sexta-feira, 5 de outubro de 2012

CRATEÚS TEM JEITO?!

A crise existencial da política local, a alta taxa de frustração que consome grande parte dos munícipes, a latência de inquietude que arrebata nossa juventude, a sincera aspiração das pessoas maduras e de bons costumes por alterações verdadeiras no leme do Executivo Municipal colocam na ordem do dia – apesar da razoável distância da próxima refrega eleitoral – a necessidade de refletirmos sobre a mecânica sucessória para a Prefeitura.

Imagino que estamos vivendo uma ambiência propícia à quebra de alguns paradigmas que se cristalizaram no agir político da nossa comuna. A política do amor e ódio, o império das pesquisas ou mito da popularidade e o desprezo ao planejamento compromissado estão entre os temas cardeais que precisam ser enfrentados.

Chamo política do amor e ódio essa prática crônica e irracional de, nos correligionários, só enxergar virtudes; nos adversários, apenas defeitos. Um dia, coligados, juras de amor; outro dia, rompidos, larvas de ódio. Esse itinerário irascível leva a outra vereda perigosa: a da agressão pessoal, pavimentada pela injúria, calúnia e difamação. Essa prática destrutiva é tão antiga que já ganhou aura folclórica. Outro dia o Lourival Pessoa Marques, o Lourinho, relembrava que, há algumas décadas atrás, quando João Afonso assumiu a Chefia do Executivo, os seus opositores mataram um rato, amarraram uma corda no pescoço do roedor e o prenderam na porta principal da Prefeitura. Ao lado, fixaram uma tabuleta com os seguintes dizeres: “Chamaram o João Afonso de rato/ João Afonso não se importou/ chamaram o rato de João Afonso/ o rato se enforcou!” Embora já enraizada, tal prática precisa ser combatida, pois já está provado que não contribui para a melhoria da qualidade de vida da população. Na eleição passada, o que motivou a união das oposições foi o ódio ao Prefeito de plantão e não o amor à cidade. Vários partidos se uniram e foram à luta em torno de um sentimento, não de construção, mas de destruição. O motor de motivação era o impulso de vingar e não o ímpeto de bem administrar.

O segundo modelo que precisa ser questionado é o do modo de escolha de candidatos. Todos se rendem ao império das pesquisas ou mito da popularidade. É uma espécie de ditadura das enquetes. Resume-se no seguinte: quem está bem nas pesquisas – que se supõe ser o mais popular - é que deve ser ungido candidato. Resultado: temos bons candidatos e maus gestores. Deveríamos priorizar o preparo para governar. Até porque essa opção por quem está no topo das pesquisas já caiu por terra em várias eleições. São numerosos os registros de candidatos que começam a batalha com baixos índices e terminam vencendo. Isto ocorre porque a política não é guiada pela chamada lógica aritmética, mas por uma espécie de mágica matemática. Aí reside o seu fascínio.

Portanto, ao invés de embarcarmos na canoa de quem está na frente, devemos optar por quem tem um plano de viagem. E aí surge a terceira e igualmente importante questão!

Nos últimos embates eleitorais, experimentamos um renitente desprezo ao planejamento compromissado. O ato de planejar é essencial e indispensável na vida de qualquer pessoa ou coletivo de pessoas. Quem planeja leva vantagem em tudo, pois sabe para onde está indo; quem não planeja, fica a reboque dos outros ou ao sabor do vento da ocasião. Aqui em Crateús, desconheço um cidadão ou segmento da sociedade que tenha recebido de qualquer postulante à Prefeitura um Programa de Governo consistente ou, pelo menos, um conjunto de propostas para discussão e apresentação de sugestões. O máximo a que chegamos se resume a pequenos debates de questões pontuais. Mas não basta ter planos. Diz o dito popular que o inferno está cheio de gente com boas intenções. É preciso acabar a distância entre intenção e gesto. Por isso, o planejamento governamental tem que estar associado a um compromisso concreto, conseqüente e, sobretudo, com cláusula de punibilidade em caso de descumprimento. É isso que chamamos planejamento compromissado.

Noutras palavras: o candidato tem que apresentar uma lista pública de compromissos, registrada em cartório. Se eleito, vier a descumpri-la, que seja punido severamente, inclusive com a perda do mandato. Isso geraria uma relação mais séria e menos hipócrita entre representante e representado.

Como animais políticos e, a rigor, seres racionais, está na hora de nos relacionarmos em bases minimamente respeitosas.

