sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O VOTO DO MINISTRO LUIS ROBERTO BARROSO SOBRE O MENSALÃO (AP 470)

I. INTRODUÇÃO

1. Por se tratar da minha primeira intervenção no julgamento da Ação Penal 470, sinto-me no dever de declinar algumas das minhas pré-compreensões sobre o tema. A interpretação e aplicação do Direito não é uma atividade mecânica nem comporta precisão matemática. Como consequência, o ponto de observação do intérprete e sua visão de mundo fazem diferença na construção dos seus argumentos e nas escolhas que com frequência precisam ser feitas. Por essa razão, considero um dever de honestidade intelectual explicitar os fatores que influenciam o meu modo de ver e pensar o caso em julgamento. E faço, portanto, algumas breves reflexões institucionais.

Parte I

ALGUMAS REFLEXÕES INSTITUCIONAIS SOBRE A AÇÃO PENAL 470

II. A AÇÃO PENAL 470 E A NECESSIDADE DE REFORMA POLÍTICA

2. A sociedade brasileira está exausta do modo como se faz política no país. A catarse representada pelo julgamento da Ação Penal 470 é um dos muitos sinais visíveis dessa fadiga institucional. Sintonizado com esse sentimento, o julgamento desta ação pelo Supremo Tribunal Federal, mais do que a condenação de pessoas, significou a condenação de um modelo político, aí incluídos o sistema eleitoral e o sistema partidário. A inquietação social pela qual tem passado o Brasil nos últimos meses se deve, em parte relevante, à incapacidade da política institucional de vocalizar os anseios da sociedade.

3. As principais características negativas do modelo político brasileiro são: (i) o papel central do dinheiro, como consequência do custo astronômico das campanhas; (ii) a irrelevância programática dos partidos, que funcionam como rótulos vazios para candidaturas, bem como para a obtenção de recursos do fundo partidário e uso do tempo de televisão; e (iii) um sistema eleitoral e partidário que dificulta a formação de maiorias políticas estáveis, impondo negociações caso a caso a cada votação importante no Congresso Nacional. (Nada do que estou dizendo é novidade ou desconhecido. Por ocasião da minha sabatina, tive oportunidade de conversar com as principais lideranças do Congresso, quando pude constatar que esta percepção é geral, transpartidária).

4. Tome-se um exemplo emblemático. Uma campanha para Deputado Federal em alguns Estados custa, em avaliação modesta, 4 milhões de reais. O limite máximo de remuneração no serviço público é um pouco inferior a 20 mil reais líquidos. De modo que em quatro anos de mandato (48 meses), o máximo que um Deputado pode ganhar é inferior a 1 milhão de reais. Basta fazer a conta para descobrir onde está o problema. Com esses números, não há como a política viver, estritamente, sob o signo do interesse público. Ela se transforma em um negócio, uma busca voraz por recursos públicos e privados. Nesse ambiente, proliferam as mazelas do financiamento eleitoral não contabilizado, as emendas orçamentárias para fins privados, a venda de facilidades legislativas. Vale dizer: o modelo político brasileiro produz uma ampla e quase inexorável criminalização da política.

5. A conclusão a que se chega, inevitavelmente, é que a imensa energia jurisdicional dispendida no julgamento da AP 470 terá sido em vão se não forem tomadas providências urgentes de reforma do modelo político, tanto do sistema eleitoral quanto do sistema partidário. Após o início do inquérito que resultou na AP 470 – com toda a sua divulgação, cobertura e cobrança –, já tornaram a ocorrer incontáveis casos de criminalidade associada à maldição do financiamento eleitoral, à farra das legendas de aluguel e às negociações para formação de maiorias políticas que assegurem a governabilidade.

6. O país precisa, com urgência desesperada, de uma reforma política. Não importa se feita pelo Congresso Nacional ou se, por deliberação dele, mediante participação popular direta. Mas é preciso fazê-la, com os propósitos enunciados: barateamento das eleições, autenticidade partidária e formação de maiorias políticas consistentes. Ninguém deve supor que os costumes políticos serão regenerados com direito penal, repressão e prisões. É preciso mudar o modelo político, com energia criativa, visão de futuro e compromissos com o país e sua gente.

