política. É um movimento contra o monopólio do poder por parte de partidos altamente burocratizados" (O Globo, 29/6/13). De fato, aquele sentimento das passeatas permanece assentado na sociedade. Todavia, quase nada foi articulado para que certas demandas sociais fossem atendidas pelos que controlam as instituições (situação e oposição). Note-se, por exemplo, que do lado do governo a estratégia tornou-se tão somente eleitoral. Daí as razões mais profundas do discurso de Dilma sobre a espionagem norte-americana ou o lançamento do programa "Mais Médicos". Este, embora justificável na sua essência, é insustentável diante da ausência de estrutura na área de saúde. Já quando à espionagem, a reação não tem condições de produzir alterações na relação EUA/Brasil. Do lado da oposição, a resposta aos ventos de junho foi igualmente burocrática. Desliza a oposição pelas mesmas propostas de sempre, do denominado "tripé macroeconômico" às críticas relacionadas com a incompetência governamental para realizar concessões e privatizações. Pois é exatamente esta visão burocrática e sem as inovações necessárias ao país que une Dilma ao tucano Aécio.

Radicalizar: a opção de Aécio - 2

A grande dificuldade de Aécio Neves reside em encontrar elementos políticos que sejam suficientemente sedutores do ponto de vista eleitoral e que, ao mesmo tempo, sejam habilitados a diferenciá-lo da presidente-candidata. Até agora, a opção do mineiro é olhar o passado e usar o governo FHC como referência estrutural para efetuar a crítica aos governos petistas. Esta estratégia acaba por cair numa armadilha inescapável : no petismo a estratégia política de Lula-Dilma foi a de incluir milhões do ponto de vista social, coisa que não se viu sob os tucanos liderados por FHC no período pós-real - a estabilização foi o grande fator de inclusão social. O discurso em prol da privatização e da estabilidade tem cunho ideológico, mas não "pega", do ponto de vista eleitoral. Aqui não é o caso de se examinar a essência do tema (se boa ou ruim), mas apenas se perguntar o que o eleitor "ganha de fato" com a privatização. Há ainda a realidade de que a privatização, em alguns casos bem significativos, aumentou proporcionalmente mais os preços dos serviços que sua melhoria operacional, como no caso emblemático da telefonia celular. Discursar sobre eficiência, racionalidade, consistência, etc., é uma coisa, torná-la palpável ao eleitor é outra.

Radicalizar: a opção de Aécio - 3

A opção natural de Aécio Neves, se quiser se configurar como a "verdadeira oposição", é uma estratégia de confronto radical com Dilma e seu padrinho Lula. Caso contrário, sobrará com um discurso ideológico insensível às demandas efetivas do eleitor e, de resto, será "semelhante" à burocrática presidente Dilma. A opção por uma radicalização de Aécio deve encontrar barreiras enormes entre seus aliados, da "Casa das Garças", no RJ, até os marqueteiros munidos de pesquisas por todos os lados. Do lado dos ideólogos, incluso FHC, a tarefa de identificar o candidato com o povo não parece muito promissora às pretensões pessoais dos "pensadores". Talvez estes prefiram as planilhas ao pensamento "eleitoral" - não se sabe. Do lado dos marqueteiros, estes dirão que há nas pesquisas muitos fatores contra uma "radicalização". De outro lado, estes mesmos marqueteiros não mostrarão o que haveria a favor. Vale sublinhar que o problema de Lula, quando da eleição que o levou à presidência, era se mostrar um "moderado". O problema de Aécio é exatamente o oposto e a pergunta é : o que ele radicalizará frente à Dilma-Lula ? O distinto público deseja saber, pois tanto Aécio Neves quanto a dupla petista são parte do mesmo establishment. Um no poder, o outro na oposição. É o que ensina Manuel Castells. O que parece diferente (e talvez não seja) é Campos-Marina. Mas aí o problema é de conhecimento e intimidade entre eleitor e candidatos. No caso de Aécio Neves, sabe-se quem ele é, mas ainda não há reason why para nele votar.