Na escolha dos gestores, levemos em conta um conjunto mais abrangente de critérios. Não basta ser um advogado conceituado e/ou famoso, um grande profissional da medicina ou um empresário bem sucedido para que, necessariamente, possamos considerar que será um excelente Prefeito. Há que ter outros atributos, como noção do gerenciamento da coisa pública, visão ampla e estratégica, horizonte de longo prazo, arrojo empreendedor, conhecimento da legislação básica que rege a Administração Pública e, em especial, sensibilidade social para direcionar os serviços públicos na direção dos excluídos.

É hora, enfim, de mirarmos a cidade sob lentes futuristas e progressistas. Pensá-la com amor, fonte geradora do cuidado. Pois, “quem ama, cuida!”.

Abramos as pálpebras embaçadas, sacudamos a poeira das decepções, revigoremos o espírito, desbravemos novos caminhos, recuperemos a utopia, lancemos um outro olhar sobre o fazer político e marchemos na rota de uma cidade que cultue a justiça e a fraternidade. Crateús merece!

(Júnior Bonfim, em "Amores e Clamores da Cidade)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

CONJUNTURA NACIONAL

Pode descer

Juscelino Kubitschek era um personagem de romance. Suas histórias aéreas matavam de medo os companheiros da campanha e, depois, do governo. Para ele, avião é para voar e acabou-se. Uma noite, na campanha, ia descer no interior do RS. As luzes da cidade apagaram-se, o campo não tinha pista iluminada, o piloto quis voltar para Porto Alegre. Juscelino ordenou:

- Pode descer. Deus é juscelinista.

Desceram. Era. Outra vez, voavam sobre a Amazônia. Pegaram uma tempestade terrível. Raios, trovões. O avião pinoteando no ar, como pipa, os líderes do PSD e PTB apavorados, de olhos fechados, duros, rezavam, suavam. Juscelino sorriu:

- Vou dormir um pouco.

Ninguém acreditou. Um mais incrédulo levantou-se, foi lá atrás, puxou a cortina da pequena cabine presidencial privativa. Juscelino dormia e roncava. Outra tarde, voltava de Salvador, anoiteceu em Caravelas, mas precisava voltar ao Rio. O piloto avisou:

- Governador, o combustível está acabando. Pode ser que não dê para chegar ao Rio.

Vieira de Melo, Getúlio Moura, José Maria Alkmin, João Goulart, apavorados, queriam descer em Caravelas. JK insistiu:

- Vamos. Lá a gente vê se deu.

Deu.

Reta final

Ainda é cedo para se fechar o painel de leituras. Mas os nomes que despontam na liderança de algumas capitais abrem a primeira hipótese: o eleitor está saturado das velhas caras. Não se trata de apenas escolher perfis mais jovens, mas pessoas que estão abrindo o leque da política. Vejamos alguns nomes: Carlos Amastha, de origem colombiana, do PP, lidera a corrida em Palmas, TO; Geraldo Julio, PSB, que ganhará o pleito em Recife, puxado pelo governador Eduardo Campos; Nelson Pelegrino, PT, que passou à frente de ACM Neto, em Salvador; Elmano de Freitas, PT, lidera em Fortaleza; Luciano Cartaxo, PT, lidera em João Pessoa; Mauro Mendes, PSB, está na frente em Cuiabá; Alcides Bernal, PP, em Campo Grande, passou Edson Giroto, do PMDB; em Manaus, a senadora Vanessa Grazziotin, do PC do B, empata com o ex-senador tucano, Arthur Virgílio. O que essas caras têm em comum? Assepsia política. Não tomaram banho nas águas da velha política.

O eleitor na última hora

Como o eleitor toma decisão de última hora? Ou seja, como escolherá o candidato se está em dúvida na última semana? Ele conversa com amigos, troca ideias, põe o sistema racional para funcionar, deixando o espaço motivo de observador. Vê os últimos programas de TV, analisa as informações gerais dando conta de fenômenos que incidem sobre partidos e atores. Joga a massa informativo-analítica na cachola, sacoleja as ideias e acaba optando por um perfil. Nesse instante, também é movido pelo instinto de selecionar o candidato com mais chances de ganhar. Ou seja, acaba praticando um voto útil. Mas, que fique bem claro: esse processo só se desenvolve no eleitor que ainda está indeciso.

Russomanno segura?

