sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

MORREU FERNANDO LYRA, O MINISTRO DA JUSTIÇA QUE ACABOU COM A CENSURA NO BRASIL



Adeus a Fernando Lyra, por Ricardo Noblat

Por três motivos o pernambucano Fernando Lyra garantiu seu lugar na história recente da política brasileira: a atuação como deputado federal durante a ditadura militar de 1964; o papel que desempenhou na eleição do presidente Tancredo Neves; e a autoria da frase mais corrosiva sobre o atual senador José Sarney. Comecemos pelo fim.

Então ministro da Justiça, enquanto o país ainda esperava que Tancredo recuperasse a saúde para assumir a presidência da República, Fernando foi designado por José Sarney, o vice no exercício da presidência, para anunciar o fim da censura. O Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, estava lotado para ouvir o anúncio.

Fernando sabia que a esmagadora maioria das pessoas ali reunidas tinha horror a Sarney, que apoiara a ditadura militar até quase o fim dela. Em tempo pulou para o barco de Tancredo. Como elogiar Sarney sem despertar a ira daquela multidão? Fernando encontrou a saída em meio ao discurso de improviso:

- O presidente José Sarney é a vanguarda do atraso.

Menos de um ano depois Sarney o demitiu.

A ditadura de 64 criou dois partidos: ARENA, da situação, e MDB, da oposição. A própria ditadura teve que convencer alguns políticos a se filiarem ao MDB. Corria-se o risco de não se obter o número mínimo de assinaturas para que o partido existisse.
Fernando entrou no MDB espontaneamente. Elegeu-se deputado estadual. E depois federal várias vezes. Fez parte do reduzido grupo de parlamentares que de fato se opôs à ditadura. Mais do que isso: desafiou-a denunciando a tortura e o desaparecimento de presos.

Diversas vezes, amigos de Fernando deram como certo sua cassação com a perda do mandato e dos direitos políticos. Fernando escapou da degola. E foi o primeiro deputado de esquerda a apoiar a candidatura presidencial de Tancredo.

O apoio foi dado antes da candidatura existir. Antes mesmo do próprio Tancredo cogitar dela. No dia da posse de Tancredo como governador de Minas Gerais em 1983, Fernando voou a Belo Horizonte sem ser convidado e sem avisar a nenhum dos seus colegas do MDB.

Até então, ele era da turma do deputado Ulysses Guimarães (SP), presidente do partido. E mantinha distância de Tancredo, tido como um moderado pouco confiável. Tancredo levou um susto quando o viu na solenidade de posse. Convidou-o para almoçar. E escutou dele:

- Estou aqui, Dr. Tancredo, para dizer que o senhor tem de ser candidato a presidente da República pelo MDB. Somente o senhor poderá vencer, pondo fim à ditadura.

- Mas Fernando, tudo o que sempre quis foi ser governador de Minas. E quando me elejo você vem falar em candidatura a presidente? - devolveu Tancredo.

A partir daquele dia, Fernando se ocupou em articular a candidatura de Tancredo, embora a princípio sem o aval dele.

- Tancredo me disse um dia: 'Fernando, você não pode pensar em eleição pela oposição sem o apoio da esquerda'. E eu perguntei quem ele considerava esquerda no Brasil. 'Francisco Pinto e Miguel Arraes. Tendo o apoio dos dois, eu tenho o apoio da esquerda'".

Chico Pinto era deputado federal pelo MDB da Bahia. Arraes, ex-governador de Pernambuco. Fernando convenceu os dois a apoiarem Tancredo. E ainda arrastou para o lado dele o resto da esquerda do MDB. Cabalou no PT o apoio de três deputados, depois expulsos do partido.

Sem o apoio da esquerda, Tancredo jamais teria renunciado ao governo de Minas para se aventurar a ser candidato a presidente.
Fernando foi obrigado pelos médicos a renunciar à política eletiva no final de 1998. Era cardiopata. Havia tido um infarto ainda jovem. Depois disso, em ocasiões distintas, ganhara um total de sete pontes safenas e uma mamária. Derrotou dois tumores malignos - um no intestino grosso, outro no pulmão.

- Eu não me entregarei fácil - disse-me um dia, há mais de 10 anos, depois de passar por mais uma revisão médica.
Prometeu e cumpriu.

Lutou mais uma vez contra a morte desde o dia cinco de janeiro passado, internado no Instituto do Coração, na capital paulista.

Nos últimos 20 dias foi posto em coma induzido. Dependia de aparelhos para seguir vivendo.

