sábado, 13 de abril de 2013

O DIA DA CRIAÇÃO



I

Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.


Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.


Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.


Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.



II


Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado
Hoje há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado
Há um rico que se mata
Porque hoje é sábado
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado
Há um grande espírito-de-porco
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado
Há criançinhas que não comem
Porque hoje é sábado
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado
Há uma comemoração fantástica
Porque hoje é sábado
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado



III


Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens,
ó Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade, o homem não era necessário
Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como
as plantas, imovelmente e nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas
em queda invisível na
terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda
e missa de
sétimo dia.
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das
águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em [cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e [sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto é, muito provavelmente
Porque era sábado.

(Vinicius de Moraes)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

ENVELHECER



Envelhecer é o único meio de
viver muito tempo.

A idade madura é aquela na
qual ainda se é jovem porém
com muito mais esforço.

O que mais me atormenta em
relação às tolices de minha
juventude, não é havê-las
cometido ... e sim não poder
voltar a cometê-las.

Envelhecer é passar da paixão
para a compaixão.

Muitas pessoas não chegam nos
oitenta porque perdem muito
tempo tentando ficar nos quarenta.

Aos vinte reina o desejo, aos trinta
reina a razão e aos cinquenta o juízo.

O que não é belo aos vinte, forte aos
trinta, rico aos quarenta, nem sábio
aos cinquenta, nunca será nem belo,
nem forte, nem rico, nem sábio...

Quando se passa dos sessenta são
poucas as coisas que nos parecem
absurdas.

Os jovens pensam que os velhos são
bobos; os velhos sabem que os jovens
o são.

A maturidade do homem é voltar a
encontrar a serenidade como aquela
que se usufruía quando era menino.

Nada passa mais depressa que os anos.

Quando era jovem dizia: "verás quando
tiver cinquenta anos".
Tenho cinquenta anos e não estou vendo
nada.

Nos olhos dos jovens arde a chama, nos
olhos dos velhos brilha a luz.

A iniciativa da juventude vale tanto
quanto a experiência dos velhos.

Sempre há um menino em todos os
homens.

A cada idade lhe cai bem uma conduta
diferente.

Os jovens andam em grupo, os adultos
em pares e os velhos andam sós.

Feliz é quem foi jovem em sua juventude
e feliz é quem foi sábio em sua velhice.

Todos desejamos chegar à velhice e
todos negamos que tenhamos chegado.

Não entendo isso dos anos; que, todavia,
é bom vivê-los, não tê-los.

(Albert Camus)

quarta-feira, 10 de abril de 2013

CONJUNTURA NACIONAL

A fonte secou

Abro a coluna com uma historinha da região do Seridó/RN, década de 50.

Médico-chefe de um posto de saúde do Estado do RN (região do Seridó, em Caicó) o dr. Abílio Medeiros também era responsável pela distribuição do leite em pó, o popular "leite do Fisi". Deputado estadual pela UDN, aproveita a presença do governador Dinarte Mariz para um comício no bairro Paraíba, o mais populoso e mais pobre da cidade, nos anos 50. Voz grossa e de muitos decibéis, fazia o estilo "para um bom orador, meia palavra basta" e tascou:

- Governador. O povo deste bairro é miserável!

É mal entendido em sua fala - o termo usado soa pesado demais para os humildes presentes (miserável, ainda hoje, é entendido por muitos como sendo uma ofensa, o mesmo que sem vergonha, cabra safado, etc.). A derrota nas urnas é iminente; passadas as eleições, apurados os votos, doutor Abílio volta ao trabalho nos postos de saúde. Uma pobre e ingênua mulher, lá do bairro injuriado, arrisca da porta do posto:

- Dotô, o sinhô ainda tá dando leite?

O deputado derrotado estoura:

- A senhora tá me achando com cara de vaca?

(Narrada pelo jornalista Orlando Rodrigues em Segura Essa...o Nhem, Nhem, Nhem da caatinga)

Heleno Torres: o pingo nos is

Heleno Torres é o tributarista considerado favorito para ingressar no STF. Trata-se de um dos mais qualificados profissionais do país em sua especialidade. Sexta-feira passada, este consultor almoçava em um restaurante de SP, na companhia do vice-presidente da República, Michel Temer, do professor Celso Antônio Bandeira de Melo (mestre de alguns dos maiores juristas do país) e do amigo José Yunes. Na mesa ao lado, almoçavam o advogado geral da União, Luis Inácio Adams, e Heleno Torres. Cumprimentos. Na hora da despedida, Heleno me disse: "se for convidado, você está convidado para a minha posse". Respondi: "claro que irei". Voltei ao escritório para concluir um trabalho. Por volta de 17h, acessei os jornais na Internet. Li na Folha e no Estado: Heleno Torres foi escolhido pela presidente Dilma para integrar o corpo de ministros do STF na vaga do ex-ministro Carlos Ayres Britto.

