sábado, 20 de abril de 2013

SAUDADES DO MEU PAI



Se estivesse entre nós, meu pai hoje estaria recebendo os parabéns.

Partiu em uma tarde de fevereiro. Ano 2004. O rio da aldeia em que nasceu estava cheio e ele foi dar um mergulho. Ninguém imaginava que aquela submersão seria para sempre.

Sua presença é uma constante em minha rotina.

Outro dia rabisquei um soneto em sua memória. Eí-lo:

“Meu querido pai, corpulento e afobado homem
De cor vermelha e idéias levemente escuras
Diviso-te espargindo, ombro e abdômen,
O sereno prestativo de tua arrojada figura.

Tinhas vários nomes e eu, um único jeito,
De abrandar tua explosão temperamental:
Ao invés da faca da palavra, o mutismo do olhar -
Denso como o caju, cortante como o punhal.

Adorava teus contornos de astúcia, o ás de precipitação
O comercial espírito, o passo apressado, a alma em flor
O palpitante núcleo do peito, lagoa sempre em ebulição

Que num fevereiro e ensolarado sábado se evaporou.
Pois é. E o mesmo rio que abriu tuas comportas de emoção
Um dia, como em redemoinho, de súbito te levou!”


(Júnior Bonfim)

TRÊS PAPAS JUNTOS (FOTO HISTÓRICA E RARÍSSIMA)



Uma fotografia, sem data registrada, e que tem circulado pela internet, mostra um encontro dos três últimos Papas: João Paulo II, Bento XVI e Francisco. A imagem representa cerca de 35 anos de poder na Igreja Católica. Na fotografia, o então papa João Paulo II cumprimenta Joseph Ratzinger sob os olhares de Jorge Mario Bergoglio.
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Além disso, o trio é responsável pela descentralização do poder católico da Itália, já que o polonês João Paulo II foi o primeiro Papa não-italiano em 456 anos, desde o holandês Adriano VI em 1522. Seus sucessores são da Alemanha e
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Pouco depois de eleito, o papa Francisco conduziu uma oração em homenagem a Bento XVI, seu antecessor, e telefonou para ele no primeiro dia de pontificado. Em 2005, quanto Ratzinger foi escolhido como sucessor de João Paulo II, Bergoglio foi o segundo cardeal mais votado no conclave.


(Lucas Carrano)

quarta-feira, 17 de abril de 2013

CONJUNTURA NACIONAL

Prioridades do prefeito

Abro a coluna com mais uma historinha de políticos do RN.

Analfabeto na íntegra, Zé do Carmo, pai do deputado Manoel do Carmo, liderança do Agreste potiguar, bota na cabeça de ser prefeito de Santo Antônio. Diante do filho influente e abastado, Zé insiste em materializar o projeto pessoal. Eleito sem dificuldade pela força política de Manoel, ele não se contém de felicidade. Dias após a eleição, a Rádio Curimataú de Nova Cruz o convida para uma entrevista. Mesmo pouco afeito ao vernáculo e com clara desavença com os termos comuns à administração pública, Zé do Carmo apresenta-se impávido para o compromisso.

- Prefeito, qual sua prioridade? - começa o repórter.

Sobressaltado, Zé do Carmo retruca: "É o quê? Olha, meu filho, eu não conheço essa palavra. Fale mais fácil!". Com a tradução feita, o novo prefeito espicha seus objetivos principais: "Ah, fazer o calçamento, ajeitar o patamar e dar uma pintura na igreja...".

(Carlos Santos é quem conta no livro "Só Rindo")

Fusão partidária

O PPS e o PMN começam a organizar o ritual da fusão para criação de uma nova sigla : MD, Mobilização Democrática. Trata-se de mais uma janela para abrir possibilidade de migração interpartidária. Por ocasião de fusão, o parlamentar poderá sair de um partido e entrar noutro sem ser apenado. Há muita gente insatisfeita com seu atual partido. O PDS, de Kassab, foi a última sigla criada que propiciou intensa mobilização partidária. Quase sufocou o DEM. Agora, os grandes partidos se mobilizam para evitar que o deputado migrante também leve tempo de TV e recursos para a nova casa escolhida.

Serra no MD

Fala-se a torto e a direito que o ex-governador José Serra está prestes a fechar o bico tucano. Se o Mobilização Democrática vir a se formar, Serra nele entraria. O presidente do PPS, deputado Fernando Freire, é amigo de Serra e tem esperança de seu ingresso na nova sigla. Freire tem sinalizado que ambos poderão apoiar o pernambucano Eduardo Campos, governador de PE, no pleito de 2014. Seria a maior bomba do ano, eis que Serra, rompendo com o correligionário Aécio Neves, estaria quebrando o PSDB ao meio. Nem Alckmin nem Fernando Henrique, dizem, segurarão o Serra na floresta tucana.

E a Rede de Marina, hein?

Marina Silva desdobra-se para viabilizar sua Rede Sustentabilidade. Tem até outubro para fazer isso. Ocorre que a mobilização em torno da Rede tem sido pequena. Os militantes da sustentabilidade estão se mostrando pouco animados. Marina tem ido às ruas. Mas conta com pequenos exércitos. É possível que, na undécima hora, consiga formar sua Rede. Caso contrário, tenderia a apoiar Eduardo Campos. Fala-se, até, em sua candidatura a vice na chapa do pernambucano.

A estupidez

"Só duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana; mas não estou seguro sobre a primeira". (Einstein)

PSDB meio desanimado

Já o PSDB, a ser comandado pelo senador Aécio Neves, continua desanimado. Serra não tem prestigiado Aécio. Alckmin, por sua vez, está preocupado com sua candidatura à reeleição. Os tucanos não têm tido motivo para grandes alegrias. Vêem o governismo adensar suas bases. Vêem Dilma muito bem avaliada. Vêem as massas com a barriga cheia. E, para arrematar o desânimo, continuam a expressar um discurso sem muita densidade. Onde está o projeto tucano para o país?

