quinta-feira, 7 de março de 2013

UMA PROSA PARA UMA ROSA

No final da Rua Cel. Giló avista-se o solitário Casarão dos Morais. Na sala de estar, repleta de quadros, exibem-se os vultos que outrora se abancavam na calçada para uma genuína prosa sobre o imponderável tempo arrematando as conclusões da vida. Hoje, estamparam-se nas paredes, numa saudosa galeria mnemônica. As janelas abertas, de par em par, observam atentamente os inquietos transeuntes que passam rumo ao Bairro dos Venâncio. Havia, até recentemente, mais o que se ver, porém o impiedoso tempo corroeu a robustez das coisas e as volúveis lembranças. Um frondoso Flamboyant, fincado em frente à senhorial casa, é testemunha daquelas fulgurantes eras.

Às vezes o intempestivo rio, que passa ali em frente, ilhava o casarão. Irrequietos remos de canoas, num esforço hercúleo, trabalhavam para ir de uma margem a outra. A meninada, em algazarra, fazia estripulias nos banhos do Poti. De quando em quando, o intermitente fluído aquoso, esquecia-se de voltar. As forças da natureza, que fazem desaguar as providenciais chuvas, se afastavam do sertão. O verão, outra vez doloridamente infecundo, estica o mês de abril destroçando as esperanças de um ser que teima em sobreviver, que insiste na agreste ilusão. Naqueles tórridos dias o homem do campo veste um aviltante gibão do inaceitável padecer. Tudo perdido, esgotada as provisões, a fome é um ranger de dentes nas mirradas carne dos filhos pequeninos e o único apelo é campear um minguado auxílio nas cidades. Até a insensível caatinga agoniza no aspecto desolador, árvores sem folhas, galhos estorcidos e secos afeito a dolorosa paisagem que concebe a tristezas dos ermos.

Assim, transcorrem pesarosos os ressequidos meses de 1951. Como Portinari a pintar “Os Retirantes”, uma solene senhora, debaixo de um imenso chapéu abriga-se de um sol escaldante, exibe paleta e pincel nas mãos a tingir um quadro sobre um cavalete. Bem próximo, no leito do Rio Poti, os retirantes montaram imensas latadas de moitas de mufumbo, onde diversas famílias de maltrapilhos sertanejos descansam, após uma manhã de suplicantes esmolas campeadas pelo centro da cidade. Enquanto a jovem Rosa Morais imprime aquele momento histórico na oleosa tela intitulada “Realidade Nordestina” recorda-se de outros momentos marcantes de sua vida. Foi em outra grande seca, a de 21, mal completara 4 anos de ingenuidade infantil e já se deslumbra com as belezas da natureza nas margens do Poti. Vendo o exemplo dos retirantes experimenta o frutinho verde de jaramataia, atitude que lhe custa a boa saúde, mesmo com tanto purga de leite que sua mãe lhe obrigara a beber.

Fora as graves consequências do envenenamento pelo fruto silvestre, a jovem Rosa Morais é uma pessoa temperada na disposição de fazer, na vontade aprender e, principalmente, na vigorosa fé pela busca da vida. Transporta uma considerável cultura, aprendida de forma quase autodidata, como uma mestra de si mesmo em constante evolução, num sábio fluir, mas os pés na realidade. Mal termina o 3º Ano Primário no Colégio Lourenço Filho, passa no concurso para professora do Estado indo substituir uma professora na cidade de Novo Oriente.

Recorda-se de quando o senhor Agostinho Teixeira, da fazenda campestre, chama os dois netos, e ordena: - Oh, Antônio Cândido, chame o Raimundinho, selem três cavalos e vão buscar a professora Rosa, na cidade de Novo Oriente. Ela vem passar o fim de semana com a gente. Os meninos vão satisfeitos, pois têm a meiga Rosa como uma querida irmã. Na volta, a professora, sentada de lado numa sela especial, conversa amenidades com os rapazes, relata seus acontecimentos na terra da Lagoa do Tigre, aponta displicente para um carcará na copa de uma aroeira a vigiar a solidão do sertão e pergunta o que os meninos fizeram na semana.

Uma de suas amigas, com ciúmes, até afirmara: - A Rosa, agora, só quer saber dos Teixeiras!

Mas amizade é um amor que nunca morre! O jovial Antônio Cândido, espirito brincalhão, confiante na lealdade da companheira, se faz até de confidente ao contar que noivara em Ipueiras e socorria-se com ela nos momentos de apertos: - Rosa, você tem um dinheirinho aí? Mas não diga a Joaninha, que depois eu lhe pago! Sabia que ele gostava de se entreter numa mesa de bilhar. Já o Raimundo era mais pacato, concentrado, e já caprichara ao escrever o discurso que ele iria pronunciar na posse de Presidente da Congregação Mariana, na cidade de Sobral e com certeza Dom José Tupinambá estaria na plateia! Nunca entendeu direito porque seu grande amigo Raimundinho se afastara de sua companhia, só desconfia, pois tudo aconteceu depois que ele conheceu a professora Delite. Não viam a hora de chegar logo na cidade para, a noitinha, ir a praça da Matriz e ficar ouvir a banda tocar no coreto.