Os tucanos na muda? - 1

Bons observadores notaram que os tucanos foram aqueles que menos participaram dos debates pré-eleitorais depois da anunciada união Marina Silva/Eduardo Campos. Marina, possivelmente para poupar Campos de se expor criticando um governo do qual foi aliado até pouco tempo, tomou a dianteira. Com críticas bem contundentes à política econômica de Dilma, de tal veemência que forçou até a presidente a, em três ocasiões diferentes, rebater a líder da Rede. Prova que Marina está incomodando, uma vez que a estratégia traçada pelo Conselho Reeleitoral do PT era evitar "encher a bola" da ex-ministra do Meio Ambiente. Alguns analistas acham que Dilma foi bem ao rebater Marina, principalmente na questão levantada por ela do abandono do tripé macroeconômico criado no governo FHC e seguido em parte do governo Lula. Foi, dizem, a oportunidade para Dilma e sua equipe confirmarem seus compromissos nesta área.

Os tucanos na muda? - 2

Talvez não seja bem assim. Ao atacar este ponto, Marina tirou Dilma da zona de conforto e colocou-a na defensiva. Por enquanto, pelo menos, quem está conduzindo a agenda do debate é a parceira de Eduardo Campos. A ausência dos tucanos pode ter duas explicações:

1. Ainda não se recuperaram do susto que foi o acordo Rede/PSB. O PSDB contava com uma disputa com quatro candidatos fortes, o que seria mais fácil para levar a eleição para o segundo turno.

2. Os tucanos têm uma estratégia herdada da política de Minas, do devagar e sempre, e estão deixando Dilma e Marina/Campos se desgastarem nessa troca de farpas enquanto eles são poupados para fazer seus ajustes internos e com possíveis parceiros. De todo modo, Aécio e seu grupo não poderão ficar muito tempo nessa área de sombra.

Fora do ar

Por falar em tripé macroeconômico, quando se pensa em seu pilar do ajuste fiscal, observa-se que quem está há algum tempo fora do ar é o secretário do Tesouro Nacional, Arno Agustin. Principal executor da "maquiagem orçamentária", Agustin era presença constante, figurinha carimbada nos jornais até pouco tempo atrás. Sumiu, sumiu por quê?

Espionagem: a indignação francesa

O jornal Le Monde, em sua edição de ontem, informou que a NSA realizou 70,3 milhões de gravações de dados telefônicos de franceses em um período de 30 dias entre dezembro de 2012 e janeiro de 2013. Como não poderia deixar de ser, a fonte do jornal é o jovem espião Edward Snowden. Os EUA, por meio do diretor da NSA, não fez por menos e declarou que os EUA fazem o que todos fazem, espionam! Há certa ira em Paris em relação ao tema, mas veremos como será a reação depois de alguns dias. Por fim, resta saber se Dilma se sentirá inferiorizada em função do modesto número de gravações do Brasil frente à França. A conferir.

Candidatura útil

O PMDB meio que oficializou neste fim de semana a candidatura do empresário Paulo Skaf, presidente da endinheirada Fiesp, ao governo de SP. É para valer, asseguram os peemedebistas: eles acham que têm chance de ganhar beneficiando-se de uma disputa fratricida entre o PT e o PSDB e precisam de uma candidatura ao Palácio dos Bandeirantes para tentar aumentar as bancadas estaduais e Federais do partido. É para valer até certo ponto. Hoje ela é uma candidatura útil também para os planos do presidente Lula, pois se imagina que, ligado aos empresários, Skaf tiraria mais votos de Geraldo Alckmin do que do petista Alexandre Padilha. O contrário do ministro Aldo Rebelo, do PC do B, à esquerda, que só prejudicaria Padilha, e por isto mesmo, foi aconselhado a permanecer em Brasília e desistir de disputar a sucessão de Alckmin. Se até a homologação das candidaturas não se comprovar que Skaf rouba votos do tucano ou se, ao contrário, ele começar a dividir votos com o ministro da Saúde, discretamente o PMDB será aconselhado a desistir dessa aventura. Até para manter a vice-presidência nas mãos de Michel Temer. Há uma outra utilidade para o PMDB na candidatura Skaf : naturalmente ele não demandará muito financiamento do partido para sua campanha e ainda poderá ajudar os candidatos do partido ao Legislativo.

Frase interessante

Vista a candidatura do empresário Paulo Skaf ao governo de São Paulo, vale a menção da declaração de Eduardo Giannetti da Fonseca sobre o apoio do empresariado à Dilma: A elite empresarial está no bolso do governo. (Folha de S.Paulo, 21/10/13). Que surpresa, não é?