7. Minha primeira reflexão: sem reforma política, tudo continuará como sempre foi. A distinção será apenas entre os que foram pegos e outros tantos que não foram.

III. A AÇÃO PENAL 470 E OUTROS CASOS DE CORRUPÇÃO

8. A Ação Penal 470 apurou fatos que teriam custado ao país, em termos de dinheiro público, cerca de 150 milhões de reais. De parte o custo pecuniário, não se deve descurar do custo moral e institucional representado por dinheiros não contabilizados, compra de apoio político e malfeitos diversos. É impossível exagerar a gravidade e o caráter pernicioso de tudo o que aconteceu. Porém, a bem da verdade, é no mínimo questionável a afirmação de se tratar do maior escândalo político da história do país. Talvez o que se possa afirmar, sem margem de erro, é que foi o mais investigado de todos, seja pelo Ministério Público, pelo Polícia Federal ou pela imprensa. Assim como foi, também, o que teve a resposta mais contundente do Poder Judiciário.

9. Deve-se celebrar a resposta institucional dada ao episódio, como uma reação à aceitação social e à impunidade de condutas contrárias à ética e à legislação. Mas não se deve fechar os olhos ao fato de que o chamado “Mensalão” não constituiu um evento isolado na vida nacional, quer do ponto de vista quantitativo (isto é, dos valores envolvidos) quer do ponto de vista qualitativo (da posição hierárquica das pessoas envolvidas). Justamente ao contrário, ele se insere em uma tradição lamentável, que vem de longe. Nos últimos tempos, com o despertar da cidadania e pela bênção que é a liberdade de imprensa e de expressão, tais fatos passaram a se tornar conhecidos e repudiados pela sociedade. E começam a ser punidos.

10. Em ligeiro esforço de memória, remontando aos últimos vinte anos, é possível desfiar um rosário de escândalos que custaram caro ao país. Também aqui, custo pecuniário e moral. Em 1993, veio a público, para espanto geral, o escândalo dos “Anões do Orçamento”, que envolveu o desvio bilionário de recursos públicos via emendas parlamentares à lei orçamentária. Em 1997, o escândalo dos Títulos Públicos ou dos Precatórios revelou um esquema que importou em perdas de alguns bilhões para a Fazenda Pública. O escândalo da construção do prédio do TRT em São Paulo, que veio à tona em 1999, implicou em desvio de muitas dezenas de milhões. O escândalo do Banestado, investigado em 2003, relacionou-se com a remessa fraudulenta para o exterior de mais de 2 bilhões de reais. A lista é longa e pouco edificante.

11. Uma segunda reflexão: não existe corrupção do PT, do PSDB ou do PMDB. Existe corrupção. Não há corrupção melhor ou pior. Dos “nossos” ou dos “deles”. Não há corrupção do bem. A corrupção é um mal em si e não deve ser politizada.

IV. A AÇÃO PENAL 470 E A NECESSIDADE DE MUDANÇAS DE ATITUDES PRIVADAS

12. Faço uma observação final. A sociedade brasileira tem cobrado um choque de decência em muitas áreas da vida pública. É preciso mesmo. Seria bom, por igual, aproveitar essa energia cívica para a superação de inúmeras práticas privadas que inibem o avanço civilizatório. Das pequenas às grandes coisas. Por exemplo: acabar com a cultura de cobrar preço distinto com nota ou sem nota. Não levar o cachorro para fazer necessidades na praia, sabendo que pouco depois uma criança vai brincar na mesma areia. Não estacionar o carro na calçada e obrigar o pedestre a caminhar pela rua ou ultrapassar pelo acostamento, criando riscos e obtendo vantagem indevida. Nas licitações, não fazer combinações ilegítimas com outros participantes ou fazer oferta de preço abaixo de custo, para em seguida exigir adicionais logo após obter o contrato. Para não mencionar as obviedades: não dirigir embriagado, não jogar lixo na rua e respeitar a fila. As instituições públicas são um reflexo da sociedade. Não adianta achar que o problema está sempre no outro e não viver o que se prega.