Imensa é sua gratidão ao professor Luiz Bezerra, pois o mesmo a obrigou aceitar um convite para ensinar desenho na Escola Normal. Na apreensão pela missão imposta, ele a tranquiliza: - Rosa, mesmo faltando um semestre para você se diplomar, sei que és capaz e dará conta, até vai lhe ajuda no pagamento da mensalidade! Desta experiência, ao longo dos anos, foram surgindo as 42 belas obras que compõem o tema “Natureza e Arte” a maioria das telas com perspectivas nordestinas que estão espalhadas pelo mundo.

Lecionava pela manhã, estudava a tarde e à noite, na luz do lampião, fazia florzinhas de fécula de batata, de papel, de couro, de parafina, enfeites de velas de primeira comunhão para adquirir dinheiro e pagar a escola. Concorrido foi o Curso de pintura, que montou na Escola Normal, entre os alunos tinha um padre francês, chamado João, que pincelava os quadros como se fosse uma oração.

Outro amigo que a digníssima professora Rosa Morais recorda com carinho é do Pe. Moacir, que planejou sua entrada para a Congregação Religiosa das Josefinas. A irmã Rosita permitiu que ela passasse 17 dias internada, para pensar e se avaliar. Rosa afirma: – Eu rezei muito para o Senhor mostrar minha vocação. Tive vontade, mas me faltou aptidão para usar o habito das freiras. Não sabia o que fazer, nunca usei batom, nem esmaltes nas unhas. Eu sou eu mesma, sempre me pertenci! Não fiquei na irmandade, mas também não tive coragem de casar! Apareceu um rapaz, era um ex-seminarista e eu lhe disse que ele foi bobo, por ter jogado os pés no Senhor.

Rosa sempre esteve em contado com os padres, inclusive o irmão, Francisco Ferreira de Morais que foi um deles, na cidade do Ipu. Do Pe. Bonfim, em Crateús, lembra-se do temperamento explosivo e de quando surgia um probleminha no colégio, onde ensinou por 37 anos, ela mesma tentava resolver, com ajuda do Senhor Expedito Paiva, antes de o levar ao conhecimento do duro Monsenhor. No famoso colégio da Firmino Rosa exerceu mais um dos seus dotes artísticos, o poético, é a autora do belo hino que glorifica o Colégio Pio XII.

Hoje, o velho casarão dos Morais tem um ar nostálgico, que transparece no olhar das

Janelas abertas ao horizonte, mirrando a calha seca do rio. E na sala de estar, Dona Rosa repousa de uma longa batalha para educar gerações de crateuenses, assistindo uma destas emissoras católicas de TV. Nem imagina que nesta sexta-feira, dia 8 de Março, receberá uma homenagem, que pouquíssimas pessoas no mundo tiveram a honra de receber, uma Benção Papal, assinada pelo punho do próprio Bento XVI, antes de renunciar. Sem falar que já se prepara a grande festa para o dia 26 de outubro quando completará 100 anos de admirável existência. A professora Rosa Morais, com tantos motivos para ser feliz, sendo a própria dona da felicidade autêntica, ainda ganha mais uma longeva e poética satisfação: vida cônscia! Obrigado, Mestra!

Raimundo Cândido

quarta-feira, 6 de março de 2013

CONJUNTURA NACIONAL

Enxergando tudo verde

Os cientistas envolvidos com o estudo da agropecuária garantem que o gado bovino somente visualiza uma cor, a escura. Mas o fazendeiro (falecido) Honorim Medeiros, da Fazenda Pedra do Sino, em Caicó, não foi na conversa e, com o respaldo do seu próprio rebanho, jogou por terra a tese dos doutores em zootecnia. Foi na seca dos anos 50. Exauridos todos os recursos de pastagem, o gado rejeitava os restos do capim seco, duro, esturricado, preferindo apenas a torta de algodão, verdinha, fresquinha, ótimo sabor. Honorim vivia preocupadíssimo, aperreado, sem mais saber o que fazer:

- Tô lascado, desse jeito vou alisar!

Matutou, matutou, e, criativo, bolou a ideia genial. Foi até a Paribana, casa comercial do amigo Antonio da Viola e fez uma inflacionada compra, deixando o comerciante boquiaberto:

- Tem óculos de carnaval? Pois então me dá todo o estoque, todos da cor verde (antigamente, eram comuns os óculos de plástico, com alças de elásticos, usados exclusivamente no período momesco).