A expressão contundente é mais intensa nos programas eleitorais nesta final de campanha. Em SP, berço da maior campanha eleitoral do país, os candidatos José Serra, Fernando Haddad e Gabriel Chalita elegeram Celso Russomanno como alvo preferencial. Que é comparado ao ex-prefeito Celso Pitta, já falecido, e eleito sob as graças e o antigo prestígio de Paulo Maluf. O foco da mensagem procura argumentar sobre o despreparo do candidato do PRB e, ainda, o fato de ser candidato de uma Igreja Evangélica, a Universal do Reino de Deus, comandada pelo bispo Edir Macedo. A questão é: o discurso da desconstrução de Russomanno mudará o voto do paulistano? Ele conseguirá segurar a taxa de 30% de intenção de voto? Os 5% que perdeu nos últimos dias são efeito do ataque massacrante sobre ele?

É possível

Sem dúvida, os ataques que procuram desconstruir a fortaleza em que se refugiou o candidato do PRB estão conseguindo abalar seus alicerces. Os votos do petismo na Zona Leste, que concentra a maior densidade eleitoral de SP, começam a voltar ao leito. Haviam se desgarrado. É o que algumas pesquisas constatam. A conferir.

Proximidade

Já se procurou analisar o fenômeno Russomanno sob diversas teses, cada qual tendo sua razoabilidade. Argumenta-se, por exemplo, sobre o conservadorismo do eleitorado paulistano. Que se inclina a votar em um perfil mais conservador, no caso, o candidato do PRB. Mostra-se que, ao longo dos últimos 20 anos, ele teceu a couraça do defensor dos pobres, a partir do eixo de defesa do consumidor. Ou seja, agora está puxando os consumidores para a arena dos eleitores. Diz-se, ainda, que o eleitorado está saturado da polarização entre PT e PSDB. E Russomanno se apresentaria como opção para fugir a esta velha arenga. Todas essas hipóteses são passíveis de demonstração. Tentando resumi-las em um só conceito: proximidade. Celso Russomanno cresceu por ter conseguido se apresentar como o candidato mais próximo das margens sociais. Proximidade abre outros conceitos: conhecimento, popularidade, intimidade, amizade. Escopo que confere aos conjuntos eleitorais autonomia de decisão. Um voto sem chancela das celebridades políticas.

Segundo turno

Quem irá ao segundo turno no pleito paulistano? Russomano estaria com passagem comprada. Mas... E José Serra e Fernando Haddad? Quem tende a subir? Este analista ainda não consegue enxergar a dupla que correrá a segunda volta. O fato é que o segundo turno apresenta uma arena diferente do campo de lutas. Os tempos de TV serão iguais: 10 minutos. O eleitor terá melhores condições de fazer comparação entre os dois perfis. Portanto, os critérios de escolha levarão em conta a razão e não apenas a emoção.

2014

Tenho feito muitas palestras. Lula volta ao cenário político? Respondo: ele ainda não saiu. É o patrocinador de muitos candidatos. O Guru do PT. Volta a ser candidato à presidência da República? Não acredito. Ele se dá bem no papel de orientador-mor do PT. Dilma será candidata à reeleição. Lula será um grande eleitor. Se a saúde assim o permitir.

Ganhos

"Com talento ganhamos partidas; com trabalho em equipe e inteligência ganhamos campeonatos". (Michael Jordan)

Daniel, o riponga

Vejam como o eleitorado brasileiro gosta de mudar os ambientes e a causar surpresas. Pois não é que o tucano Daniel Coelho, um riponga que se veste à moda hippie, tomou o segundo lugar em Recife, desbancando o senador petista Humberto Costa? Quem diria, hein? A se confirmar sua posição, o PT sofrerá uma das mais contundentes derrotas, ou seja, em Recife. O candidato do PSB de Eduardo Campos, Geraldo Julio, navega firme em primeiro lugar. Curiosidade: o tucano riponga entrou maneiro no gosto dos jovens. É a novidade que gera impacto na programação eleitoral.

Teori

O ministro Teori Zavascki não se submeterá a bateria de críticas gerais - a partir da onda midiática - caso entre em tempo no STF e decida julgar os réus da Ação Penal 470. Tem um perfil de juiz recatado, sem gosto pelo espalhafato. Para julgar, deve se considerar apto. É evidente que ele, sob o aspecto formal, reúne todas as condições para entrar no jogo. Na visão deste analista, estará contemplando a cena. Sem expor seu juízo.