13. Uma terceira e última reflexão: cada um deveria aproveitar esse momento, visto como um ponto de inflexão, e fazer a sua autocrítica, a sua própria reflexão pessoal, e ver se não é o caso de promover em si a transformação que deseja para o país e para o mundo.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

CONJUNTURA NACIONAL

Cancelando chuvas

Abro a coluna de hoje com duas historinhas da PB, terra de políticos, cantadores e poetas.

Seca medonha. A PB em desespero, o governador José Américo, aflito. Um dia, caiu uma chuva fininha no município de Monteiro. Inácio Feitosa, o prefeito, querendo fazer bonito, correu ao telégrafo: "Governador: chuvas torrenciais cobriram todo município de Monteiro. População exultante. Saudações, Feitosa". Os comerciantes da cidade, quando souberam do telegrama, ficaram desesperados. O município não ia mais receber ajuda. Ainda mais porque a mensagem era falsa e apressada. Uma chuvinha fina, não torrencial. Feitosa correu de novo ao telégrafo: "Governador José Américo: cancelo chuvas. População continua aflita e esperando adjutório. Feitosa, prefeito".

Sinceridade e sagacidade

Zé Cavalcanti, ex-deputado paraibano, conta em seu livro "A Política e os Políticos", que um coronel do sertão, ao passar o comando de seus domínios para o filho, deu o conselho:

- Meu rapaz, se queres ser bem sucedido na política, cultiva estas duas verdades: a sinceridade e a sagacidade.

- E o que é sinceridade, meu pai?

- É manter a palavra empenhada, custe o que custar.

- E o que vem a ser sagacidade?

- É nunca empenhar a palavra, custe o que custar.

Dilma se levanta

Depois de ligeira (?) queda, a presidente Dilma se levanta. A interrogação é proposital. A queda foi ligeira ou demorada? Ligeira. Recuperar cinco pontos um mês após as grandes mobilizações é um feito. Até porque a indignação social continua intensa. Como previmos, as manifestações continuam e terão sequência na esteira de questões pontuais, circunscritas a regiões e bairros de grandes cidades. Mas um sopro de otimismo volta a bafejar os corações. Inflação no mês de junho foi baixa e animação de bolsos mais cheios é suficiente para botar mais confiança no bornal da presidente. O que a confiança aumentada gerará ? Veja abaixo.

Cautela

É evidente que o principal efeito do resgate de confiança se dará na frente política. Os políticos, com a presidente no buraco da credibilidade, tendem a retirar o apoio, significando derrotas no Parlamento. Mas a volta da popularidade ainda não se deu nos índices históricos. Por isso, a área política dá meio passo adiante, não um passo completo. Caso a presidente consiga repor mais pontos em seu arsenal, ganhará mais apoio. E assim será a andança daqui por diante. O fato é que o custo político tende a encarecer nas margens eleitorais. Quanto mais próximo o pleito, mais caro ficará o apoio.

Barão de Itararé

"Viúva rica, com um olho chora e com o outro se explica".

Caranguejo

Pode-se, ainda, distinguir o passo do caranguejo : dois pra frente, um pra trás, um para o lado. Ou seja, não haverá firmeza no trajeto. A não ser que a presidente recupere logo, logo, seu vetor de força. Difícil, como sabemos. Tudo vai depender do desempenho da economia. Que é a locomotiva do trem. Puxa os carros. Dilma continua sendo a favorita. Não há previsão de derrocada econômica. Tampouco se prevê crescimento extraordinário. Coisa pequena. Mas, se a equação BO+BA+CO+CA (Bolso, Barriga, Coração, Cabeça) for mantida, a presidente estará na frente do carro eleitoral.

Barão de Itararé

"Dize-me com quem andas e eu te direi se vou contigo".

