sexta-feira, 8 de agosto de 2014

OBSERVATÓRIO

Não por acaso as principais confrarias místicas do planeta nos ensinam a importância do respeito aos contendores. Já tive a oportunidade de afirmar que “os nossos inimigos, às vezes, são os nossos maiores amigos”. Por quê? Porque nos dizem verdades que outros não têm coragem de nos dizer; porque nos apontam nossas maiores falhas... O Dalai Lama, pregando sobre as benesses da consideração aos contrários, assim se manifestou: “Quem te ensina a tolerância? Teus filhos podem te ensinar a seres paciente, mas só teu inimigo te ensina a tolerância. Ele é como teu professor. Se experimentares respeito pelo teu inimigo em vez de cólera, tua compaixão se desenvolve. Esse tipo de compaixão é a verdadeira compaixão, aquela que se baseia em crenças saudáveis”. Esta, talvez, a regra essencial: reconhecer defeitos nas pessoas que temos proximidade e descobrir virtudes nas pessoas que temos distanciamento.

FELIPE

Há duas semanas, por ocasião de um evento político no município de Ipaporanga, o ex-prefeito de Crateús, doutor Carlos Felipe, me abordou e, após um rápido diálogo, arrematou: - “Outro dia, em uma roda de conversa sobre literatura, disse que você era um dos bons escritores de Crateús. Eu sempre lhe elogio. Espero que você também me elogie em sua coluna”.

FELIPE II

Batalho para que meu coração jamais seja hospedeiro de sentimentos mesquinhos, sobretudo em relação às outras pessoas, sejam chegados ou distanciados. Nunca fui muito próximo do atual candidato a deputado estadual Carlos Felipe. Conheci-o mais amiúde entre 2003 e 2004, quando se candidatou (ou foi feito candidato) pela primeira vez. Era o médico de alto índice de simpatia, afamado pela dedicação aos pacientes e que granjeava a afeição de todos. Desde o início, apesar de parecer o contrário, notei que ele sabia manusear com habilidade as armas de um político esperto e sagaz: dizia-se contra a política tradicional, mas entrava na arena pelos seus portões. Conquistou, àquela época, o apoio dos maiores líderes de plantão: o governador do estado, Lúcio Alcântara, e o prefeito municipal, Paulo Nazareno. Vendo que ambos estavam em situação delicada (os dois perderam as respectivas eleições sucessórias), Felipe mudou de partido, compôs-se com os ex-adversários, costurou uma grande aliança e pavimentou o caminho para conquistar a Prefeitura de Crateús se opondo ao triunvirato que tinha assumido o município antes dele: Zé Almir, Nenzé e Paulo. Revelava-se aí outra de suas características: um aguçado faro de oportunidade.

FELIPE III

Abstraindo uma análise de gestão, porque complexa, o maior legado de Felipe foi, sem dúvida, o de sugestionar o povo, superando lideranças tradicionais com a exploração positiva de sentimentos do “novo” em oposição ao “velho” e a sacudida na autoestima local com o discurso da rejeição aos forasteiros. (Embora, na prática, tenha sido diferente: a equipe do então prefeito Felipe teve muita gente de fora). Hoje, Felipe é candidato a deputado estadual. Imaginava ser o único filho da terra a exibir essa condição. Não o é. O ex-deputado e atual vereador José Humberto registrou candidatura e entrou no páreo. O discurso de votar em filho da terra agora é, também, uma arma dos seus opositores. Walter Cavalcante, correto e maduro Presidente da Câmara de Fortaleza, apesar de não ter domicílio em Crateús, é também filho da terra. Obviamente, essa disputa bairrista pelo resgate do protagonismo crateuense no cenário político estadual é saudável e, sobretudo, louvável. Oxalá a terra que já deu ao Brasil senadores como José Lins, Valmir Campelo, Sérgio Machado e Beni Veras e Deputados Federais e Estaduais de pujante qualidade e notório destaque retome a vanguardista posição de outrora. Ganha seu povo!