E a Copa, hein?

A Copa do Mundo terá influência sobre as eleições de 2014? Sem dúvida. Se o Brasil sagrar-se campeão em junho, as eleições de outubro consagrarão a candidata governista. O ambiente festivo e a catarse nacional emoldurarão o perfil da presidente Dilma. Se o Brasil for derrotado, parte da indignação poderá (não necessariamente) recair sobre o governismo. Principalmente se a economia estiver na UTI.

Uma Justiça que trabalha

Sob esse título, este escriba dedicou sua análise dominical no Estadão (12/8/2012) à Justiça do Trabalho. Alguns dados causaram impacto: em 2011 chegaram às prateleiras da Justiça do Trabalho 3.069.489 processos, dos quais 3.016.219 foram julgados. Os números mostraram que, a cada 100 mil habitantes, 88 ingressaram com ação ou recurso no TST, 296 nos TRTs e 1.097 nas varas do Trabalho, uma expansão de quase 2% em relação ao ano anterior. A seguir, fiz uma análise dos fatores responsáveis pela expansão dos conflitos trabalhistas.

Produtividade

A Justiça do Trabalho, dizia, apresenta desempenho dos mais produtivos do Poder Judiciário, bastando anotar os resultados de suas instâncias: o TST, em 2011, decidiu 206,9 mil processos dos 211,7 mil recebidos, enquanto os TRTs receberam quase 757 mil, julgando mais de 722 mil ações. A carga de trabalho dos ministros impressiona: 15.857 processos para cada um, considerando, ainda, que o TST reduziu em cem dias o tempo médio de tramitação de processos. Já a primeira instância recebeu 2.135.215 processos e decidiu 2.052.487 casos. E quase R$ 15 bilhões foram repassados para pagamento a trabalhadores que ganharam ações. Esse eixo do Judiciário é um dos mais integrados à modernização. A tramitação eletrônica dos processos judiciais, que simplifica a burocracia e torna a Justiça mais ágil, já é realidade. Os advogados festejam o fato de hoje ser cada vez mais possível enxergar o fim de uma ação trabalhista, ao contrário do que se constata nas áreas civil e tributária. Outra nota de destaque é a transparência: o TST foi o primeiro dos tribunais superiores a divulgar salários de ministros, juízes e servidores.

O recordista

Hoje, o registro vai para o nome do ministro Emmanoel Pereira. Em 2009, o ministro solucionou 14.529 processos, finalizando aquele ano com o saldo de 2.707 processos conclusos. E mais: ao longo dos 70 anos de Justiça do Trabalho, no Brasil, foi o que mais solucionou processos. Dados dos relatórios do TST. Registro que orgulha a Nação Potiguar, o RN, terrinha do ministro, sob o reconhecimento de outras Nações brasileiras.

Bela história

Lembrando: em 1932 criaram-se as Comissões Mistas de Conciliação e as Juntas de Conciliação e Julgamento. A Justiça do Trabalho apareceu em 1939, tendo sido regulamentada em 1940 e instalada no ano seguinte. Dois anos depois veio a CLT, reunindo e ampliando a dispersa legislação feita em duas décadas. Os dissídios individuais e coletivos passaram a formar o escopo da Justiça do Trabalho. As mudanças, ao longo dos anos, contemplaram as transformações socioeconômicas e nichos, como as questões portuária e previdenciária e as ações de indenização por dano material e moral decorrentes de acidente de trabalho e de doença profissional. Bela história.

Ética sob dúvida

A Comissão de Ética Pública entra na lupa dos observadores que formam opinião. Qual será sua próxima decisão? Pelo visto, o veto da presidente Dilma à renovação do mandato de dois conselheiros colocou um ponto de interrogação na trajetória da Comissão. Que se encontra na encruzilhada.

A calma

"A calma é a loucura dos sábios". (Napoleão Bonaparte)

Guerra na indústria do álcool

Produtores e envasadores de álcool estão atônitos com recente decisão da Justiça de reconhecer o direito da Anvisa em proibir a venda do álcool líquido ao consumidor. A alegação é de que os acidentes com o produto estariam aumentando. O estudo que comprovaria a tese, no entanto, tem sido alvo de críticas, já que nem na audiência pública da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Federal a Anvisa o apresentou. Produtores acreditam em lobby da indústria multinacional para retirada das empresas nacionais do mercado de limpeza.