Tiroteio recíproco

Tucanos e petistas promovem uma caçada recíproca. Os tucanos continuam atirando no mensalão, alvo de sua predileção. Os petistas agora elegem o que chamam de "trensalão", o affaire dos trens. Dessa contenda, este consultor faz a ilação : a polarização entre PT e PSDB tende a ser atenuada. Não acabará, mas será menor. Daí a chance de uma candidatura que entre no meio dos dois: a de Paulo Skaf, por exemplo, pelo PMDB. Alckmin tende a ser alvo contínuo, até o processo eleitoral; e o ministro Alexandre Padilha, que foi lançado pré-candidato, semana passada, em Bauru, não tem coisas positivas para mostrar. Ao contrário, seu nome está por trás de projetos polêmicos, como o da importação de médicos.

Polarização cansou

O eleitor está saturado de velhas querelas. O PSDB e o PT vêm se enfrentando há três décadas. Os petistas conseguiram fincar estacas mais profundas na capital paulistana e os tucanos fundaram seus alicerces mais no interior do Estado. 20 anos de tucanato chegam a cansar. O mesmo ocorre com o PT velho de lutas. Esse partido mudou muito em sua trajetória. Tornou-se assemelhado aos partidos do centro democrático. Na teoria, aceita programas revolucionários; na prática, age como os outros. Por isso, os entes partidários são tão assemelhados, com exceção dos pequenos partidos das margens ideológicas.

Barão de Itararé

"Pobre, quando mete a mão no bolso, só tira os cinco dedos".

Racionalidade - 1

Que consequências o novo cenário político-institucional poderá produzir ao país? Sob a esfera dos costumes e das práticas políticas, as perspectivas são promissoras. Estacas morais foram e continuam sendo cravadas no solo esburacado da política pelos braços dos movimentos que tomam as ruas das cidades em todos os quadrantes nacionais. A nova ordem que se esboça passa a abrigar um alentado acervo de princípios e valores, que, mais cedo ou mais tarde, balizarão as imprescindíveis reformas no edifício político, a começar pelo alargamento dos tijolos da racionalidade.

Racionalidade - 2

A maioria do eleitorado habitou por décadas as bases da pirâmide, constituindo, em função de precárias condições de vida, massa de manobra dos quadros políticos. Seu processo decisório ancora-se na emoção, que transparece em votos de agradecimento por benesses e bolsas recebidas, no adjutório esporádico que os políticos pulverizam a torto e a direito, usando migalhas do poder como forma de cooptação. Essa obsoleta modelagem está com os dias contados. O meio da pirâmide já soma 53%, cerca de 104 milhões de pessoas, quando, há 10 anos, somente 38% habitavam este espaço. É evidente que a absorção de valores não ocorre de maneira abrupta, mas é fato que critérios racionais começam a substituir os emotivos no processo de escolha de representantes e monitoramento de governantes.

Verdade, sem lantejoulas

Ruas são ocupadas por grupos e categorias profissionais, contidas em seus limites, defendendo interesses corporativos, diferenciando-se pela especialização. Bem diferentes das massas abertas do passado. A racionalidade, por sua vez, implica compromisso com a verdade, descortinando uma geração de perfis políticos desprovidos de lantejoulas e brilhos. A auto-glorificação, que fundamenta o marketing das performances pessoais e ocupa praticamente todos os espaços das mídias eleitorais, deverá ser doravante recebido com apupos por ouvintes de todas as classes. Em contraponto, ganharão destaque debates no campo das ideias, proporcionando condições de enxergar as diferenças de estilo entre atuais representantes e futuros competidores.

Democracia direta

O plano da semântica suplantará o terreno da estética, no fluxo das correntes de opinião que despejam torrentes de informação pela gigantesca rede social. Aduz-se, ainda, na onda da efervescência social, o adensamento de uma locução com origem nos mais diferentes estratos, a atestar a multiplicação de novos pólos de poder e irradiação de influência. Sendo assim, os Poderes da República - Executivo, Legislativo e Judiciário - terão de conviver com as forças centrípetas, sendo razoável imaginar que o movimento das margens em direção ao centro acabarão reforçando o instrumental a serviço da democracia direta - consulta popular, plebiscito e referendo. Sob essa perspectiva, também é razoável prever mais agilidade nos processos de adesão a projetos de iniciativa popular, tendo como correia de transmissão a bateria de meios da internet.

