domingo, 22 de maio de 2016

AGENTES DA INVENCÍVEL BENQUERENÇA!


O encontro inicial assinalou a celebração do deslumbre! Sob a orientação do idioma universal dos gestos, embalados pelo manual invisível da música e a gramática indescritível da dança, há mais de cinco séculos Brasileiros e Portugueses se avistaram e se achegaram pela vez primeira em uma “terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril” – consoante registrou um fidalgo e escritor nascido na cidade do Porto na famosa “CARTA A EL-REI DOM MANOEL SOBRE O ACHAMENTO DO BRASIL”, pergaminho que veio a se tornar o marco zero da nossa literatura formal.

O primeiro jornalista-cronista, dito Pero Vaz de Caminha, nomeado para o cargo de escrivão da armada de Cabral, narrou naquela escritura histórica – um édito louvatório permeado de estupefação - o alto índice de espanto ante a nova e formosa geografia. Depois de registrar “alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas”, viu um “grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome – o Monte Pascoal e à terra – a Terra da Vera Cruz”. Em seguida, avistou os homens: “eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”.

Desde ‘entonces’, como registrei em outra ocasião, nossa relação foi cunhada por um batismo de subjugação e, após passar por intempéries de rebeldia, experimenta agora a unção sacrossanta da harmonia.

Se, nesta noite envolvida pela brisa da afetuosidade, sob o cobertor confortante da envolvente ternura, aponto os lábios da História para compartilhar um breve sorriso das nossas primícias, não é senão para acionar a luminosa irradiação que emerge da nossa planetária rotatória denteada: os homens não estão separados entre europeus e americanos, asiáticos e africanos, mareados ou terráqueos, coloridos ou incolores, crentes ou ateus, desprovidos ou afortunados. O Rotary nos ensina que habitamos uma aldeota comum e somos caminhantes da mesma trilha fundamental, cujo ponto final é a paz universal.

Por isso saudamos e respeitamos as Bandeiras de todos os Países, entoamos o hino da ética como atitude que comporta todas as latitudes, somos convidados a cultuar a filantropia como pão de cada dia e a fazer da dilatação da fraternidade uma das nossas qualidades.

É esse flamejar apaixonado pelos sentimentos excelsos, a sensibilidade às notas musicais da vida, a devoção à generosidade desinteressada, o desejo de contribuir com o refinamento civilizatório e a disposição para garimpar os minérios do altruísmo que devem constituir a divisa, o emblema, o bóton, o distintivo de um verdadeiro rotariano.

Presidente Carlos Trindade Moreira: o Rotary Club Vila Real, com quem assinamos Termo de Geminação em 18 de abril de 2015, é um grêmio que nos brindou com a alegria de percorrer essa encosta ascendente das relações compensadoras. Os Presidentes Levi Torres Madeira e José Alberto Borges, a partir de um papiro informativo, o nosso Jornal Dunas Rotário, iniciaram as tratativas que culminaram com a assinatura do Tratado de Irmandade. Jamais olvidaremos aquela extensa recepção desde Vila Nova de Gaia, o mergulho na biografia dos vinhos, o bacalhau compartilhado à beira do Porto, a nevada subida a Vila Real, a solenidade magnificada pela presença do Reitor e do Governador, o passeio pelas esquinas bucólicas da cidade, a parada na lendária Pastelaria Gomes e as piadas da madrugada. Tudo se agregou às carrancas sentimentais do oceano que nos une.

Retorno ao escriba Cabralino para pontuar que, ao final da missiva, antes de saber se aqui havia “ouro, prata, nem coisa alguma de metal ou ferro”; Caminha escreveu: “Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá”. (Entre-Douro-e-Minho foi uma província do Norte Atlântico de Portugal, composta dentre outros pelos atuais distritos de Porto e Vila Real.)

Somos mais próximos que imaginávamos... Somos rebentos da mesma placenta: gêmeos univitelinos.