Barriga de todos

Ao ler a notícia, imaginei: "puxa, vida, Heleno quis dizer que foi escolhido e fui tão pouco efusivo no cumprimento...!" Imediatamente, postei no twitter: "na hora do almoço, Heleno me informou ter sido escolhido pela Dilma. E me convidou para a posse. Claro que irei". Queria eu dizer que tivera o privilégio de ser um dos primeiros a saber. Vício de jornalista. Não era verdade. Heleno não fora escolhido. Descobri quando liguei para ele para contar do meu entusiasmo e das manchetes que acabara de ler. E ele me respondeu: "pois é, não fui escolhido. Peço para que você desminta a nota, que está provocando balbúrdia". Foi o que fiz. Pedi desculpas. Fui apressado. Porém, ressalto, fui induzido à nota apressada pelo registro dos jornais. Todos cometemos o que, em jornalismo, se chama de "barriga", uma notícia não verdadeira.

Antecipação

A campanha de 2014 entra nas ruas. Nos Estados, pré-candidatos fazem articulações. Os atores com intenção de ocupar a cadeira central da República correm de um lado para outro. O mais açodado é o governador de PE. Que expressa, aliás, o mais dúbio discurso. Diz : deixemos 2014 para tratar em 2014. Ora, ele sai do Nordeste, perambula pelo Sudeste e bate no Sul. Faz palestra a torto e a direito. Critica o governo do qual faz parte muito mais que o tucano Aécio Neves. Faz acenos para atrair o apoio da Força Sindical, comandada pelo deputado Paulinho.

Ética às avessas

Eduardo Campos pratica uma ética às avessas. Ao dizer que a presidente Dilma poderia fazer muito mais, fica no plano genérico. Critica por criticar. Claro, quem quer ser candidato, mesmo pertencendo à base governista, se esforça para aparecer de modo crítico. É o diferencial. Mas criticar o governo que o PSB integra não fica feio? Fica. O líder Beto Albuquerque promete a saída do governo para o segundo semestre, lá para setembro ou outubro, a depender do clima político. Campos, por sua vez, informa que está administrando PE à distância, por meio de um tablet. É o reconhecimento de que faz campanha.

Quem comunica também se estrumbica

Paulo Egydio, governador de SP, no enterro do piloto de Fórmula 1 José Carlos Pacce, vítima de um acidente aéreo: "Lamento que ele tenha morrido longe das pistas".

Paulo Maluf, candidato à presidência da República, numa palestra em Belo Horizonte: "Está com desejo sexual, então estupra, mas não mata"

Franco Montoro, governador de SP, visitando de barco as cidades inundadas do Vale do Ribeira: "Que lindo! Parece Veneza!"

Leonel Brizola, governador do Rio, comentando as declarações da deputada Rita Camata sobre o massacre de meninos na Cinelândia: "Essa mulher é uma vaca inútil".

Fernando Henrique Cardoso, candidato do PMDB à prefeitura de SP, respondendo a Boris Casoy, que lhe perguntara se acreditava em Deus: "Oh, Boris, você me prometeu não fazer essa pergunta".

(Do livro A vida é um palanque, de Carlos Brickman)

E o PDT, hein?

Quanto mais Paulinho da Força abraça Eduardo Campos, mais força ganha a pergunta: e esse PDT de Carlos Lupi, hein, para onde vai? Lupi acaba de emplacar o novo ministro do Trabalho, mas abre a expressão para anunciar que o futuro a Deus pertence. Ou seja, o PDT olha para um lado e para outro. Se integra, hoje, a base governista é porque age de acordo com o dicionário da pragmática. Por isso, não enquadra correligionários que correm para os braços de Eduardo Campos. Paulinho da Força que o diga. Hoje, Paulinho está disposto a abraçar a causa do neto de Arraes. Mas continua com um pedaço do Ministério do Trabalho. Uma no cravo, outra na ferradura.

Pezão versus Lindbergh

Outra frente de guerra ocorre no Rio: Pezão, do PMDB, o vice governador de Cabral contra o senador Lindbergh, do PT. Faz séculos que se sabe da candidatura de Pezão. Que conquistou Lula e Dilma. O cara é hábil, maneiro no trato. Sabe agradar. Mas não ganha, hoje, o agrado do povo. Cabral, com certa razão, diz que tem sido cabo eleitoral fechado de Lula e Dilma. Por isso, não abrirá mão de Pezão. Quer que o PT firme a parceria com o PMDB em torno de seu vice. Mas a cúpula do PT já fechou posição a favor do senador. E argumenta que Lindbergh tem quase o dobro de Pezão nas pesquisas. O vice, dizem, é um peso pesado difícil de puxar. Nem o nome – popular – ajuda. Esse imbróglio no Rio poderá ter repetições em alguns Estados.

PMDB e PT

A parceria do PT com o PMDB deverá ser mantida no nível Federal – em torno da chapa Dilma/Michel Temer, e em alguns Estados. É claro que interessa aos dois partidos uma política de harmonia e integração de esforços. Meta que não será cumprida. Ou cumprida parcialmente. Porque a ambos interessa adensar a base. Significa fazer o maior número de governadores, deputados Federais e estaduais. Essa será a vitamina de continuidade no poder. O PMDB tomou esse suco desde 1985 quando fez um destroço no quadro partidário, elegendo as maiores bancadas. O PT aprendeu a lição. Teremos, portanto, uma disputa contundente nos bastidores. Nem Lula nem Dilma conseguirão apaziguar os ânimos. Deixarão de ir a alguns Estados para evitar palanques duplos. Ou será que, no frigir dos ovos, irão prestigiar apenas os candidatos petistas?