Conquistar o povo

O conglomerado público está pasmo. Os atores contemplam a plateia sem saber se receberão aplausos ou vaias ao final da peça. Treinam posturas recatadas, temem enfrentar auditórios lotados, eliminam desfiles exuberantes. Os governantes, a partir da presidente da República, tentam voltar aos braços do povo. E produzir uma agenda positiva, recheada de ações capazes de reconquistar contingentes indignados. A foto do governador do CE, Cid Gomes, sentado no meio fio, alta noite, com um megafone falando para um grupo acampado numa rua, retrata a estética do novo cenário. Nem sempre, porém, reconhecer erros ou adotar postura humilde geram resultados. É o caso do governador Sérgio Cabral, que continua ouvindo o eco das ruas. O fato é que o dique de contenção das pressões sociais foi rompido.

Lula sarado

Pois é, fofoqueiros estão avisados pelos médicos: Lula está sarado. Câncer desapareceu. Tudo isso para dizer que Luiz Inácio subirá com força ao palanque de Dilma. Não haverá Volta, Lula. Mesmo com ele 100% bem disposto. Tirar Dilma significaria que seu governo falhou.

Marina

Marina Silva vai ter de se desdobrar para fundar, até 3/10, o Rede Sustentabilidade. Já apresentou 500 mil assinaturas, mas apenas 190 mil foram reconhecidas. Vai apresentar mais 200 mil aos cartórios, que andam lerdos. Marina, na visão deste consultor, tira mais votos das oposições do que da Dilma. Daí ser uma candidata que convém ao governismo. Obteve 26% na última pesquisa Datafolha.

Serra candidato

José Serra só pensa naquilo: a candidatura em 2014. Para presidente. Pelo PPS. PSDB fechou questão com Aécio. Mas Aécio está em queda. Os serristas começam a defender prévias no partido. Serra teve 14% e 15% em dois cenários na pesquisa Datafolha para presidente, número que supera os 13% de Aécio. Ofereceram a ele a chance de disputar o Senado. Recusa. Deputado? Nem pensar. Serra aposta na derrocada da economia. Com mais candidatos e economia no buraco, oposições teriam alguma chance no segundo turno.

O coice

Sócrates, o sábio, caminhava tranquilo quando um atrevido descomedido lhe deu um coice. Estranharam alguns a paciência do filósofo, que foi logo perguntando:

- Pois o que hei de fazer, depois desse coice que recebi?

Responderam:

- Levá-lo a juízo pelo ato vil.

Replicou Sócrates:

- Se ele com seu coice confessa ser jumento, quereis que eu leve um jumento a juízo?

Conselho às organizações sociais

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado à presidente Dilma. Hoje, volta sua atenção às Entidades Sociais.

1. O momento é propício para as entidades que promovem a intermediação social consolidar sua identidade, tarefa que implica patrocinar causas legítimas dos núcleos e setores que defendem.

2. Urge clarificar demandas e escolher, no Parlamento, interlocutores que possam dar vazão a elas, comprometendo-se com sua defesa junto aos conjuntos parlamentares.

3. Impõe-se uma intensa agenda de articulação com entidades congêneres, na esteira de fortalecimento de parcerias e integração de propósitos na defesa de categorias, setores, gêneros, núcleos e movimentos sociais.

____________
(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

ERROS DE PAI


Vez por outra, quando me sento para o exercício da escrita dessas crônicas, sinto como que uma cancela na alma, um aroma travoso na língua, uma barra de obstáculo à frente da corrida elaborativa. O tema irrompe como um relâmpago, porém o corpo/conteúdo fica invisível. Sei que esse hiato mental há que ser creditado à ausência da sintonia essencial, aquela que nos faz caudatários das águas barrentas ou claras do aprendizado superior.

Hoje senti um pouco isso. Pensei em escrever algo a propósito do Dia dos Pais, ocorrido no segundo domingo de agosto. Mas... O que dizer? Há um universo de loas, um oceano de mensagens que exaltam o esplendor realizacional e os efeitos prazerosos da paternidade. O que acrescentar?!

Imaginei, então, além de citar esses búzios da mandala humanística espalhados nas praias da sabedoria universal, juntar umas breves sílabas de auto-avaliação e enfatizar “erros de pai”.