PMDB animado

Já o PMDB está animado. Domina as duas Casas legislativas. Dá as cartas no Parlamento. E está fechando parceria com o PT para 2014. O vice-presidente da República, Michel Temer, ganha, a cada dia, respeito e confiança da presidente Dilma. Representa o governo brasileiro em missões no exterior. O partido, com as exceções de praxe, está unido. Prepara uma baciada de candidatos a governador em 2014. E já começa a trabalhar na moldura de 2018.

PDT repartido

Já o PDT continua repartido. A banda do ministro Carlos Lupi levou a melhor na briga com o grupo de Brizola Neto. Que perdeu o Ministério do Trabalho e hoje está cercado de muita....solidão. Paulinho da Força, por sua vez, está mais interessado em criar o seu partido, Solidariedade, do que lutar pelo fortalecimento da sigla.

Pátria

"Pátria é comunhão de esperanças, de sonhos comuns e a busca de um ideal; é a solidariedade sentimental de um povo e não a confabulação de politiqueiros que medram à sua sombra". (José Ingenieros)

Solidariedade

Paulinho tem dito que anunciará seu novo partido em 1º de maio. Será? Sabe-se que montou grande estrutura para pegar assinaturas de apoiadores. Mas há um ritual bastante longo a cumprir. Até outubro. Alguns dizem que o Solidariedade sairá antes do partido de Marina. A conferir.

Alckmin terá chances?

Muito difícil a reeleição de Geraldo Alckmin em 2014. Trata-se de um perfil afável, uma pessoa agradável. Mas qual é a marca do governo Alckmin? Qual o eixo, a identidade? Não há um traço de diferenciação, algo que expresse a índole da administração. Ademais, o governador enfrenta o problema de desgaste de material. A polarização PT x PSDB se mostra esgotada. O eleitorado quer ver caras novas.

Skaf no tabuleiro

Paulo Skaf deverá ser o candidato do PMDB ao governo de SP. Tem fôlego e garra. Um perfil arrojado, empreendedor. Dirige a FIESP com visão estratégica. Abre campanhas memoráveis, como essa última, de redução do preço da energia. Bem diferente dos perfis tradicionais da política. Poderá ser a alternativa ao velho jogo entre PT e PSDB. A conferir!

Anastasia faz o quê?

Alguém sabe onde está o choque de gestão do governador Antonio Anastasia? Não era o perfil de renovação? Está isolado nas Minas Gerais.

Exploração

"O Brasil precisa explorar com urgência a sua riqueza - porque a pobreza não aguenta mais ser explorada". (Max Nunes).

Marcio Lacerda

Já o prefeito de BH, Marcio Lacerda, faz uma administração revolucionária. É o que ouço de mineiros com bom olhar político.

Bancadas mudarão?

STF acatará recursos dos Estados que tiveram suas bancadas parlamentares diminuídas por decisão do TSE ? Afinal de contas, não deve se levar em conta o tamanho do eleitorado? Ou vamos ter de mudar os critérios para a formação de bancadas?

O imbróglio no Rio

O PMDB deverá entrar no pleito de 2014 com Pezão. O PT com Lindbergh. Não haverá aliança entre os dois partidos. Para melhorar as chances de Pezão, Sérgio Cabral pensa em deixar o governo para o vice assumir e, assim, ter melhores condições de viabilizar a candidatura. Cabral, diz-se, poderá voltar ao Senado.

Maduro bem verde

Nicolas Maduro ganhou por pouco a presidência na Venezuela. Mas a derrota de Capriles pode se transformar em uma grande vitória. O país está com sua economia em destroços. Capriles vai assistir a derrocada nas arquibancadas. E Maduro, um político ainda muito verde, estará condenado a sair pelas portas do fundo.

Queda

O governo faz previsões menores para o crescimento da economia. E trabalha com queda significativa da dívida pública líquida como proporção do PIB - principal critério para avaliar a sustentabilidade das contas públicas. A dívida líquida terminará este ano em 33,4% do PIB, em 30,9% do PIB ao fim de 2014 e em 28,4% em 2015. Em 2012, a dívida ficou em 35,2% do PIB.

IX FESP

O Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Estado de SP (SESVESP) promoverá entre os dias 17 e 19 de abril o IX FESP - Fórum Empresarial de Segurança Privada do Estado de São Paulo com o objetivo de debater as principais tendências e os desafios do mercado de Segurança Privada. O encontro será em Campos do Jordão, no Blue Mountain Hotel. E contará com palestras do advogado, ex-presidente da OAB/SP, Luiz Flávio Borges D'Urso, Emílio Gahma, Dr. Ricardo Sancovich, Paulo Vicente Alves e José Pastore. Alguns assuntos como insegurança jurídica e as inovações trazidas pela nova Portaria 3233/12 serão abordados no encontro.

Lições de Winston Churchill

Fecho a coluna com o maior estadista do século XX:

"Se você tem conhecimento, deixe os outros acenderem suas velas com ele".

"Fanático é alguém que não muda de ideia e não muda de assunto".

"Minha mulher e eu tentamos tomar juntos o café da manhã por duas ou três vezes, mas era tão desagradável que tivemos de parar".

"A coragem é a primeira das qualidades humanas, porque é a qualidade que garante as demais".

"O sucesso consiste em ir de derrota em derrota sem perder o entusiasmo".

"O político precisa ter a habilidade de prever o que vai acontecer amanhã, semana que vem, mês que vem, ano que vem. E a habilidade de explicar porque não aconteceu".

"Política é quase tão excitante quanto a guerra, e quase tão perigosa. Na guerra, você é morto uma vez mas em política, várias vezes".

"Minha conquista mais brilhante foi a habilidade de persuadir minha mulher a se casar comigo".

"Cidadãos saudáveis são o maior bem que qualquer país pode ter".

"Índia é apenas um termo geográfico e não mais uma nação unida, tal qual o Equador".

"Atitude é uma pequena coisa que faz uma grande diferença".

Conselho ao senador Aécio Neves

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado ao governador Eduardo Campos, do PSB de PE.

1. Senador, sua imagem de pré-candidato é cada vez mais forte. Não está na hora de arrumar um discurso mais abrangente e forte sobre o país?

2. Para a opinião pública, não convém que um pré-candidato expresse um discurso de oposição sem conteúdo condizente com o porte do PSDB.