E o que sói acontecer com os nossos Clubes agora é isso: a maravilha de descobrirmos que não apenas os indivíduos mas também os seus coletivos organizados podem constituir uma unidade siamesa. Apreciamos não somente o mesmo tempero climático mas em especial igual temperatura fraterna, semelhante ao aperitivo de ternura produzido no Douro.

Esta sessão, com sua solene simplicidade, sepulta qualquer réstia de cisma e sacraliza nossa crisma, confirma nosso batismo na pia rotária e nos faz agentes da invencível benquerença!

Repito: somos gêmeos univitelinos: os sinos dos nossos grêmios de serviço emitem o mesmo som. Estamos sincronizados! Palpitam simultaneamente os nossos núcleos centrais, os nossos músculos vitais, os nossos órgãos de fé, as nossas fontes de emoções, ou seja, os nossos corações!

Unamos nossas mãos e saudemos essa doirada e duradoura geminação! Viva o ROTARY!


(Discurso proferido por Júnior Bonfim ao saudar a comitiva lusitana do Rotary Club Vila Real, de Portugal, no Salão Meireles do Ideal Clube, em 11.02.2016)

LIÇÕES DE UMA ACADEMIA!


Dignidades que ornam a mesa,
Cavalheiros e Damas,
Mocidade aqui presente: meu cordial boa noite!

Se no princípio foi a palavra, antes da palavra foi o silêncio. E no âmago de ambos, do silêncio e da palavra, o estalido da alegria, que neste início de ano nos caiu como uma luva através da milagrosa chuva, que faz explodir o verde, os reservatórios transbordarem, as pessoas resplandecerem. É sob esse entusiasmo benfazejo e contagiante que vos falo...

Orienta o protocolo desses eventos de transmissão de cargo que o sainte preste contas. Perdoem-me se a isso me oponho: é que o acho enfadonho. Suplico, assim, a vossa generosidade compreensiva para, espancando o couvert do formalismo, fazer uma concessão à amenidade, realizar um breve convescote familiar, pronunciar algumas sílabas de intimidade e desenvolver uma conversação de camaradagem.

Não vou debulhar o milho da nossa safra literária ou desfiar o nosso rosário de ações, tampouco listar as realizações deste Sodalício que, em apenas um decênio, já se firmou como um lampadário respeitado na Terra da Luz. Apesar de ainda faiscar os olhos com as estrelas da infância, a AMLEF já caminha com elegância e galhardia pela trilha madura do aprendizado de Sofia.

Pretendo repartir convosco breves lições que aprendi e apreendi neste biênio que se encerra hoje, lições que cimentaram indelevelmente o singelo pórtico da minha alma.

Desde quando descobri que agradecer agrada ao ser, resolvi reposicionar a bússola do meu existencial curso, lançar mão de outros recursos e refazer percursos. Permitam-me nesta noite que apenas abra as modestas janelas do meu coração, a fim de que, por elas, se esparramem os galhos do meu flamboyant de emoção. Por isso uma palavra, soletrada como a melodia de uma canção, é o emblema desta ocasião: a doce gratidão.

Grato sou a cada um de vocês. Distingo, por impulso da gratuidade, aquele que me indicou e o aço dessa indicação significou uma campanha (a primeira em minha vida) em que fui eleito sem pedir votos: Seridião Correia Montenegro! Neste mandato tudo foi breve, porque o suposto fardo se quedou leve, graças à conjunção de mentes e mãos, prédicas e práticas, intenções e gestos protagonizados por nosso colegiado de artesãos literários.

Acho que os Catalães foram radiosamente felizes quando batizaram o órgão executivo das suas municipalidades de ‘ayuntamiento’ (ajuntamento, entre nós). Essa palavra resume a nossa Arcádia. Esta uma inolvidável lição: para nós, gestão é sinônimo de agregação. Bombeadores do oxigênio cerebral, constituímos um mosaico militante de trovadores contra as trevas, arco-íris de carpinteiros das palavras edificadoras. Ao invés do culto à personalidade, cultivamos o elogio à coletividade. Substituímos a exaltação da individualidade pelo louvor à pluralidade.