PSB no DF

O PSB pensa como partido grande. Quer fazer candidatos no maior número de Estados, a partir do DF, onde o senador Rodrigo Rollemberg ostenta, hoje, o índice de 27% nas pesquisas de intenção de voto contra o governador petista Agnelo Queiroz, com apenas 14%.

Fim das coligações?

Henrique Alves, presidente da Câmara, promete começar a votar a reforma política, a partir de duas propostas de emenda à Constituição (PECs 10/95 e 3/99) e um projeto de lei (1.538/07), que deverão nortear a discussão. Os principais pontos são: financiamento público exclusivo de campanha; fim das coligações para eleições proporcionais, porém permitindo que os partidos façam federações partidárias que durariam, no mínimo, quatro anos; coincidência das eleições (municipais, estaduais e Federais); ampliação da participação da sociedade na apresentação de projetos de iniciativa popular, inclusive por meio da internet. Pela medida, 500 mil assinaturas garantiriam a apresentação de um projeto de lei; e 1,5 milhão, de proposta de emenda à Constituição; e nova opção de lista flexível, em que o eleitor continuaria votando no deputado ou no partido, mas só o voto na legenda é que reforçaria a lista apresentada pelo partido.

A quem interessa?

Aos maiores partidos, PT e PMDB, interessa aprovar o fim das coligações proporcionais, que lhes daria cerca de 30 deputados a mais. Em compensação, os nanicos estariam ameaçados de desaparecer da planilha partidária. Um ponto que parece consensual é a coincidência das eleições. Ao PT interessa, também, a aprovação do financiamento público de campanha. Colocaria mais fumaça no ambiente do mensalão. A proposta de reforma não tem acordo entre os líderes partidários quanto à forma nem ao conteúdo. É possível que um item que não consta do relatório – a janela para troca de partidos – ganhe força e se sobreponha aos demais.

Barbosa contra os tribunais

A criação de quatro Tribunais Regionais Federais irritou, sobremaneira, o presidente do CNJ e presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa. Que insinuou a implantação desses órgãos em "resorts" ou nas redondezas das praias. Ironia pura. Juízes tentaram contestá-lo em uma audiência. Ele ordenou que não falassem tão alto. E que não confundissem sua legitimidade. Fervura deverá continuar.

Cartão postal borrado

O RJ, que vinha resgatando sua imagem de capital do bom acolhimento, estampa para o mundo uma fotografia de horror. De violência. De abuso. Os estupros que se repetem no Rio desmancham as belezas naturais da capital carioca. Cristo, no Corcovado, está com vendas nos olhos de tanta vergonha.

A doméstica

"Se a sua empregada doméstica precisar fazer uma hora extra, lembre-se de que ela terá de descansar 15 minutos antes de começar. Se você precisa de muitas horas extras, atente que ela não pode exceder dez horas por semana. Se dorme ou não no emprego, ela terá de ficar 11 horas sem trabalhar depois de encerrada uma jornada. Atenção: ela não pode comer em menos de uma hora em cada refeição. Se ela demorar mais de dez minutos para entrar no serviço, trocar de roupa ou tomar banho na hora da saída, esse tempo será contado como hora extra. Se ela dorme no quarto com uma criança ou um doente, terá de ser remunerada com adicional noturno e eventualmente hora extra por estar à disposição daquela pessoa. Se você tiver de compensar em outro dia as horas a mais que ela trabalhou no dia anterior (banco de horas), lembre-se de que isso tem de ser previamente negociado com o sindicato das domésticas". (José Pastore).

Mercadante lidera corrida

O ministro da Educação, Aloísio Mercadante, lidera a corrida para o governo de SP na esfera do PT. Os outros nomes: Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo, não tem perfil para cooptar fortes classes médias; ministro da Saúde, Alexandre Padilha, é mal avaliado; sua pasta é conhecida como Ministério da Doença; a ministra da Cultura, Marta Suplicy, exibe uma rejeição histórica, difícil de ser administrada.

Lula sob inquérito

PF tem incumbência de realizar inquérito para apurar responsabilidades do ex-presidente Luiz Inácio no episódio do mensalão. Este consultor acha que essa ação não resultará em nada.

Quem comunica também se estrumbica - II

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente nacional do PT: "O vermelho da bandeira do partido é a cor do sangue de Cristo".

Antônio Rogério Magri, Ministro do Trabalho, explicando por que utilizara um carro oficial para levar sua cadela ao veterinário: "Cachorro também é gente".

Francelino Pereira, presidente nacional da Arena, desmentindo que o governo pretendesse fechar o Congresso: "Que país é esse em que não se confia na palavra de seus governantes?". (O Congresso foi fechado em seguida, pelo pacote de abril).

Mário Amato, presidente da FIESP, falando sobre a ministra do Trabalho, Dorothéa Werneck: "É inteligente, apesar de ser mulher".

Luiza Erundina, prefeita de SP: "Os mortos das enchentes são águas passadas".