GIRO PELA REGIÃO

Via de regra, os municípios da região dos sertões de Crateús amargam sérias dificuldades. Porém, apesar das adversidades, há notícias auspiciosas. Nova Russas, que se angustia com o colapso da falta de água, recebeu inspeção do TCM. Noutro giro, a Presidente da Câmara Municipal, Socorrinha Pedrosa, autorizou estudos para lançar um Concurso Público, algo que há muitos anos aquele Legislativo não faz. Tamboril, que desde Pedro Timbó experimenta o jejum de não ter um deputado filho da terra, exulta com as possibilidades de Jeová Mota. Sobre a Serra Grande, na Poranga, Carlisson Emerson sonha com clima mais ameno nas finanças municipais, pois o grau de evaporação é alto. O Prefeito Aristeu, de Ararendá, faz uma administração pé no chão, sem exibicionismos e cumprindo os compromissos. O simpático e habilidoso Toinho Contábil, de Ipaporanga, esteve semana passada no Tribunal de Justiça e assinou um acordo histórico: vai zerar a dívida de precatórios, algo inédito na história do município. Após muita luta, a maior obra hídrica de Crateús, o Lago de Fronteiras, vai ser iniciada graças a um esforço concentrado em que teve destaque o filho da terra Ivan Monte Claudino. O alcaide Godô, de Novo Oriente, oxigenou a equipe e realiza trabalho de motivação em busca do Selo UNICEF. O Prefeito Valterlin, de Independência, vencendo problemas de saúde e gargalos na gestão, começa a encher o município de obras.

PARA REFLETIR

“O Orçamento deve ser equilibrado, o Tesouro Público deve ser reposto, a dívida pública deve ser reduzida, a arrogância dos funcionários públicos deve ser moderada e controlada, e a ajuda a outros países deve ser eliminada, para que Roma não vá à falência. As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viver às custas do Estado”. (Marco Túlio Cícero, 55 anos antes de Cristo ou há 2069 anos).

(Júnior Bonfim, no Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

domingo, 3 de agosto de 2014

A RUA, O ELEITOR E OS CANDIDATOS

O ano era o de 64 a. C. (antes de Cristo). O candidato, Marco Túlio Cícero, o tribuno mais eloquente do ciclo de César, tinha o apoio das classes altas. Disputava-se o cargo de Cônsul de Roma. O adversário, o general Catilina, era o candidato do proletariado.

O marqueteiro de Cícero, Quinto, seu irmão, considerado o primeiro organizador de estratégias de marketing, enviou-lhe uma carta cheia de recomendações: “volte sua atenção para a cidade, todas as associações, os distritos e os bairros; vá ao encalço de homens de toda e qualquer região, passe a conhecê-los, cultive e fortaleça a amizade, cuidando para que eles cabalem votos para você; três são as coisas que levam as pessoas a se sentir cativadas e dispostas a dar apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea”.

Cícero venceu, repetiu a vitória um ano depois, acusou Catilina de corrupção, roubo, adultério e perversão e puxou sua orelha com a célebre interrogação: “quousque tandem abutere Catilina patientia nostra? (até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?”).

Os conselhos de Quinto, suportando a corrosão de mais de dois milênios, chegam incólumes ao cenário eleitoral brasileiro, sendo receita eficaz aos 24.979 candidatos que disputarão, em outubro, 1709 vagas para a presidência da República, os Executivos dos 26 Estados e do Distrito Federal, as representações no Senado, Câmara Federal e Assembléias legislativas.

O tufão que inundou as ruas, ano passado, com grupos em passeatas e depredações, cujas marolas ainda se fazem presentes, aqui e ali, servem como biruta para mostrar aos candidatos a direção a seguir: ruas, becos, bairros, cidades.

Tal apontamento se ancora no espírito do tempo, este vetor que tende a imprimir aos ciclos eleitorais características peculiares, agendas condizentes com o ânimo social, discursos alinhados ao cotidiano.

A lógica é cristalina: se o povo está nas ruas, os candidatos devem ir ao seu encontro.