3. Anuncie publicamente um projeto para o país; convoque os melhores quadros para compor esse projeto.

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(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 16 de abril de 2013

SOBRE O LIVRO “LUIZ GONZAGA – MUITO ALÉM DE UM SANFONEIRO”



Dizem que o primeiro filósofo da política do mundo moderno, Nicolau Maquiavel, cumpria um rigoroso ritual antes de se entregar às tarefas da escrita de O Príncipe. Costumava, após o banho, substituir as roupas do dia a dia por vestimentas de nobres, a fim de receber inspiração superior. Lembrava que uma das veredas do sucesso era mirar o exemplo dos grandes vultos da História.

Quisera eu nesta noite memorável, energizada pela fraterna amizade, perfumada pelas essências do afeto, em que um grupo de amigos se reúne para reverenciar um grande vulto da história recente da cultura popular da nossa Pátria; quisera eu possuir a fortuna da eloquência para pronunciar aqui a oração que a ocasião reclama. Como não fui dadivado com o vigor oracular, procurarei compensar essa deficiência com a precisão da síntese.

Permitam-me compartilhar três breves pontos.

O primeiro é que este livro é a homenagem de um fidalgo da literatura popular ao monarca da música do povão, o Rei do Baião. Dideus Sales, um poeta popular universal e completo, aqui restou insuperável porque aureolado pela radiosa colaboração de Audífax Rios. Disse ontem que Dideus é uma espécie rara, um ser híbrido que nos mimoseia com a genialidade de um versejador nato e, ao mesmo tempo, de um estimulador do talento alheio. É uma fonte original da mais autêntica poesia popular e, também, uma casa de apoio e incentivo para a germinação lúdica de outros artistas. Mensalmente, escolhe o portal de uma cidade cearense para inserir estrofes que enobrecem a alma humana. Vez por outra, promove um festival de cantadores e violeiros para semear alegria e esperança nos corações amargurados pela aridez existencial. Constantemente cunha um livro melhor que o anterior. E permanece em sintonia perene com as aves e as árvores da nossa surpreendente geografia para cantar o amor e a amizade, o instrumental da festa do viver. Parabéns, poeta!

O segundo parágrafo é que às vezes fico perscrutando qual a razão que leva algumas pessoas a alcançarem os píncaros da reverência dos seus concidadãos, aquilo que os latinos chamavam de aura popularis. E sempre deságuo na conclusão de que, neste caso, inexiste motivo racional. A glória não é produto da racionalidade, mas da gratuidade. Gratuidade de uma força superior, que soprou o verbo e o fez carne, alimento para a nossa alma. Como explicar um fenômeno como Francisco, o nosso Papa atual? Francisco, sem contratar qualquer empresa de marketing e/ou publicidade, em menos de 24 horas se tornou uma marca poderosa. Como lembra Nizan Guanaes, “Francisco quer dizer coma moderadamente num mundo obeso. Francisco quer dizer beba com alegria num mundo que enfia a cara no poste. Francisco quer dizer consumo responsável em sociedades de governos e consumidores endividados. Francisco quer dizer o uso responsável do irmão ar, do irmão mar, do irmão vento e de todas as riquezas debaixo do irmão Sol e da irmã Lua”.

Ao dizer que a glória é gratuidade, ouso lembrar que a consequência da gratuidade há que ser sempre a gratidão. Alguém que foi agraciado com o celeiro da criatividade deve lembrar que tem uma missão exponencial. Como bem leciona a música, “se um dom especial é dado para alguém, é pra ajudar o bem na luta contra o mal”. Esta a grande, a única, a excelsa tarefa dos escritores em todos os tempos: insuflar o bem, sufocar o mal.

A última palavra. Há duzentos e dez anos o poeta alemão Frederico Hölderlin, premido pela saudade de uma temporada no sul da França – ainda sob os eflúvios do protagonismo da Revolução Francesa - lapidava seu belo poema A Lembrança, cujo último verso consigna que “o que permanece é aquilo que é fundado pelos poetas”.

A poesia de Dideus, a gravura de Audífax, a música de Luiz Gonzaga são alicerces civilizacionais. Suas obras cantam a mais surpreendente, a mais envolvente, a mais sofrida, a mais valente, a mais valorosa região desta Pátria: o Nordeste Brasileiro, em especial o nosso mágico Sertão.

Honra e louvor a esses visionários fundadores!

(Júnior Bonfim, no Flórida Bar, em Fortaleza, Ceará, na noite de 04 de abril de 2013, publicado na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

OBSERVATÓRIO



Há três anos o mundo perdeu José Saramago, o maior escritor português dos últimos tempos. Filho e neto de camponeses, Saramago foi laureado com os mais expressivos prêmios que a um escritor pode tocar, inclusive o Nobel de Literatura. Dizia que ser escritor e cidadão se confundia. Seus escritos tinham forte tinta política. Era engajado e comprometido com os destinos do povo e sua obra se constitui uma inesgotável fonte. Nesta coluna relembraremos algumas de suas frases.

IPAPORANGA
Dizia Saramago: “O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas”. Na política, sobretudo entre os que estão por cima, é comum o pensamento de que o poder é definitivo. Porém, ele gira. No último dia 05 de abril tivemos uma prova disso. A Câmara Municipal de Ipaporanga estava superlotada. Presentes os nove vereadores que compõem aquela Casa Legislativa. Em pauta a votação das contas de governo do exercício 2009, de responsabilidade do ex-prefeito Nilson Moreira. As Contas vieram com parecer favorável do Tribunal de Contas dos Municípios. Pela lei, para desaprovar as contas com parecer favorável do TCM, são necessários dois terços dos votos. Era algo inimaginável. Que o ex-prefeito perdeu a eleição e, por consequência, a maioria na Câmara – todos sabiam. No entanto, era difícil supor que amargasse uma derrota acachapante. Mas ela ocorreu. Dos nove vereadores, seis votaram contra.

IPAPORANGA II
O primeiro efeito desse resultado é que o ex-prefeito fica legalmente impedido de disputar eleições pelos próximos oito anos. Como o Poder Legislativo é autônomo nesse tipo de julgamento, a única brecha seria se o processo tivesse ocorrido à revelia das normas que regem a matéria. Exemplo: julgamento sem facultar ao acusado o direito de defesa. Isso, porém, não ocorreu.