O fazendeiro levou-os para a Pedra do Sino e fantasiou o rebanho. Na volta à cidade, o amigo quer saber dos resultados:

- Como é Honorim, deu certo?

O fazendeiro abriu um sorriso de orelha a orelha e deu a nova:

- Mas, home, é um milagre. O gado tá comendo até as cercas e os mourões das porteiras!

(Quem conta em Segura Essa é Orlando Rodrigues)

O diabo se prepara

A presidente Dilma começa a lubrificar as armas do seu arsenal. A partir da linguagem, equipamento pesado em uma campanha. Nesta semana, na Paraíba, deu mostras de que vai atirar forte: "podemos fazer o diabo na hora da eleição, mas, no exercício do mandato, temos que nos respeitar, pois fomos eleitos pelo voto direto". A presidente, mesmo sem querer usar a linguagem de campanha, na verdade já está disparando chumbo grosso. O alvo é Aécio Neves, o tucano que começa a atirar no governo, com estilhaços atingindo Eduardo Campos, o governador pernambucano que, por enquanto, permanece na base governista. O verbo mais popular de Dilma é inspirado na verve de Lula.

Eliot

"Somente aqueles que se arriscam ir longe são capazes de saber até onde podem chegar". T.S. Eliot

Danos ao país

A campanha antecipada ocasionará sérios danos ao país, pois as agendas serão embasadas pelo espírito eleitoral. Prioridades se invertem. As ações governativas são atropeladas pelo marketing eleitoreiro. Dos quatro eventuais candidatos, apenas a ambientalista ex-senadora Marina Silva está mais contida. Aécio começa a despejar suas baterias. Eduardo Campos bate forte na tecla do pequeno crescimento e acena para os sindicalistas. E a presidente Dilma começa a correr o país. Sob o empuxo do comandante Luiz Inácio.

Vinícius

"A vida é a arte do encontro. Embora haja tanto desencontro pela vida...". "Viver é Amar". "Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure". Vinicius de Moraes, o poetinha.

É muito cedo, porém...

É muito cedo para desenhar cenários. Mas nada impede que tentemos uma expressão sobre potenciais de eventuais candidaturas. É pouco provável a aliança entre Aécio Neves e Eduardo Campos, como muitos defendem. Entre esses muitos, estão tucanos interessados em colocar o governador de PE na chapa do mineiro, como vice, e oposicionistas que sonham em destronar o petismo/Lula/Dilma do poder central. Pois bem, é pouco provável uma aliança entre ambos. Porque já fizeram as contas e chegaram à conclusão de que, separados, terão melhores condições de empurrar a eleição para o segundo turno. Os dois e mais os votos de Marina Silva poderiam tirar a vitória do governismo no primeiro turno.

Millôr

A palavra bem humorada de Millôr Fernandes: "o preço da fidelidade é a eterna vigilância". "O cadáver é que é o produto final. Nós somos apenas a matéria prima". "Eu sei do que estou falando. Tirando isso, não sei mais nada". "O dinheiro não é tudo. Tudo é a falta de dinheiro". "Às vezes, você está discutindo com um imbecil... e ele também". "O Brasil? Ah, está condenado à esperança".

Fatores de cada um

Dilma contará com o fortalecimento dos bolsões sociais (garantia de estômago satisfeito) e melhoria nos patamares de crescimento. Algo em torno de 3% a 3,5% de crescimento em 2013/14 seria suficiente para garantir a continuidade. Enquanto a equação do voto for garantida (bolso, estômago, coração, cabeça), a posição de nossa mandatária-mor não será ameaçada. Aécio Neves seria elevado em cenário de destroço econômico, significando crescimento zero, desemprego em massa, inflação em alta, clima de instabilidade geral. Ademais, carece de um discurso convincente, denso, capaz de mobilizar e animar os contingentes eleitorais. Se ficar apenas no diagnóstico - coisa comum entre os tucanos - ficará defasado. Deve ainda ter cuidado com a artilharia de críticas que baterá nos costados pessoais.

O novo, o charmoso

Eduardo Campos apresenta grande potencial de crescimento. Principalmente se ganhar bom espaço midiático, a partir das alianças. Quem o conhece sabe que não encarna o perfil da inovação, da modernidade (trata-se de um herdeiro do coronel Arraes), mas, pela boa apresentação pessoal, pode vir a ser considerado o de maior assepsia política. O fato de não ser conhecido garantirá boa penetração e avaliação junto a segmentos mais jovens. Mas o PSB não tem palanques abertos no Sudeste e no Sul, regiões de alta densidade eleitoral. Por isso mesmo, procurará se ancorar na fosforescência midiática. Claro, em cenário de baixo crescimento e deterioração econômica. Já Marina Silva terá um eleitorado fiel, mais orgânico e com apoio em setores bem organizados nas frentes sociais. Encarnará o conceito de renovação/depuração.