(Do livro A vida é um palanque, de Carlos Brickman)

Conselho a Eduardo Campos

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado ao deputado Marco Feliciano. Hoje, volta sua atenção ao governador Eduardo Campos:

1. Governador, Vossa Excelência tem dito que 2014 será resolvido em 2014. Mas faz peroração eleitoral quase todos os dias. Sua atitude é incongruente com o discurso.

2. Não seria mais lógico afastar-se da base governista logo agora para não ser considerado oportunista e de estar se valendo da máquina pública (cargos na estrutura do governo) para consolidar espaços de poder?

3. É perfeitamente compreensível que seja candidato à presidência, dispondo de grande visibilidade, boa avaliação de sua administração e de um partido em ascensão. Mas é inaceitável que esteja, como pré-candidato, usando a esteira governamental para alavancar a candidatura.

(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 9 de abril de 2013

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL

Inapetência e ativismo, as "saúvas" do Brasil

Em "Macunaíma", o retrato de um brasileiro sem nenhum caráter, Mário de Andrade avisava que "ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil". A saúva, nome de várias espécies de formiga, era uma praga, hoje controlada, que costumava dizimar plantações. O escritor paulista, porém, utilizou a formiga como uma alegoria para condenar a politicalha existente na ocasião na vida nacional. Aliás, como antes e como sempre.

Inapetência e ativismo, as "saúvas" do Brasil - II

A vida burocrática brasileira, também tem as suas saúvas - aliás, muitas - dentre as quais a inapetência gerencial e o ativismo político-ideológico. Essas duas pragas, que grassam na esfera pública, principalmente nos gramados e no concreto de Oscar Niemeyer, viraram, com a politicalha, uma séria ameaça ao desenvolvimento do país. Nada exemplifica melhor o poder destrutivo dessas pragas que o programa de concessões de obras e serviços de infraestrutura do governo Federal. Já lá se vão mais de oito meses que a presidente Dilma lançou, com toda a pompa e circunstância que é capaz de produzir "o ministro sem pasta para assuntos de propaganda" [o marqueteiro João Santana], um pacote de concessões nas áreas de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Avaliado no total em mais de três centenas de bilhões de reais, era, segundo a propaganda oficial, o fim dos apagões logísticos que ameaçam sedar a economia, alguns bem visíveis neste momento exato em que mais uma safra nacional recorde começa a sair do campo.

Inapetência e ativismo, "as saúvas" do Brasil - III

Assim como os caminhões agora parados na beira das estradas nas portas dos portos, nada andou de lá para cá. Um caso gritante é da concessão de trechos da BR-040 (ligação Brasília-Rio de Janeiro, passando por Minas Gerais) e da BR-101, uma das estradas de integração nacional. O leilão foi suspenso às vésperas de sua realização e não tem data para acontecer. Também não há data certa para outros leilões na área de ferrovia e nas outras. As razões para tanta demora podem ser resumidas em duas :

1. A proverbial e conhecida dificuldade do setor público brasileiro para executar suas obrigações. As próprias concessões agora previstas nasceram depois que o Brasil finalmente admitiu que, além de não ter dinheiro suficiente para bancar os projetos, tem insuficiente capacidade de execução para levá-los adiante. Mesmo assim, não consegue soltar as amarras, tal a quantidade de órgãos indiretamente envolvidos no processo - há os ministérios respectivos, a Empresa de Planejamento Logístico com mais poder que alguns ministros, o BNDES com seus palpites e o ministério da Fazenda. Sem contar que nada sai do lugar sem o "aprovado" da presidente Dilma, cada vez com a cabeça dividida entre gestão e eleição.

2. O ativismo político e econômico do governo - e certa vergonha de "privatizar" - que o levam a tentar manter as concessões sob seu controle direto ou indireto e, por isso, a criar regras que acabaram afugentando possíveis investidores nacionais e estrangeiros.

Inapetência e ativismo, "as saúvas" do Brasil IV

O leilão das BRs 040 e 101 foi adiado porque não apareceram interessados de peso. Desde que anunciou o pacote, em agosto, já foram anunciadas várias mudanças nos editais, para contornar as resistências dos investidores. Um dia a notícia vem do presidente da EPL, Bernardo Figueiredo, no outro do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, no seguinte do ministro da Fazenda, Guido Mantega - e, de vez em quando, até de algum outro ministro. Não há um modelo fechado e, nesta altura, dificilmente qualquer obra nessas áreas será iniciada em 2013. Mais um ano perdido de investimentos. Para atacar as saúvas biológicas, a receita é formicida. Que tipo de formicida pode-se aplicar para matar as saúvas da burocracia ?

Banco Central em transe

Desde que seu presidente do BC, Alexandre Tombini, foi escalado para corrigir o barulho provocado pelas declarações meio destrambelhadas da presidente Dilma na África do Sul a respeito de inflação, crescimento do PIB, juros e mais outros assuntos, o BC parece tomado de um transe - reafirmar sua condição de autoridade monetária independente de condicionantes políticas. Tombini, em mais de uma ocasião, fez juras de amor à política de combate à inflação sem concessões - se necessário com elevação dos juros, tido como um dos tabus eleitorais de Dilma. O Boletim Trimestral de Inflação, além de contrariar as previsões "manteguianas", também faz menções críticas à algumas políticas fazendárias. Uma delas passou despercebida, incluída num anexo, desvendada pelo jornal "Valor Econômico" : o BC passou a considerar um novo cálculo para o superávit/déficit primário das contas federais, expurgando em boa parte as mágicas fiscais dos últimos anos que garantiram no papel um superávit na contabilidade oficial que não aconteceu no mundo.A primeira leitura desses movimentos é que "os incômodos" do BC com a inflação são maiores do que transparece a vã filosofia brasiliense. A outra é a de que Tombini e sua turma precisam dar uma satisfação, ainda que pro forma aos agentes econômicos de que não apenas está vivo como também ativo. A especulação é de que a resposta viria com um aumento de 0,25 ponto percentual na Selic na semana que vem.