Dizendo não

Mesmo na noite mais fria
Em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste,
há sempre alguém que diz não. (Manoel Alegre)

Conselho ao eleitor

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos assessores dos candidatos. Hoje, sua atenção se volta ao eleitor:

1. Examine a vida dos candidatos a prefeito. Escolha o de sua preferência, ancorado em: passado limpo, vida decente; melhores propostas em sua visão; perfil mais próximo a você; credibilidade.

2. Veja se as propostas são factíveis. Se não são apenas promessas mirabolantes.

3. Entre os candidatos a vereador, examine os compromissos daqueles que você considera os mais aptos e sérios. Escolha o perfil que atenda com mais precisão as demandas das comunidades.

____________

(Gaudêncio Torquato)

terça-feira, 2 de outubro de 2012

POLÍTICA & ECONOMIA NA REAL

Eleições e oposicionismo

A vida não está muito fácil para os "situacionistas" nesta sucessão municipal. De qualquer legenda, sem exceções. As eleições parecem marcadas por uma explosão de insatisfações mais ou menos generalizadas com os partidos no poder nas prefeituras. Os dados disponíveis nas capitais, por exemplo, indicam, claramente, que os candidatos que trazem alguma tinta de oposicionismo mais visível estão em vantagem na maioria das cidades. Um caso típico é o de Celso Russomano em SP. Outra indicação : o índice de reeleições, que vinha crescendo ano a ano e na última eleição chegou a passar dos 50%, deverá ser bem menor este ano. É fato que boa parte da decisão dos eleitores é tomada somente na reta final, quando algumas posições dos candidatos podem se inverter. Principalmente pela "força" inerente a quem detém o poder. Pode haver também interferências de fatos externos inesperados, como no caso da eleição de Luiza Erundina em SP, tida como impossível dez dias antes da abertura das urnas, e que virou depois da repercussão da morte de operários em confronto policial em Volta Redonda. É fato ainda que a influência de uma eleição municipal nas eleições para governador e presidente da República é limitada. Mas é bom que os candidatos de 2014 e seus partidos prestem um pouco mais de atenção nesse desapontamento que o eleitor está manifestando agora.

A influência do mensalão

Pesquisa do Datafolha indica que 81% dos eleitores não levam o mensalão em consideração na hora de votar. Isto indicaria a pouca influência do julgamento do STF na eleição municipal. O teste final desta constatação estatística será quando os principais acusados forem julgados a partir desta semana, especialmente no caso de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares. Este trio reflete a essência da relação do poder central pós-eleitoral da era Lula com a classe política de então. Se a indiferença popular continuar grande em relação ao tema, o mais provável é que o eleitor vá à urna pensando apenas nos interesses de suas cidades. A variável mais interessante deste julgamento é que para Lula, padrinho de vários candidatos de grandes cidades brasileiras, o julgamento é muito sensível para os seus sentimentos de ex-presidente. Na medida em que ele "politiza" o discurso em relação aos veredictos dos juízes da Corte Suprema o eleitor pode começar a prestar atenção no mensalão na hora do voto. Paradoxalmente, o "fogo amigo" é o maior risco para os candidatos oficiais.

Silêncio dos inocentes

O atual silêncio dos advogados dos principais acusados da Ação Penal 470 tem razão de ser. Um observador das coisas da Suprema Corte e interlocutor frequente de dois ministros do STF confidenciou a esta coluna que os ministros reagiram mal ao barulho inicial dos advogados em relação aos temas do julgamento. Especialmente, com a hipótese levantada publicamente de se recorrer à Corte Interamericana de Justiça, caso os direitos de seus clientes não fossem preservados. Para este interlocutor um ministro disse que seria "estranho que se alegasse 'cerceamento de defesa' quando há réus defendidos por importantes advogados, sendo dois deles ex-ministros da Justiça". Aparentemente, o atual silêncio dos advogados deve permanecer após as sentenças finais. A maior reação deve ficar a cargo dos réus condenados. Com a participação de seus companheiros da política.