A tarefa de um sementeiro das letras é a aproximação dos seres. Neruda ensinava que “o primeiro dever do humanista e a tarefa fundamental da inteligência é assegurar o conhecimento e o entendimento entre todos os homens”. Conhecimento e entendimento não se esgrimam; ao contrário, rimam! De nada adianta os dispêndios com o cumular de compêndios se não mitigarmos os humanos vilipêndios. Despiciendo aplaudir a eloquência se descuramos da benevolência.

Com efeito, mais do que comemorar a façanha de termos atravessado o oceano para ser a primeira arcádia cearense a lançar a Antologia UM DEDO DE PROSA, OUTRO DE POESIA no Salão Internacional do Livro de Genebra, na Suíça, quero celebrar o fato de, sucessivamente, batermos recordes no aumento do nosso IDF - Índice de Desenvolvimento Fraterno. Nossas reuniões mensais - assim como nossas redes virtuais, que antes de tudo são reais - constituem pequenos banquetes de afeto, festas de integração. Destaque merecem as nossas parcerias humanitárias e sociais com a Casa de Afonso e Maria, a ALASAC (Academia de Letras e Artes da Sociedade de Assistência aos Cegos) e a Secretaria de Justiça, com quem conveniamos para a consecução do Projeto “Remição pela Leitura nos Estabelecimentos Penais”. E por que esse relevo? Porque, como já mencionei em outra oportunidade, a razão de ser do escritor – e dos seus coletivos organizados, que são as academias – é a de contribuir para que as galinhas se transformem em águias, é fomentar a proliferação de vaga-lumes nos obscuros túneis do tempo, é ser fresta de luz na caverna platônica, é proclamar a civilização da claridade e o império do amor.

Antes dos Titãs cantarem “a gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão e arte”, o Jovem Jesus já havia proclamado que “não só de pão vive o homem”. Eis, Senhoras e Senhores, a aspiração oracular da literatura: reabrir diariamente a padaria espiritual e lançar o fermento sobre a massa do pão da eternidade, o único capaz de mitigar a nossa fome de altruísmo, o vácuo de caráter e a ausência de conteúdo.

Felicito a Diretoria que assume, coesa na busca da fertilidade literária exposta ao brilho do sol e ao sal da terra. Saúdo todos na figura fidalga, de sofisticada simplicidade e energia radiante, da Presidente entrante Grecianny Carvalho Cordeiro.

Diva da iniciativa, instrumento do talento, a nossa Grace - como a outra Grace, de Mônaco – nasceu para percorrer a alameda das grandezas e segurar o facho prodigioso do estrelato. O Carvalho que irrompe do chão do seu nome é o mesmo da raiz latina, ‘robur’, sinônimo de robustez e majestosidade – garantindo-lhe a performance essencial que controla trovões e tempestades. A porção Cordeiro, que ela incorporou do esposo Helder, haverá de transferir para os seus confrades, porque doravante ‘cordeiros’ seremos nós, seus liderados; e ela, a nossa Pastora. Namastê – o Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em você!

(Júnior Bonfim - discurso proferido na Solenidade de Posse da nova Diretoria da AMLEF – no auditório da Procuradoria Geral de Justiça, em 28.01.2016)

ROSA MORAES FOI PINTAR PAISAGENS NO CÉU!


“Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás.” Esta citação está em Eclesiastes 11,1.

À primeira vista é difícil entendê-la: o pão, lançado sobre as águas, certamente depois de muitos dias tende a se diluir. Por que a máxima bíblica assegura que o acharemos?