Inflação: o curto prazo

Não é apenas de tomates que a elevada inflação vive. O que se vê é um sistemático e generalizado processo de aumento de preços. Já comentamos nesta coluna (na semana passada) que o problema não é apenas o fato da inflação ser 6% ou 6,5%, mas o conjunto das informações (alta generalizada de preços, câmbio valorizado, baixo crescimento, etc.). De fato, ponderados a política e a economia, a equação macro e microeconômica não fecha. Afora estes aspectos estruturais, o IPCA a ser divulgado amanhã vai "furar" a banda superior da meta de inflação. Um mau sinal que apenas mostrará que a água está subindo e o BC persiste de mãos atadas, seja pela presidente, seja pela conjuntura - o PIB que capenga não justificaria uma taxa de juros mais elevada. O mais estranho é a passividade da classe política, em geral, e da oposição em particular. A crise é emergente, mas também é imanente - a politicagem não pode ser distinguida da fragilidade da política econômica. Tudo deve continuar na mesma toada enquanto o desemprego não mostre seus dentes. O que pode demorar até o eleitor depositar o seu voto e descobrir que foi traído pelas aparências.

Recordando Lula 2002

"Mas é preciso insistir: só a volta do crescimento pode levar o país a contar com um equilíbrio fiscal consistente e duradouro. A estabilidade, o controle das contas públicas e da inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiros". (Carta aos Brasileiros, 22 de junho de 2002)

Enquanto isso, nos EUA...

Todos os mais importantes sinais vitais da economia dos EUA são positivos, exceto o desemprego que deve permanecer elevado (acima de 7%), talvez por mais alguns anos. De outro lado, o crédito cresce, o país se reindustrializa (em novas bases), a produtividade cresce, e o consumo e produção, pouco a pouco, começam a dar sinais de vigor. Logicamente, o endividamento público (e privado) é elevado, mas o dólar, tantas vezes "enterrado" como sendo uma moeda decadente, permanece forte e o mundo financia docemente a América. Enquanto isso, Barack Obama estimula sua tropa palaciana a debater alternativas para a política econômica. Estuda-se desde o aprofundamento do quantitative easing (política monetária frouxíssima) até o estabelecimento de novas metas para o Federal Reserve (meta de PIB nominal ao invés de meta de inflação e crescimento). O mais importante é que o mundo assiste a evolução dos fatos nos EUA com maior otimismo, enquanto no campo interno os consumidores voltam às lojas e os investidores à bolsa de valores.

Algo além de aviões de carreira

Em menos de quatro dias, a presidente Dilma bateu continência duas vezes para o ex-presidente Lula. Na quinta-feira, ela veio a SP, para uma conversa de cerca de 7 horas - tempo suficiente para se fazer um bom resumo da Bíblia - com seu mentor, compartilhada em parte com o presidente do PT, Rui Falcão, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, e o ex-ministro e o "consultor privado" Antonio Palocci. Uma reunião do apostolado petista, como se vê. No sábado, voltou à capital paulista para um jantar, na churrascaria Rodeio, ex-reduto tucano, em comemoração ao aniversário da ex-primeira dama, Marisa Letícia, na presença de uma parte da elite petista paulista. Os compromissos eram privados, mas Dilma cortou os ares entre Brasília e SP nos jatos oficiais. As reverências à Lula indicam que no ar da política também há algo a preocupar mais do que o normal dos "aviões de carreira". Podem apostar numa cesta que inclui inflação, crescimento econômico e as eleições presidenciais. O fantasma Eduardo Campos e o crescimento das críticas dele e de Aécio Neves ao governo estão fazendo caraminholas na cabeça do mundo oficial. Anotem : vem aí mais aperto contra os adversários e mais bondades na economia.

Aos amigos tudo...

...aos inimigos o rigor da lei. Este é um lema político-administrativo atribuído a Getúlio Vargas no Brasil, mas que por essas plagas tupiniquins não haja governante que não tenha abraçado. E seu peso agora começará a cair sobre a cabeça do governador de PE, Eduardo Campos.

Plumagens em alvoroço

Muitas penas tucanas começaram a voar depois que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em duro recado durante um encontro promovido pelo PSDB paulista, manifestou a sua inconformidade com as divisões de seu partido. Plumas devem ter voado principalmente no território paulista do tucanato, embora o aviso de FHC tivesse destino generalizado. Assim, não parece ter sido à toa a entrevista do presidente nacional do PSDB Sérgio Guerra, pernambucano ligado também ao governador Eduardo Campos, ao jornal "O Estado de Minas" de segunda-feira, elogiando Aécio Neves e até traçando um roteiro básico para sua campanha. Desconfiada, a turma mineira achava que Guerra poderia estar com um pé em dois barcos.