Chico

"Saudade é o revés de um parto. Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu". Chico Buarque nos brinda com Saudade, palavra que só a beleza poética da língua portuguesa conhece.

O sindicalismo de oportunidades

Nunca o sindicalismo brasileiro ganhou tanta oportunidade para se expandir e fortalecer quanto nesses tempos comandados pelo PT. Pois bem, o petismo fez subir às alturas não apenas a bandeira da CUT, mas as flâmulas de todas as Centrais. Que recebem uma fortuna para fazer pressão (causar má impressão), barganhar e ganhar espaços na administração federal. Vamos lá : o sindicalismo tomou conta da área do trabalho. É quem dá as cartas. Mas se mostra frequentemente contra o governo do qual faz parte. Ou seja, faz oposição a ele mesmo. Jogo inteligente, não? (Quem não se lembra do Lula presidente reverberando contra o governo que ele mesmo comandava?)

Bandeiras sindicais

O que defendem as Centrais Sindicais ? Algumas questões são bastante concretas : redução da jornada de trabalho, fim do fator previdenciário, reforma agrária (apesar da polêmica e divisões de abordagens que o tema sugere), ratificação da Convenção da OIT que impede demissão imotivada e regulamentação de outra Convenção que estabelece negociação coletiva no serviço público. Outras propostas descambam para o terreno do discurso mais abrangente, distanciando-se de posições fechadas, como igualdade de oportunidades para homens e mulheres, valorização dos aposentados, etc.

E o ministério, hein?

Veja-se o Ministério do Trabalho. Foi entregue ao deputado Brizola Neto, um bom perfil, do PDT gaúcho, endossado pela Força Sindical, comandada pelo deputado Paulinho (PDT/SP). O PDT é um partido rachado. O comando é do ex-ministro Carlos Lupi. Brizola quer apagar os vestígios por ele deixados na pasta. Lupi, que faz parte da base governista, tenta resistir. O sindicalismo organiza grande passeata em Brasília para pressionar o governo. O PDT ameaça uma greve geral nos portos. Tudo por conta da MP que cassa a autonomia dos Estados em relação aos portos, tirando o poder do Órgão Gestor de Mão de Obra, enquanto os sindicalistas defendem a continuidade dessa autonomia. Tal prerrogativa passaria a ser da União.

Campos na jogada

Eduardo Campos entra nessa onda e defende a autonomia estadual. Paulinho da Força, que integra a base governista, alia-se ao governador de PE, e atira forte contra o governo. O samba do crioulo doido se completa quando se sabe que o ministro dos Portos, Leônidas Cristino, pertence aos quadros do PSB, tendo sido indicado pelos irmãos Gomes (Cid e Ciro), do CE. E assim caminha o Brasil...!

PMDB e PT nos Estados

PMDB e PT intentam apresentar candidatos ao governo em todos os Estados da Federação. Essa é a estratégia de adensamento do poder. Mais governadores implicarão mais deputados Federais, mais senadores, mais prefeitos e vereadores. Alongamento do ciclo do poder partidário. Mas é possível que, em alguns Estados, haja recuo de um e de outro parceiro para amparar a aliança.

No Rio

Pezão, pelo PMDB, e Lindberg, pelo PT, irão às urnas. Sem chance de parceria PT/PMDB. O PMDB do Rio ameaça não apoiar Dilma. Este consultor não crê na hipótese de Cabral vir a apoiar Aécio Neves.

No RS

Diz-se que Tarso Genro, o governador, quer ser candidato a senador. Não quer administrar um Estado sem recursos. A senadora do PP, Ana Amélia, é forte candidata ao governo. Beto Albuquerque, o líder do PSB de Eduardo Campos, também é candidato.

Em SC

Raimundo Colombo, do PSD de Kassab, é candidato à reeleição. Os tucanos deverão ir com o senador Paulo Bauer, enquanto Ângela Amin será candidata ao Senado.

Em MG

O PT deverá fechar posição em torno do ministro Fernando Pimentel, enquanto Clésio Andrade tentará ser o candidato do PMDB. Newton Cardoso, o deputado e ex-governador, será candidato ao Senado pelo PMDB.

Em PE

Todos apostam na ficha do ministro Fernando Bezerra, como candidato do governador Eduardo Campos.

No RN

Uma incógnita: o senador Garibaldi Alves, muito bem avaliado como ministro, toparia voltar ao governo? Este consultor acredita que não. E o seu filho, Walter Alves, deputado estadual? Já tem idade para ser candidato (32 anos), mas aconselham-no a pegar mais experiência. E o presidente da Câmara, Henrique Alves? Mais uma incógnita.