OPOSIÇÃO
“Acho que na sociedade atual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de reflexão, que pode não ter um objetivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objetivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma” (Saramago). A política, nos últimos tempos, tem se ressentido da falta de ideias. Talvez porque as ideias sejam sementes que só germinam em solo fértil. E o terreno propício para a produção de boas ideias é o da boa vontade, do desprendimento, da gratuidade. Só os políticos vocacionados, aqueles que prestam reverência ao interesse coletivo, são capazes de gestar projetos luminosos.

OPOSIÇÃO II
Em Crateús, a oposição sofre de um problema crônico: a dificuldade de se manter unida. Debite-se na conta dessa desunião a derrota – que poderia ter sido vitória – na eleição passada. Sábado próximo passado, dia 13 de abril, tendo à frente Ivan Monte Claudino, alguns líderes oposicionistas foram à Rádio Poty se manifestar. A fala animou a militância. Mas é preciso mais. É necessário o compromisso público de dar às mãos ao redor de um programa de ação comum. Impõe-se que cada um que tem a pretensão legítima de ser candidato aceite se compor em torno de uma chapa com viabilidade de vitória.

OPOSIÇÃO III
Hoje o movimento de combate aos equívocos oficiais se resume a algumas associações de classe e blocos sindicais. Na Câmara, a alguns Vereadores aguerridos e destemidos. Somente. Embora a insatisfação popular seja real (prova disso é o resultado da última eleição) é imperioso que os formadores de opinião e as lideranças constituam um fórum sistemático de análise dos fatos e intervenção na realidade.

AMLEF
“Começar a ler foi para mim como entrar num bosque pela primeira vez e encontrar-me, de repente, com todas as árvores, todas as flores, todos os pássaros. Quando fazes isso, o que te deslumbra é o conjunto. Não dizes: gosto desta árvore mais que das outras. Não, cada livro em que entrava, tomava-o como algo único” (Saramago). A Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza – AMLEF – realiza hoje a noite, no Palácio da Luz, sede da Academia Cearense de Letras, solenidade para dar posse a três membros efetivos (Gonzaga Mota, Mônica Tassigny e Evandro Bezerra) e a um sócio honorário, o crateuense e ministro do Tribunal de Contas da União – TCU – Valmir Campelo. Nos últimos tempos, além das inúmeras tarefas que se desincumbe com brilhantismo, Valmir também tem se entregue ao bosque da literatura. Recentemente lançou em Fortaleza o livro "Obras Públicas - Comentários à Jurisprudência do TCU". Será saudado por este escriba, que também foi autor da concessão da honraria.

PARA REFLETIR
“Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”. (José Saramago)

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

segunda-feira, 15 de abril de 2013

AMANHÃ É DIA DE MAIS UMA EDIÇÃO DO JORNAL GAZETA DO CENTRO OESTE

"DISCUSSÃO SOBRE INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO É MANIQUEÍSTA" - DIZ JUIZ

Guilherme de Souza Nucci é juiz há 25 anos. Atualmente, é juiz convocado no Tribunal de Justiça de São Paulo. Grande especialista em Direito Processual Penal, é livre-docente no tema pela PUC-SP. Também é professor da matéria na Faculdade de Direito da PUC. Veja a entrevista que concedeu ao site ConJur:

ConJur — O Ministério Público pode investigar?
Guilherme Nucci — Sozinho, não. O próprio promotor abre investigação no gabinete, colhe tudo, não dá satisfação para ninguém, e denuncia. Não. Não e não mesmo. As pessoas estão confundindo as coisas. Ninguém quer privar o Ministério Público de fazer seu papel constitucional. Estão divulgando essa questão de uma forma maniqueísta: pode ou não pode investigar? O MP é bom ou é mau? Isso não existe, é infantil. Ninguém é criança, para achar que é o legal ou o não-legal, o bacana ou o não-bacana. O que a gente tem de pensar é o seguinte: o Ministério Público é o controlador da Polícia Judiciária. Está na Constituição Federal. A Polícia Judiciária, também de acordo com a Constituição Federal, é quem tem a atribuição da investigação criminal.

ConJur — Privativamente, não é? A função dela é só essa.
Guilherme Nucci — A polícia existe para isso. Delegados, investigadores, detetives, agentes da Polícia Federal são pessoas pagas para investigar. E aí o que se diz? O MP não confia nesse povo, que é tudo corrupto, e nós vamos investigar sozinhos. Mas e as instituições são jogadas às traças assim? Eu não concordo. A atividade investigatória foi dada, no Brasil, ao delegado de polícia, concursado, bacharel em Direito. Não é um xerife, um sujeito da cidade que é bacana e que a gente elegeu xerife e que portanto não entende nada de Direito. Nossa estrutura é concursada, democrática, de igual para igual. Não existe isso de “ele é delegado, então ele é pior; eu sou promotor, sou melhor”. Tem corrupção? Então vamos em cima dela, vamos limpar, fazer o que for necessário. Agora, não podemos dizer que, porque a polícia tem uma banda corrupta, devemos tirar a atribuição dela de investigar e passar para outro órgão.

ConJur — Como se no Ministério Público não tivesse corrupção.
Guilherme Nucci — É o único imaculado do mundo? Não. Polícia investiga, MP acusa, juiz julga. MP investiga? Lógico. Junto com a polícia. A polícia faz o trabalho dela e o MP em cima, pede mais provas, requisita diligência, vai junto. Não tem problema o promotor fazer essas coisas. Ele deve fazer.

ConJur — O que não pode é ele fazer, sozinho, a investigação, é isso?
Guilherme Nucci — É. Dizer “eu quero fazer sozinho”. Por quê? Não registrar o que faz? Tenho ouvido dizer de muitas pessoas, tanto investigados quanto advogados, que contam: “Fiquei sabendo que eu estou sendo investigado”. Imagine você, ficar sabendo porque um vizinho seu foi ouvido. Aí ele chega pra você e fala: “Pedro, você está devendo alguma coisa? Aconteceu alguma coisa?”. “Não, por quê?”. “Porque um promotor me chamou ontem”. Aí você contata um advogado amigo seu e ele vai lá à Promotoria e vê se o promotor te mostra o que ele está fazendo. “Protocolado. Interno. É meu”. Veja, não é inquérito, portanto não está previsto em lei. Não tem órgão fiscalizador, não tem juiz, não tem procurador, ninguém acima dele.