Será?

Se depender das entrevistas em jornais - duas exclusivas apenas na sexta-feira - de matérias positivas e notinhas em diversos veículos e das poses de papagaio de pirata com frequência ao lado da presidente Dilma não há menor dúvida de que o ministro da Educação, Aloizio Mercadante (também conhecido por alguns, não se sabe a razão, como o "José Serra do PT") já é o candidato petista ao governo de SP. Não se sabe ainda se isto foi combinado certinho com Marta Suplicy, Alexandre Padilha, José Eduardo Cardozo, Luiz Marinho e, principalmente, com o ex-presidente Lula. De todo forma, se confirmado, é o melhor presente que Geraldo Alckmin gostaria de receber para 2014.

Quantos votos eles têm mesmo?

José Batista Junior, dono da Friboi, da produtora de celulose Eldorado e do Banco Original (dirigido por Henrique Meirelles), bem como um dos fregueses mais importantes do BNDES, estava cobiçado pelo PSB de Eduardo Campos para candidato do partido ao governo de GO e dar um palanque recheado ao governador de PE no Estado. Por razões que os interesses empresariais explicam, acabou fisgado pelo PMDB do vice-presidente e poeta Michel Temer e, desta forma, vai engordar o palanque de Dilma, ou como candidato à sucessão de Marconi Perillo defendendo as cores do peemedebismo ou numa vice com o PT. Em MG, Josué Gomes da Silva, filho do ex-vice presidente José Alencar e principal acionista da Coteminas, uma das maiores indústrias têxteis do Brasil, é disputado pelo PT e pelo PMDB para a sucessão ao governo mineiro, ou como candidato titular ao Palácio da Liberdade ou como vice numa chapa encabeçada pelo ministro petista Fernando Pimentel. O que tem em comum o Junior e o Josué além de serem neófitos em política e bem sucedidos empresários? O risco de serem seduzidos para rechear arcas dos oposicionistas. Em casos assim, o que menos importa são os votos que eles podem carregar para as urnas de seus partidos-hospedeiros.

Thatcher, ideologia e realidade

Pode-se falar tudo da primeira-ministra do Reino Unido Margaret Thatcher, menos o fato de que a Iron Lady não era uma política definida ideologicamente. Verdade que vivíamos a denominada Guerra Fria, mas a definição da cepa política de um homem público ainda tem seu valor, muito embora seja coisa rara no globo. No Brasil, ultrapassa-se o limite entre esquerda e direita, liberal e conservador, socialista e capitalista, numa velocidade para além do jornalista Clark Kent quando sair das cabines de telefone. A identidade dos empresários brasileiros com os ideais do PT e sua aliança mostram que o ex-partido operário está ocupando não apenas espaços políticos, mas também contribuindo para que espaços econômicos sejam ocupados com galhardia pelos capitalistas, no passado, "nefastos" para o petismo. Seria difícil explicar para a Dama de Ferro a conjuntura política brasileira.

Dirceu e a Rede Globo

Comentário no blog do ex-ministro José Dirceu:

"Em editorial, o jornal carioca apoia uma outra "regulação" e, a pretexto de defender a cultura nacional, visa a impedir a concorrência com grandes sites e teles estrangeiras. O Globo ainda insiste em demonizar a proposta de uma verdadeira regulação, alegando desrespeito à princípios constitucionais. Mas é a própria Constituição que trata da necessidade da regulação."

Não são poucas as pressões que o ministro das Telecomunicações Paulo Bernardo (e marido de Gleise Hoffmann) vem sofrendo de dentro do PT para regular a mídia no Brasil. Resta saber o que pensa a presidente sobre o tema. Ela que é próxima do casal.

Jabuti não sobe em árvore

Marco Feliciano, o deputado-pastor, é mesmo uma excrescência, uma aberração, na presidência na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Porém, ele não chegou lá sozinho. Seu partido, o PSC, nem número de deputados tem para ocupar a presidência de uma comissão permanente, segundo a praxe da casa. O lugar, tradicionalmente, é do PT, que por razões da política dos políticos, abriu mão dele. Ninguém no Congresso, em sã consciência, pode negar que sabia das posições de Feliciano. Ele nunca negou isto e tem todo o direito de ter as posições que tem. Ele foi indicado por seu partido e votado pelos membros da Comissão, de diversas legendas. Não subiu sozinho nesta árvore. E ninguém se deu conta da aberração antes das críticas vindas de fora? As reações do Congresso e dos partidos agora são pura hipocrisia, daquelas que consagraram grandes escritores...

(por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)

segunda-feira, 8 de abril de 2013

ESCUTATÓRIA


Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma". Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí a gente que não é cego abre os olhos. Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas – coitadinhas delas – entram e caem num mar de idéias. São misturadas nas palavras da filosofia que moram em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos, não são as árvores e as flores. Para ser ver é preciso que a cabeça esteja vazia.

