segunda-feira, 13 de abril de 2015

FORTALEZA: RUMO, RUAS E RIMAS!

O front da inspiração desconhece fronteiras. Uma das mais belas músicas francesas, “Ne Me Quitte Pas” (‘Não me deixe só’), nasceu do arroubo inventivo de um compositor Belga, Jacques Brel. Dizem que ele a alinhavou no terraço do Café Au Réve, em Paris, após ter sido abandonado pela atriz Suzanne Gabriello. Ali, com a alma em lágrimas e sob um incontido frenesi de culpa, ele fez germinar do coração versos memoráveis da mais apelativa paixão. A melodia principia implorando que ela esqueça o tempo dos mal-entendidos, oferece pérolas de chuva de um país onde não chove mais, promete escavar a terra para cobrir o corpo da amada de ouro e luz, inventa palavras absurdas que só ela compreenderia, diz que é comum reacender o fogo de um velho vulcão que não arde mais e fala do renascimento do trigo em terras destruídas para concluir com a súplica final: “Me deixa me tornar a sombra da tua sombra/ A sombra da tua mão/ A sombra do teu cão”.

Cá entre nós, Humberto Teixeira, sertanejo genial, iguatuense universal, na célebre composição Estrada de Canindé, narra que “o pobre vê na estrada o orvalho beijando a flor e ver de perto o galo campina que quando canta muda de cor”. Como é lindo o espetáculo da brisa inspirativa envolvendo um ser… Há momentos, principalmente quando ousamos dizer algo sobre lugares despertadores de deslumbre, que desejamos ardentemente esse toque mágico da sensibilidade feita corrente discursiva.

Sonhar, amar, contar ou cantar Fortaleza exige esse brinde de transfiguração! Quisera possuir talento para, ao mencionar nossa Capital, concatenar as palavras com sílabas molhadas pelas gotículas da emoção pulsante e exaltar os pontos telúricos, as fontes de idílios, os espaços poéticos que nos despertam o brilho da paixão.

Fortaleza, essa bela ninfeta envolta em espumas azuis e ondas de algodão, subiu ao altar do firmamento para ser desposada pelo Sol!

Fortaleza é feminina, fêmea menina, mimosa na sina! Não por acaso um José, dito de Alencar, lhe fez de emblema uma índia, a formosa Iracema, anagrama de América.

Portal da América! Assim como Barcelona, terceiro maior destino turístico da Europa, Fortaleza é um dos principais portões de entrada dos que intentam recrear no solo brasileiro.

Mas urge que esta urbe – de punho e pujança, de velas e ventos, de aldeota e varjota, de verdes mares e escuros esgotos, de coco e cocó, de jardim das oliveiras e vila união, de conjunto esperança e praia do futuro – faça uma imersão essencial.

Fortaleza reclama uma amada e desarmada conversação, uma prosa de companheiros, um cochicho de amigos, um convescote de irmãos. Possivelmente sobre rumo, ruas e rimas.

Fortaleza revira-se na cama dos desejos ansiando por impulsos vitais, como que a implorar um solavanco de esperança, como que a almejar a inauguração de um tempo de realização de metas nunca dantes imaginadas. Porém, esbarramos no grill da inconseqüência. Quando superaremos essa crônica desbotada das estéreis contendas? Quando nos debruçaremos sobre o que realmente importa? Pois… importa mirar a porta. Importa discutir o rumo. E o rumo é o sumo. O rumo é o prumo!

As ruas! As ruas são vias ou veias onde corre o sangue vital da cidade. Cada trilha urbana lembra uma determinada faceta da vida pulsante, um punhado de areia da história ou um pedaço de sonho peculiar. “Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua. Ora, a rua é mais do que isso, a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma! (…) “A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento” – escreveu João do Rio no início do século passado em um maravilhoso poema de psicologia urbana, passeio comovente sobre as artérias da capital carioca.

Fortaleza rima com singeleza, forma de encarar a vida sob os eflúvios da simplicidade, despido dos ornamentos da sofisticação, permitindo que a ética seja ponto de partida para um debate mais profundo sobre o nosso futuro. Ética – no grego, ‘ethos’ – quer dizer costume, regra, como também caráter, modo de ser; capacidade de interiorizar, refletir. Ou seja, ser ético significa primeiro olhar para si antes de apontar defeitos nos outros. O filósofo Sócrates foi quem acendeu essa chama quando lançou a máxima “Conhece-te a ti mesmo”. Noutras palavras: para alterarmos uma cidade, uma comunidade, precisamos – primeiramente – estarmos dispostos a modificarmos nós mesmos. Antes de dirigirmos o dedo acusatório para os outros, impende indagar: Se eu estiver lá, faço diferente? A metamorfose tem que permear, pois, governantes e governados.

Fortaleza rima com gentileza. Através da gentileza, principalmente do seu efeito multiplicador, poderemos resolver uma das principais mazelas do nosso stress urbano: o trânsito. A gentileza poderá nos fazer experimentar “a sina de um dia viver sem buzina”.

Fortaleza rima com beleza. Belo, fino, elegante não é quem veste roupa de grife ou freqüenta ambientes suntuosos. Elegante é quem trata os outros com fineza, distribui gestos de bondade e profere palavras amáveis. Essa é a verdadeira estética. A estética da alma. Dela necessitamos suavemente, como quem passa dedos musicais sobre a cítara, para compor o hino de recuperação da utopia que Fortaleza merece.

