sábado, 21 de dezembro de 2013

REGINALDO ROSSI E O AMOR À TERRA (RECIFE, MINHA CIDADE)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

POR QUE NO MEIO DA DOR OS NEGROS, DANÇAM, CANTAM E RIEM

Milhares de pessoas em toda a África do Sul misturam choro com dança, festa com lamentos pela morte de Nelson Mandela. É a forma como realizam culturalmente o rito de passagem da vida deste lado para a vida do outro lado, onde estão os anciãos, os sábios e os guardiães do povo, de seus ritos e das normas éticas. Lá está agora Mandela de forma invisível mas plenamente presente acompanhando o povo que ele tanto ajudou a se libertar.

Momentos como estes nos fazem recordar de nossa mais alta ancestralidade humana. Todos temos nossas raízes na África, embora a grande maioria o desconheça ou não lhe dê importância. Mas é decisivo que nos reapropriemos de nossas origens, pois elas, de um modo ou de outro, na forma de informação, estão inscritas no nosso código genético e espiritual.

Refiro-me aqui a tópicos de um texto que há tempos escrevi sob o título Somos todos africanos, atualizado face à situação atual mudada. De saída, importa denunciar a tragédia africana: é o continente mais esquecido e vandalizado das políticas mundiais. Somente suas terras contam. São compradas pelos grandes conglomerados mundiais e pela China para organizar imensas plantações de grãos que devem garantir a alimentação, não da Africa mas de seus países, ou negociadas no mercado especulativo. As famosas land grabbing possuem, juntas, a extensão de uma França inteira. Hoje, a África é uma espécie de espelho retrovisor de como nós humanos pudemos no passado, e podemos hoje ainda, ser desumanos e terríveis. A atual neocolonização é mais perversa que a dos séculos passados.

Sem olvidar esta tragédia, concentremo-nos na herança africana que se esconde em nós. Hoje é consenso entre os paleontólogos e antropólogos que a aventura da hominização se iniciou na África, cerca de 7 milhões de anos atrás. Ela se acelerou passando pelo homo habilis, erectus, neanderthalense até chegar ao homo sapiens, cerca de 90 mil anos atrás. Depois de ficar 4,4 milhões de anos em solo africano, este se propagou para a Ásia, há 60 mil anos; para a Europa, há 40 mil anos; e para as Américas há 30 mil anos. Quer dizer, grande parte da vida humana foi vivida na África, hoje esquecida e desprezada.

A África, além de ser o lugar geográfico de nossas origens, comparece como o arquétipo primal: o conjunto das marcas, impressas na alma de todo ser humano. Foi na África que este elaborou suas primeiras sensações, onde se articularam as crescentes conexões neurais (cerebralização), brilharam os primeiros pensamentos, irrompeu a criatividade e emergiu a complexidade social que permitiu o surgimento da linguagem e da cultura. O espírito da África está presente em todos nós.

Identifico três eixos principais do espírito da África, que podem nos inspirar na superação da crise sistêmica que nos assola.

O primeiro é o amor à Mãe Terra, a Mama Africa. Espalhando-se pelos vastos espaços africanos, nossos ancestrais entraram em profunda comunhão com a Terra, sentindo a interconexão que todas as coisas guardam entre si, as águas, as montanhas, os animais, as florestas e as energias cósmicas. Sentiam-se parte desse todo. Precisamos nos reapropriar deste espírito da Terra para salvar Gaia, nossa Mãe e única Casa Comum.

O segundo eixo é a matriz relacional (relational matrix no dizer dos antropólogos). Os africanos usam a palavra ubuntu que significa:“Eu sou o que sou porque pertenço à comunidade” ou “eu sou o que sou através de você, e você é você através de mim”. Todos precisamos uns dos outros; somos interdependentes. O que a física quântica e a nova cosmologia dizem acerca de interconexão de todos com todos é uma evidência para o espírito africano.

A essa comunidade pertencem os mortos como Mandela. Eles não vão ao céu, pois o céu não é um lugar geográfico, mas um modo de ser deste nosso mundo. Os mortos continuam no meio do povo como conselheiros e guardiães das tradições sagradas.

O terceiro eixo são os rituais e celebrações. Ficamos admirados que se dedique um dia inteiro de orações por Mandela, com missas e ritos. Eles sentem Deus na pele, nós ocidentais na cabeça. Por isso dançam e mexem todo o corpo, enquanto nós ficamos frios e duros como um cabo de vassoura.

Experiências importantes da vida pessoal, social e sazonal são celebradas com ritos, danças, músicas e apresentações de máscaras. Estas representam as energias que podem ser benéficas ou maléficas. É nos rituais que ambas se equilibram e se festeja a primazia do sentido sobre o absurdo.