O aparelho de hemodiálise foi desligado na terça-feira. Segundo médicos que o atendiam, sobreviveria, no máximo, mais 48 horas. Sobreviveu quase 40. Seu amor pela vida só tinha um sério concorrente: seu amor pelo telefone.

- Quais são as novidades? - costumava perguntar.

Infelizmente, as novidades não são nada boas, Fernando. Perdi um grande amigo.



*************************************************************************

AS MEMÓRIAS DO ESTADISTA

Raríssimos políticos, para não dizer nenhum, estiveram tão presentes nos grupos que compuseram as forças democráticas daquele momento, entre 1982 e 85. Alguns estavam mais próximos de Tancredo, outros de Arraes, de Brizola, outros de Ulysses. Fernando Lyra transitou em todos, embora de maneira privilegiada ao lado de Tancredo Neves.

Nenhum outro político esteve tão próximo do chamado grupo autêntico, nem teve a sensibilidade, a percepção, a coragem de ajustar a estratégia da eleição direta para a alternativa do Colégio Eleitoral, como caminho para acabar com a ditadura. Fernando Lyra entrou na história do Brasil como o primeiro líder do bloco autêntico que teve a percepção de reorientar a tática de luta sem mudar o objetivo central de redemocratizar o País. O que hoje, depois de ocorrido, nos parece uma evolução natural do processo, naquele momento parecia impossível e errado para muitos. Mas Fernando acreditou, ousou, construiu - e acertou.

Um belo exemplo para os dias de hoje, Fernando agiu movido por uma causa moral - a democracia –, com coragem de enfrentar preconceitos e capacidade política de fazer história, de reorientar os destinos do País, de fazer a revolução. A revolução da liberdade de expressão, da convocação de uma Constituinte livre e soberana, da livre organização partidária e do bom funcionamento da democracia. Além disso, teve competência para montar a articulação que permitiu reunir a maioria dos votos no Colégio Eleitoral.

Ele reuniu a percepção, a ousadia e a competência que caracterizam um estadista.

Só essa história já faz do livro “Daquilo que eu sei: Tancredo e a transição democrática” um documento fundamental para o entendimento da evolução política do Brasil. Mas ele não se resume a isso. Descreve detalhes até aqui desconhecidos, apresenta sutilmente perfis biográficos de grandes personagens daquele momento, mostra o drama dos dias seguintes à doença de Tancredo Neves e o encaminhamento no governo Sarney.

Como se não bastasse, é um livro muito agradável de ler – o que é fundamental –, e tem a formidável qualidade de ser um excelente presente a ser dado a amigos, principalmente aos jovens.
Por isso, “Daquilo que eu sei: Tancredo e a transição democrática” é um livro que será indispensável, ao longo dos anos e décadas futuras, para quem quiser entender o que aconteceu nos meses anteriores e posteriores a janeiro de 1985 no Brasil, quando nosso País fez sua formidável inflexão de uma ditadura para a democracia.

Deveria ser obrigação de todo político escrever suas memórias. Sobretudo daqueles poucos que, por destino, caráter e competência, participaram dos grandes momentos da história de seu país. Mesmo não tendo sido obrigação, Fernando Lyra fez esse gesto. Por isso, todos nós, brasileiros, temos dois débitos históricos com ele: pelo que ele fez para mudar o Brasil, retomando a democracia interrompida, e por ter compartilhado conosco tudo o que sabe sobre Tancredo e a transição democrática no Brasil.


Do que sabia Fernando Lyra

Lyra esteve mais assíduo no processo a partir da posse de Tancredo no governo de Minas, em março de 1983.

Com raro senso da realidade política, o pernambucano disse a Tancredo, logo depois da cerimônia, que ali estava para lançar a candidatura do mineiro à Presidência da República. O que ele não conta, e que eu posso contar, é que Tancredo se surpreendeu com a visita do jovem parlamentar, conhecido por ser dos mais aguerridos "autênticos".