Lula, idealismo e Kafka

Vejamos a declaração do ex-presidente Lula ao jornal El País, no dia 20/10/13: "Eu queria dizer que as pessoas tendem a esquecer os tempos difíceis em que achavam bonito carregar pedra. A gente acreditava, era maravilhoso. Um grupo mais ideológico, as pessoas trabalhavam de graça, de manhã, à tarde e à noite. Agora você vai fazer uma campanha e todo mundo quer cobrar. Não quero voltar às origens, mas gostaria que não esquecêssemos para que fomos criados (o PT). Por que queríamos chegar ao governo? Não para fazer como os outros, mas para agir de maneira diferente". Nosso comentário: não são poucas as declarações do ex-presidente Lula ao longo dos anos pós-ele mesmo. Uma hora o ex-presidente "tutela" a sua sucessora. Noutra, defende os seus polpudos cachês pagos por empreiteiras. No ausência do público e da imprensa articula como ninguém, o faz no governo e para o governo. Desta feita, o ex-presidente Lula, respirando ares espanhóis, resolve cavalgar num idealismo que não se provou quando estava sentado no Planalto e convoca o próprio partido para que "não esqueça porque foi criado". Já não é o ex-presidente apenas uma "metamorfose ambulante", como aprecia se definir. Ao que parece, ele é o seu próprio álibi a encobrir suas próprias más ações. Um caso kafkiano que se sustenta enquanto silente estiverem os que observam a cena.

E a CPI da Siemens, cadê ela?

Quando voltou à cena a história das propinas que a Siemens e outras companhias estrangeiras teriam pago a funcionários dos governos tucanos em SP para conseguir negócios no Metrô e na CPTM, a partir de vazamentos de processo que corre no CADE, órgão do Ministério da Justiça, o líder do PT, Eduardo Teixeira, anunciou imediatamente a coleta de assinaturas para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional para apurar a irregularidade. Duas semanas depois, Teixeira anunciou que estava prestes a protocolar o pedido de CPI, pois já tinha praticamente todas as assinaturas necessárias para instalar a investigação. O que não é nenhuma façanha uma vez que os governistas têm uma ampla maioria na Câmara e no Senado e a oposição não tem como impedir nada que o governo queira fazer no Legislativo em Brasília, nem mesmo impedir aprovação de emendas constitucionais. Isto foi há mais de dois meses e de lá para cá, em Brasília, não se fala mais no assunto de CPI. Por que será?

Ah! Esses estrangeiros...

O ministro da Fazenda Guido Mantega, nosso mais incorrigível cultor da filosofia do dr. Pangloss ("Cândido, ou o Otimismo", Voltaire), em entrevista ao "Estadão" de domingo afirmou que o PIB brasileiro vai crescer 3% em 2014 (a previsão dos especialistas é de que será inferior aos 2,5% projetados para este ano) e que poderá chegar até a 4% se o ambiente externo permitir. Ah !, como são malvados esses estrangeiros. Estão sempre conspirando para prejudicar o trabalho das autoridades econômicas brasileiras para colocar nossos negócios no lugar.

Habeas corpus (ou desculpa preventiva)

O presidente do BNDES declarou, no fim de semana, que até 2015 o Brasil poderá voltar a reduzir os juros. Até recentemente, Luciano Coutinho foi um dos mais ardorosos defensores da "nova matriz econômica" que o ministro Guido Mantega anunciou há cerca de dois anos haver implantado no Brasil. Esta matriz contraria o tripé macroeconômico (neoliberal ?) aplicado pelo governo FHC na economia nacional e seguido por Lula em boa parte deseu mandato. Coutinho dizia-se entusiasta da redução mais acentuada dos juros básicos iniciada pelo BC em meados de 2011 e interrompida há meses. Nada como uns "indicizinhos" teimosos de inflação para converter os mais fiéis desenvolvimentistas.