Notoriamente, é pelas festas e ritos que a sociedade refaz suas relações e reforça a coesão social. Ademais nem tudo é trabalho e luta. Há a celebração da vida, o resgate das memórias coletivas e a recordação das vitórias sobre ameaças vividas.

Apraz-me trazer o testemunho pessoal de um dos nossos mais brilhantes jornalistas, Washington Novaes:“Há alguns anos, na África do Sul, impressionei-me ao ver que bastava se reunirem três ou quatro negros para começarem a cantar e a dançar, com um largo sorriso. Um dia, perguntei a um jovem motorista de táxi: "Seu povo sofreu e ainda sofre muito. Mas basta se juntarem umas poucas pessoas, e vocês estão dançando, cantando, rindo. De onde vem tanta força?" E ele: "Com o sofrimento, nós aprendemos que a nossa alegria não pode depender de nada fora de nós. Ela tem de ser só nossa, estar dentro de nós".

Nossa população afrodescendente nos dá a mesma amostra de alegria que nenhum capitalismo e consumismo pode oferecer.

(Leonardo Boff - teólogo, filósofo e escritor)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

CONJUNTURA NACIONAL

De jeito nenhum

Vez ou outra, valho-me do agudo observador da cena brasileira e esforçado amigo Sebastião Nery para abrir a coluna. Como é o caso desta. A historinha se dá nos tempos turvos da promulgação do AI-5, em dezembro de 68, quando foram fechados os Legislativos e os parlamentares eram obrigados a fazer uma declaração de bens de 10 anos anteriores. João Batista Botelho, conhecido na Assembleia Paulista como "João Cuiabano", preparou seu dossiê e, quando ia enviá-lo a quem de direito, foi advertido por um assessor :

- Nobre deputado, Vossa Excelência tem de enviar a eles também o seu currículo.

João, homem de poucas letras, do alto de sua bravura, virou uma fera :

- Isto eu não vou dar de jeito nenhum. Só conseguirão se passarem sobre meu cadáver.

Dito e feito!

Serra, ufa, desiste

José Serra, ufa, desistiu de ser candidato à presidente da República. E assim, deixa Aécio Neves livre para botar a candidatura nas ruas. Serra fez a confissão pública da desistência, via twitter/facebook. Pediu, até, que os tucanos formalizassem a candidatura. Negócio seguinte : quanto mais Serra demorasse, mais incertezas jogaria na arena eleitoral. Exibe, hoje, uma intenção de voto maior que a de Aécio, mas, ao correr de uma campanha, a tendência aponta para um crescimento do candidato mineiro nas pesquisas. O agora liberado Aécio adensa sua movimentação e apresenta esta semana as 12 diretrizes que servirão de base ao programa do PSDB.

"Os poderosos podem destruir uma, duas ou três flores, mas nunca deterão a primavera". Che Guevara

Chances do mineiro

As chances de Aécio dependerão do estado geral da economia em 2014, ou, mais precisamente, nas margens de outubro de 2014. Com a economia descontrolada, as oposições veriam ampliadas suas condições. A recíproca é verdadeira. No caso específico de Aécio, há uma barreira a saltar: encarnar o perfil do novo, do inovador. O neto de Tancredo Neves expressa os fortes valores da política mineira. Se sair com quatro milhões de votos de maioria, em MG, conta com boas condições de entrar no segundo turno. SP, o maior colégio eleitoral, pode vir a se encantar com a lábia mineira. Vai depender do canto mavioso de Geraldo Alckmin. E também da polarização entre tucanos e petistas. Se vingar, seria vantajosa para Aécio.

"O amor é a força mais abstrata, e também mais potente, que há no mundo". Mahatma Gandhi

Alckmin sob tiroteio

Outro fator a ser considerado será o tiroteio sobre o governador Geraldo Alckmin. O affaire dos trens - denúncias de cartel - será muito usado pelo PT, até para tentar anular os efeitos do mensalão. Alckmin tem imagem positiva, é cordial, começa a adensar a visibilidade - com campanhas institucionais do governo - e possui forte penetração no interior do Estado. Se o eleitorado entrar no jogo da polarização com o PT, será ele o maior beneficiado. SP é um bastião feroz contra o petismo. A rejeição ao PT soma entre 30% a 35%. Em eventual segundo turno, Alckmin levaria a melhor.

"Um espírito mesquinho é como um microscópio: aumenta as pequenas coisas, mas impede de ver as grandes". Philip Chesterfield

Efeito maldhad

O prefeito Haddad não está bem nas planilhas de avaliação. Os índices exagerados de aumento do IPTU geraram protestos. Ainda bem que recursos da FIESP e do PSDB barraram o aumento. Mesmo assim, sobram críticas. Grupos de sem terra e sem teto acampam na frente da prefeitura, no viaduto do Chá. A cidade está um caos. Os corredores exclusivos de ônibus apertam os espaços dos carros. Os congestionamentos se multiplicam. Esse efeito - chamado jocosamente de maldhad - terá consequências eleitorais. A conferir.