A professora que amo me ensinou que: “Nada é nosso, nada temos, nada nos pertence!/ Mesmo quando, por nossas mãos,/ Brotam ramos de estrelas,/ Rosas de ternura,/ Pétalas de candura,/ Somos apenas instrumentos musicais/ Regidos por um Artista Superior!”

Um dos nossos maiores erros é o egoísmo: acharmos que somos donos dos nossos filhos. Não, eles não são propriedade nossa. Gibran Khalil Gibran, há cerca de um século, ensinava que “Vossos filhos não são vossos filhos. São filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não de vós. E, embora vivam convosco, a vós não pertencem. Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, pois eles têm seus próprios pensamentos. Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.”

Somos, sempre e a cada instante de iluminação, veículos transportadores. Um texto primoroso, um desenho mágico, uma formidável coluna de arquitetura, uma admirável obra de arte ou qualquer outra engenhosidade que germine no solo fértil da mente humana, é sempre resultado da inspiração Superior agindo através de nós.

Filhos. Com os Filhos, também e principalmente, ocorre esse fenômeno matrimonial místico de sol e lua. Nenhum filho é gerado a partir da exclusividade existencial de um pai ou de uma mãe isoladamente. Filho é produto de um acasalamento, de uma união, de um coito – mesmo fugaz ou, em certos casos, contra a vontade de uma das partes – mas sempre de um imbricamento qualquer, ainda que laboratorial.

A melhor imagem para essa relação genitores e filhos é a do leito de um rio. O leito não é a nascente do rio, tampouco sua foz. Não é o inicio, muito menos o fim. O leito é o sulco, o canal, o rego, o córrego, o móvel, a superfície sobre a qual a água se estende para cumprir um roteiro, para seguir o itinerário do mar. A grande tentação nossa é imaginar que somos a fonte ou desaguadouro dos filhos.

Artur da Távola escreveu que “ser pai é atingir o máximo de angústia no máximo de silêncio. O máximo de convivência no máximo de solidão. É, enfim, colher a vitória exatamente quando percebe que o filho a quem ajudou a crescer já, dele, não necessita para viver. É quem se anula na obra que realizou e sorri, sereno, por tudo haver feito para deixar de ser importante”.

José, o artesão-carpinteiro casado com Maria, escolhido patrono da passagem terrena de um Filho chamado Jesus, é indiscutivelmente o mais modelar exemplo daquilo que o Artur da Távola partilhou no banquete da reflexão. A vida de José foi um portal aberto à luz dos sonhos e, ao mesmo tempo, uma sombra discreta no mundo. Diferentemente de nós, pais da atualidade, que apreciamos o exibicionismo (seja nosso, seja dos filhos), José cultuava o anonimato. Era justo nas ações, trabalhador no quotidiano. Assumiu a gravidez de uma mulher sem expô-la à censura coletiva, pois tinha consciência da sua condição instrumental. Enfrentou a perseguição de Herodes, o poderoso de plantão, com serenidade e sem alardes. Vivia em perfeita vinculação com o Inefável. Apontou para o Filho a montanha ética e a planície profética. E se recolheu à gruta do anonimato.

Alguns séculos depois, um escritor português - também dito José e uma espécie de mago na carpintaria das letras - esculpiu uma moldura extremamente elucidativa da condição paterna. Embora se proclamasse agnóstico, José Saramago foi, sem o saber ou verbalizar, um fio elétrico divino que energizou de humanismo a literatura universal. Soou extremamente feliz quando utilizou o instituto do ‘empréstimo’ para se referir à figura do filho. Disse ele: “Filho é um ser que nos foi emprestado para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isso mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é expor-se a todo o tipo de dor, principalmente o da incerteza de agir corretamente e do medo de perder algo tão amado. Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo.”