ConJur — Só ele, de ofício, sem dar satisfações
Guilherme Nucci — Ele faz o que ele quiser. Ele requisita informações a seu respeito, ou testemunhas. Depois joga uma denúncia. Do nada. Mas cadê a legalidade?! O Supremo já decidiu: tem procuração, pode acompanhar qualquer inquérito, quanto mais protocolado na Promotoria. Então vamos jogar o jogo: quer investigar? Quero. Sozinho? É. Então passa uma lei no Congresso. No mínimo. O ponto é: se o MP quer investigar, tem de editar uma lei federal dizendo como é que vai ser essa investigação. Quem fiscaliza, quem investiga, de que forma, qual procedimento etc. para eu poder entrar com Habeas Corpus, se necessário. O que está errado, hoje, é o MP fazer tudo sozinho. Eu deixo isso bem claro porque cada vez que a gente vai para uma discussão vem o lado emocional. Não estamos vendo o mérito e o demérito da instituição. Estamos falando de um ponto só: o MP não pode investigar sozinho. Ponto final.

ConJur — Em matéria penal, deixando a política de lado, qual a importância do julgamento do mensalão?
Guilherme Nucci — O julgamento do mensalão trouxe para o Brasil um avanço muito grande em nível penal porque pela primeira vez o Supremo Tribunal Federal fixou uma pena em caráter originário pelos onze ministros. É uma coisa histórica. Estamos acostumados a ver o STF julgar recursos, Habeas Corpus, mas não fixando pena, como se fosse um juiz de primeiro grau. E dali tiramos várias lições.

ConJur — Que tipo de lição?
Guilherme Nucci — Coisas controversas, como fixar a pena-base, ou o que levar em consideração, concretamente, para essa escolha. Quanto vale um atenuante, quanto vale um agravante. O Supremo teve de passar por todas essas coisas.

ConJur — Consegue citar alguma dessas lições que tenha considerado mais importante?
Guilherme Nucci — O Supremo entendeu que os agravantes e atenuantes afetam a pena em um sexto. Já era uma jurisprudência majoritária, mas cada juiz tem um critério, porque o Código Penal não fixa.

ConJur — Qual a mudança, então?
Guilherme Nucci — A gente não tinha parâmetro. Tem juiz que entende que é um oitavo, outros entendem que deve afetar em um terço. Alguns aplicam um critério numérico, como seis meses ou um mês.

ConJur — É possível dizer que a interpretação do Supremo no julgamento do mensalão permitiu certa flexibilização da valoração das provas?
Guilherme Nucci — Não vejo assim. O que eu vejo é que o Supremo teve de agir como um juiz age, de valorar a prova pela primeira vez, sem filtragem de nenhum órgão judiciário antes. A prova indiciária está prevista em lei. Os indícios são provas indiretas. O que o ministro deixou claro é que estamos usando, no caso ali, a prova indiciária, que é usada também para outros casos, num roubo simples, num furto. E que a gente não tem necessariamente de usar para condenar só a prova direta — aquela em que pessoa que viu o crime diz: “Foi assim”. Então, na verdade não houve flexibilização.

ConJur — O senhor acha que o caso trouxe à tona aquele sentimento de punir os réus por causa dos cargos que ocupam ou pelo que representam na sociedade?
Guilherme Nucci — Não acredito nisso, sinceramente. Como é um julgamento envolvendo personalidades importantes da República, geralmente baixa esse espírito nas pessoas ligadas aos réus, até mesmo nos seus defensores, dizendo: “Não tem prova; os juízes estão julgando de maneira política”. Mas não creio nisso, sinceramente. Ali é um conjunto de provas, cada um analisa de acordo com o seu convencimento, de acordo com sua convicção própria. O sistema processual penal permite que o juiz forme a sua convicção livremente. Não li os autos, então não posso dizer se há prova do crime ou não, mas não acredito que os ministros tenham tido motivação política no julgamento. Pelo que acompanho, os julgamentos do STF, pelo menos em matéria penal, são sempre bastante técnicos.

ConJur — O fato de se ter uma corte suprema julgando uma ação penal originária influencia nessa conta?
Guilherme Nucci — Na verdade, isso envolve o problema da prerrogativa de função, ou do foro privilegiado. Sou contra. Não vejo nenhum sentido em qualquer autoridade ter direito a um foro específico, especial. Acho que deputado, senador, juiz, promotor, seja quem for, tem que ser julgado por um juiz de primeiro grau. Daí ele tem direito a recurso para o tribunal, depois para o Superior Tribunal de Justiça e, se for o caso, para o Supremo. Como qualquer réu.

ConJur — Mas isso não seria uma garantia social, por causa do cargo que a pessoa com prerrogativa de foro exerce?
Guilherme Nucci — Ora, quem vai para a cadeia não é o cargo, é a pessoa, não é? Em matéria penal não existe julgamento de cargo, existe o julgamento da pessoa, de quem cometeu o crime. Não vejo nenhuma subversão de hierarquia. E vamos ponderar: se um presidente da República, um ministro, um deputado pode se sentar no primeiro grau na Justiça Trabalhista, na Justiça Civil, porque na esfera penal a questão não pode ser resolvida pelo primeiro grau?

ConJur — Passa pela questão de que talvez o juiz de primeiro grau tenha menos qualidade técnica, e por isso alguém com um cargo de representação na República deva ser julgado por uma corte qualificada?
Guilherme Nucci — Não tem a ver com o fato de o Supremo julgar melhor ou pior. Tem a ver com o fato de que todos os brasileiros são iguais. Por isso o correto é que um juiz de primeiro grau tivesse julgado o mensalão, não o Supremo.