"Deixe-me dizer, com o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é feito de grandes sentimentos de amor". Che Guevara

Padilhando

O ministro Alexandre Padilha, da Saúde, é a grande esperança de Lula para tomar o principal bastião de resistência ao petismo, o Estado de SP. O maior cabo eleitoral do país espera repetir com Padilha o que fez com Haddad. Tirou um nome asséptico do bolso do colete e conseguiu elegê-lo prefeito. Mas a campanha municipal não foi afetada pelo episódio do mensalão. Nos últimos tempos, o episódio ganhou ampla visibilidade. Lula sabe que não será fácil alavancar seu candidato. O PT pode, até, resgatar seus históricos 25% a 30% dos votos. Mas e a rejeição ao petismo?

"Quem perde a fortuna perde muito; mas, quem perde o caráter, perde tudo". Emerson

Financiamento de campanha

Acabar com o financiamento privado de campanha, a partir da proibição de doações de recursos por empresas, é uma medida saneadora ? Em princípio, sim. Evitaria que o poder econômico agisse como o principal motor eleitoral. Sejamos, porém, realistas. O poder econômico vai continuar a dar apoio a candidatos. Como ? Por debaixo do pano. O caixa dois será bem usado. Desta feita, se houver proibição, com mais intensidade. Política e interesses privados caminham juntos. Poderá haver um refluxo nos custos gerais das campanhas, mas a grana privada continuará a entrar nos cofres eleitorais.

Quem ganha mais

Se houver proibição de doações privadas de empresas, quem ganhará mais com a medida? O PT. Pelas seguintes razões: 1. é o partido mais orgânico, mais vertical, mais capaz de engajar os quadros na luta eleitoral; 2. é um dos partidos que mais recursos recebem do fundo partidário (tem o maior número de deputados Federais); 3. é o partido no comando do poder, ou, noutra leitura, é o partido que detém o poder da caneta. É comum se dizer que o poder da caneta lidera os outros Poderes; 4. é o partido com o maior número de quadros e comandos da máquina Federal em todos os Estados da Federação. Logo, interessa ao PT fechar os dutos financeiros dos partidos, pois os seus cofres estarão bem abastecidos.

"O caráter não é esculpido em mármore, não é algo sólido e inalterável. É algo vivo e mutável, e pode tornar-se doente, como se torna doente o nosso corpo". George Eliot

STF e a proibição

Parece esdrúxula essa decisão do STF de julgar a questão da doação de recursos de empresas para campanhas. Trata-se de matéria típica do Congresso Nacional. O que tem a ver a Suprema Corte com um tema de exclusiva competência da representação política ? Simples. O STF foi acionado pela OAB. E se há um recurso que chega ao seu foro, não pode deixá-lo de lado. Ou seja, por falta de legislação específica, os juízes darão sua interpretação, à luz da Constituição, e julgam. E se o Supremo proibir as doações privadas, o Congresso poderá criar uma lei permitindo tais recursos ? Sim. Estamos, portanto, diante do seguinte fato : o STF pode desaprovar e o Congresso aprovar. No momento em que a lei permitir a doação de recursos por parte de empresas, a interpretação dos ministros cairá por terra. É o que se divisa no horizonte. A conferir.

Posse do Marcelo

Faço uma homenagem ao dr. Marcelo Cascudo, que toma posse, amanhã, quinta-feira, no Palácio dos Bandeirantes, como presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. A entidade foi criada pelo inesquecível cirurgião, dr. Euríclides de Jesus Zerbini, e já foi presidida pelo dr. Adib Jatene. Marcelo é um potiguar, como este escriba, e um dos mais prestigiados cirurgiões cardíacos do país. Marcelo é um líder. E um médico que inscreve seu nome na galeria da excelência.

Rebelião na Papuda?

Juízes substitutos da vara de Execuções Penais, responsáveis pela prisão de condenados do processo do mensalão, querem ser removidos. A causa? Receio de rebelião na penitenciária da Papuda. Poderia haver fuga em massa nas vésperas de Natal. Criou-se, ali, a partir da prisão dos mensaleiros, um tratamento desigual. Os chamados presos comuns não se conformam com as regalias aos condenados da AP 470.