Garrote e garoto

Voz melosa como poucos, o professor Gumercindo Amorim era mestre em português, lecionando nas escolas em Currais Novos, onde gozava de grande prestígio. Como locutor de rádio, na Brejuí, vez ou outra escorregava :

- Atenção, garrote perdido. Procura-se um garrote trajando calça curta azul marinho, camisa de algodão, branca, conga azul com meias brancas, cabelo busca pé, aproximadamente 10 anos de idade. Quem souber do paradeiro, favor informar aqui na Brejuí ou na residência dos pais do mesmo na Avenida Desembargador Tomaz Salustino, que será bem gratificado.

O sonoplasta, que também redigia os avisos para a leitura dos locutores, percebeu o trocadilho e sinalizou. Sem perder a compostura, eis de novo Gumercindo:

- Mais uma vez, atenção. Retificando o aviso lido há pouco. Onde se lê garrote, leia-se ga-ro-to!

(Essa é também de Orlando Rodrigues)

Conselho às Centrais Sindicais

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos aos gurus do PT, Lula, e do PSDB, FHC. Hoje, dedica sua atenção às Centrais Sindicais :

1. O movimento sindicalista faz parte de uma sociedade democrática. Mas o sindicalismo não pode e não deve dormir eternamente nos cobertores do Estado.

2. É importante saber o que reivindicar, o que defender, o que propor. É irresponsável defender uma agenda que não condiz com as sensíveis economias da contemporaneidade.

3. É preciso saber recuar e não apenas fustigar as instituições. O mundo atual cultiva os valores da racionalidade, flexibilidade, diálogo, contemporização, respeito à ordem constituída. Tentem zelar por este escopo.

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(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 5 de março de 2013

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL

O crescimento além do PIB

O resultado do PIB que apresentou um crescimento de apenas 0,9% em 2012 não reflete apenas a realidade objetiva no curto prazo. É direto, espelho de um país que se distancia de suas possibilidades, estas muito mais grandiosas. O problema não é o "estático" desempenho de um ano para o outro, mas a ausência de "dinâmica". O consumo também capenga porque, a despeito do elevado nível de emprego, a população se engalfinhou em dívidas caríssimas no tempo da euforia lulista. A indústria está visivelmente pouco competitiva – 21% dos produtos industriais são importados numa arena cambial onde a indústria local não pode prevalecer. Neste contexto, falta ao governo visão estratégica e à iniciativa privada a vontade política de agir em prol de seus interesses. Todos parecem letargicamente esperar que algo aconteça. Não acontecerá. Enquanto isso, o PIB pode subir 3,0% ou 4,0%, mas a realidade subjacente está sólida e não é nada boa.

Copom vai manter juros

Num cenário que combina atividade econômica débil e emprego positivo, o BC vai tecer a sua estratégia em relação à inflação extremamente elevada para um país que zela pela sua moeda. O primeiro ato do teatro da autoridade monetária já foi cumprido: Tombini e seus diretores vieram a público para dizer que estão presentes e que a situação será controlada. Foi um calculado (e combinado) jogo de palavras que esclareceu o mercado e alinhou expectativas dos agentes e do próprio governo (que andava meio ausente neste tema). Agora começa a chegar o momento em que o BC terá de passar da prosa para a ação. Todavia, com o PIB lá embaixo e os indicadores de atividade ainda incipientes (no que tange ao crescimento) é provável que tudo fique como está para ver como é que fica. Depois desta próxima reunião do Copom é possível uma alta de juros porque palavras, como se sabe, não movem montanhas (ops!), não reduzem inflação.

Perguntas sem respostas

Digamos que o PIB deste ano não seja nem 3,0% e muito menos 4,0%. Seja apenas algo entre 1,0% e 2,0%. O que fará a presidente Dilma: removerá a equipe econômica que segue cegamente suas recomendações? Quem viria a substituí-la?

Mantega e a guerra cambial

O ministro Guido Mantega tem sido um exemplar alferes na retórica na qual prega contra a "guerra cambial" que os países centrais (liderados pelos EUA) estariam fazendo contra os emergentes. O Brasil neste tema tem sido o mais loquaz dentre os emergentes – repetiu a dose na última reunião do G-20 em Moscou. A China já pregou há dois anos com mais ênfase em favor da tese da "guerra cambial". Hoje, tem sido mais discreta e prefere cuidar dos vastos interesses cambiais, enquanto o Brasil se consolida como um país exportador de commodities. Em meio a toda esta retórica, Mantega acumula uma contradição substantiva frente ao largo esforço que faz alhures: está fortalecendo o real para manter a inflação baixa. Difícil sustentar argumentos contra os países ricos desta forma.

O preço das bravatas

O governo tem feito um esforço interno e externo – principalmente externo com as caravanas para atrair investidores nos Estados Unidos sob a batuta do ministro Guido Mantega e à Europa pela palavra da ministra Gleisi Hoffmann – na tentativa de convencer possíveis parceiros de que o Brasil é um porto seguro para quem quer fazer negócios. Não tem sido tão bem sucedido em sua logorréia tanto quanto esperava. Os empresários que ouviram Dilma quarta-feira no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, se publicamente saíram sorridentes, no fundo mantiveram suas reversas.