BC: ainda na alta

A leitura da ata da última reunião do COPOM que elevou a taxa de juros básica para 9,5% dá poucas esperanças de que a taxa de juros deixe de subir na próxima reunião do COPOM. A situação, de fato, é curiosa. A demanda permanece estável, mesmo que num bom patamar, o mercado laboral está sem pressões substantivas, mas a inflação não cai. Isso tudo com o "apoio" da Petrobras que não majorou os preços dos combustíveis, bem como houve a "baixa" das tarifas de energia elétrica. A inflação é, portanto, um problema incômodo e parece que estará presente por um longo período. O BC sabe disso e vai forçar a taxa para cima de novo. Daí por diante, a nosso ver, o BC terá de renovar a anuência do Planalto em relação a esta estratégia. Pesará a eleição do ano que vem na orientação que virá da chefe do Executivo. Por esta e por outras, a probabilidade da taxa de juros subir para 9,75% na próxima reunião e aí ficar é bem alta. Um outro dígito na taxa básica pode ser um dígito a menos nas pesquisas eleitorais.

Língua pátria, novilíngua

Do "The NSA Herald", o diário mais xxxxxxxxxxxx do país, uma criação da revista "Piauí" (outubro/2013), com degravações de espionagens americanas no Brasil:

"General updates

Ref. Fucking language

Atenção: interceptações feitas em todo o território brasileiro indicam que o idioma falado no país não é o espanhol, e sim um dialeto usado como código na Primeira Guerra Mundial, o Português. Há variações no linguajar no STF, e nos cadernos de cultura dos jornais de grande circulação, em particular na crítica de cinema. Textos acadêmicos publicados nos cadernos de fim de semana empregam idioma criptografado, cuja chave parece exigir conhecimentos desumanos de Lacan, Badiou, Agamben, Huck, Schwarz e Chauí. No domingo passado um dos nossos mais tarimbados analistas abandonou o cargo e converteu-se à religião Amish depois de tentar compreender um texto sobre Merleau-Ponty publicado no caderno Ilustríssima.

Ref. To previus REF.:

Ainda em relação ao idioma: agências de publicidade e setor financeiro falam inglês (versão apache).

Frases da semana

Do jornalista e escritor Humberto Werneck, autor de uma excelente biografia (não autorizada, obviamente) do intelectual brasileiro Jaime Ovalle e de uma extraordinária história de intelectuais mineiros dos anos 1920/1960 que foram formar uma diáspora da "mineiridade" na antiga capital da República: "Esses caras [Chico Caetano, Gil e cia.] não precisam preocupar-se com os maus biógrafos. Eles mesmos já estão se encarregando de avacalhar suas biografias."

De um jornalista de Brasília, amigo desta coluna: Quem iria ler a biografia não autorizada da Paula Lavigne? E quantas páginas seriam necessárias para relatar a obra produzida por ela? O autor da pergunta, José Rubens Pontes, promete também, em solidariedade aos artistas roubados pelos biógrafos não autorizados, não comprar e nem ler qualquer biografia não autorizada da Paula Lavigne. E nem a autorizada.

(por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

OS OLIMPIANOS E AS CURVAS DA ESTRADA

Um oceano de distância separa os territórios de artistas como Roberto Carlos (que saudades das curvas da estrada de Santos), Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros de áreas frequentadas por figuras exponenciais da política e do governo. Mas uma condição os torna habitantes da mesma constelação: a visibilidade de seus perfis, que lhes confere fama e poder.

O mesmo ocorre com jogadores de futebol, atores e atrizes de novelas, príncipes e princesas de monarquias que ainda povoam o mapa das Nações.

Ao lado de um político comum, Pelé, Neymar ou Messi, a atriz Deborah Secco, o ator Antônio Fagundes ou William e Kate, duque e duquesa de Cambridge, certamente ganhariam mais palmas, não se descartando a hipótese de apupos dirigidos ao detentor de mandato popular.

Se o político, porém, dispuser de extraordinário poder, como Barack Obama, que preside a maior potência do planeta, seria razoável pensar em efusivos aplausos para ele.

A admiração por uns e a rejeição a outros decorre da simbologia que encarnam, um formidável arco de conceitos e situações que abarca o mundo das diversões; as esferas da política, com seus graus diferenciados de poder; os reinos que fazem lembrar contos de fadas, onde os olhares se embevecem com casamentos reais entre príncipes e plebeias que adentram os palácios e ascendem às alturas; as novelas noturnas, com dramas e tramas psicológicas, fontes de catarse e consolação de plateias fiéis aos personagens; os shows musicais, que permitem às multidões fruir um frenesi coletivo, abrindo as gargantas para acompanhar bandas e cantores, sob a cadência movimentada de corpos e braços; os espetáculos esportivos, onde torcedores fanáticos aplaudem seus ídolos e xingam adversários e o juiz da partida, beijando a camisa dos times e promovendo a integração de sentimentos e paixões.