2012...2014

Não foi por "boniteza" ou para atender aos insistentes apelos dos aliados, especialmente do ex-presidente Lula e do PT, quase em desespero em alguns lugares como SP, que a presidente Dilma acabou se envolvendo na campanha eleitoral no primeiro turno com muito mais afinco do que deu sinais de que o faria. A ponto de subir no palanque em SP e terçar armas com a oposição em terreno não propriamente institucional. Foi por "precisão" mesmo. Dilma, que daquela principiante em micropolítica do início do governo não tem mais nada, percebeu que seus potenciais adversários em 2014 estavam à vontade para firmar suas posições. Aécio Neves, Eduardo Campos e até Marina Silva estão aproveitando a campanha para ampliar sua visibilidade, a ter contatos com eleitores em pontos chaves. Aécio e Marina peregrinam pelo Brasil de Norte a Sul, e Campos, mesmo com suas obrigações de governador, não perde oportunidade de fazer campanhas para aliados. Dilma precisava então confrontá-los, especialmente Aécio e Marina, que tem aproveitado a campanha para fazer duras críticas a seu governo. O eleitor está pensando somente nas prefeituras. Os figurões só pensam naquela coisa: em Brasília.

O verdadeiro peso

Veja-se o PMDB. Ele tem seus candidatos às prefeituras nas capitais e em grandes cidades, mas não demonstra a mesma ansiedade que seu rivais como o PT, o PSDB e o PSB para fazer muitos prefeitos nesta área. O negócio do PMDB é o micro, onde ele ainda é imbatível - deve sair das urnas de domingo ainda como o partido com maior número de prefeitos e de vereadores do país. É isto que interessa aos peemedebistas, para manter o seu poder no âmbito Federal. As eleições municipais são determinantes para as eleições para as casas legislativas - a Câmara, o Senado e as Assembleias Legislativas. Em grande parte, com raras exceções de figuras de porte nacional, quem faz o deputado é o prefeito e a máquina municipal - a formiguinha. E nisso o PMDB parece que vai continuar imbatível.

Mitos da "nova" classe média

Boa parte do mundo político passou a apostar na chamada "nova" classe média, os mais de 40 milhões de brasileiros que nos últimos dez anos, apontados pelas estatísticas do IBGE, saltaram das classes D e E para a classe C. É inegável que mudou o padrão de consumo dessas pessoas e, em consequência, sua qualidade de vida. Mas é inegável também que ainda não se chegou ao paraíso. A começar pelo fato de que uma renda per capita entre R$ 291 e R$ 1.019 por mês, renda esta que o mundo oficial define essa nova classe, não é nenhuma maravilha. É mínimo para a sobrevivência. Depois porque a evolução ainda está no meio do caminho, os padrões de vida mudaram muito pouco, além dos limites da sobrevivência e da aquisição de alguns bens. Levantamento feito pelo portal G1, ligado ao grupo Globo, indica, por exemplo, que pelo menos metade das famílias que moram em favelas e ocupações no Brasil é da nova classe média. Outro estudo aponta ainda que, embora tenha caído 5,5% entre 2009 e 2011, o número de miseráveis no Brasil ainda é de oito milhões de pessoas. Ou seja, há carências e aspirações elevadas ainda. O que pode explicar o clima de "oposicionismo" dessas eleições e a decepção de muitos candidatos e seus padrinhos com os votos da "nova" classe. Destampou-se o caldeirão, criaram-se mais expectativas sem condições de atender a tudo.

Preparando o terreno

Nem mesmo com aquilo que alguns críticos chamam de "contabilidade criativa" o setor público brasileiro como um todo deverá cumprir este ano a meta cheia de superávit primário de quase R$ 140 bi, correspondente a cerca de 3,1% do PIB. Até agosto os governos economizaram apenas R$ 74,2 bi. Como já era esperado por parte do analistas, está sendo preparado o terreno para anunciar a mudança da meta, com o abatimento de 0,5% desse valor em função de investimentos do PAC, conforme admitido na lei de Diretrizes Orçamentárias. O primeiro passo para essa revisão foi dado pelo BC, sempre tido como o mais exigente nesse item, num anexo ao último Boletim Trimestral de Inflação. Apresenta estudos mostrando que não é necessário um superávit primário da magnitude do atual para manter a diminuição da dívida pública como porcentagem do PIB. Esta também é a posição de um bom número de economistas, que concorda que um "primário" mais alto não é mais necessário, ainda mais depois da mudança do nível de juros. O problema seria de confiança, de controle das expectativas : não se faz essa coisa bem às claras, é sempre meio envergonhadamente, como se não fossem feitas com convicção, apenas na base da tentativa e erro. O mesmo se dá nos debates sobre alterações no tripé de política econômica (câmbio livre, metas de inflação e rigidez fiscal).