ConJur — Alguns réus tentaram.
Guilherme Nucci — Sim, mas veja: por que no mensalão houve grita? Isso num caso de repercussão vira um problema, mas quando não tem, ninguém fala. Mas se quer mudar isso, é simples: muda a lei. Quer desmembrar? Vai lá no Congresso e muda a lei e diz que acabou a conexão quando há uma pessoa que não tem foro privilegiado.

ConJur — Mas não tem aquela questão de que, com o foro especial, o réu tem menos possibilidade de recurso?
Guilherme Nucci — Essa é uma questão interessante que meus alunos vivem me perguntando. Todo réu tem direito ao duplo grau de jurisdição, mas acontece que todo princípio constitucional tem sua exceção. E se você quer um benefício que outros não têm, deve abrir mão de alguma coisa. Os detentores de foro privilegiado, quando fizeram a Constituição Federal, já sabiam que qualquer deputado, senador, presidente, ministro ia ser julgado pela mais alta corte de Justiça e que dali não teriam para quem recorrer. E toparam. É um jogo político. E todo mundo sabe as regras do jogo, ninguém ali é criança.

ConJur — E agora querem fazer o jogo de novo.
Guilherme Nucci — Agora que foram julgados, depois de 25 anos de Constituição, alguém vem dizer assim: “Eu quero duplo grau. Qualquer réu aí de primeiro grau tem direito a recorrer, por que eu não?” Muito simples: porque o coitado do assaltante, que roubou ali na esquina, vai ser julgado por um juiz de primeiro grau — que, para você, que tem foro privilegiado, não serve. Aí, ele vai recorrer para o tribunal; e ele pode chegar ao Supremo, por grau de recurso. Você, não. Você já começou na mais alta instância. Você escolheu esse sistema. As regras estão postas há 25 anos. Reclamar disso agora é sofisma. Só isso.

ConJur — Outro argumento a favor da prerrogativa de foro é para evitar a contaminação política da decisão. Uma crítica muito feita ao Ministério Público é a perseguição a ocupantes de cargos políticos. Aquela mentalidade do “vamos denunciar, é um ‘figurão’”.
Guilherme Nucci — Uma das argumentações realmente é essa: levando para a cúpula eu evito que o julgamento seja contaminado, evito acusações levianas etc. Mas se editássemos uma norma razoável, dizendo que as acusações devem ter tais fundamentos, responsabilizando pessoalmente o autor de uma denúncia leviana, as coisas engrenariam. Poderíamos fazer uma espécie de contrapeso. Tira o foro privilegiado, mas põe uma responsabilidade maior em quem faz a denúncia e em quem a recebe. A razoabilidade é o que deve imperar. O fato de a denúncia ter de ser feita num órgão de cúpula é que existe, naturalmente, uma filtragem maior. É uma realidade.

ConJur — Pune-se demais no Brasil, ou em São Paulo? O que se discute agora, na reforma do Código Penal, por exemplo, é o aumento das penas dos crimes de perigo abstrato, ou aumentar para o tráfico de drogas e aliviar para o uso.
Guilherme Nucci — O levantamento que eu tenho, dos recursos que me chegam, é que a gente só julga seis crimes: tráfico, homicídio, roubo, furto, estelionato e estupro. E metade disso é tráfico. Aí te pergunto: precisamos ter não sei quantos milhares de tipos penais? Não usam. Pune-se demais? Pune-se, nada. Que perigo abstrato é esse que está sendo punido? Pega todos os crimes de perigo abstrato do Código Penal e vê se estão sendo punidos. Aliás, pega todos os crimes de perigo.

ConJur — E que crimes são esses?
Guilherme Nucci — Inundação, naufrágio, incêndio, omissão de socorro, abandono de incapaz, maus tratos, bla bla bla. Bota na mesa, vê quantos estão sendo punidos. Não existe, é mentira. Não tem excesso punitivo. Mas aí, o que eu posso fazer se a sociedade vive com cocaína no bolso e arma na cintura? Pune-se demais? Não. O que eu vejo é um excesso de leis inúteis, que podiam nem existir.

ConJur — Tráfico, por exemplo, que o senhor mencionou, tem uma pena muito pesada?
Guilherme Nucci — Olha, até acho que para o traficante de primeira viagem pode até ser pesado cinco anos. Mas se você pensar no sujeito que pratica tráfico pesado, se organiza, se arma, distribui, é preso com 30 quilos, corrompe, aí tem que punir mesmo. E cinco anos é até pouco. Droga é pesado, corrompe o sistema, fere a saúde pública.

ConJur — Mas existe a demanda.
Guilherme Nucci — Evidente. Concordo plenamente, isso é um problema social grave. Não é só olhar o caráter criminal. Tem quem compre. A celeuma toda não vai ser resolvida só na esfera penal. Mas nisso eu não tenho opinião formada. Não tenho mesmo. Eu acho, sinceramente, que na esfera penal propriamente dita o tráfico tem que ser punido. A única coisa que não concordo é o usuário que não cumpre a pena alternativa não possa ser apenado. Ele foi pego duas vezes fumando maconha e levou duas advertências. Na terceira acontece o quê? Outra advertência? Tinha que ter uma postura mais dura do Estado para esses casos.

ConJur — Mas o que acontece é que o usuário é autuado como traficante.
Guilherme Nucci — Assim que saiu a lei eu escrevi isso no meu livro de tóxicos, sobre as leis penais especiais. Disse o seguinte: “Sabe o que vai acontecer com essa história de o usuário não ir mais para a cadeia? Os delegados vão começar a autuar todo mundo por tráfico”. Dito e feito. E por que o delegado vai amenizar? Pega o cara com cinco cigarros de maconha, ele que prove que é usuário.

ConJur — A coisa se inverte, não é?
Guilherme Nucci — Exatamente. Porque quanto mais você ameniza um lado e carrega o outro, a distorção fica muito grande. Um não vai para a cadeia de jeito nenhum e o outro vai sempre, e o que acontece é que a polícia nunca vai te enquadrar no lado de baixo, porque aí não faria sentido o trabalho dela.