Fenaserhtt elege diretoria

Entidade representativa oficial do setor de prestação de serviços especializados e de trabalho temporário no Brasil, a Fenaserhtt (Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de Recursos Humanos, Trabalho Temporário e Terceirizado) tem nova diretoria para o quadriênio 2014/2017. Vander Morales, presidente do Sindeprestem (Sindicato Patronal Paulista do Setor), foi eleito para comandar os rumos da Fenaserhtt. "A federação representa a concretização de um antigo sonho do empresariado. É uma organização maior, com mais poder de representatividade e participação nos debates na esfera governamental e fóruns tripartites", diz Morales.

O roubo de duas melancias

O juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3ª vara criminal de Palmas/TO, deu o seguinte despacho sobre o auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, detidos em virtude de suposto furto de suas melancias.

- "Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na universidade do crime (o sistema penitenciário nacional). O juiz continuou:

- Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário. Poderia brandir minha ira contra os neoliberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia! Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?

- Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.

- Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo. Expeçam-se os alvarás. Intimem-se".

Conselho aos cartolas

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos membros do PT. Hoje, volta sua atenção aos cartolas :

1. Urge exigir do STJD regras mais claras para julgamento de clubes e jogadores. Um time é apenado com rebaixamento por ter escalado jogador suspenso. A Lusa desce e o Fluminense sobe.

2. Mas, em 2010, ao que se divulga, o Fluminense sagrou-se campeão nacional, cometendo a mesma penalidade da Portuguesa. Escalou o jogador Tartá, suspenso.

3. Ao que parece, há uma tentativa de deixar os grandes times em situação melhor. Os clubes médios, sem grande poder, são mais punidos. Essa é a Justiça esportiva que temos ? Por que não temos regras mais claras ? Ou será que, por nossas plagas, continua vingando o ditado: "os pobres nunca deviam fazer guerra" ?

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(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL

A senha para o Federal Reserve

Caros leitores: do ponto de vista econômico, este final de ano e início de 2014 será repleto de sinais importantes. No âmbito interno, o Natal pode ser mais fraco que o sinalizado pelos indicadores antecedentes. Mas, nos EUA pode ocorrer um sinal importantíssimo. Como se sabe, republicanos e democratas andam às turras nas discussões sobre o teto do orçamento público Federal. Republicanos querem criar um teto realista para o afrouxamento da política monetária do Fed e os democratas desejam prorrogar o máximo possível as políticas de estímulo que já fizeram o desemprego cair bem este ano e o consumo e investimento voltarem a crescer. Pois bem : as negociações atuais no Congresso dos EUA sobre o orçamento podem pavimentar o caminho para que o Fed reduza o estímulo monetário. Ou seja, os republicanos aceitaria um déficit maior que o proclamado na mídia, mas o Banco Central americano teria de reduzir as compras de títulos no mercado. Isso provocará a elevação da remuneração dos títulos do Tesouro norte-americano e jogará o dólar para cima em relação às outras moedas do mundo.

Inflação, um problema substantivo

Os agentes econômicos já sabem que o governo da presidente Dilma, cujo assessor Guido Mantega propala as suas políticas, é leniente com a inflação. Cabe alertar, adicionalmente, que o governo, ao reprimir preços públicos, está causando risco maior às expectativas, pois estas se movem pelos fatos verdadeiros não pelos fantasiosos. Todos sabem que dos combustíveis à energia elétrica há preços comprimidos pela estratégia enganosa do governo. De outro lado, há o risco de a taxa de câmbio se desvalorizar mais acentuadamente por conta da deterioração das expectativas domésticas e da mudança de curso da política norte-americana após as negociações do Congresso entre democratas e republicanos (Dilma Rousseff é presidente do Brasil e não tem como mandar em Obama, no Congresso dos EUA e no Federal Reserve). Neste caso, o repasse do custo do câmbio nos preços internos pode ser rápido e acentuado. Para se ter uma noção a cada 1% de aumento no câmbio, potencialmente os preços domésticos podem subir entre 0,15% e 0,20%. Para não subir, o PIB terá de ficar mais fraco do que hoje.

Fundamentos e mercados - 1

Analistas de investimentos, nos primeiros anos de atividade, aprendem analisar as variações de preços dos ativos reais e financeiros. A lição central das teorias e técnicas lecionadas é a de que os "fundamentos" alinham os preços em diferentes patamares a partir de uma relação entre riscos e retornos esperados. Pois bem : a economia brasileira está apresentando riscos crescentes em pelo menos quatro "áreas" : (i) estruturalmente, o país perde competitividade fruto de aspectos que vão da baixa educação e tecnologia, passando pela elevada criminalidade até os conhecidos problemas de infraestrutura ; (ii) do ponto de vista fiscal temos um Estado que gasta mal, arrecada muito e, assim, produz déficits potenciais crescentes ; (iii) do ponto de vista monetário, o BC ajusta as irresponsabilidade fiscal por meio da elevação da taxa de juros, uma das maiores do mundo. O BC acaba por onerar toda a atividade de investimento e consumo do país e (iv) a taxa cambial acaba por ficar valorizada, pois os investidores do mundo inteiro acabam por ingressar com recursos no país para aplicar recursos financeiros nos elevados juros do país. Este caminho tortuoso não é superado desde meados da década de 1980. No governo Dilma foi agravado por equívocos cometidos exclusivamente por escolhas erradas, tal qual a "maquiagem de números fiscais".