Como era de seu comportamento, Tancredo disse-lhe o que continuaria a dizer a todos, até que as circunstâncias o confirmassem - pretendia governar Minas até o fim do mandato. Com sua experiência política de cinco décadas (desde 1933), o governador percebeu que podia confiar em Lyra. E confiou. Nos intensos meses que se seguiram, o rapaz de Caruaru, que pouco passara dos 40 anos, foi dos mais hábeis e operosos articuladores da campanha. Quando Tancredo, ao desenhar o Ministério, nomeou-o para a pasta da Justiça, muitos se surpreenderam. Na verdade, o já então presidente repetira, com o pernambucano, o que o gaúcho Getúlio fizera com o mineiro Tancredo Neves, nomeando-o para a mesma pasta nos tumultuados meses que antecederam o 24 de agosto. Tancredo não podia escolher um medalhão, que viesse a ocupar o cargo com soberba, mas jovem deputado capaz de ouvi-lo e disposto a agir. A pasta da Justiça, ao contrário do que muitos pensam, não se destina aos mestres do direito mas aos excelentes articuladores políticos. Quase sempre foi assim. O ideal estava em encontrar juristas com grande experiência política, como havia sido Francisco Campos no Estado Novo. Os governos militares não necessitavam de articuladores políticos. Ibrahim foi uma exceção coerente com a missão de Figueiredo. Preferiam juristas alinhados com o pensamento conservador, quando não reacionário, como Gama e Silva e Alfredo Buzaid. Acossado pela reação, Getúlio confiou no jovem Tancredo, que, conhecedor do direito, se destacara como parlamentar, tanto em Minas quanto no Rio. Tancredo deve ter pensado nisso, ao escolher Lyra. Ele sabia que, não obstante o imenso prestígio popular que o ungira, uma coisa é a campanha e outra, o governo. Ele teria que acomodar forças heterogêneas e mesmo antagônicas, que se haviam reunido para apóia-lo, e necessitava de alguém capaz de dialogar em todas as províncias doutrinárias e ideológicas.

Recordo-me da visita que fizemos, os dois, ao professor Affonso Arinos, antigo e combativo adversário de Getúlio e do próprio Tancredo, com quem debatera na Câmara dos Deputados, antes que o pessedista fosse para o Ministério. Fôramos ao apartamento, que ele ocupava eventualmente em Brasília, convidá-lo, em nome de Tancredo, a presidir a Comissão de Estudos Constitucionais - que seria subordinada ao Ministério da Justiça - encarregada de elaborar anteprojeto de Constituição. Ao aceitar a relevante missão, Affonso, com a elegância que o distinguia, cumprimentou Lyra, dizendo-lhe que, não obstante a sua esfuziante juventude, via nele, com o respeito necessário, o ministro da Justiça de nosso Brasil.

Ao visitar o então ministro Ibrahim Abi-Ackel, para tratar da transferência do cargo, Lyra percebeu que o seu predecessor o avaliava como modesto bacharel formado em Caruaru. O novo ministro então apresentou o seu secretário-executivo, o respeitado advogado e jurista José Paulo Cavalcanti Filho, e o engenheiro e economista Cristovam Buarque, seu chefe-de-gabinete, com a frase competente e bem humorada: "Ministro, eu me formei em Caruaru, mas esses dois estiveram em Harvard". Em nenhum outro Ministério ficou tão claro que o Brasil mudava, naquele dia de março. A primeira providência de José Paulo Cavalcanti foi mandar retirar as placas que proibiam o acesso das pessoas às salas e gabinetes, e dispensar das portas e corredores os guardas armados.

Os que não viveram os anos de arbítrio não sabem o que foram aqueles tempos, nem como foi árdua a luta política para arquivá-los na história. O livro de Lyra conta parte do que ele sabe. Nem tudo, é claro.

Cristovam Buarque

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

GRANDE CHICO - A SABEDORIA INCONTESTÁVEL


Quando você conseguir superar
graves problemas de relacionamentos,
não se detenha na lembrança dos momentos difíceis,
mas na alegria de haver atravessado
mais essa prova em sua vida.

Quando sair de um longo tratamento de saúde,
não pense no sofrimento
que foi necessário enfrentar,
mas na bênção de Deus
que permitiu a cura.

Leve na sua memória, para o resto da vida,
as coisas boas que surgiram nas dificuldades.
Elas serão uma prova de sua capacidade,
e lhe darão confiança
diante de qualquer obstáculo.

Uns queriam um emprego melhor;
outros, só um emprego.
Uns queriam uma refeição mais farta;
outros, só uma refeição.
Uns queriam uma vida mais amena;
outros, apenas viver.
Uns queriam pais mais esclarecidos;
outros, ter pais.

Uns queriam ter olhos claros;
outros, enxergar.
Uns queriam ter voz bonita;
outros, falar.
Uns queriam silêncio;
outros, ouvir.
Uns queriam sapato novo;
outros, ter pés.

Uns queriam um carro;
outros, andar.
Uns queriam o supérfluo;
outros, apenas o necessário.

Há dois tipos de sabedoria:
a inferior e a superior.

A sabedoria inferior é dada pelo quanto uma pessoa sabe
e a superior é dada pelo quanto ela tem consciência de que não sabe.
Tenha a sabedoria superior.
Seja um eterno aprendiz na escola da vida.