Essa moldura do novo Olimpo, que o filósofo e educador Edgar Morin descreve como o habitat das vedetes do Estado Espetáculo, é iluminada todos os dias pela fosforescência midiática. Os tipos, com sua dualidade divino-humana, alguns elevados à categoria de heróis do cotidiano, se tornam onipresentes em todos os setores da cultura de massa.

Essa casta desperta curiosidade e admiração. Afinal, indagam-se os mortais, eles fazem as mesmas coisas que fazemos? Enfrentam dificuldades, acordam cedo, tomam banho, têm dores de cabeça, queixam-se da dureza do dia a dia ou suas rotinas são um desfile interminável de almoços e jantares, conversas e festas?

Para entrar nesses céus envoltos em mistério, as pessoas comuns se valem dos fenômenos da projeção e da identificação, que os fazem transferir seu ambiente psicológico para o habitat das celebridades, depois de conhecer seu lado humano e se identificar com seus gostos, atitudes e pensamentos.

A felicidade frui quando alguém descobre: “puxa, sou um pouco parecido com ele (o ídolo)”. Nessa esteira, multiplicam-se as histórias sobre a “vida pessoal” de cantores, compositores, políticos, jogadores de futebol, ao mesmo tempo em que se expandem as revistas ilustradas e de “fait divers”, com matérias sobre o mundo artístico.

As biografias não autorizadas constituem o acervo mais denso desse nicho. São ferramentas para furar as muralhas que cercam as fortalezas em que se encastelam estrelas da constelação olimpiana.

Dito isto, vem a pergunta: as vedetes da cultura de massa podem ter biografias não autorizadas sobre suas vidas ou os relatos devem receber sua prévia autorização? A resposta comporta, de início, considerar a faceta pública desses semideuses, tanto os políticos quanto os artistas. Uns e outros têm deveres para com a sociedade. Dependem do público.

A partir do momento em que suas atividades são massificadas – fator de sucesso profissional – submetem-se ao ordenamento ético de prestar contas a quem os acompanha. Que inclui relatos não apenas das retas, mas das curvas de sua existência.

A esse posicionamento público do artista e do político, soma-se o ditame constitucional que acolhe a manifestação de pensamento e da informação sem restrição. Se a honra, a vida privada e a imagem das pessoas são invioláveis, ainda nos termos constitucionais, lembre-se que há dispositivos no código penal contra danos morais, calúnia (art.138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140), além da restrição às biografias, prevista pelo art. 20 do Código Civil. Países democráticos, como EUA, Canadá, Reino Unido, França, Espanha não admitem qualquer censura às biografias não autorizadas, ao contrário de Rússia, China e Síria, por exemplo.

Imagine-se a execração pública de Bill Clinton se censurasse biografia sobre sua trajetória presidencial, nela incluído o episódio com a estagiária Mônica Lewinski. Aliás, os norte-americanos estão lendo avidamente o livro Sexo na Casa Branca, do historiador David Eisenbach e do editor Larry Flynt, que conta histórias impactantes, algumas conhecidas, mas não relatadas com detalhes, como as que envolveram os presidentes Abraham Lincoln, Thomas Jefferson, James Buchanan, Franklin Roosevelt e John Kennedy.

Houvesse censura na Inglaterra, a história do príncipe Charles e Camila Parker teria sido guardada no baú. E também o caso mais escandaloso da política inglesa: o envolvimento do ministro da guerra, John Profumo, com a modelo Christine Keeler, no começo dos anos 60. Isso é importante? Sem dúvida. São as entranhas da política.

Estabelecer patamar diferente para político e artista é defender tratamento privilegiado para uns. É formar uma casta dentro da casta. Biografias autorizadas são livros de autoglorificação, loas ao biografado. E querer cobrar do autor percentagem pela obra é apropriar-se de um direito que não pertence ao artista.

Nas situações em que as biografias alavanquem a venda de discos, o autor da obra teria direito a uma percentagem da vendagem? Livros maldosos e mentirosos devem ir, sim, para a fogueira. Pelas mãos dos leitores, não pelo tacão da censura.



(Gaudêncio Torquato)