Milton Nascimento, na bela música Nos Bailes da Vida, canta: “com a roupa encharcada e a alma repleta de chão, todo artista tem de ir aonde o povo está”. Candidatos são os artistas do palco político. Cada eleição possui sua índole. A deste ano é a campanha de rua.

O barulho social bate nas portas dos poderes. O eco se espraia pelas teias organizadas por setores e categorias profissionais, organizações não-governamentais e, mais importante, sob o empuxo da elevação do nível de conscientização política de participantes de todas as classes, até mesmo das margens.

Sob o clamor geral, aos candidatos se impõe a lição de casa: conhecer os problemas regionais; absorver as prioridades de cada compartimento da pirâmide e dar respostas adequadas e factíveis às reivindicações (demonstrando como realizarão as promessas).

A diferença de outros pleitos se escancara. Hoje, a percepção do eleitor é mais aguda, situação apontada não apenas pelo ajuntamento de conglomerados eleitorais, mas pela baixa avaliação que faz de governos e candidatos.

O que motiva a contundente expressão social?

Entre as hipóteses, alinham-se: o sentimento da nova classe média (C) de que não alcançou o mesmo patamar de sua vizinha de cima, a classe B; a sensação de que os ganhos obtidos se esvaem no ralo da inflação das ruas; a precariedade dos serviços públicos; o receio de voltar ao andar de baixo da pirâmide; a maré enchente de escândalos, desvios e corrupção, que estende o fosso entre o universo político e o eleitor; em suma, a sensação generalizada de que o país gira em torno de si mesmo, tateando sofregamente na trilha esburacada de grandes deficiências.

Não é exagero aduzir que a comunidade nacional grita em uníssono: basta de mesmice!

A indignação é solfejada por um conjunto formado por tipos variados de eleitores, entre os quais se incluem amorfos, emotivos, pragmáticos, locais, religiosos, esclarecidos/racionais.

Grupamentos de baixo nível de conscientização, que tendem a estender braços ao populismo, habitam principalmente o território que agrega 54% (72 milhões) dos 142 milhões de eleitores que não chegaram a concluir o 1º grau. Constata-se, porém, que mesmo na terra desse eleitorado, ouve-se acentuado teor crítico, a denotar menor dispersão e olhar atento.

O fato é que os currais das turbas ignaras vão se fechando. Veja-se a pressão de grupos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. O voto segmentado, direcionado, será mais volumoso que o de ontem, a refletir a organicidade social do país.

Um bloco em ascensão é o do voto religioso; até comporta candidato próprio, na demonstração de que os credos evangélicos e o mercado da fé, endinheirados, passam a ser parceiros poderosos da política.

O bolo eleitoral incha com o fermento das redes sociais, formando exércitos de ataque e de defesa em torno dos atores políticos. A virulência verbal recrudesce. Até grupos tradicionalmente alheios à política, como os jovens, se envolvem na malha eletrônica, que passa a exercer papel importante no debate nacional.

Resta, por último, retratar a galeria de candidatos. O perfil predominante acaba de sair do forno do TSE: homem, branco, casado, sem ter concluído o ensino superior. Se considerarmos que a população brasileira é constituída, segundo o PNAD, por 47% de pessoas brancas, 43% de pardas e 8% de negras, a proporção de candidatos brancos supera o conjunto.

As mulheres entram na arena eleitoral com apenas 29,7% do total de candidatos (7.410), apesar de constituírem maioria da população (51,5%).

O painel de profissões mostra fatia maior de candidatos que se dizem empresários (9,3%), advogados (5,5%), comerciantes e políticos (deputados, vereadores).

O circo eleitoral abre suas cortinas para os olimpianos da cultura de massa – artistas e ex-jogadores de futebol -, que tentarão atrair as massas com sua fama. Sem o sucesso de outrora.

Ao fundo, o eleitor insatisfeito parece gritar: “até quando, candidatos, abusareis de nossa paciência?”

(Gaudêncio Torquato)