Super Dilma

Acumulam-se as queixas, obviamente no jargão do jornalismo de antanho, "à boca pequena" - ou mais modernamente, em "off" - de setores empresariais com o que chamam de "ativismo governamental", de excesso de "intervencionismo" presidencial. Na última lista de "reclamações" estão novamente os ataques aos juros e agora também às tarifas bancárias, o foco nos cartões de crédito e as mudanças planejadas para o setor elétrico. Mesmo quem aplaude e está sendo diretamente beneficiado, fica apreensivo. Vão ter muitas razões para isto. O governo não vai parar por aí. Tudo que tem relação com o público, está sob o escrutínio do governo. Dilma aprendeu com Lula que é preciso ter certo pragmatismo quando se está no governo, mas em todas as suas ações ele põe também, um viés ideológico, de suas convicções mais profundas. Goste-se ou não, é com isto que os agentes econômicos terão de conviver. Simplesmente foi-se do tempo da "metamorfose ambulante".

Super Mantega

O ministro Guido Mantega está prevendo que a economia brasileira pode estar crescendo lá para o fim de 2013 ao ritmo de 4,5% a 5% ao ano. O BC é mais modesto, prevê 3,3% entre julho deste ano e junho do ano que vem. Relembrando outras previsões de Mantega, como a do início de 2012 de que o PIB arrancaria 4,5% de elevação, e diante do realismo do BC, que jogou suas expectativas para apenas 1,6% neste ano da graça, o jornalista Sandro Vaia comentou em nota no twitter : "Está na margem de erro". (Assim como nas pesquisas eleitorais, que costumam admitir desvios em suas previsões de até 3% para cima ou para baixo.)

A promessa de Ben Bernanke

"Mesmo que a economia dos EUA comece a crescer a taxas maiores, os juros permanecerão baixos até meados de 2015". Com esta frase, o presidente do Fed está tentando evitar especulações em relação à taxa de juros básica dos EUA. A boa notícia por detrás desta frase solta é que há uma consistente reunião de dados macroeconômicos que mostram que a maior economia mundial está se recuperando mesmo. Os sinais são de todos os lados, o que mostra que a demanda agregada como um todo está se movendo para cima. Isso é um cenário promissor, mas ainda muito incipiente para que existam especulações a respeito das taxas de juros e inflação - afinal de contas o problema nos EUA é a deflação. Do lado negativo, há a inundação de dólares norte-americanos que deprimem as moedas a eles alinhadas. É o caso de real. Enquanto a Europa se debate sobre a consistência das políticas de expansão monetária, os EUA mostram que há resultados visíveis e positivos em relação a esta.

Obama cada vez mais firme. Nas eleições.

O debate entre os candidatos republicano (Mitt Romney) e democrata (Barack Obama) programado para a próxima quarta-feira deve mostrar que ambos não devem abandonar a retórica meramente de palavras. Ideias diversas sabe-se que existem. Visões sobre a economia também. Política internacional, a mesma coisa. Todavia, nestes temas, tanto Obama como Romney não tem passado da linha de oportunismo e obviedades. Neste campo, Barack Obama parece jogar bem melhor, pois o republicano tem uma afeição especial pela bobagem. Já falou de um ataque ao Irã, sem que soubesse avaliar as suas consequências; já acusou a parcela mais pobre da população de viver de "esmola do governo"; já acusou a política de tributação nos EUA de ser dura demais, mas o dinheirão do republicano fica estacionado nas Bahamas. Com tanta bobagem, até mesmo os conservadores norte-americanos estão abandonando o barco de Romney (barco não, iate). Alguns conservadores até preferem o neoconservador Obama.

(por Francisco Petros e José Marcio Mendonça)

SETE MOTIVOS PARA AMAR UMA CIDADE


O que é uma cidade? Não existe definição ideal. A cidade sou eu, é você. Se é o lugar onde se dorme, acorda, trabalha, caminha e trafega, onde se ama, briga e morre, a cidade é bem mais que um amontoado de concreto e verde – é uma experiência de bem-estar ou mal-estar. Alguns se tornam reféns de sua cidade, sequestrados por circunstâncias profissionais, financeiras e familiares. Alguns vivem onde desejam. É aí que os defeitos da cidade incomodam como traições de mulher amada. Só nós podemos criticar – forasteiros não.