A sabedoria superior tolera;
a inferior, julga;
a superior, alivia;
a inferior, culpa;
a superior, perdoa; a inferior, condena.
Tem coisas que o coração só fala
para quem sabe escutar!


Chico Xavier

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

DISCURSO DO SENADOR PEDRO TAQUES NA ELEIÇÃO PARA A PRESIDÊNCIA DO SENADO


Sr. Presidente, senhoras senadoras, senhores senadores.

Cidadãos que nos acompanham pela TV e Rádio Senado.

Amigos das redes sociais,

É como um perdedor que ocupo hoje esta tribuna. Venho como alguém a quem a derrota corteja: certeira, transparente, inevitável, aritmética. Sou o titular da perda anunciada, do que não acontecerá.

Mas o bom povo de Mato Grosso não me deu voz nesta Casa para só disputar os certames que posso ganhar, mas para lutar, com todas as minhas forças, as batalhas que forem justas. Sigo o exemplo do apóstolo Paulo, também um perdedor, degolado em Roma por levar a mensagem do Cristo: quero poder dizer a todas as pessoas que combati o bom combate.

As palavras dos vitoriosos são lembradas. Seus feitos, realçados. Sua versão, tende a se perenizar. O sorriso do orgulho lhes estampa a face, tantas vezes, antes mesmo de vencerem. E nem sempre se pergunta que vitória foi esta que obtiveram. Será a vitória do Rei Pirro, que bateu os romanos na Batalha de Heracleia (280 A.C.) e olhando desconsolado para suas tropas destroçadas, disse que "outra vitória como aquela o arruinaria"? Será a vitória do Marechal Pétain, que ocupou o poder numa França emasculada pelos nazistas, traindo o melhor de sua gente? Será a vitória sem honra dos alemães diante do levante de Varsóvia?

Pois existem vitorias que elevam o gênero humano e outras que o rebaixam. Vitórias da esperança e vitórias do desalento. E, tantas vezes, é entre os derrotados, os que perderam, os que não conseguiram, que o espírito humano mais se mostra elevado, que a política renasce, que a sociedade progride.

Minha voz não é a da vitoriosa derrama de El-Rey de Portugal, mas a dos derrotados inconfidentes que fizeram germinar o sonho da nossa independência. O grande herói brasileiro, senador Aécio, – Tiradentes - é um perdedor, pois a Conjuração Mineira não venceu, naquele momento, mas nem as partes de seu corpo pregadas na via pública, ao longo do caminho de Vila Rica, o impediram de ser um brasileiro imortal.

Valho-me da memória de outro grande brasileiro, Ulisses Guimarães, anticandidato, lançado em 1973 pelo então MDB, MDB Jarbas Vasconcelos, MDB Pedro Simon, MDB Requião, tendo como vice-anticadidato Barbosa Lima Sobrinho. "Vou percorrer o país como anticandidato", disse Ulysses, para denunciar a "anti-eleição", do regime militar.

Ulysses Guimarães, este grande perdedor, este grande brasileiro.

Pois aqui estou, emulando o espírito daqueles grandes homens:

Eu me anticandidato à Presidência deste Senado da República.

Apresento-me para combater o bom combate. Quero ser Presidente da Casa da Federação. Quero que a sociedade brasileira observe que as coisas podem ser diferentes, que o passado não precisa necessariamente voltar, que há modos novos e melhores de fazer política, que esta Casa não é um apêndice, um "puxadinho" do Poder Executivo, mas que estamos aqui também pelo voto direto que nos deram o bom povo de nossos Estados.

Chega do Senado-perdigueiro! Chega do Senado-sabujo! Somos senadores, não leva-e-trazes do Poder Executivo!

Não podemos respeitar os demais poderes, o Executivo ou o Judiciário, se não nos respeitamos a nós próprios. Não ajudamos a boa governança constitucional, se nos olvidamos de nossos deveres, de nosso papel e nossas prerrogativas. Nossa omissão alimenta o agigantamento dos outros poderes, o que a Constituição repele.

É como derrotado que posso dizer francamente que a sociedade brasileira clama por mudança, por dignidade, por esperança, por novos costumes políticos, por uma nova compreensão de nosso papel como senadores.

Anticandidato-me à Presidência do Senado, para combater o mau vezo do Poder Executivo de despejar suas medidas provisórias, ainda que fora de situações de urgência e relevância, em continuado desprestígio de nossas prerrogativas legislativas.