O preço das bravatas - II

Lá fora, Mantega e Gleisi também tiveram recepção simpática, mas as perguntas com que eles e outros expositores brasileiros foram bombardeados indicam que o clima de desconfiança e temor permanece vivo. A razão é muito simples: (1) contradições no discurso oficial, (2) certo irrealismo nas análises dos fatos reais da economia nacional e (3) algumas bravatas de governistas e aliados no âmbito interno. O que forma um caldo bem chacrianiano (de Abelardo "Chacrinha" Barbosa: aquele que não explica (ou convence), confunde). No primeiro caso, ainda não foram bem deglutidas, por exemplo, as divergências de ênfase entre o BC e o Ministério da Fazenda em relação à política de juros e à política cambial. Ou, ainda, a respeito da manutenção ou não do tripé macroeconômico que sustentou a economia brasileira desde a última fase do governo FHC até o fim do mandato de Lula antes da eclosão da crise em 2008.

O preço das bravatas - III

Questões como a confusão provocada pelas mudanças no setor elétrico também pesam nessas análises. O ministro Guido Mantega, na sexta-feira depois da divulgação do PIB de 0,9% em 2012, voltou a dizer que a economia do Brasil sofreu este novo baque por conta da crise externa (sem considerar que vários emergentes foram poupados, em grande medida, dela) e que o país este ano vai crescer 4%, o que nem o BC, por sua última projeção, parece acreditar possível. Tais procedimentos levam os analistas a desconfiar que a equipe econômica nacional não está com um diagnóstico correto da situação e, portanto, não sabe como agir. Ou que quer engambelar o distinto público. É por essas e outras que o prestigioso Financial Times classificou Mantega como um "vaticinador".

O preço das bravatas - IV

As bravatas são aquelas coisas que os governantes e seus partidos dizem apenas para agradar seu público interno, sem intenções (ou condições) de cumpri-las de fato. Por aqui, não são levadas tão a sério, mas para o estrangeiro, não tão acostumado a certas nuances da brasilidade política, é para valer. Há ainda uma quarta vertente desse estilo: o que se poderia chamar de "Lei de Gerson do setor público" : uma tentativa de levar vantagem em tudo. Isto é visível na atual safra de concessões de serviço público em preparação. Praticamente todos os programas inicialmente preparados para os setores de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos já foram alterados, para melhorar as ofertas feitas aos possíveis concorrentes. O governo Dilma parece estar necessitando urgentemente, além de um choque gerencial, de um choque de realidade.

Hora da verdade para o BNDES

Anuncia-se que o governo, nos próximos dias, por exigência do TCU, vai divulgar documento o qual torna público os subsídios implícitos nos repasses do Tesouro Nacional para o BNDES. Foram R$ 250 bi desde 2008, captados ao custo da Taxa Selic e emprestados pela TJLP, de taxas menores. Essa diferença não está registrada ainda nas contas públicas. Pode ser o início da hora da verdade financeira também para o BNDES. Os problemas da política de liberalidade e de escolha de "campeões nacionais" do banco já começaram a aparecer. O lucro da instituição caiu 9,55% no ano passado ante 2011. Teria sido ainda pior – de mais de 30% - se o Conselho Monetário Nacional (CMN) não tivesse autorizado a instituição a contabilizar diferentemente de outros bancos, o valor das ações de alguns de seus investimentos em empresas mais complicadas. Já se analisa a possibilidade de o Tesouro injetar mais R$ 8 bi no banco.

Como no Soneto da fidelidade?

Quem acompanhou as juras de amor trocadas na semana passada entre a presidente Dilma Rousseff (coadjuvada pelo ex-presidente Lula e o PT) e o PMDB e, ao mesmo tempo, conhece o temperamento da presidente, o pragmatismo de Lula, o apetite do PT e as rusgas às vezes nada discretas entre os dois partidos, logo se lembra dos últimos versos de um dos poemas mais citados de Vinicius de Morais:

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Como no Soneto da fidelidade? - II

Uma parcela do PMDB já saiu das festas de núpcias com uma caraminhola na cabeça : apesar de todos os elogios de Dilma e Lula ao PMDB e as referências a Temer, nenhum dos dois ousou confirmar o presidente do PMDB como parceiro (vice, entenda-se) na chapa reeleitoral da presidente. Alegou-se que a não referência direta foi para evitar complicações com a legislação. Ora, desde quando a Justiça Eleitoral é respeitada nesse universo ? Ou não foi Lula quem falou da candidatura de Dilma na festa do PT semana retrasada em SP ? A solidez dessas núpcias será testada logo. Hoje, por iniciativa dos peemedebistas presidentes da Câmara, Henrique Alves, e do Senado, Renan Calheiros, será votado pelo Congresso Nacional o veto presidencial à lei com a nova divisão dos royalties do petróleo. O Palácio do Planalto não queria esta votação agora, pois sabe o poder explosivo que a derrubada do veto pode ter. E se houver votação, o veto cai. Pode rachar a unidade do PMDB e a unidade do partido em torno da presidente.