Júnior Bonfim

domingo, 12 de abril de 2015

HUMBERTO TEIXEIRA – MUITO MAIS QUE UM LETRISTA!


Senhoras e Senhores,
Boa noite:

Meu patrono na Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza – AMLEF é um cearense nascido nas Ipueiras, amassado no barro do nosso sertão, talhado nas montanhas de Minas Gerais e que depois correu o mundo inteiro, foi celebrado em todas as latitudes e eleito pela Guilda Órfica Européia como o “Poeta do Século XX”. Seu nome é Gerardo Mello Mourão, um poeta que ainda não foi brindado com a coroa de loiros do reconhecimento pelo genial talento com que bafejou a humanidade.

Talvez mirando o próprio exemplo pessoal, Mello Mourão sustentou a tese de que “o capital, aliado da tecnologia, sabe como produzir um bom médico, um bom engenheiro, um bom automóvel. Mas não sabe produzir um poeta, um músico, um pintor. Se fosse assim, as escolas de Tóquio, dos Estados Unidos, da Alemanha e até de São Paulo e da Coréia estariam produzindo Homeros, Shakespeares, Dantes, Rembrandts, Bachs e Picassos. E não estão, não é? (...) Os filósofos, os poetas, os artistas, como a própria arte, não são fruto da civilização industrial. São mesmo, de um modo geral, os marginais dessa civilização e desse tipo de progresso, desse poder de produção de riqueza. Honro-me de ser um marginal desse processo, como o foram Homero e Dante, Holderlin e Van Gogh, Rimbaud e Baudelaire, os grandes filósofos e os grandes reitores do saber e do espírito”.

Nossa terra, sacudida por gigantescas adversidades, estonteada por tantas frustrações políticas, castigada por intempéries, na contramão das opressões econômicas, à margem do fulgor capitalista também assiste florescer talentos de toda sorte, humildes e valorosos atletas da criatividade, que correm as pistas olímpicas das artes com as tochas da inteligência e do saber.

Estamos hoje aqui, no espaço central desse tradicional e cultuado Clube da nossa Capital, o Náutico Atlético Cearense, para festejar a oferta de mais uma obra da lavra conjunta de dois fulgurantes nomes das artes Alencarinas que comprovam a profecia de Gerardo: um nascido às margens do Rio Acaraú e outro, talhado na mata ciliar da ribeira do Poty: Audifax Rios e Dideus Sales, Dideus Sales e Audifax Rios.

O livro que entregam ao nosso deleite nesta noite, por belo e primoroso, queima a sensibilidade da nossa pele, penetra o recôndito da nossa alma, esparrama-se pelo córrego do nosso coração e nos arrebata em um passeio pelo jardim biográfico do maior compositor que Iguatu entregou ao mundo: Humberto Teixeira.

Despiciendo falar sobre o compositor e parceiro mais destacado de Luiz Gonzaga. O cearense Humberto Teixeira já está com seu nome inscrito nas doiradas partituras populares da música mais genuína da nossa Pátria. A vulcanidade telúrica de sua obra é algo indescritível. A capacidade de perceber as sensações da natureza, a aptidão para captar as manifestações da nossa fauna e da nossa flora, a qualidade de traduzir com finesse o espetáculo dos seres vivos do nosso sertão são marcas de Humberto Teixeira que o elevam ao sacro platô dos nossos mais sublimes compositores.

Um homem capaz de nos alertar para as grandezas que só são perceptíveis aos que acionam aquele órgão que, segundo Rui Barbosa, é mais que um “assombro fisiológico: um prodígio moral. É o órgão da fé, o órgão da esperança, o órgão do ideal. Vê, por isso, com os olhos d’alma o que não veem os do corpo. Vê ao longe, vê em ausência, vê no invisível, e até no infinito vê. Onde pára o cérebro de ver, outorgou−lhe o Senhor que ainda veja; e não se sabe até onde. Até onde chegam as vibrações do sentimento, até onde se perdem os surtos da poesia, até onde se somem os voos da crença: até Deus mesmo, inviso como os panoramas íntimos do coração, mas presente ao céu e à terra, a todos nós presente, enquanto nos palpite, incorrupto, no seio, o músculo da vida e da nobreza e da bondade humana”.

Resumindo: um homem capaz de ver na estrada “o orvalho beijando a flor, ver de perto o galo campina, que quando canta muda de cor” é alguém que foi iniciado na mística essencial.

Cerro os lábios neste momento e vos convido ao silêncio germinal. Sintam o olor do mufumbo, a sombra das nossas ontológicas oiticicas, a melodia dos riachos, a generosidade dos alpendres, o vigor de uma terra mágica que, ao simples toque dos fios delicados das primeiras chuvas, transmuta a desértica paisagem e faz rebentar a fartura e a alegria.

Folheiem este esmerado álbum, costurado com os hoje raros fios de algodão branco e alisado com a legítima cera de carnaúba. Tudo nele é brilho e talento, genialidade e fulgor.

Viva a musical poesia do novo livro de Dideus Sales!

(Júnior Bonfim, na apresentação do livro “Humberto Teixeira – muito mais que um letrista!”, dia 27.03.2015, no Náutico Atlético Cearense, Fortaleza, Ceará).