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste)

OBSERVATÓRIO

Antonio Osvaldo Oliveira foi vereador em Crateús nas décadas de 1980 e 1990. Comerciante e agropecuarista oriundo do distrito de Poty, se popularizou sob o apelido de Osvaldo Panelada. Bigode estilo José Sarney, voz potente, dado a análises da conjuntura política e arroubos eloqüentes, se elegia mais pelas amizades do que por esquemas políticos que viesse a montar. Forjado no combativo MDB, era um político sem papas na língua. Estava em campanha no bairro Altamira quando, ao descer do palanque, foi cercado por um grupo de malandros. Um deles foi direto: - Vereador, me arranja um trocado para eu comprar um litro de cachaça. Osvaldo respondeu laconicamente: - Não. O malandro retrucou: - Ô vereador fraco esse... Panelada fulminou: - Fraco é você, que está me pedindo. Eu não estou lhe pedindo nada!

LÍDER

Osvaldo encarnou um tipo de liderança tradicional que hoje rareia: a do representante destemido, que não titubeia em repartir com os representados a fruta aberta da sinceridade. Uma de suas frases preferidas: - Líder é o que lidera e não o que é liderado! Hoje, a maioria dos políticos prefere seguir ao sabor da pressão dos aliados, o que representa um grande perigo para o futuro. Vivemos uma quadra em que a conivência enlameia a boa convivência. A saudável política da relação transparente cede lugar às práticas indecentes. A ação mercantilista, eleitoreira e imediatista se sobrepõe à visão republicana, de estado. Há uma inversão de valores!

LÍDER II

O Prefeito de Crateús, Carlos Felipe, vive um momento delicado. No primeiro ano do seu segundo mandato, é vítima de um modelo que combateu e ao qual se rendeu: a troca de apoio político por cargos e vantagens na gestão. Sofre os efeitos do chamado “fogo amigo”, bombardeio oriundo das próprias forças internas. Normalmente explosões dessa natureza só tendem a ocorrer em final de mandato. A base situacionista na Câmara Municipal exala desencanto. Há um movimento no seio do seu grupo político para que Felipe renuncie à Prefeitura e pleiteie uma vaga à Assembléia Legislativa. Aparentemente, seria um salto à frente, algo positivo. Porém, a essência dessa articulação é outra: querem vê-lo longe da Prefeitura, pois não atende com solicitude aos apelos da base fisiológica. Inegável que esse apoiamento amparado no ‘toma-lá-dá-cá’ constitui prática comum em quase todos os municípios. É a regra. Em Crateús sempre ocorreu isso. A questão é que o atual alcaide prometeu quebrar essa regra perpetrada pela velha política. E ainda não o fez.

RUMO

Aliados governistas dizem abertamente que a gestão perdeu o rumo. Adiantam que falta moral à Administração para criticar os pedidos de emprego que os Vereadores fazem, pois o erro é patrocinado pelo alto escalão: ‘em setores comandados pela família do gestor há uma verdadeira farra de empreguismo’ - dizem. Em síntese, é preciso repensar o modelo.

ELEIÇÃO

Para o ano que vem, segundo as mesmas fontes, há três cenários: 1. O prefeito renuncia e sai candidato (todos, em tese, votariam nele); 2. Seria escolhido um terceiro nome para o grupo inteiro apoiar (hipótese pouco provável) e 3. As três alas que compõem a base governista apoiariam candidatos diferentes: Prefeito apoiaria um nome do PCdoB; o PT (Mauro Soares à frente) apresentaria candidato do partido e o PR (sob a liderança de Elder Leitão) pediria votos para um estadual da agremiação republicana. Ao final poderia se mensurar a força de cada um.

OPOSIÇÃO

A oposição também vive suas contradições e seus dilemas internos. Há insatisfações pontuais. Ninguém sabe como ficará a composição de apoios para a eleição proporcional (deputados estaduais e federais). Oportunamente dissecaremos esse tema.