Como no Soneto da fidelidade? - III

É esperado para esta semana também o início da reforma (ou ajuste, como prefere o governo) ministerial imaginada pela presidente. O PMDB quer recompensas por serviços já prestados e por outros serviços que deverá prestar no Congresso. Parece certo já que a seção do partido em MG vai ganhar o Ministério dos Transportes. O PMDB, porém, quer mais, quer mais "cartórios eleitorais", ou seja, postos que ajudem o partido a conquistar votos. Os peemedebistas costumam dizer que os ministérios que eles têm hoje "não elegem nem ao menos um vereador".

Verdade histórica

Ao contrário do que andam dizendo alguns e escrevendo outros, não foi o ex-presidente Lula o autor do lançamento da recandidatura da presidente Dilma Rousseff. Lula apenas avalizou o que já era fato. Foi a própria Dilma que se lançou, de forma muito pouco subliminar em seu último pronunciamento oficial em rede de rádio e televisão. Lula foi a reboque, com gosto ou sem gosto. Tudo para evitar que Lula crescesse no vácuo da ausência de declarações da presidente.

Uma nova Dilma?

Os afagos públicos da presidente Dilma ao PMDB e suas conversas com outros aliados estariam indicando que a presidente Dilma, mesmo sob o risco de desenvolver algumas urticárias, está mais afável aos contatos políticos, sua mais evidente dificuldade na chefia do governo. Talvez não seja sem tempo. O mundo da política não tem a presidente na mesma conta dos eleitores, que dão a ela quase 80% de popularidade no momento. Duas pesquisas recentes realizadas em Brasília indicam que com os deputados e senadores o prestígio da presidente é menor e está em queda. A consultoria Arko Advice constatou que a aceitação de Dilma caiu de 54,7%, em 2011, para 45,8% em 2012. Com 220 entrevistas, a FSB Tracking registrou que a nota dada pelos parlamentares à relação entre o governo Federal e o Congresso caiu de 5,9, em maio de 2011, para 4,4 em dezembro de 2012. Curioso é que a base parlamentar de Dilma conta com 80% dos parlamentares. Como a eleição já está no ar e deputados e senadores só pensam na reeleição, Dilma terá de ser um pouco mais generosa com seus aliados se não quiser colher dissabores.

Troféu político

Se no Brasil houvesse um troféu para o maior "cara de pau" da política dificilmente em 2013 ele escaparia das mãos do senador Renan Calheiros. Qualquer outro pretendente terá de fazer muito esforço para bater o senador alagoano. E olha que neste país não faltam bons candidatos a este privilegiado título.

Desembarque

É cada vez mais visível: Lula e o PT estão a cada dia um pouco mais distantes dos companheiros mensaleiros. Solidariedade sim, morrer pela causa, jamais.

Agora, os projetos

A oposição, com o PSDB, e, ainda na surdina, com Eduardo Campos, assanhou-se com o precipitado lançamento da recandidatura de Dilma Rousseff e está com o flanco adversário aberto para críticas e provocações. Mas, precisa ir além das críticas, como as que Aécio Neves tem feito nos últimos dias, tem de mostrar o que vai fazer para corrigir os erros que aponta. Discurso por discurso, ninguém bate Lula.

(José Márcio Mendonça e Francisco Petros)

segunda-feira, 4 de março de 2013

PORQUE NOTÍCIA RUIM DÁ TANTA AUDIÊNCIA

Existe uma atração em nós seres humanos que nos impulsiona a ler, ouvir, assistir e conversar sobre notícias negativas. Pouco vejo jornal na TV, mas sempre que vejo, presto atenção e percebo uma quantidade enorme de notícias que geram um monte de sentimentos negativos, e bem poucas que trazem bem estar, esperança ou uma mensagem positiva.

Não cheguei a fazer uma estatística, mas eu arriscaria dizer que em torno de 70 a 80% das notícias que saem acabam sendo sofre fatos negativos. São notícias que geram vários sentimentos desconfortáveis: raiva, tristeza, medo, impotência, indignação...

O padrão é bem parecidos em todas as emissoras, seja nos jornais locais ou nos de abrangência nacional. Algumas pessoas acham que a culpa é da mídia que escolhe esse tipo de notícia para ser veiculada. Entretanto, eu vejo que o problema é mais profundo. A televisão vive de dar audiência, e, se as pessoas não se interessassem tanto por esse tipo notícia negativa, a mídia teria que melhorar ou mudar o que ela veicula.