ConJur — E no caso dos crimes de tráfico essa inversão tem acontecido com frequência?
Guilherme Nucci — É patente. No TJ julgamos isso aos montes. A polícia autua, o MP acusa e nós temos de desqualificar. No caso da lei do tráfico ficou esquisito porque carregar a droga é tráfico, mas carregar a droga para uso, não. Então o acusado é quem tem de provar o uso para desqualificar o tráfico.

ConJur — Então é a lei que inverte o ônus da prova?
Guilherme Nucci — Exatamente. O tráfico é que tinha que ter a finalidade: “Carregar droga para comercializar”. E aí se não fica provada a intenção de vender, de traficar, cai automaticamente para o uso. Mas hoje, pela lei, se você carrega a droga, mas não consegue provar que é para consumo próprio, é condenado por tráfico.

ConJur — E aí é aquela velha ideia de que a polícia prende e o Judiciário solta.
Guilherme Nucci — Mas essa é velha mesmo. A Justiça não tem o papel de prender. O papel dela é o de soltar também. Não é só um lado. Só que o papel da polícia é o de prender. Ela trabalha para prender. O juiz, não.

ConJur — Mas também existe aquela noção de que o Judiciário brasileiro é pró-réu. O ministro Joaquim Barbosa já falou isso algumas vezes.
Guilherme Nucci — São frases de efeito que mexem com a estrutura para que as pessoas discutam. Vale para uma conversa numa mesa, mas eu não acredito na generalização disso.

ConJur — O preso no regime fechado ganha o direito de progredir, mas não há vagas no semiaberto. Ele deve esperar no fechado ou ir direto para o aberto?
Guilherme de Souza Nucci — A minha câmara tem duas posições. Uma é dar um prazo para ele passar para o semiaberto. E a segunda posição é, se o juiz der originalmente o semiaberto, aí ele não fica nem um dia a mais no fechado. Porque tem isso também: a sentença é para ele ir para o semiaberto, mas, como não tem vaga, ele vai para o fechado. Isso está completamente errado.

ConJur — E ele passa a ocupar uma vaga no fechado.
Guilherme Nucci — Essa é uma questão absurda. A pergunta que eu sempre faço aos meus alunos: por que não falta vaga no fechado? Não amontoa? Por que não abre a colônia e joga mais um? Por que no semiaberto tem número limitado de vagas e no fechado não? São coisas engraçadas, não é? Então, amontoa todo mundo na colônia. “Ah, mas aí vira bagunça.” O que significa então que o fechado vira bagunça e o Executivo está sabendo que vira bagunça, e que está uma bagunça. Ou vai me dizer que o fechado está totalmente organizado e nunca falta vaga? Então porque o Estado não investe no semiaberto? Por que o estado de São Paulo, especialmente São Paulo, não tem nenhuma casa de albergado? O regime aberto é hoje uma impunidade por causa disso. Vai todo mundo pra casa.

ConJur — O que deve ser feito, então, com o condenado que progride, mas não acha vaga?
Guilherme Nucci — Tem que ir para o aberto direto. Está no fechado, ganha o direito, defiro. Não tem vaga, mas o que o preso tem com isso? O que é que o indivíduo tem com a inépcia estatal? “Ah, ele que apodreça no fechado porque a sociedade também não tem nada com isso.” Mas foi a sociedade que elegeu o governo. Então alguém tem que ser responsabilizado por esse indivíduo ter ido para a rua antes da hora. E se ele matar, estuprar, fizer acontecer, a culpa é do governante. A culpa não é do desembargador que deferiu o Habeas Corpus para ele ir para o regime aberto. É preciso que amanhã, quando esse indivíduo delinquir de novo porque ele não estava preparado para ir para o aberto, que todo mundo se reúna e fale: “Culpa de quem? Do Executivo”.

ConJur — Mas tem o juiz que manda ele continuar preso.
Guilherme Nucci — Tem que parar com essa história de “eu sou desembargador justiceiro, eu tenho que fazer justiça de qualquer jeito e mandar esse cara continuar no regime fechado. A sociedade não pode pagar essa conta, e se não tem vaga no semiaberto, fica no fechado”. Fazendo isso, estou resolvendo um problema do Executivo. Eu sou juiz, não tenho que resolver isso, tenho é que aplicar a lei. E a lei fala que ele tem de ir para o semiaberto, então ele tem de ir para fora da cadeia. Ele tem direito de estar numa colônia penal. Se não tem vaga, vai para um regime melhor, não pior. É meio que óbvio. Uma argumentação: se eu vou para um hotel e pago o quarto de luxo, mas não tem vaga, o hotel vai me mandar para a suíte presidencial, o regime aberto, ou para o standard, o regime fechado?

ConJur — No caso da saúde pública, também se discute se cabe ao Judiciário decidir pelo Executivo.
Guilherme Nucci — Até hoje. “Eu preciso trabalhar, preciso botar meu filho na creche. O Estado prometeu. Tá aqui do lado a creche, do meu lado. Não tem vaga”. Entra na fila. Fila de creche, fila de hospital. Aí o que acontece? Eu me lembro que era juiz da Fazenda Pública na época do problema das creches. Era liminar em cima de liminar para botar criança na creche. O que é que o Executivo reclamou? Que o Judiciário está se metendo nos negócios do governo. Com a saúde foi a mesma coisa. O sujeito chegava lá dizendo: “Estou morrendo, preciso de tratamento”. Eu dava a liminar: “Estado, paga o remédio para esse sujeito”. Aí vinha mais uma discussão: “A jurisdicionalização da saúde pública. Os juízes querem comandar a saúde pública do estado”. Onde o juiz bota a mão firme para o Executivo trabalhar, irrita.

ConJur — É o mesmo problema com saúde, creche e presos...
Guilherme Nucci — O mesmo problema. Agora, se vamos chegar naquele ponto “mas o Estado não pode fazer tudo”, então vamos parar e discutir tudo de novo, porque alguma coisa está errada. Eu prometo tudo e não entrego nada, e ainda tem alguns que dizem que está certo em não dar. Mas é simples: vamos mudar as regras, as leis, a Constituição e dizer que não temos mais direitos. O que eu não me conformo é botar o filho de um na creche e o do outro, não. Isso é horroroso. Na minha área, o que eu posso fazer para as pessoas terem direitos iguais, eu faço.