Lanço-me para que façamos valer a Constituição e seu artigo 48, II, segundo o qual devemos velar pelas prerrogativas de nossa Casa Legislativa. Almejo aplicar severa e serenamente, o artigo 48, XI, do Regimento Interno do Senado, segundo o qual o Presidente tem o dever de impugnar proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis e ao próprio Regimento".

Eu, anunciado perdedor, comprometo-me perante meus pares e perante todo o país a impugnar estes exageros do Poder Executivo. Será que o anunciado vencedor pode fazer idêntica promessa?

Vou aplicar o mesmo rigor aos "contrabandos legislativos", impedindo que o oportunismo de alguns acrescente às já abusivas Medidas Provisórias as emendas de interesses duvidosos que nada têm a ver com o objeto original da medida que se supõe urgente e relevante.

Prometo desconcentrar o meu poder como Presidente, distribuindo a relatoria dos projetos por sorteio. Como agirá o vencedor? Distribuirá apenas entre os seus?

Vou criar uma agenda pública e transparente, a ser informada a toda a sociedade brasileira, para a apreciação dos vetos presidenciais, estas centenas de esqueletos que deixamos por aqui. Vou designar as comissões e convocar as sessões do Congresso Nacional que se façam necessárias. Como farão os vencedores?

Vou além: toda a agenda legislativa tem de ser democratizada. Comprometo-me a construir mecanismo pelo qual os cidadãos possam formular diretamente requerimentos de urgência para votação de matérias, nas mesmas condições que a Constituição exige para a iniciativa popular de projetos de lei.

Farei ainda com que o Senado invista no desenvolvimento de mecanismos seguros de petição digital, para facilitar a mobilização dos cidadãos em torno das iniciativas populares já previstas na nossa Carta Magna.

Mobilizarei também toda a Casa para promover a atualização dos textos dos Regimentos Internos do Senado e do Congresso Nacional, documentos originários de resoluções dos anos 70, aprovadas durante o período escuro de nosso país e anteriores até mesmo à nossa Constituição democrática.

Aos servidores do Senado faço o compromisso de dar o que eles, profissionais dedicados, mais querem: organização, estruturação administrativa eficiente, seriedade, probidade. É também o que espera a sociedade brasileira. Não serão tolerados abusos de qualquer ordem. Funcionários públicos, representantes do povo, estamos aqui para servir a Sociedade e o Estado e não para nos servimos deles!

Como farão os vencedores? O que farão aqueles que já venceram antes e nada fizeram? Como esteve o Senado, quando ocupado pelos presumidos vencedores de hoje?

Posso ser um perdedor, mas para mim, a lisura, a transparência, o comportamento austero são predicados inegociáveis de um Presidente do Senado. Será que os vencedores também poderão dizê-lo?

Os que hão de vencer dialogarão com a classe média, com os trabalhadores, as organizações da sociedade civil, com a Câmara dos Deputados, com estudantes e donas-de-casa? Os vencedores darão continuidade a reformas como a do Código Penal, a Administrativa e o Pacto Federativo, ou preferirão deixar as coisas como estão?

A ética estará com os vencedores ou com os perdedores, Senhores Senadores?
Quais de nós serão mais bem acolhidos, não nesta Casa, mas pela sociedade brasileira. Os vencedores ou os perdedores?
Queremos o melhor para nós ou o melhor para a nação?

Existem voltas ainda hoje esperadas, como a de Dom Sebastião, que se perdeu nas batalhas africanas. A volta do Messias, esperado por judeus e cristãos. Os desaparecidos na época do regime militar, senador Aluísio, que hão de aparecer, ainda que para a dignidade de serem enterrados pela família.

Mas existem voltas que criam receios, de continuísmo, de letargia, de erros ressurgentes.

Sou o anticandidato, o que perderá. Não sou especial. Não tenho qualidades que cada cidadão brasileiro, trabalhador e honesto, não tenha também. A ética que proclamo é aquela que quase todos os brasileiros se orgulham de cultivar. Eu não temo o próprio passado e, portanto, não tenho medo do futuro. Falo pelos derrotados deste país, todos os que ainda não conseguiram seus direitos básicos: as mulheres, senadora Lídice da Mata; os índios, senador Wellington Dias; as crianças, senadora Ana Rita; os negros, senador Paulo Paim; os assalariados, senador Jaime Campos; os sem casa, senador Rodrigo Rolemberg; os sem escola, amigo Cristovam Buarque.

Falo pelos sem voto, aqueles que, embora titulares da soberania popular – o cidadão – se vêem alijados da disputa pela Presidência desta Casa, porque o terreno da disputa se circunscreveu aos partidos da maioria.