Cito dois pensadores visionários de cidades. Um é o inglês Ebenezer Howard (1850-1928), autor de Cidades-jardins de amanhã, em 1898. No século XIX, ele já se preocupava com ar fresco, água, superpopulação e migração do campo. Criou modelos de cidades utópicas, com vantagens urbanas e suburbanas, que significavam “uma nova esperança, uma nova vida, uma nova civilização”. Howard perguntava: “Para onde as pessoas irão?”. Uma questão mais atual que nunca.

Outro pensador é o americano Lewis Mumford (1895-1990), que publicou em 1961 A cidade na história. Seus maiores medos eram o império do automóvel e a megalópole. Para Mumford, a cidade gigante ameaçava a saúde, a dignidade, os valores comunitários, ambientais e espirituais da população. “Antigamente”, dizia ele, “a cidade era o mundo, hoje o mundo é uma cidade”.

Para esta edição especial de ÉPOCA, dedicada às cidades, busquei um professor apaixonado pelo centro urbano em seu sentido ancestral – servir o homem. O arquiteto e urbanista premiado Luiz Carlos Toledo listou “7 motivos para amar uma cidade”:

1. Amo as cidades que sabem se reinventar, como o Rio de Janeiro, que deixou de ser a sede tropical da corte portuguesa, capital do império e da república e, graças a Deus, capital cultural do Brasil, título careta e equivocado num país cuja diversidade cultural não respeita território e dispensa uma capital. O Rio soube transformar uma decadente Lapa em polo de atração capaz de arrancar os jovens da Barra da Tijuca de seus condomínios para se divertir com outros jovens, do resto da cidade, nas rodas de samba e chorinho. Soube resgatar o carnaval de rua, fazendo do Centro e de cada bairro passarelas tão ou mais atraentes que o Sambódromo globalizado.

2. Amo as cidades que têm esquinas e, principalmente, quando ocupadas por padarias e botequins, para a gente ouvir pela manhã o balconista gritar: “Salta uma média no copo e um pão na chapa”. À noite, na volta para casa, uma rápida parada no boteco predileto, jogando conversa fora com um cara que você nunca viu antes, ouvimos deliciados e com sotaque lusitano: “Salta uma gelada que o freguês tem pressa”.

3. Amo as cidades amigáveis, que tratam bem habitantes e visitantes e onde, num único quarteirão, a gente possa encontrar quase tudo. Amigável com crianças, velhos e namorados, que dispõem de uma pracinha perto de casa. Com os visitantes, pela gentileza da população e por uma sinalização urbana feita para evitar que qualquer um se perca. A cidade amigável nos salva do ataque de flanelinhas, motoristas de vans e taxistas inescrupulosos, garçons e vendedores mal-humorados, que adoram errar no troco, falsos guias turísticos e toda a sorte de gente capaz de fazer um turista jurar que nunca mais bota os pés ali.

4. Amo as cidades com entretenimento para todas as idades, independentemente de quanto temos no bolso. Se der sorte de a cidade ter praia, metade do problema está resolvido. Parques, museus, centros culturais, bibliotecas e shows devem oferecer entrada franca. Amo as cidades com locais para confraternizar a céu aberto.

5. Amo as cidades que preservam da ganância dos especuladores as suas montanhas, matas, praias, lagoas, florestas, seus parques e manguezais. Onde o ar se respira, e a poluição não nos sufoca nem nos adoece.

6. Amo as cidades que respeitam sua história e sua arquitetura e, por isso, se tornam donas de uma força misteriosa que faz com que moradores, até os mais cosmopolitas, relutem em se afastar, apegados aos bairros onde vivem, às paisagens conhecidas, aos prédios e monumentos e também às praças, ruas, travessas e becos, repletos de significados.

7. E amo, sobretudo, as cidades inclusivas, onde todos possam exercer sua cidadania. Uma cidade onde crianças não oferecem balas e fazem malabarismos a cada sinal de trânsito, porque estão brincando em casa ou estudando nas escolas. Uma cidade sem moradores de rua e, se os tiver, que garanta a eles compreensão, abrigo e oportunidade. Onde nenhum trabalhador perca horas preciosas para chegar ao emprego. Onde os donos das ruas não sejam os carros particulares, mas o transporte público de qualidade. Onde a divisão entre morro e asfalto só exista na lembrança dos mais velhos ou nos livros de história, para não esquecer como é triste e perigoso viver numa cidade dividida. Onde os governantes saibam ouvir e governem para todos, discretamente. E que tenham horror às obras suntuosas.

(Ruth Aquino, na Revista ÉPOCA)