Fundamentos e mercados - 2

Considerados os aspectos salientados na nota anterior, cabe alertar aos nossos leitores que está se tornando cada vez mais provável que os diversos segmentos do mercado financeiro sofram alterações nos preços, possivelmente bruscas e no curto prazo (próximos três meses). No mercado acionário, os ativos (observados no seu conjunto) nos parecem muito caros. No mercado cambial, as pressões externas (e internas) serão crescentes (vide nota "A senha para o Fed"). Os salários reais estão altos em função da ainda satisfatória taxa de desemprego, mas esta variável é a última que se ajusta a um cenário pior, bem como é a última que melhora na saída de cenários ruins - veja-se o que ocorre na Europa e nos EUA. À luz dos fundamentos globais (especialmente dos EUA) e da economia brasileira, o momento nos parece recomendar moderação nos riscos e contenção em relação às expectativas de retorno esperado. Infelizmente, o Brasil pode ser um país bem melhor, mas isto dependeria de escolhas políticas melhores. Não sendo assim, também não há porque esperar que um milagre ocorra.

A política como necessidade premente

O que mais impressiona no Brasil, nestes últimos anos, é a ausência de mobilização política para mudar as estruturas e conjunturas econômicas, políticas e sociais. Os avanços dos "anos Lula" nos mostram que o jogo é eleitoral e não geracional. Com Dilma, aprofunda-se o perfil político voltado para as próximas eleições. Nem mesmo as elites do país, detentoras do "poder político real" se mobilizam para mudar o curso da política e da economia. Temem que seus interesses imediatos possam ser prejudicados pelo governo - quem sabe ? As oposições, pequenas em número de representantes, mesmo que com uma base social potencialmente respeitável, parecem aderir à sina de Dilma de fincar os olhos na próxima eleição. Um vazio considerável. Há outros fatores psicossociais, tais como a mídia e os mitos oriundos da participação na Copa do Mundo de futebol e nas Olimpíadas que acabam por obscurecer ainda mais o cenário político. Bem, esta é apenas uma nota, não uma tese de doutorado. Chamamos atenção apenas para o vazio político, perigoso e causador do imobilismo social e político.

Risco-Brasil

Chega em fevereiro ao Brasil uma equipe técnica da Standard & Poor's para fazer um relatório sobre a economia brasileira a qual servirá de base para analisar a nota sobre o risco de crédito do país (country risk analysis). Hoje o Brasil está num patamar acima da nota de grau de investimento (investment grade). Se a nota for reduzida o país perde este grau e também muitos investimentos de vez que muitos fundos e investidores utilizam os relatórios de análises da S&P como parâmetro básico para suas aplicações. Acreditamos que, antes de mudar a nota do país, a S&P deve colocar o Brasil em "perspectiva negativa". As razões para esta expectativa são evidentes : piora do desempenho fiscal, a tentativa da Fazenda em mascarar tais resultados e o fraquíssimo desempenho do PIB. Uma coisa chama atenção neste processo : a atitude arrogante das autoridades brasileiras em receber a equipe de analistas das agências de classificação de risco. Muito embora o trabalho destas agências mereça críticas dada a ausência de alerta da parte destas antes da crise de 2008, nada justifica a arrogância da equipe econômica liderada pela presidente Dilma. A economia brasileira vai mal, mas o ego de Dilma e equipe não amaina.

Automóveis, segurança e eleição - 1

Choca e surpreende a decisão do governo, anunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que será adiada a entrada em vigor da norma que determina que todos produzidos no Brasil a partir de janeiro já saiam da fábrica com freios ABS e com air bag duplo. O Brasil é um dos campeões mundiais em acidentes e mortes no trânsito e eliminar dois itens essenciais para a segurança dos veículos e proteção dos cidadãos é ato que beira a irresponsabilidade. A medida já estava tomada há muito tempo e todos deveriam já ter se adaptado a ela. Mais grave ainda é a alegação do ministro Mantega para a decisão : evitar o efeito do aumento dos veículos sobre a inflação, ainda que o IPI reduzido começa a cair em janeiro, e evitar desemprego na indústria automobilística com a suspensão da produção de alguns veículos.