Essa não é mais a candidatura do Pedro Taques, e sim do PDT, do PSOL, do PSB, do DEM, do PSDB e de corajosos senadores de outras legendas, que não se submetem. Por que, como diz o poeta cuiabano Manoel de Barros, "quem anda no trilho é trem de ferro, liberdade caça jeito".

Essa candidatura é daqueles que nunca tiveram voz nesta Casa, é dos mais de 300 mil brasileiros que assinaram a petição online "Ficha Limpa no Senado: Renan não", promovida pelo portal internacional Avaaz.

Sei que nossa derrota é certeira, transparente, inevitável, aritmética. Mas faço minha a fala do inesquecível Senador Darcy Ribeiro:

"Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei,
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu".


Nas andanças do tempo, vencedores podem ser efêmeros; os derrotados de um dia, vencem noutro. Maiorias se tornam minorias. Mas a dignidade, Senhores Senadores, jamais esmorece. Nós, os que vamos perder, saudamos a todos, com a dignidade intacta e o coração efusivo de esperança.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

JUSTIÇA, SUOR E CERVEJA: O CARNAVAL TAMBÉM DESFILA NOS TRIBUNAIS

Se onde há sociedade, há direito, no Carnaval não poderia ser diferente. Mesmo na festa historicamente marcada por situações de liberalidades e excessos relativos a convenções e hábitos sociais, relações jurídicas são formadas. E quando os envolvidos não se entendem sobre elas, cabe ao Judiciário resolver as disputas. Veja o que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu sobre os “festejos de Momo”.

Barrado no baile

Em 1998, um prefeito do interior de São Paulo dirigiu-se ao baile de Carnaval em um clube local. Acompanhado de diversas pessoas, foi informado pelo porteiro que só seus familiares teriam direito a ingressar. Iniciou-se um bate-boca e, mesmo depois de autorizado por um diretor, o então prefeito deixou o local.

No dia seguinte, determinou a cassação do alvará de funcionamento do clube. Respaldado por um mandado de segurança, o estabelecimento ainda promoveu a festa. Então, o prefeito ordenou que servidores municipais escavassem valetas nas vias de acesso ao local.

O prefeito foi condenado por improbidade administrativa, tendo de pagar multa de 50 vezes sua remuneração. Em 2007, porém, o STJ avaliou que o valor era excessivo. Conforme os autos, o prejuízo ao erário seria de apenas R$ 3 mil, mas a multa somaria quase R$ 700 mil. A Segunda Turma do STJ reduziu a penalidade para dez vezes o valor da remuneração do prefeito (REsp 897.499).

Lança-perfume

O cloreto de etila, substância componente do chamado “lança-perfume”, é droga? A questão já foi polêmica. Em 1998, a Sexta Turma do STJ considerou que um homem condenado por tráfico de entorpecentes deveria responder somente por contrabando. Ele apenas teria trazido ao Brasil uma substância comercializada regularmente na Argentina (HC 8.300). Para o ministro Vicente Cernicchiaro, hoje aposentado, a substância não causaria dependência física ou psíquica.

No mesmo ano, a Quinta Turma afirmou, por maioria, posição contrária. Uma portaria do Ministério da Saúde teria excluído o produto da lista de entorpecentes, mas a maioria dos ministros da Turma entendeu que a terminologia diversa adotada pela Portaria 344/98 – que classificava as substâncias em entorpecentes e psicotrópicas – não afastava a caracterização do lança-perfume como droga ilícita. Segundo disse na ocasião o ministro Felix Fischer, entender desse modo exigiria que o mesmo raciocínio fosse aplicado à cocaína, heroína e maconha (HC 7.511).

A Terceira Seção, que reúne as duas Turmas, alinhou o entendimento no ano 2000: a comercialização de lança-perfume configura tráfico de drogas. A decisão foi por maioria (HC 9.918).

Nove dias

Uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reabriu a discussão. Revogada nove dias depois de editada, a RDC 104/2000 retirou o cloreto de etila da lista de produtos proibidos no Brasil. A resolução editada pelo presidente da agência foi alterada pela diretoria colegiada do órgão.

Para a Quinta Turma, o ato isolado do presidente da Anvisa foi manifestamente inválido. Na época, a Turma determinou a remessa de cópia da decisão ao Ministério da Saúde e à Procuradoria-Geral da República, para avaliação do desvio de conduta do presidente da Anvisa (REsp 299.659).