ConJur — O ministro Joaquim Barbosa recentemente falou na ideia de que o prazo prescricional só deveria contar para a investigação. Segundo ele, depois que o inquérito chega ao Judiciário e vira ação penal, acabaria o prazo e nunca prescreveria. É viável?
Guilherme Nucci — Não. O réu não tem que arcar com o peso da máquina do Judiciário. A prescrição existe porque o Estado é ineficiente. Se o Judiciário leva 20 anos para julgar, o que o réu tem com isso? O problema da máquina é a efetividade, um processo não pode se arrastar por milênios. A prescrição atrapalha? Vamos reformar o Regimento Interno do STF, que está muito desatualizado, vamos reformar algumas leis penais e processuais, para readaptar, porque o Código Penal é de 1941. Mas tenha certeza: mudar lei não muda mentalidade.

ConJur — Tem de ver os efeitos da lei na prática, não é?
Guilherme Nucci — A lei não muda a prática. Não é “muda a lei, muda o mundo”. A lei ajuda, mas especialmente quando ela muda em face da realidade, não quando ela muda em um mundo fictício. Se eu implantar um código suíço no Brasil, o Brasil não vai virar a Suíça. Mas é evidente que se você pega um caso de quase 40 réus e joga para o Supremo julgar, nem um juiz de primeiro grau daria conta de julgar isso rápido, quem dirá um colegiado.

ConJur — No caso do mensalão foram meses de debates, fora os anos de instrução.
Guilherme Nucci — Isso não é por acaso. Todo mundo sabe que demora e todo mundo quer o foro privilegiado. As coisas não vão se resolver tão cedo enquanto o Brasil não “elasticizar” um pouco mais essas prerrogativas. A gente precisa ser mais americanizado nesse ponto. Lá, sim, há democracia plena nesse aspecto. Lá o presidente da República sentou no banco dos réus. O Bill Clinton teve de se sujeitar a uma pronúncia, naquele caso da Monica Lewinski. Teve de se justificar perante o júri sob o risco de ser condenado por perjúrio. Quando isso vai acontecer no Brasil? Isso é democracia, o resto é conversa.

ConJur — Mas há abuso com o uso de recursos deliberadamente protelatórios?
Guilherme Nucci — Vamos diferenciar. Recurso protelatório é uma coisa, ação protelatória é outra. É natural que os advogados, em geral, quando percebam algum flanco de petição, vão por esse caminho. Se eu fosse advogado, faria a mesma coisa. Estou trabalhando pelo meu cliente. O advogado que não faz isso é cobrado depois. Nem gosto de falar que o recurso é protelatório, porque ele está previsto em lei. E se está em lei, não pode ser chamado de protelatório. É direito. Ou reforma a lei e tira o recurso. Mas se eu, de fora, como juiz, enxergo o recurso como uma coisa sem efeito, apenas com a intenção de atrasar a conclusão do caso, eu tiro o recurso, não conheço dele. Simples. Não preciso fazer alarde, dar bronca no advogado. Enquanto existe o recurso previsto em lei, não posso acusar o advogado e falar “olha, está protelando!”

ConJur — A ministra Eliana Calmon, quando ocupou a Corregedoria do CNJ, costumava falar nos bandidos de toga, que a corrupção tomou conta do Judiciário.São estes os problemas do judiciário?
Guilherme Nucci — Criou-se uma frase que a imprensa gostou e captou. Mas eu não tenho muito receio de frases de efeito, não. Elas têm o seu valor. Quando você faz uma afirmação muito dura e ela repercute dá uma balançada no jogo, dá uma mexida na areia do fundo do lago. Não é ruim, de todo. Se você fala, por exemplo, que “juízes sentenciam mal”, todos vão falar: “Mas que absurdo!” Mas vai acordar muita gente. “Por que foi falado isso? Será que existe esse problema? Será que sentencio mal? Será que sou venal?”. Do nada, essas frases não vêm. Mas é mais uma questão de autocrítica, porque elas não têm nenhum efeito prático.

ConJur — O mensalão também trouxe à tona o tema da prescrição da pretensão punitiva. Qual o problema? É a lei processual penal que permite o alongamento indefinido do processo?
Guilherme Nucci — Não creio que a culpa seja da lei. O ponto fundamental aí é máquina emperrada. A gente tinha que ter mais juízes, mais funcionários, não tem outra alternativa.

ConJur — Isso não pulverizaria a jurisprudência?
Guilherme Nucci — Mas aí é o de menos. O importante é andar. E aqui em São Paulo também tem a questão correcional: a máquina está emperrada e o juiz é obrigado a trabalhar contra a máquina, mas também tem o juiz que não trabalha. Então a atividade do CNJ, da Corregedoria-Geral é importante.

ConJur — O que acha da atuação do CNJ?
Guilherme Nucci — Não acompanho diretamente, não sei internamente como as coisas funcionam, mas pelo que leio, o impacto tem sido positivo. Juiz que trabalha não é perturbado pelo CNJ. O mau juiz, de fato, deve responder, deve ser perturbado. Mas é claro que a gente tem de ponderar. Fui assessor da Corregedoria aqui em São Paulo em 2000 e 2001. A gente fiscalizava bem, perguntava por que não estava trabalhando. E o juiz respondia: “Porque estou sem funcionário”. E aí o que se pode fazer? Nada. Precisamos ponderar para que não haja injustiça.

ConJur — A questão é estrutural.
Guilherme Nucci — Temos que aparelhar melhor o judiciário, e aí cobrar o juiz. Dou os funcionários, melhoro a estrutura da vara, mas agora quero as coisas funcionando. Se você não pode dar a estrutura, não pode cobrar. E aí a máquina emperra.

domingo, 14 de abril de 2013

PARA REFLETIR



“Não há liberdade sem liberdade econômica”

“Deixe-me dizer em que acredito: no direito do homem de trabalhar como quiser, de gastar o que ganha, de ser dono de suas propriedades e de ter o Estado para lhe servir e não como seu dono. Essa é a essência de um país livre, e dessas liberdades dependem todas as outras”.

(Margaret Thatcher)