sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A CENTENÁRIA MARIA JOSÉ PINTO


“Ama-me o quanto amo-te, que será bastante” – eis o teor de um bilhete, cunhado em primeiro de junho de mil novecentos e trinta e quatro, por Edmundo Pinto da Silva para a sua amada Maria José Pinto.
Aquele singelo e minúsculo manuscrito, que ainda hoje integra o relicário familiar, era o ferro, o amuleto, a esfinge, o brasão, a marca, o distintivo, o selo de um idílio que se amolda aos poemas sagrados, como aquele estampado no Cântico dos Cânticos: “Grava-me como selo em teu coração, como selo no teu braço, porque forte como a morte é o amor, implacável como o abismo é a paixão; os seus ardores são chamas de fogo, são labaredas divinas. Nem as águas caudalosas conseguirão apagar o fogo do amor, nem as torrentes o podem submergir. Se alguém desse toda a riqueza da sua casa para comprar o amor, seria ainda tratado com desprezo.”

As labaredas divinas da paixão e o fogo indelével do amor levaram Edmundo Pinto da Silva & Maria José Vieira Pinto, crateuenses de nascimento e entre si casados por quase meio século, a cumprir outro mandamento superior: o de crescer e multiplicar! Em 1936, Antonio Vieira Pinto; três anos depois, Adilson Vieira Pinto; no ano de 1940, Maria Alice Vieira Pinto; em 1944, Maria do Socorro Pinto Melo; outro varão em 1947: Edmundo Pinto Filho; uma sequência de quatro mulheres: Maria de Fátima Pinto Pimentel, Maria das Dores Vieira Pinto, Maria das Graças Vieira Pinto e Raimunda Nonata Pinto da Silva, respectivamente em 1948, 1950, 1952 e 1953; Francisco Vieira Pinto, o Pachico, em 1955; Augusto Pinto Neto, o Netinho, em 1956, e o filho do coração, Leopécio Pinto da Silva, adotado aos 2 anos de idade, nascido em 1937.

Em que pese o senhor Edmundo – varão piedoso, justo e obreiro celeste na terra – tenha migrado para a outra dimensão há trinta anos (precisamente em 06 de outubro de 1984), a senhora Mazé Pinto ainda vive sob o afago afetivo da sua invisível companhia.

O índice existencial dessa simples, louvável, generosa e encantadora mulher centenária precisa ser revisitado e exaltado. Aos oito anos, na aurora da vida, diferentemente do que retratou Casimiro de Abreu, não lhe foi dado curtir “noites de melodia, naquela doce alegria, naquele ingênuo folgar! O céu bordado d'estrelas, a terra de aromas cheia, as ondas beijando a areia e a lua beijando o mar!” A menina Mazé, de tenra idade, ‘se não tinha outras delícias, recebia da mãe carícias e os beijos da irmã naquela risonha manhã’, em que se dirigia à missa dominical para rogar a força e a luz superiores.

Essa força e essa luz, que vinham de Jesus, impulsionavam a pequena Mazé a marchar com fé e muita tranqüilidade por sobre os trilhos da adversidade. Ao invés do banco escolar, batalhava pelo pão para o lar; no lugar das rumorosas brincadeiras de criança ia confeccionar uma silenciosa bandeira chamada esperança! Sem medo de açoite, no escuro da noite, substituía a conversa de terreiro pelo transporte de um fogareiro, com o qual ajudava a mãe na venda de quitutes na estação do trem de passageiros.

Outro dia, conversando comigo, ela me abriu rapidamente o álbum da recordação: a imagem do Padre Juvêncio, que a casou e batizou quase todos os seus filhos; do apoio ao Hospital do Batalhão, que ela tanto serviu oferecendo comida e louça, inclusive hospedando pacientes em seu lar; da Sapataria União, casa comercial que iniciou pequena e se tornou referência regional; dos quitutes que vendia, em especial a “lingüiça da dona Mazé”, e da inumerável legião de amigos e espontâneos admiradores que possui. Confessou estar “embelezada” com todas as manifestações de carinho e ternura. Em verdade, beleza é o nome do manto que envolve a alma leve de dona Mazé! Em nome dos filhos, Maria de Fátima Pinto Pimentel confia que “a outra Maria, lá do Céu, há de estender o Manto Azul protetor por sobre sua cabeça e lhe abençoar pelo muito que fez por todos nós”.

A dona Mazé Pinto lembra o milho, esse cereal milenar cultivado em várias partes do mundo, inclusive na nossa região. O seu nome, cuja pia batismal é indígena e caribenha, significava “sustento da vida”. Lindo, humilde e acessível, o milho serve de múltiplas formas à humanidade. É mítico e místico. Segundo Rubem Alves, ele lembra a morte e a ressurreição. Submetido ao fogo, o milho, ao invés de morrer, ressuscita: vira uma linda pipoca. Enquanto o milho que não se deixa estalar fica duro, aquele que estala vira pipoca, que lembra uma linda flor aberta. Assim são as pessoas que passam pelo fogo da vida e chegam à maturidade semelhante a uma flor branca. Assim é Maria José Pinto, que neste dia 31 de outubro de 2014 celebrará cem anos de vida: uma alva camélia, um crisântemo branco, um jasmim de candura que merece todo o afeto e louvor dos seus conterrâneos. Honremo-la!