Faz muito tempo, nunca me esqueci. Eu ia de ônibus. Atrás duas mulheres conversavam. Uma delas contava para a amiga os seus sofrimentos.(Contou-me uma amiga, nordestina, que o jogo que as mulheres do nordeste gostam de fazer quando conversam umas com as outras é comparar sofrimentos. Quanto maior o sofrimento, mais bonita é a mulher e a sua vida. Conversar é a arte de produzir-se literariamente como mulher de sofrimentos. Acho que foi lá que a ópera foi inventada. A alma é uma literatura. É nisso que se baseia a psicanálise...) Voltando ao ônibus. Falavam de sofrimentos. Uma dela contava do marido hospitalizado, dos médicos, dos exames complicados, das injeções na veia – a enfermeira nunca acertava – dos vômitos e das urinas. Era um relato comovente de dor. Até que o relato chegou ao fim esperando, evidentemente, o aplauso, admiração, uma palavra de acolhimento na alma da outra que, supostamente, ouvia. Mas o que a sofredora ouviu foi o seguinte: "Mas isso não é nada..." A segunda iniciou, então, uma história de sofrimentos incomparavelmente mais terríveis e dignos de uma ópera que os sofrimentos da primeira.

Parafraseio o Alberto Caeiro: "Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma." Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais às duas mulheres do ônibus. Certo estava Lichtenberg – citado por Murilo Mendes: "Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas." Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos, estimulado pela revolução de 64. Pastor protestante (não "evangélico"), foi trabalhar num programa educacional da Igreja Presbiteriana USA, voltado para minorias. Contou-me de sua experiência com os índios. As reuniões são estranhas. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, como se estivessem orando. Não rezando. Reza é falatório pra não ouvir. Orando. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas. Também para se tocar piano é preciso não ter filosofia nenhuma.) Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito. Pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que julgava essencais. Sendo dele, os pensamentos não são meus. São-me estranhos. Comida que é preciso digerir. Digerir leva tempo. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se falo logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava eu pensava nas coisas que eu iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado." Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou." Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou. E assim vai a reunião.
Há grupos religiosos cuja liturgia consiste de silêncio. Faz alguns anos passei uma semana num mosteiro na Suíça, Grand Champs. Eu e algumas outras pessoas ali estávamos para, juntos, escrever um livro. Era uma antiga fazenda. Velhas construções, não me esqueço da água no chafariz onde as pombas vinham beber. Havia uma disciplina de silêncio, não total, mas de uma fala mínima. O que me deu enorme prazer às refeições. Não tinha a obrigação de manter uma conversa com meus vizinhos de mesa. Podia comer pensando na comida. Também para comer é preciso não ter filosofia. Não ter obrigação de falar é uma felicidade. Mas logo fui informado que parte da disciplina do mosteiro era participar da liturgia três vezes por dia: às 7 da manhã, ao meio dia e às 6 da tarde. Estremeci de medo. Mas obedeci. O lugar sagrado era um velho celeiro, todo de madeira, teto muito alto. Escuro. Haviam aberto buracos na madeira, ali colocando vidros de várias cores. Era uma atmosfera de luz mortiça, iluminado por algumas velas sobre o altar, uma mesa simples com um ícone oriental de Cristo. Uns poucos bancos arranjados em "U" definiam um amplo espaço vazio, no centro, onde quem quisesse podia se assentar numa almofada, sobre um tapete. Cheguei alguns minutos antes da hora marcada. Era um grande silêncio. Muito frio, nuvens escuras cobriam o céu e corriam, levadas por um vento impetuoso que descia dos Alpes. A força do vento era tanta que o velho celeiro torcia e rangia, como se fosse um navio de madeira num mar agitado. O vento batia nas macieiras nuas do pomar e o barulho era como o de ondas que se quebram. Estranhei. Os suíços são sempre pontuais. A liturgia não começava. E ninguém tomava providências. Todos continuavam do mesmo jeito, sem nada fazer. Ninguém que se levantasse para dizer: "Meus irmãos, vamos cantar o hino..." Cinco minutos, dez, quinze. Só depois de vinte minutos é que eu, estúpido, percebi que tudo já se iniciara vinte minutos antes. As pessoas estavam lá para se alimentar de silêncio. E eu comecei a me alimentar de silêncio também. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. É música, melodia que não havia e que quando ouvida nos faz chorar. A música acontece no silêncio. É preciso que todos os ruídos cessem. No silêncio, abrem-se as portas de um mundo encantado que mora em nós – como no poema de Mallarmé, A catedral submersa, que Debussy musicou. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Me veio agora a idéia de que, talvez, essa seja a essência da experiência religiosa – quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia que de tão linda nos faz chorar. Pra mim Deus é isso: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá tembém. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto...

(Rubem Alves)

domingo, 7 de abril de 2013

DEUS E O DIABO NO TEATRO POLÍTICO

No Estado-Espetáculo, até Deus é usado como bengala de apoio aos representantes políticos. O ditador Francisco Franco, que governou a Espanha por 36 anos (1939-1975), usava a Providência divina para afirmar sua legitimidade: “Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos”.

Não satisfeito, mandou cunhas nas moedas: “Caudilho pela graça de Deus”. Idi Amin Dada, o cabo que se tornou marechal de Uganda, sanguinário e paspalhão, dizia ao povo que falava com Deus nos sonhos.