A Sexta Turma aplicou o mesmo entendimento à situação. Segundo a defesa de condenado por tráfico de lança-perfume, a resolução da Anvisa teria descriminalizado a substância, tendo efeito retroativo a todos os atos de tráfico anteriores a 6 de dezembro. O ministro Hamilton Carvalhido apontou que a diretoria da Anvisa não referendou o ato de seu presidente, não tendo efeitos a resolução publicada (HC 35.664).

Nesse mesmo habeas corpus, a defesa alegava erro de proibição causado pela mudança normativa. O ministro esclareceu, porém, que o cloreto de etila é proibido desde 1986 e é de amplo conhecimento sua ilicitude. Tanto que, no caso concreto, os envolvidos escondiam as caixas do produto em um canavial.

Racismo

O Ministério da Saúde também se envolveu em polêmica por conta de uma propaganda de conscientização no período carnavalesco. No anúncio, uma atriz simulava depoimento de sexo sem camisinha que teria levado à contaminação por Aids. Para a Associação Brasileira de Negros Progressistas (ABNP), o ministro – à época, José Serra – teria responsabilidade pelo conteúdo supostamente racista.

Segundo a ABNP, a peça associava a jovem negra à prostituição. Mas o ministério sustentou que ela representava apenas uma jovem – público-alvo da campanha –, sem qualquer insinuação de prostituição. A ação não foi conhecida por razões técnicas (MS 6.828).

Ecad no salão...

Na vigência da lei de direitos autorais anterior, de 1973, o STJ entendeu que mesmo que o objetivo de lucro seja indireto, são devidos direitos autorais. Por isso, bailes de carnaval promovidos por clubes e entidades recreativas, ainda que restritos a sócios, deveriam recolher os direitos ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).

Para a Terceira Turma, esses eventos não são beneficentes ou gratuitos, objetivando tanto o lucro direto – com a venda de ingressos, bebidas e comidas – quanto o indireto – promoção e valorização da própria entidade.

No Recurso Especial 703.368, o STJ também entendeu ser devida a cobrança em paralelo para o evento específico e para a sonorização habitual do clube. Não haveria, portanto, duplicidade de cobrança, já que os fatos geradores seriam completamente diversos.

...Ecad na rua

Se até 1998 era exigido o intuito, ainda que indireto, de lucro para fazer incidir a cobrança de direitos autorais pelo Ecad, a partir da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) nem mesmo esse objetivo é exigido. É o que tem decidido o STJ.

Foi assim que o tribunal decidiu, por exemplo, em ação movida pelo Ecad contra um município fluminense. A entidade cobrava os direitos autorais devidos pela prefeitura pela realização de carnaval de rua e exposição agropecuária, ambos com entrada grátis. O STJ deu razão ao órgão representante dos artistas (REsp 736.342).

Sapucaí

O STJ já teve que decidir sobre sucessão eleitoral de escolas de samba (MC 6.739) e até mesmo sobre qual escola teria direito a desfilar no grupo especial.

Em 1999, a Unidos da Ponte insistiu, em diversos momentos, para desfilar no grupo especial do carnaval carioca. Ela questionava, no tribunal local, seu rebaixamento em 1996, buscando reparações por não ter desfilado em 1997 e 1998 e tentando retornar ao grupo especial em 1999.

Após uma série de medidas cautelares, mandados de segurança e desistências, a escola havia conseguido liminar que determinou sua inclusão no grupo especial. A entidade organizadora do carnaval carioca, porém, conseguiu demonstrar que a Unidos da Ponte já teria feito acordo para desfilar no grupo A, em outra data, e até recebido por isso do município do Rio de Janeiro.

Segundo a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), a liminar do STJ levaria a Unidos da Ponte a desfilar duas vezes no mesmo carnaval. Na decisão que afinal prevaleceu, na MC 1.548, o STJ afirmou que a escola atuava processualmente de forma temerária e com má-fé, buscando, a qualquer custo, obter da presidência do Tribunal medida que fora rejeitada pela Turma incumbida de julgar o recurso especial relacionado à questão.

A Unidos da Ponte acabou condenada em R$ 20 mil a título de honorários na medida cautelar, devidos à Liesa. Naquele ano, ela receberia da prefeitura R$ 50 mil pelo desfile.

Excesso de recursos

Outra escola multada pelo STJ foi a Unidos da Tijuca. Ela recorreu por seis vezes da mesma decisão, que a condenou a indenizar uma atriz que caiu de carro alegórico. Para os ministros, a escola tentava claramente adiar o pagamento da indenização, fixada em R$ 250 mil. Por isso, foi multada em 1% do valor da causa, corrigido desde a distribuição do processo.