COMEMORAÇÕES

Domingo passado, 11 de agosto, houve uma coincidência de comemorações relevantes: Dia dos Pais e Dia do Advogado. O Presidente da OAB nacional, Marcus Vinicius Coelho, concedeu importante entrevista à Revista Veja desta semana sobre os desafios do Direito no Brasil. “Em vinte anos, o Brasil saiu de cerca de 200 faculdades de direito para 1.300. A qualidade, por óbvio, não acompanhou a quantidade. É preciso coibir a abertura de novos cursos e fechar aqueles que não têm qualidade”- asseverou. Marcus Vinicius ressaltou, também, a defasagem da grade curricular, baseada apenas em doutrina e alheia ao estudo de caso, bem como claramente divorciada de temas atuais como mediação, arbitragem e processo judicial eletrônico. Sugeriu, ademais, a ampliação do período de estágio e a valorização dos professores, a fim de sairmos dessa roda viva em que a faculdade finge que paga, o professor finge que dá aula e o aluno finge que aprende.
Sobre a comemoração do Dia dos Pais, vide crônica acima.

PARA REFLETIR

"Quer, então, arrumar um amigo? Que eduque seu filho para sê-lo; estará dispensado de procurá-lo alhures, e a natureza já fez metade do trabalho". (Jean-Jacques Rousseau)
"Não eduque seu filho para ser rico, eduque-o para ser feliz, assim ele saberá o valor das coisas e não o seu preço". (Max Gehringer)

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste)

domingo, 11 de agosto de 2013

SER PAI

De todas as minhas modestas dimensões humanas, a que mais me realiza
é a de ser pai.

Ser pai é, acima de tudo, não esperar recompensas. Mas ficar feliz
caso e quando cheguem. É saber fazer o necessário por cima e por dentro da
incompreensão. É aprender a tolerância com os demais e exercitar a dura
intolerância (mas compreensão) com os próprios erros.

Ser pai é aprender, errando, a hora de falar e de calar. É
contentar-se em ser reserva, coadjuvante, deixado para depois. Mas jamais
falar no momento preciso. É ter a coragem de ir adiante, tanto para a vida
quanto para a morte. É viver as fraquezas que depois corrigirá no filho,
fazendo-se forte em nome dele e de tudo o que terá de viver para
compreender e enfrentar.

Ser pai é aprender a ser contestado mesmo quando no auge da lucidez.
É esperar. É saber que experiência só adianta para quem a tem, e só se tem
vivendo. Portanto, é agüentar a dor de ver os filhos passarem pelos
sofrimentos necessários, buscando protegê-los sem que percebam, para que
consigam descobrir os próprios caminhos.

Ser pai é: saber e calar. Fazer e guardar. Dizer e não insistir.
Falar e dizer. Dosar e controlar-se. Dirigir sem demonstrar. É ver dor,
sofrimento, vício, queda e tocaia, jamais transferindo aos filhos o que, a
alma, lhe corrói. Ser pai é ser bom sem ser fraco. É jamais transferir aos
filhos a quota de sua imperfeição, o seu lado fraco, desvalido e órfão.

Ser pai é aprender a ser ultrapassado, mesmo lutando para se
renovar. É compreender sem demonstrar, e esperar o tempo de colher, ainda
que não seja em vida. Ser pai é aprender a sufocar a necessidade de afago
e compreensão. Mas ir às lágrimas quando chegam.

Ser pai é saber ir-se apagando à medida em que mais nítido se faz na
personalidade do filho, sempre como influência, jamais como imposição. É
saber ser herói na infância, exemplo na juventude e amizade na idade
adulta do filho. É saber brincar e zangar-se. É formar sem modelar, ajudar
sem cobrar, ensinar sem o demonstrar, sofrer sem contagiar, amar sem
receber.

Ser pai é saber receber raiva, incompreensão, antagonismo, atraso
mental, inveja, projeção de sentimentos negativos, ódios passageiros,
revolta, desilusão e a tudo responder com capacidade de prosseguir sem
ofender; de insistir sem mediação, certeza, porto, balanço, arrimo, ponte,
mão que abre a gaiola, amor que não prende, fundamento, enigma,
pacificação.

Ser pai é atingir o máximo de angústia no máximo de silêncio. O
máximo de convivência no máximo de solidão. É, enfim, colher a vitória
exatamente quando percebe que o filho a quem ajudou a crescer já, dele,
não necessita para viver. É quem se anula na obra que realizou e sorri,
sereno, por tudo haver feito para deixar de ser importante.

ARTUR DA TÁVOLA