Automóveis, segurança e eleição - 2

O ministro antepôs a economia, que é um meio, frente à segurança e ao bem estar da população, que deveria ser um fim. Parece que tudo está invertido. O fim neste momento para o Palácio do Planalto é bem outro : a reeleição da presidente Dilma. É por ela que os carros sem segurança vão ganhar uma sobrevida. O temor real do governo é que um pouco mais de inflação e algum possível desemprego influam no ânimo dos eleitores. Como a política antiinflacionária está cambeta, ou seja, se combate mais o índice do que os fatores inflacionários, é preciso continuar com manobras que segurem artificialmente os índices que medem a inflação. O padrão incluía o controle dos preços da gasolina e do óleo diesel. Agora, inclui até air bags e freios de carros. Este será o padrão para quase tudo em 2014.

Pode até recuar, mas...

Depois das reações negativas ao recuo na segurança dos automóveis, inclusive em algumas áreas do próprio governo, o Palácio do Planalto apressou-se em avisar que ainda não há uma decisão definitiva a respeito da questão. Teria o ministro da Fazenda, um dedicado e obediente auxiliar da presidente Dilma, falado demais e anunciado o que ainda é apenas um estudo ? Parece improvável. O governo pode até recuar agora, mas o estrago político já está feito. Para amenizar, o negócio será jogar a culpa para as montadoras: já se diz que foram elas que pediram o adiamento. Não é nada improvável. Porém, o governo não deveria ter levado isto em consideração nem por um instante sequer.

Mercosul: mais um revés

A Argentina restringiu a importação de automóveis para o país. Fere, mais uma vez, as regras básicas do Mercosul. Pouco importa se a diplomacia aponte os possíveis waivers para tal atitude. O certo é que o Mercosul é um solene fracasso para o Brasil, país que precisa de novos mercados e mais investimento. Não vamos a lugar nenhum, como a história já provou, se continuarmos associados à Argentina de Kirchner, à Bolívia de Morales e à Venezuela do fantasma de Chávez. Na semana passada, chamamos a atenção para este tema e acabamos "brindados" com o exemplo da restrição em relação à nossa indústria automobilística. Neste tema está chegando o tempo de acabar com tergiversações, de Lula e Dilma, em relação à América Latina. Por aqui a história parou. É preciso olhar para o norte e para o oriente. O resto é papo de botequim sob o som de samba ou tango.

PT: malabares e malabaristas - 1

A cúpula petista moveu almas e corações para se equilibrar entre as pressões dos grupos mais ligados aos seus filiados condenados no processo do mensalão para que o partido se solidarizasse com eles incondicionalmente, e as conveniências do governo da presidente Dilma e do próprio PT de não deixar o episódio contaminar o governo e a campanha eleitoral. Solidariedade sim, mas com limites, de olho em possíveis repercussões eleitorais. Assim transcorreu o 5º Congresso Nacional, de quinta-feira a sábado passados em Brasília. Na quinta, claque para defender José Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha e Delúbio Soares, com Dilma silenciosa e Lula se esquivando de ir mais fundo ao tema. Este último avisou que ainda não é hora de falar, uma referência indireta a Dirceu. Rui Falcão, presidente reeleito da sigla cumpriu a missão de fazer a defesa mais veemente dos companheiros.

PT: malabares e malabaristas - 2

Na sexta, demonstrações de solidariedade explícitas, contudo, com a ausência de Lula e Dilma. E com Rui Falcão, abafando : dizendo que o PT não apoia movimentos pela anulação da chamada AP 470 e que não considera Dirceu, Genoino e Delúbio presos políticos. No sábado, no encerramento, grandes manobras para evitar que o documento final do encontro incluísse uma resolução obrigando o partido a organizar eventos e manifestações e outras ações em defesa dos réus. Ficou um texto anódino dizendo que o PT apoia iniciativas do tipo. E só. A questão é saber, agora, se toda a militância - e os próprios companheiros presos - aceitaram esses arranjos. O mensalão será de hoje em diante uma página virada na história petista ou o fantasma que aparece de vez em quando na legenda. Em tempo: a parte substancial da resolução do 5° Congresso, que se refere às linhas que o partido adotará em suas ações no próximo ano e que balizará a campanha de 2014 será analisada em uma próxima coluna.

Investigação e CPI para os trens

Com a transferência para o âmbito Federal, em Brasília, dos processos envolvendo suspeitas de propinas em compras de trens para o metrô de SP em gestões tucanas, a expectativa é que as investigações andem mais rapidamente e as responsabilidades sejam estabelecidas. Preventivamente, o provável candidato do PSBD à presidência, Aécio Neves, se apressou a dizer que se houver provas e culpados que sejam exemplarmente punidos, seja quem for. A tática do senador mineiro parece ser diferente da adotada pelo PT até agora em relação ao mensalão : não defender incondicionalmente os companheiros de plumagem como o petismo faz com Dirceu e os outros condenados pelo STF. É oportunidade também para a convocação de uma CPI para investigar o chamado cartel dos trens, que o deputado petista Paulo Teixeira anunciou que já estava com todas as assinaturas para ser criada e estranhamente caiu no esquecimento fazem mais de dos meses. Parou por quê?