(Júnior Bonfim, na Revista Gente de Ação e no Jornal Gazeta do Centro Oeste)

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

OBSERVATÓRIO

O economista Luiz Gonzaga Belluzo, conselheiro da Presidente Dilma para assuntos econômicos, disse no domingo passado, antes da abertura das urnas, que não sabia quem deveria comemorar o resultado: vitorioso ou derrotado. Tão volumosos são os problemas e desafios que ninguém pode tripudiar sobre o contendor. No mesmo instante, o jornalista Josias de Souza fez um balanço que transcrevo a seguir:

A MONTANHA

“PT e PSDB frequentaram a sucessão presidencial como personagens de uma anedota de Millôr Fernandes. A piada trata da tecnologia da engenharia na China. Colocam 10 mil chineses cavando de um lado da montanha, 10 mil cavando do outro lado. Se os dois grupos se encontram no meio do caminho, fazem um túnel. Se não se encontram, fazem dois túneis. Petistas e tucanos cavam há anos. Mas a montanha que os separa parece intransponível. Encontram-se de raro em raro. Mas, ocupados em trocar socos e ofensas mútuas, não conseguem enxergar luz no fim do túnel. Desviam-se uns dos outros. E continuam cavando. Em 2014, exageraram nas agressões. “Acho que teve momentos lamentáveis”, disse Dilma Rousseff neste domingo. “Ficará marcada como a mais sórdida campanha já feita”, declarou Aécio Neves. Ou eles param de cavar ou a montanha vai virar um gigantesco labirinto”.

ENCONTRO

“Na origem do relacionamento, imaginou-se que haveria um fim de túnel. A coisa começou em 1978, ano em que o sindicalista Lula apoiou o intelectual FHC na sua primeira campanha ao Senado. Juntos, distribuíam panfletos nas portas de fábrica do ABC paulista. Nessa época, FHC e Lula dividiam conjecturas sobre a constituição de um partido socialista. Mudaram de ideia. E cada um foi cavar a própria história. Um preferiu alinhar-se à esquerda do velho MDB. O outro foi fundar o PT. Encontraram-se no miolo da montanha nos palanques dos comícios pela volta das eleições diretas. Separaram-se no colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves, o avô de Aécio. Juntaram-se num palanque de segundo turno –Lula X Collor. Achegaram-se novamente nas articulações que levaram ao impeachment de Collor”.

DESENCONTRO

“Desde 1994, desencontram-se a cada quatro anos. Estapeiam-se em campanhas presidenciais. FHC prevaleceu sobre Lula em 1994 e 1998. A transição de 2002 para 2003, por civilizada, teve a aparência de um novo reencontro. Engano. Após derrotar Jose Serra, Lula pespegou na gestão de FHC o selo de “herança maldita”. Desentenderam-se de novo em 2006 e 2010. Em 2014, a oratória atingiu o grau máximo de radioatividade”.

BOM SENSO

“Chegou a hora de tornar o cenário menos tóxico. Se restar alguma dose de bom senso, Aécio e Dilma retiram a raiva dos discursos já noite deste domingo, depois do anúncio do resultado das urnas. Dá-se de barato que a montanha venceu. Mas não precisa entregar 100% da governabilidade do labirinto a personagens como Renan Yang, Sarney Ling e toda a dinastia Ming que perambula pelo Congresso à procura de aliança$”.

CEARÁ

Camilo Santana, o governador de todos os cearenses a partir de primeiro de janeiro de 2014, é agora o alvo das conjecturas. Por seu estilo discreto, pouca gente se arrisca a fazer prospecções sobre como será a sua gestão. Porém, há alguns indicativos. Quem pensa que Camilo é um petista radical e virulento, engana-se. Quem imagina que será um mero despachante da família Ferreira Gomes, também se equivoca. Camilo Santana conseguiu a façanha de fazer, pessoalmente, uma campanha respeitosa, sem que ninguém tenha identificado sua digital em baixarias, malgrado elas terem ocorrido. Figura correta e bem intencionada, o filho de Eudoro Santana certamente vai se esforçar para realizar um mandato biográfico, que homenageie a história combativa do seu genitor.

ANIVERSARIANTES

Como as árvores, as mulheres centenárias merecem a solene reverência, a respeitosa deferência. Nossos cumprimentos para duas delas. Uma é Rosa Ferreira de Moraes, sacerdotisa da educação, mestra da pintura, irmã da música, jardineira da fé, semeadora de bons costumes, legenda referencial! Completou 101 anos no domingo passado. A outra é Maria José Pinto, que na próxima sexta-feira, dia 31 de outubro de 2014 celebrará cem anos de vida: uma alva camélia, um crisântemo branco, um jasmim de candura que merece todo o afeto e louvor dos seus conterrâneos. Abençoadas sejam per sécula seculórum, pelo século dos séculos! Outro que aniversaria no próximo sábado, dia primeiro de novembro, é Antonio dos Santos, que por vários mandatos representou Crateús na Assembléia Legislativa e na Câmara Federal (vide Crônica ao lado).

PARA REFLETIR

“Volta teu rosto sempre na direção do sol, e então, as sombras ficarão para trás”. (Sabedoria oriental)

(Júnior Bonfim, no Jornal gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)