A Bíblia é um livro parabólico, carregado de expressões figurativas. Segundo historiadores, era costume egípcio, herdado dos hebreus, o lançamento de sementes de trigo sobre as águas nas margens do rio Nilo. Quando as águas baixavam, elas brotavam e produziam trigo na entre safra trazendo, portanto, pão para os famintos nos tempos de mesa escassa.

Rosa Ferreira de Moraes, que nos deixou dia 12 de dezembro de 2015, foi pintar paisagens no Céu porque era uma mulher de fé!

Há dois anos, precisamente no dia 26 de outubro de 2013, partilhou o pão centenário, aprendeu a dadivosa extensão dessa Eclesiástica assertiva bíblica: celebrou um século de lúcida e lúdica existência rezando a Santa Missa na mesma Igreja em que se batizou, lançando um livro biográfico no Teatro que leva seu nome, sendo diplomada como honorária da Academia de Letras de Crateús e colhendo homenagens fiadas por familiares, autoridades e amigos na Cabana Mendes, clube de um parente seu.

1913. Ano de seu nascimento. Estados Unidos da América. Henry Ford concebia a famosa “linha de montagem”, revolução na engrenagem de trabalho capitalista que combinava componentes estandardizados, movimento mecânico, equipamento de precisão e processos padronizados.

1913. Rio de Janeiro, Brasil. Nascia, na cidade maravilhosa, o extraordinário poeta Vinicius de Moraes, que embalou a humanidade com algumas das canções mais entoadas no Planeta.

1913. Tagore, o místico poeta indiano a quem o Mahatma Gandhi se referia como "o grande mestre", ganhava o Premio Nobel de Literatura por sua Oferenda Mística. Tagore pontificou que “o homem só ensina bem o que para ele tem poesia”.

1913. Crateús, Ceará. 26 de outubro. Nascia Rosa Ferreira de Moraes. Contraponto aos equivocados e desumanizadores sinais dos tempos; ponto de encontro dos mais elevados valores que a higidez humana podia almejar.

Rosa musicalmente fez do trabalho a sua vida; e da sua vida, o trabalho. Não esse enfadonho labor fundado na individual ambição, mas aquele sintonizado com a transcendental compreensão do serviço de edificação.

Lecionou bem, com o espasmo sereno da verdadeira alegria, porque pincelou a faina com poesia!

Quando o ventre da História, por intermédio do casal José Olímpio de Moraes e Maria da Conceição Ferreira Moraes, pôs Rosa Ferreira de Moraes para abraçar a madrugada do mundo, estava lançando sobre a terra um lírio especial da flora humana.

Na noite do natalício centenário, invisivelmente postada na varanda do firmamento, sentada no trono magisterial de sua urbe, comandando o círculo dos discípulos de sua tribo, Rosa nos convidou para uma breve liturgia de amor.

Com o que podemos comparar Rosa?

Quando estendemos a retina por todo esse mágico bioma que nos circunda, facilmente se conclui que a nossa veneranda professora guarda similitude com o nosso principal estandarte: a elegante, expressiva, multifacetária e imponente Carnaúba!

Visivelmente majestosa, aparentemente solitária como as Carnaúbas – que, no entanto, possuem a fidalguia da palmeira imperial – Rosa tinha nas veias abertas do coração a nobreza de princípios.

Da aparente solidão que exibia descobrimos um ser completamente doado à interação com o próximo e ao serviço à comunidade. Da tua palha, Rosa, confeccionamos a vassoura que varre os nossos defeitos de caráter; o teu tronco, Rosa, se transforma na bancada que agrega a família ou no teto que oferece a sombra da reflexão; a tua cera, Rosa, alisa o piso da nossa alma e faz brilhar os talentos do nosso espírito!

Salve, centenária ROSA FERREIRA DE MORAES, sacerdotisa da educação, mestra da pintura, irmã da música, jardineira da fé, semeadora de bons costumes, legenda referencial!

Abençoada sejas, per sécula seculórum, pelo século dos séculos! Viva!

(Júnior Bonfim, 15 de dezembro de 2015)