A televisão passa aquilo que as pessoas se sentem atraídas em assistir. Notícias sobre tragédias costumam render semanas de notícias. Passam exaustivamente nos jornais da TV, são comentadas em programas de auditório, de fofoca ou de debate e as pessoas gostam de assistir.

Se algum canal resolver veicular um tele jornal com 90% de notícias boas e apenas 10% de notícias negativas, teria muito provavelmente uma audiência baixíssima.

Vemos programas de melhor qualidade em canais alternativos que tem públicos específicos com uma audiência bem menor. Não adianta colocar a culpa na mídia, pois só permanece no ar aquilo que a população aprova através da sua audiência.

O mais importante de tudo isso é entendermos o que leva os seres humanos a sentir atração por tanta negatividade. Essa é a razão pela qual estou escrevendo esse texto. Não é para culpar a televisão nem o público, e sim, para compreender o que está por trás desse problema.

A negatividade nos atrai devido ao fato de estarmos cheios que coisas negativas dentro de nós. Pensamentos, crenças, emoções guardadas do passado, sentimentos de tristeza, medo, mágoa, raiva e outros que acumulamos durante a vida passam a viver no nosso interior formando uma sombra. Essa sombra busca crescer e se fortalecer. Uma dos mecanismos pelos quais ela cresce, é através das notícias negativas que alimentam as emoções que guardamos.

Em maior ou menor grau, todos nós sentimos uma certa atração por notícias negativas. É a sombra atuando dentro de nós, de forma inconsciente, nos levando a escolher conteúdos que acabam gerando mal estar. Conheço pessoas que tem um verdadeiro fascínio por programas policiais que trazem as notícias sobre os mais diversos e bizarros tipos de crime. Como alguém pode gostar disso? Na verdade ninguém gosta, é a sombra agindo no nosso inconsciente.

Tem algumas notícias negativas que até podem ser vistas como sendo de interesse nacional. Mas tem outras que passam que não servem para absolutamente mais nada além de alimentar a negatividade da sombra. Uma tragédia como a que aconteceu na boate Kiss em Santa Maria no Rio Grande do Sul, levando a morte de 240 pessoas, pode ser visto como algo de interesse nacional já que vai levar a sociedade a aprender com a experiência e gerar melhorias na segurança das casas noturnas de todo país, evitando novas tragédias. Então, tem sentido que essa notícia seja veiculada em rede nacional.

Entretanto, vemos diversas notícias que não tem o menor sentido de serem passadas em rede nacional (nem localmente): uma pessoa que morreu afogada em um lago; um acidente de carro trágico que alguém filmou; alguém que tenha sido assaltado e morto em algum lugar do Brasil e etc... A quem interessa essas notícias? Somente as famílias e amigos das pessoas envolvidas.

Não bastasse os problemas, tragédias e perdas que temos em nossas vidas pessoais, que já nos causam muita dor, acabamos por absorver o sofrimento de outras pessoas desconhecidas. Isso ajuda a elevar os níveis de estresse, pessimismo, pânico e depressão da população e não ajuda em nada as pessoas que passaram pela tragédia. Pelo contrário. Quanto mais infelicidade individual geramos, mais aumentamos os níveis de infelicidade da coletividade. A negatividade é contagiosa. Ajudamos mais a humanidade quando somos mais felizes. O único propósito dessas notícias é alimentar a sombra.

Nas tragédias de interesse nacional, que devem ser veiculadas para gerar aprendizado e mudança na sociedade, haverá ainda uma intensa exploração de toda a reação emocional que elas causam, o que vai alimentar também a sombra.

Perceber essa força inconsciente que nos leva a ir em busca de coisas negativas é muito importante. Quando começamos a ver o mecanismo em ação sabendo que ele serve apenas para causar sofrimento, fica mais fácil despertar e escolher algo melhor. Enquanto estamos cegos sem perceber que estamos agindo guiados pela sombra é muito mais difícil mudar o comportamento.

Além da percepção da ação da sombra, é mais importante ainda curar a negatividade que guardamos. Quanto mais nos libertamos de emoções, pensamentos e sentimentos negativos acumulados, menor será a nossa atração por notícias negativas ou qualquer coisa que sirva para alimentar sofrimento.

(André de Lima)



domingo, 3 de março de 2013

AMIGOS

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos.

Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.

A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor.

Eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.

E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!

Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências.

A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. É delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure.

E às vezes, quando os procuro, noto que eles não têm noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí.

E me envergonho, porque essa minha prece é em síntese, dirigida ao meu bem estar.

Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.

Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.

Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer.

Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que não desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos!

A gente não faz amigos, reconhece-os.

Com o meu carinho!

Vinicius de Moraes