Um dia deparou-se com a pergunta de um jornalista: “O senhor tem com frequência esses sonhos? Conversa muito com Deus?” Lacônico, o cara de pau respondeu: “Sempre quando necessário”.

A história é cheia de casos em que atores políticos organizam o próprio culto, ornando sua aura com atributos divinos. Nietzsche chegou a proclamar: “A apoteose da aventura humana é a glorificação do homem-Deus”. Mas o diabo também é avocado como protagonista do teatro da política fosforescente.

A desastrada declaração do pastor Marco Feliciano (PSC-SP) de que, antes dele presidi-la, a Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados era dominada por Satanás comprova a tese.

Nos últimos tempos, por nossas bandas, impulsionados por uma onda midiática que entra nas noites e madrugadas construindo um novo pentecostalismo, bispos, pastores e apóstolos não medem esforços para organizar exércitos do bem para enfrentar as forças do mal.

Do alto de uma montanha de dízimos, os comandantes de guerra contra as trevas estruturam impérios religiosos, ganham concessões do Estado (para execrar, frequentemente, o próprio Estado), locupletam cofres, organizam partidos e aumentam a fatia política com bancadas cada vez mais gordas.

A expressão radical torna-se arma de combate e de engajamento de milícias. Já a defesa de posições conservadoras funciona como escudo. A índole discriminatória explode. Essa é a composição que explica o imbróglio envolvendo o novo presidente da Comissão de Direitos Humanos.

Flagrado ao postar mensagens homofóbicas e racistas nas redes sociais, Feliciano arremata, em inflamado sermão, que, “pela primeira vez na história desse País, um pastor cheio de espírito santo” conquistou espaço dominado pelas tropas de Belzebu.

Destemperado, o deputado jogou no fogo do inferno companheiros que já comandaram aquele território “satânico”. E assim, comete um pecado ético, deixando transparecer a ruptura do princípio republicano que estabelece a separação entre igreja e Estado.

É evidente que o verbo messiânico tenta desenhar a figura de um “herói” sob proteção divina. Maquiavelismo. A linguagem cortante, claro, resultará em bacia cheia de votos em 2014. Atente-se para o espírito do nosso tempo: culto da personalidade, competitividade entre igrejas, organicidade social, multiplicação de grupos de pressão, expansão da democracia participativa, abertura da locução social.

Com o foguetório, o pregador consegue chegar aos píncaros da visibilidade, meta ambicionada por qualquer parlamentar. Vale lembrar que foi eleito pelos pares para comandar a Comissão de Direitos Humanos. Até ai tudo bem. Inaceitável é o uso (e abuso) de peroração discriminatória dentro de um organismo criado exatamente para defender os postulados da igualdade e da pluralidade.

Resta observar que o “enviado dos céus” ultrapassou seus 15 minutos de fama. E parece querer mais, ampliando espaços midiáticos e sendo eleito como o bastião da resistência evangélica no Congresso. Multiplicará o rebanho e consolidará a imagem de “guerreiro do Espírito Santo”? Não há certeza. Mas a ambição desvairada pelo poder acabou turvando a visão do ator.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos caiu na tentação de ultrapassar os limites do bom senso. Ao trazer Satanás para a mesa da política e identificá-lo com seus pares, abriu caminho para ser examinado pela lupa ética.

A imbricação de política e religião, na forma como o fez, e logo dentro da Comissão que espelha direitos humanos, pode ser o motivo para seu afastamento. Não é de hoje que objetos sagrados e profanos são embalados pelo celofane da política. No Brasil, a amálgama tem sido rotineira, a partir das concessões na área de rádio e TV para grupos e igrejas. Os dois territórios bifurcam-se, sob o olhar complacente de quem tem poder para evitá-la.

Até se admite que a concorrência entre católicos e pentecostais estimula os contendores a aprofundar as relações com o Estado, como se vê na recente proposta do deputado evangélico João Campos (PSDB-GO), que garante às entidades religiosas poder de contestar a constitucionalidade de leis no STF. (Por que não estender o privilégio aos ritos afrobrasileiros?)

Deslocar a religião para o palco da política, no molde feliciano, é pregar abertamente a ilicitude dentro da própria Casa que faz as leis e deve dar exemplo de disciplina. Não se pretende defender postura apolítica de igrejas e credos. Seu papel missionário implica tomar partido, lutar por ideários e convicções, ações que inescapavelmente adentram os corredores do Parlamento. Podem, até, sugerir a eleição de perfis identificados com os valores da República. Constituem motivo de aplauso, igualmente, ações sociais pela elevação e promoção do ser humano, particularmente dos contingentes marginalizados. Essa é a visão abrangente da política que as igrejas podem perseguir.

Outra coisa é política partidária, usar a religião como instrumento de negócios lucrativos, imã para atrair fiéis e posicioná-los nas siglas. A invasão religiosa no espaço público ameaça manchar o escopo republicano, apesar de sabermos que o ativismo eleitoreiro de certas igrejas acabará acentuando tal tendência. Urge dar um basta na construção da “Igreja-Estado”.

Foram-se os tempos em que líderes religiosos coroavam e descoroavam reis e rainhas. O bom senso aconselha: senhores políticos, muito cuidado para não trombetear o nome de Deus na tuba da politicagem.


(Gaudêncio Torquato)