Entre dois fogos - 1

É sabido que Dilma, com gosto ou sem gosto, terá de fazer uma reforma ministerial pra substituir até abril de 10 a 12 ministros que precisam sair para disputarem algum mandato em outubro. A data fatal é abril, seis meses antes das eleições no primeiro turno. Muito tempo atrás se dizia que a presidente pretendia trocar os ministros logo do início de 2014, para ter uma equipe ajustada para tocar seu último ano de mandato, essencial para ajudar na campanha eleitoral e não ficar com uma equipe com cara de tapa buraco. Agora, não se sabe quando as mudanças virão. Dilma está entre dois fogos. De um lado estão os ministros a serem substituídos e o PT, que querem ficar até o limite no cargo para aproveitarem a exposição pública que o ministério dá, a possibilidade de viagens, inaugurações, anúncio de projetos e outros tais. As pressões maiores são pela preservação dos ministros Alexandre Padilha, da Saúde, candidato petista em SP, e Fernando Pimentel, do Desenvolvimento. Candidato em MG. Sem mandato os dois cairiam na vala comum.

Entre dois fogos - 2

De outro, estão os partidos interessados nas vagas que vão se abrir, entre eles o PTB, o PROS dos irmãos Cid e Ciro Gomes, ministeriáveis, e especialmente o PMDB, que já não aguenta mais esperar a nomeação do senador Vital do Rego para o Ministério da Integração Nacional, um dos bons cartórios eleitorais com os quais o partido pretende contar para 2014. Para angústia geral, inclusive dos petistas, a presidente Dilma não tem dado muitas indicações sobre o que pretende fazer, sobre o como e o quando. Há sinais de que até o ex-presidente Lula estaria no escuro. Dilma sabe que os riscos eleitorais lhe tocam mais profundamente que a todos que lhe rodeiam. Tem mais: o Ministério tem de ser suficientemente submisso às vontades da rainha e sua personalidade "forte", para não usar outra palavra mais forte.

Soltou a língua

Sempre muito discreto, formal e parcimonioso em suas declarações políticas, o vice-presidente Michel Temer, presidente licenciado e voz real do PMDB, andou soltando o verbo na última semana, inclusive com uma pouco usual conversa com um grupo de jornalistas. Com alguma sutileza, andou passando claros recados da insatisfação peemedebista em relação ao andar de duas carruagens: a da reforma ministerial e a das relações com o PT no caso das alianças regionais.


Imagina na Copa - capítulo II

De uma pesquisa realizada pelos estudantes de jornalismo que participaram este ano do programa de treinamento do jornal o "Estado de S. Paulo", publicada no suplemento especial "Foca", sábado 14/12:

Pergunta: Os protestos vão voltar a acontecer durante a Copa?

Respostas: Sim, 91%; Não, 5%; Não sabem, 4%.

Foram entrevistados 420 jovens de 15 a 29 anos, em 60 pontos da capital paulista, de 30/11 a 2/12.

Férias

A coluna está de férias no período até o dia 14 de janeiro. Feliz Natal e um ótimo 2014 para todos.

(por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)

domingo, 15 de dezembro de 2013

PÃO, CIRCO E VIOLÊNCIA

A historinha é conhecida. Vespasiano, o imperador, em 22 de junho de 79 d. C., pouco antes de morrer, em carta ao filho Tito, aconselhava-o a concluir a construção do Colosseum (Coliseu), que daria a ele “muitas alegrias e infinita memória”. Pois, entre um banheiro, um banco de escola ou um estádio, o povo preferia sentar nas arquibancadas deste último.

O conselho se fundamentava na ideia de que seduzir a plebe com pão e circo era a melhor receita para diminuir a insatisfação popular contra os governantes. Tito acabou inaugurando o famoso monumento, no centro de Roma, com 100 dias de festa.

Descortinava-se, ali, a era do “panis et circensis”, que consistia em proporcionar, naquela arena, espetáculos sangrentos entre gladiadores e distribuição gratuita de pão.

Implicava alto custo aos cofres do Império, com elevação de impostos e economia destroçada, mas a prática populista emprestava enorme prestígio aos imperadores romanos. É sabido que os jogos, ao longo da história da Humanidade, funcionaram como verniz para ilustrar a imagem de governantes.