Cinzas

Matéria também discutida pelo tribunal diz respeito à contagem de prazo processual na Quarta-feira de Cinzas. No Agravo de Instrumento 547.393, o STJ estabeleceu que a prorrogação de prazo por redução do expediente só ocorre quando o final do expediente é antecipado.

Se o atendimento é reduzido apenas pelo início tardio, mas se encerra no horário habitual, o prazo processual final não é estendido. No caso analisado, o prazo encerrava-se na terça-feira de Carnaval, tendo sido prorrogado para a quarta, quando o expediente teve início adiado.

Irresponsabilidades

Os excessos típicos do período, por vezes, acabam mal. E as empresas promotoras e clubes podem responder pelos incidentes. Foi o caso de uma organizadora de micareta na Paraíba. Ela vendia abadás para o desfile no bloco carnavalesco em que uma pessoa morreu vítima de tiro.

Para o STJ, a morte do jovem decorria diretamente da má prestação de serviços pela promotora do carnaval. Isso porque, no interior das cordas, haveria expectativa de conforto e segurança, o que levava os clientes a pagar valores significativos e evitar a chamada “pipoca”, em área pública. A empresa alegou culpa exclusiva do terceiro, que disparou a arma no interior do bloco, mas seu pedido não foi atendido (REsp 878.265).

Um clube paulista também foi considerado negligente por ter permitido que um dos participantes da festa pré-carnavalesca conhecida como Baile do Havaí se acidentasse na piscina. Ele mergulhou na parte rasa da piscina, com 30 centímetros de profundidade, e ficou paraplégico.

Para o tribunal paulista, o clube não garantiu segurança suficiente para evitar a invasão do local, nem havia informação relativa a eventual proibição de uso da piscina. Para o STJ, essa conclusão, embasada em provas, não poderia ser revista em recurso especial (Ag 434.152).

Bebida e direção

O STJ já afirmou também que o proprietário do veículo responde por acidente mesmo que a vítima estivesse bebendo com ele antes. No caso, três amigos viajavam de Brasília a Cabo Frio (RJ), para o Carnaval. Resolveram parar em Barbacena (MG) para passar a noite em um baile.

Ao amanhecer, embora cansados e alcoolizados, os três concordaram em seguir viagem sem interrupção. Durante o trajeto, o proprietário entregou a direção a um dos colegas. O novo motorista tentou ultrapassar um caminhão em uma subida, com faixa contínua, e capotou ao tocar no outro veículo. O terceiro ocupante do carro ficou paraplégico.

Para o STJ, a concordância da vítima em seguir viagem não isenta motorista e proprietário de responsabilidade, apenas reduz o seu grau de culpa. Foi decidido que o proprietário responderia por 60% dos danos sofridos pelo carona.

Ciúme mortal

Briga por ciúme no Carnaval levou à morte de um folião, agredido com chutes e joelhadas no abdôme. Alcoolizado, ele caiu no meio-fio, bateu a cabeça e morreu. Porém, o laudo pericial também identificou que ele possuía um aneurisma congênito, desconhecido até então, que se rompeu. A morte decorrera, portanto, de hemorragia encefálica.

O juiz do caso considerou que não havia nexo causal entre as agressões e a morte. O tribunal local divergiu, classificando o crime como lesão corporal seguida de morte.

O STJ entendeu que o caso era de lesão corporal simples, conforme entendido pelo juiz de primeiro grau. Isso porque o laudo fora absolutamente inconclusivo quanto à relação entre o choque da cabeça no meio-fio e a morte da vítima. Nem mesmo houve golpes diretos na cabeça.

Na ocasião, a Sexta Turma ainda ponderou que a conclusão poderia ser diferente se a vítima tivesse morrido por conta da queda e do choque da cabeça na calçada, porque o evento seria previsível. Mas a perícia não chegou a concluir que a hemorragia teria relação com as agressões ou mesmo a queda (REsp 1.094.758).

Dever policial

O agente policial não tem a opção de não reagir diante de um delito. Por isso, faz jus a cobertura de seguro dentro ou fora do horário de serviço. Esse entendimento do STJ garantiu indenização à família de policial civil paulista que foi morto enquanto se dirigia da delegacia à sua residência, para uma refeição e banho entre os turnos da ronda. Era sexta-feira de Carnaval.

Para o STJ, o policial tem dever funcional de agir, independentemente de seu horário ou local de trabalho, ao contrário dos demais cidadãos, realizando sua função mesmo fora da escala de serviço ou em trânsito. Por isso, não haveria como excluir a cobertura do seguro (REsp 1.192.609).

(Fonte: STJ)