Hoje, a estratégia para cooptar a simpatia das populações por meio das artes/artimanhas e do entretenimento continua recebendo atenção de administradores públicos de todos os quadrantes.

Não por acaso, nossas arenas esportivas, que se preparam para abrigar os jogos da Copa de 2014, deverão colorir o portfólio de feitos do governo. O que tem mudado na paisagem dos espaços lúdicos não é a ambição dos condutores dos Estados de alçar os píncaros da fama, mas o comportamento das plateias.

Espectadores que, outrora, fruíam a catarse dos embates esportivos, exaltando ou deplorando a performance de contendores, tornam-se eles próprios competidores, lutadores, gladiadores, disparando uns contra outros não apenas a arma das imprecações, mas armas de fogo e partindo para a violência física.

A alteração comportamental das pessoas que vão aos estádios é preocupante, principalmente em nosso território, que elege o futebol como esporte nacional, e se depara, a cada campeonato, com os novos sujeitos, as chamadas torcidas organizadas.

O fenômeno toma vulto ante o risco de o Brasil vir a ser, por excelência, o palco da violência futebolística, pela constatação de que o aparato da segurança pública tem sido ineficaz para debelar a desordem e a pancadaria nas arquibancadas, a par de medidas paliativas, como cerceamento de torcedores a estádios, majoração de ingressos, jogos com portões fechados, perda de mando de campo e multas aos clubes.

Pouco adiantará administrar as tensões e conflitos sob o escudo policial-repressivo. Como se diz no vulgo, o buraco é mais profundo e está em baixo. A mobilização de pessoas para formação de grupos e a organização de torcidas obedecem a nova ordem que impregna a dinâmica social no mundo contemporâneo.

A competição assume posicionamento singular em todos os setores, espaços, núcleos, categorias profissionais e classes sociais. As massas fragmentam-se em núcleos, cada qual envergando bandeiras, discursos, uniformes, armas e instrumentos. Os avanços civilizatórios nos campos da macroeconomia, da política e da cultura abrem comportamentos diferentes, multiplicando as pequenas organizações sociais e gerando novos pólos de poder.

Os espaços urbanos ganham novos contornos, a esfera do trabalho traz novos desafios e a busca de uma identidade passa a ser central para os indivíduos, principalmente os jovens, motivados a expressar valores como masculinidade, coragem, companheirismo, coesão, solidariedade, sentimento de pertinência a um grupo.

Fazer parte de torcidas, como a Mancha Verde, os Gaviões da Fiel, a Independente, passou a ser referência para habitantes de cidades congestionadas, carentes de serviços e de lazer.

Ao escopo semântico – onde se agrupam as agruras sociais – adiciona-se uma estética de diferenciação, caracterizada pelas cores – o verde, o vermelho e preto, o preto e branco, o azul, o amarelo canarinho – os símbolos (gavião, porco, urubu, galo, raposa, coelho, timbu, baleia, leão), a vestimenta com os dizeres da moda, o estilo de andar, de pensar, de perambular em bandos, e, fechando o circuito, a espetacularização midiática, por meio da qual os torcedores poderão ver nas telas de TV seus gestos, feições alegres ou crispadas de ódio e ouvir gritos de guerra.

Condenar as turbas com designativos de vândalos, bandidos, selvagens, adensar forças policiais em estádios, continuar a usar meios tradicionais, como punição a clubes, não conseguirão eliminar a violência das torcidas organizadas. Mais cedo ou mais tarde, os atos voltarão.

O disciplinamento e a ordem hão de levar em conta a elevação de padrões comportamentais, ancorada no esforço de educação (reeducação) de torcedores fanáticos.

Não se trata de implantar meras ações de marketing cultural – eventos festivos e associativos para alinhamento dos torcedores ao espírito do clube – mas de um amplo programa com o objetivo de compor um ideário voltado para engrandecer o espírito da democracia, com respeito aos princípios da ordem e disciplina, que não devem ser incompatíveis com o entusiasmo das torcidas.

É evidente que ante a moldura de extrema competitividade e crescente agressividade entre grupamentos sociais, um esforço nessa direção não será tarefa fácil. O que aqui se propõe é uma ação cívica dos clubes de futebol na tentativa de ajudar o Estado brasileiro a melhorar a argamassa do edifício da cidadania.

É inimaginável que torcidas se vejam como inimigas tomadas de ódio e virulência; e que o sarro tirado por um bandeirinha na direção de um grupo nas arquibancadas, o apito errado de um juiz, um ato menos educado de um policial ou um xingamento de um torcedor sejam motivo para a pancadaria. Nem Vespasiano nem Tito imaginariam que, um dia, o dístico “panis et circensis” seria acrescido de “violentia”. Fosse assim, o velho Coliseu não estaria em pé.


(Gaudêncio Torquato)